Processo nº 5013960-26.2023.8.13.0702
ID: 335327271
Tribunal: TJMG
Órgão: 1ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Uberlândia
Classe: INTERDIçãO
Nº Processo: 5013960-26.2023.8.13.0702
Data de Disponibilização:
28/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GASPARINA ESTEVAO DA SILVA
OAB/MG XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Uberlândia / 1ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Uberlândia Avenida Rondon Pacheco, 6130, - lado par, Tibe…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Uberlândia / 1ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Uberlândia Avenida Rondon Pacheco, 6130, - lado par, Tibery, Uberlândia - MG - CEP: 38405-142* PROCESSO Nº: 5013960-26.2023.8.13.0702 CLASSE: [CÍVEL] INTERDIÇÃO/CURATELA (58) ASSUNTO: [Nomeação] AUTOR: LILIANE RIBEIRO SILVA CPF: 629.856.636-87 RÉU: HUMBERTO SILVA JUNIOR CPF: 457.804.806-30 Vistos, etc… Tratam os presentes autos de ação de curatela, na qual a parte autora alega que o requerido, que é seu irmão, não possui o necessário discernimento para a prática de atos da vida civil, sendo, portanto, incapaz de reger sua pessoa e seus bens. A requerente destacou na petição inicial que o requerido apresenta sequela neurológica decorrente de choque anafilático ocorrido há 31 (trinta e um) anos e em virtude disto necessita de auxílio de terceiros nos cuidados básicos da vida cotidiana, sendo um paciente dependente de cadeira de rodas. Requereu a procedência do pedido inicial com a decretação da curatela e sua nomeação como curadora, inclusive em sede de tutela de urgência. Com a inicial vieram os documentos de ID 9754492609/9754509100. Pelo parecer ministerial de ID 9870000638, a RMP opinou pelo indeferimento do pedido de curatela provisória, ante a ausência dos elementos legais, com o prosseguimento do feito nos termos do art. 751 do CPC. Pela decisão de ID 9906294841, foi indeferido o pedido de decretação de curatela provisória, designada audