Processo nº 1018878-02.2025.8.11.0000
ID: 298706693
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara Criminal
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 1018878-02.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
16/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Gabinete 2 - Terceira Câmara Criminal Gabinete 2 - Terceira Câmara Criminal HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) 1018878-02.2025.8.11.0000 IMPETRANT…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Gabinete 2 - Terceira Câmara Criminal Gabinete 2 - Terceira Câmara Criminal HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) 1018878-02.2025.8.11.0000 IMPETRANTE: DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO PACIENTE: JHONANTAN JUNIOR COSTA DE SOUZA IMPETRADO: JUÍZO DA 3ª VARA DA COMARCA DE JACIARA Vistos. Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado pela Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso em favor de Jhonantan Junior Costa de Souza, nos autos nº 1001603-10.2025.8.11.0010, em trâmite perante a 3ª Vara Criminal da Comarca de Jaciara/MT, sob a alegação de constrangimento ilegal decorrente da conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, realizada em 03 de junho de 2025, por decisão do juízo singular (ID 196304703, autos nº 1001603-10.2025.8.11.0010). O paciente foi preso em flagrante, na mesma data, 03 de junho de 2025, no contexto da operação denominada “Pedágio Zero”, pela suposta prática do crime previsto no art. 2º, § 1º, da Lei nº 12.850/2013, consistente em embaraçar investigação de organização criminosa, conforme registrado no Auto de Prisão em Flagrante nº 139.3.2025.10484 (ID 196276375), constante dos autos nº 1001603-10.2025.8.11.0010. Conforme consta dos autos, a prisão do paciente decorreu do cumprimento de mandado de busca e apreensão expedido nos autos nº 1001361-51.2025.8.11.0010 (ID. 19456390), direcionado ao endereço por ele habitado. Durante a execução da diligência, por volta das 5h30min do dia 03 de junho de 2025, os policiais responsáveis pela operação constataram resistência ao cumprimento da ordem judicial de entrada no imóvel. Após o ingresso forçado na residência, foi localizado um aparelho celular destruído sobre o sofá da sala, sendo o respectivo carregador encontrado no quarto onde o paciente dormia. A avó do investigado, que se encontrava no local, declarou que havia emprestado o carregador ao neto na noite anterior, o que, segundo os agentes, reforça a hipótese de que o aparelho tenha sido intencionalmente danificado instantes antes da entrada policial, com a finalidade de obstruir o acesso a eventuais provas relevantes para a investigação. Diante dos elementos colhidos no momento da diligência, a conduta foi interpretada como tentativa deliberada de obstrução da investigação criminal em curso, relacionada à suposta vinculação do paciente a organização criminosa. No mesmo dia, 03 de junho de 2025, o juízo converteu a prisão em flagrante em prisão preventiva (ID 196304703, nos autos), com fundamento no art. 312 do Código de Processo Penal, diante da presença de indícios de autoria e da prova da materialidade delitiva, evidenciados pelo auto de prisão em flagrante e pelo boletim de ocorrência acostados aos autos. Conforme apurado, a prisão decorreu do cumprimento de mandado de busca e apreensão expedido no bojo do processo nº 1001361-51.2025.8.11.0010. Durante a diligência, constatou-se que o custodiado destruiu seu aparelho celular, conduta interpretada como tentativa de embaraçar a investigação em curso. Ainda segundo os elementos reunidos nos autos, essa mesma prática foi adotada por outros investigados vinculados ao mesmo grupo criminoso, que, no momento da operação policial, também danificaram seus respectivos aparelhos. Tal padrão de conduta foi compreendido como ação coordenada e previamente ajustada, própria de organização criminosa, indicando risco concreto de reiteração delitiva, bem como ameaça à instrução criminal e à aplicação da lei penal. Com base nessas circunstâncias, o juízo entendeu estarem presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva, especialmente para a garantia da ordem pública. Ressaltou-se que o conceito de ordem pública, para fins de prisão cautelar, abrange não apenas a prevenção de novos delitos, mas também a preservação da tranquilidade social, diante da repercussão negativa gerada por crimes dessa natureza. A decisão consignou, ainda, que as medidas cautelares diversas da prisão mostram-se inadequadas no caso concreto, por não apresentarem eficácia suficiente para impedir a reiteração criminosa, tampouco para assegurar a regularidade da instrução e a efetividade da aplicação da lei penal. Em razão disso, foi impetrado o presente habeas corpus (ID 00460810v007), no qual a Defensoria Pública sustenta que a prisão preventiva foi decretada com base em meras suposições e argumentos genéricos, sem a devida comprovação de que o paciente integre organização criminosa. Alega que não foram apreendidos entorpecentes, armas ou quaisquer outros elementos característicos do crime organizado na residência de Jhonantan, tampouco se evidenciou o dolo específico necessário à configuração do delito de obstrução à investigação. Afirma, ainda, que o paciente é primário, não possui antecedentes criminais e que sua segregação cautelar teria sido imposta exclusivamente em razão do comportamento de outros investigados, sem qualquer vinculação direta e individualizada. Por fim, argumenta que a decisão judicial não apresentou fundamentação concreta quanto à imprescindibilidade da prisão preventiva, tampouco demonstrou a inadequação das medidas cautelares diversas, conforme exigido pelo art. 312, combinado com o art. 319 e § 6º do art. 282, todos do Código de Processo Penal. Ressalta que a gravidade abstrata do delito e suposições genéricas acerca da ordem pública não constituem, por si sós, fundamento idôneo para a decretação da medida extrema. Diante dos fundamentos expostos, requer a Defensoria Pública a concessão da ordem de habeas corpus, com pedido liminar, a fim de que seja expedido alvará de soltura em favor do paciente Jhonantan Junior Costa de Souza, autorizando-o a responder ao processo em liberdade. Subsidiariamente, pleiteia a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, nos termos do art. 319 do Código de Processo Penal, tais como monitoração eletrônica, recolhimento domiciliar no período noturno, comparecimento periódico em juízo e proibição de ausentar-se da comarca. É o relatório. Decido. O Habeas Corpus tem assento constitucional, nos moldes do artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, “in verbis”: conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. A hipótese infraconstitucional de cabimento está no artigo 647 do Código de Processo Penal, “ipsis litteris”: Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar. Acrescenta o artigo 647-A do Código de Processo Penal que: No âmbito de sua competência jurisdicional, qualquer autoridade judicial poderá expedir de ofício ordem de habeas corpus, individual ou coletivo, quando, no curso de qualquer processo judicial, verificar que, por violação ao ordenamento jurídico, alguém sofre ou se acha ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção. (Incluído pela Lei nº 14.836, de 2024) Parágrafo único. A ordem de habeas corpus poderá ser concedida de ofício pelo juiz ou pelo tribunal em processo de competência originária ou recursal, ainda que não conhecidos a ação ou o recurso em que veiculado o pedido de cessação de coação ilegal. (Incluído pela Lei nº 14.836, de 2024). Grifos originais. O conceito legal de coação ilegal esta disciplinado nos incisos do artigo 648 do Código Penal, sendo: I - quando não houver justa causa; II - quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei; III - quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo; IV - quando houver cessado o motivo que autorizou a coação; V - quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza; VI - quando o processo for manifestamente nulo; VII - quando extinta a punibilidade. Nesse contexto, constata-se que o habeas corpus constitui meio processual adequado à tutela do direito invocado, uma vez que se discute a legalidade de medida que impõe restrição à liberdade de locomoção do paciente. Com relação à prisão em flagrante, nos termos do art. 302 do Código de Processo Penal, considera-se em flagrante delito aquele que: está cometendo a infração penal (inciso I); acaba de cometê-la (inciso II); é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser o autor da infração (inciso III); ou é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração (inciso IV). Trata-se de hipóteses legais que autorizam a prisão sem necessidade de mandado judicial, conforme previsto nos arts. 301 e seguintes do referido diploma legal. Segundo Guilherme de Souza Nucci, é possível adotar uma classificação técnico-didática do flagrante em três modalidades. O chamado flagrante próprio, correspondente aos incisos I e II do art. 302 do Código de Processo Penal, ocorre quando o agente é surpreendido no exato momento em que pratica a infração penal ou imediatamente após sua consumação. Trata-se de uma modalidade que exige percepção direta do fato criminoso ou de seus efeitos imediatos, representando a figura clássica do criminoso surpreendido pela autoridade policial ou por qualquer pessoa do povo. O flagrante impróprio, também denominado quase-flagrante, previsto no inciso III, configura-se quando o agente é perseguido logo após a prática da infração, em situação que permita presumir sua autoria, ainda que não tenha sido diretamente visto cometendo o delito. A perseguição deve ser ininterrupta e imediatamente subsequente ao crime, sendo válida desde que baseada em elementos objetivos e idôneos. Por fim, o flagrante presumido, descrito no inciso IV, verifica-se quando o agente é encontrado, logo depois, com objetos, instrumentos, armas ou documentos que o vinculem à prática delituosa. Essa hipótese baseia-se em presunção racional e fundada nas circunstâncias fáticas, não em construções meramente fictícias, como ressalta o autor (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020) Fernando Capez, em sua análise, reafirma os entendimentos doutrinários predominantes e ressalta que o requisito temporal previsto nos incisos III e IV do art. 302 do Código de Processo Penal — “logo após” ou “logo depois” — deve ser rigidamente observado, a fim de evitar que a prisão em flagrante se transforme em instrumento de abuso de autoridade. O autor enfatiza a necessidade de uma interpretação restritiva do referido dispositivo legal, de modo a coibir práticas que violem a liberdade individual fora das hipóteses expressamente autorizadas pela norma processual penal (CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 31. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2024). Analisa-se, com a devida atenção, o conteúdo dos autos nº 1001361-51.2025.8.11.0010, referentes à representação formulada pelo Delegado de Polícia da Comarca de Jaciara, que fundamentou o pedido de busca e apreensão no endereço residencial do paciente, nos seguintes termos: (...) “Extrai-se dos presentes autos de inquérito policial, à luz do Relatório de Investigação nº , que, desde o início do corrente ano, um grupo criminoso vem, de maneira reiterada e metódica, constrangendo comerciantes locais ao pagamento de prestações pecuniárias ilícitas, denominadas pelos próprios agentes como taxa de tranquilidade, sob o falso pretexto de oferecer segurança aos respectivos estabelecimentos e de resguardá-los contra eventuais furtos ou outros delitos de natureza patrimonial. Constatou-se, ademais, que um dos comerciantes que, em determinado momento, não anuiu ao pagamento da referida exação ilegal sofreu represálias em duas ocasiões distintas, ambas ocorridas no presente ano. A espécie delitiva em comento qual seja, a extorsão apresenta notória complexidade investigativa, mormente em virtude do temor reverencial imposto às vítimas, as quais receiam tanto por sua integridade física quanto por eventuais danos aos seus bens, temor este que, de resto, já se materializou em episódios concretos. Apesar dos obstáculos enfrentados, foi possível, por meio de diligências investigativas consistentes que incluíram entrevistas com informantes e ações de monitoramento discreto dos estabelecimentos comerciais, foi possível identificar maior parte dos envolvidos, alcançando-se tanto os autores intelectuais (mandantes) quanto os executores materiais e demais partícipes. Reforça a consistência do conjunto reunido, o depoimento de testemunha com identidade protegida (testemunha sem rosto), cuja colaboração foi decisiva para a compreensão da dinâmica delitiva e para a individualização das condutas atribuída a cada um dos agentes”. Páginas 1 e 2 do documento ID 193675109 (grifos originais). (...) “Com base nos elementos apurados, mostra-se necessária a expedição de mandado de busca e apreensão, com o objetivo de localizar e apreender elementos probatórios vinculados à prática criminosa de extorsão mediante grave ameaça, perpetrada por um grupo criminoso local, conforme exaustivamente demonstrado, cujos atos vêm causando temor generalizado na comunidade e obstaculizando a formalização de denúncias”. Página 3 do documento ID 193675109. Analisando detidamente os autos, verifica-se que a prisão em flagrante encontra-se devidamente analisada sob o crivo do contraditório judicial, realizado em 03 de junho de 2025, conforme decisão registrada sob o ID 196304703, nos autos nº 1001603-10.2025.8.11.0010. A medida encontra-se amparada pelo Auto de Prisão em Flagrante nº 139.3.2025.10484 (ID 196276375), constante dos mesmos autos, bem como pela decisão judicial que autorizou a busca e apreensão domiciliar (ID 194563901, dos autos nº 1001361-51.2025.8.11.0010) e pelo Boletim de Ocorrência Policial nº 2025.174527 (ID 196275738, dos autos nº 1001603-10.2025.8.11.0010), cuja narrativa será transcrita a seguir: “EM CUMPRIMENTO AO MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO N. 1001361-51.2025.8.11.0010 DECORRENTE DA OPERAÇÃO " PEDAGIO ZERO " QUE AS 05:30 H ADENTRAMOS AO ALVO DESCRITO NO MANDADO, SENDO NA RUA 13,N. 183, JD AEROPORTO 2, JACIARA MT,TENDO COMO SUSPEITO JHONANTAN JUNIOR COSTA DE SOUZA , VULGO TIO PATINHAS; NO LOCAL SOLICITAMOS A ABERTURA DA PORTA E OS MORADORES RETARDARAM EM ABRI-LÁ ; AO ADENTRAR PERCEBEMOS QUE O APARELHO CELULAR DE JHONANTAN ESTAVA QUEBRADO EM CIMA DO SOFÁ E SEU CARREGADOR LIGADO NA TOMADO NO QUARTO ONDE DORMIA; TENDO SIDO A AVÓ DO SUSPEITO QUEM ABRIU A PORTA ; AO ENTRARMOS O SUSPEITO SE DIRIGIA AO QUARTO E QUANDO ESCUTOU O COMANDO DO INVESTIGADOR RETORNOU, E AO SER QUESTIONADO SOBRE O APARELHO QUEBRADO EM CIMA DO SOFÁ, DISSE QUE O CELULAR JÁ ESTARIA QUEBRADO ; FIZEMOS A BUSCA EM TODA RESIDÊNCIA E APENAS O APARELHO CELULAR E O CARREGADOR FORAM LOCALIZADOS ; CABE MENCIONAR QUE AO RETIRARMOS O CARREGADOR DA TOMADA DO QUARTO DO SUSPEITO A AVÓ DISSE QUE O CARREGADOR É DELA E QUE ESTAVA EMPRESTADO AO NETO PARA CARREGAR O CELULAR A NOITE ; DIANTE DOS FATOS ENCAMINHAMOS O CONDUZIDO, SEM LESÕES CORPORAIS, PARA A DELEGACIA DE POLÍCIA DE JACIARA MT , E O APRESENTAMOS A AUTORIDADE POLICIAL PARA OS DEVIDOS PROCEDIMENTOS JUNTAMENTE COM OS OBJETOS APREENDIDOS EM ENVELOPE LACRADO SOB O N.04249796”. No que tange à conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, cumpre destacar que esta representa uma das formas mais gravosas de restrição à liberdade no curso da persecução penal. Trata-se de medida cautelar de natureza pessoal e caráter excepcional, cuja finalidade é resguardar a regularidade e a efetividade do processo penal, dentro dos estritos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico vigente. A disciplina normativa da prisão preventiva encontra-se prevista nos artigos 311 a 316 do Código de Processo Penal, devendo sua aplicação observar os princípios constitucionais da presunção de inocência, da proporcionalidade e da excepcionalidade da prisão cautelar. Nos termos do art. 311 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva pode ser decretada pelo juiz, de ofício nos casos expressamente autorizados em lei, ou mediante requerimento do Ministério Público, do querelante ou por representação da autoridade policial. A conversão da prisão em flagrante em preventiva, por sua vez, constitui hipótese típica de decretação judicial com base nos elementos constantes dos autos. Conforme dispõe o art. 312 do mesmo diploma legal, a decretação da prisão preventiva exige a presença de prova da materialidade do delito e indícios suficientes de autoria, cumulados com, ao menos, um dos seguintes fundamentos: a garantia da ordem pública, a garantia da ordem econômica, a conveniência da instrução criminal ou a necessidade de assegurar a aplicação da lei penal. No tocante ao contexto da criminalidade organizada, a Lei nº 12.850/2013 estabelece o marco legal para o enfrentamento às organizações criminosas no ordenamento jurídico brasileiro. De acordo com o art. 1º, § 1º, considera-se organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cuja pena máxima seja superior a quatro anos, ou que tenham caráter transnacional. Segundo o doutrinador Pedro Lenza, essa conceituação representou uma evolução normativa relevante, inserindo-se no contexto da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional – Convenção de Palermo, internalizada no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 5.015/2004. Para o autor, trata-se de uma figura penal que supera a “associação criminosa” prevista no art. 288 do Código Penal, incorporando elementos adicionais de complexidade, como a estrutura organizada, a divisão funcional de tarefas e a finalidade econômica permanente, o que a aproxima de modelos empresariais de atuação delitiva (LENZA, Pedro. Legislação penal especial esquematizado. 8. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022). Compulsando detidamente os autos, verifica-se que, nesta fase de cognição sumária, estão aparentemente presentes os requisitos de materialidade e autoria da infração penal imputada ao paciente, com base na Lei nº 12.850/2013, os quais serão devidamente examinados no curso da persecução penal, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, a ser desenvolvida em ação penal própria e distinta destes autos. No que concerne à conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, esta revela-se juridicamente lícita e devidamente fundamentada, nos termos dos arts. 310, inciso II, e 312 do Código de Processo Penal, diante da conjugação dos pressupostos fáticos e jurídicos devidamente evidenciados nos autos. Primeiramente, observa-se que a medida extrema foi decretada com base na prova da materialidade delitiva e em indícios suficientes de autoria, demonstrados no auto de prisão em flagrante, no boletim de ocorrência e nos demais elementos colhidos durante a diligência de busca e apreensão. No caso concreto, o custodiado foi flagrado destruindo seu aparelho celular no momento da chegada da equipe policial, conduta interpretada como tentativa deliberada de obstrução da investigação em curso. Tal comportamento não se revelou isolado, mas sim reproduzido por outros investigados vinculados ao mesmo grupo, os quais, durante a mesma operação, também danificaram seus aparelhos, indicando um padrão de ação pré-ordenada e coordenada. Essa circunstância foi considerada indício da existência de organização criminosa, nos moldes do art. 1º, § 1º, da Lei nº 12.850/2013. O risco concreto de reiteração delitiva e a possibilidade de prejuízo à instrução criminal e à efetiva aplicação da lei penal foram devidamente reconhecidos pelo juízo, que apontou a inadequação das medidas cautelares diversas da prisão, nos termos do art. 282, § 6º, do Código de Processo Penal. Ressaltou-se, ainda, que a decretação da prisão preventiva visa não apenas evitar novos delitos, mas também resguardar a ordem pública, entendida como a preservação da confiança coletiva na efetividade da resposta penal diante de condutas que, além de graves, possuem potencial desestabilizador da tranquilidade social. Destaca-se o Relatório de Antecedentes Criminais para Instrução Processual do paciente, constante dos autos nº 1001361-51.2025.8.11.0010 (ID 194688305), o qual também se encontra juntado nos autos nº 1001603-10.2025.8.11.0010, sob o ID 196279072, no qual consta a seguinte informação: “Existem processos e/ou procedimentos em segredo de justiça e/ou Atos Infracionais não relacionados neste relatório, para maiores informações procurar as unidades relacionadas abaixo: Terceira Vara Criminal da comarca de Jaciara”. Acrescente-se, por oportuno, o entendimento firmado no Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, segundo o qual: “O risco de reiteração delitiva, fator concreto que justifica a manutenção da custódia cautelar para a garantia da ordem pública, pode ser deduzido da existência de inquéritos policiais e de ações penais por infrações dolosas em curso, sem qualquer afronta ao princípio da presunção de inocência” (DJE n.º 9998, disponibilizado em 11/04/2017 e publicado em 12/04/2017). Comungando desse mesmo entendimento, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso já se manifestou em diversos julgados, dentre os quais se destaca o seguinte: HABEAS CORPUS – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (“OPERAÇÃO GRAVATAS”) – ALEGADA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA – IMPERTINÊNCIA – PROVA DA EXISTÊNCIA DO CRIME E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA EVIDENCIADOS – NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL – CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA – NÃO OCORRÊNCIA – DECISÃO CONSTRITIVA DEVIDAMENTE MOTIVADA – GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO – NECESSIDADE DE INTERROMPER OU DIMINUIR A ATUAÇÃO DE INTEGRANTES DO GRUPO CRIMINOSO – INSUFICIÊNCIA DE CAUTELARES DIVERSAS – ADUZIDA AUSÊNCIA DE CONTEMPORANEIDADE DA PRISÃO – IMPROCEDÊNCIA – INEXISTÊNCIA DE DECURSO DE LAPSO TEMPORAL EXCESSIVO ENTRE OS FATOS APURADOS E A PRISÃO DO PACIENTE – CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE – ORDEM DENEGADA EM CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL. 1. Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa constitui fundamento idôneo para o decreto de prisão preventiva para o resguardo da ordem pública (AgRg no RHC n. 176.449/PR). 2. Na espécie, não há falar em constrangimento ilegal à liberdade de locomoção se constatada fundamentação concreta na decisão constritiva, embasada na gravidade concreta do delito e na periculosidade do paciente, apontado como integrante de facção criminosa de alta periculosidade, denominada “Comando Vermelho”, o qual, na condição de policial militar, teria repassado de forma ilegal vinte e um boletins de ocorrência em tempo real aos líderes da organização criminosa, no aparente intuito de manter o grupo criminoso informado das operações policiais, prisões, materiais apreendidos etc., em prejuízo à atuação policial. 3. A substituição da prisão preventiva do paciente por medidas cautelares revela-se inadequada em razão da gravidade concreta do crime e das circunstâncias do fato noticiadas, além de insuficientes para evitar a continuidade da prática de infrações penais, em observância aos critérios estabelecidos no art. 282, I e II, do Código de Processo Penal. 4. Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a contemporaneidade da prisão não está restrita à época da prática do delito, e sim da verificação da necessidade no momento de sua decretação, ainda que o fato criminoso tenha ocorrido em período passado (AgRg no HC n. 707562/SP, Quinta Turma, DJe 11/03/2022). 5. No caso, a conduta delitiva, em tese, perpetrada pelo paciente remonta ao período compreendido entre 2022 a 2023 e a sua prisão preventiva foi decretada em janeiro de 2024, como resultado de investigação policial envolvendo pluralidade de agentes e complexidade de fatos, além de graves, o que evidencia não ter havido lapso temporal excessivo entre os fatos apurados e a sua prisão. 6. Ordem denegada. (N.U 1006581-94.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, HELIO NISHIYAMA, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 19/04/2024, Publicado no DJE 19/04/2024). Destaca-se a observância do requisito da contemporaneidade, uma vez que a necessidade da custódia foi analisada com base na situação atual, vinculada à garantia da ordem pública, à conveniência da instrução criminal ou à aplicação da lei penal, conforme evidenciado no mandado de prisão referente à conversão da prisão em flagrante em preventiva (autos nº 1001603-10.2025.8.11.0010.01.0001-09). Cumpre ressaltar que o requisito da contemporaneidade não se relaciona a um lapso temporal fixo, mas sim à demonstração de que o risco decorrente da liberdade da paciente ainda persiste, justificando, assim, a manutenção da medida cautelar. Dessa forma, a fim de compatibilizar, de um lado, a tutela da liberdade individual do paciente — cuja restrição configura medida de ultima ratio, ou seja, instrumento de intervenção penal de caráter subsidiário e excepcional, somente admissível quando estritamente necessário à salvaguarda de bens jurídicos relevantes — e, de outro, a preservação da ordem pública e a garantia da regularidade da instrução processual, revela-se inadequada a adoção de medidas cautelares diversas da prisão, nos termos do art. 319 do Código de Processo Penal, pelos motivos expostos. Por fim, considerando o atual estágio de cognição sumária, a manutenção da prisão preventiva revela-se medida que se impõe, por estar em conformidade com o ordenamento jurídico, conforme demonstrado. Por todo o exposto, INDEFIRO o pedido liminar formulado nos presentes autos de Habeas Corpus n.º 1018878-02.2025.8.11.0000, mantendo, por conseguinte, a prisão preventiva anteriormente decretada em desfavor da paciente, com fundamento nas razões já expostas. Requisitem-se as informações à autoridade tida por coatora, nos termos apontados pelo art. 484, do capítulo VI, da Seção XXIV, do Código de Normas Gerais da Corregedoria Geral da Justiça, aprovada pelo Provimento n. 39/2020-CGJ. Após a juntada dos informes, encaminhe-se à Procuradoria-Geral de Justiça. Intimem-se Cumpra-se com a urgência que o caso requer, por se tratar de acusado atualmente preso. Juanita Cruz da Silva Clait Duarte Desembargadora
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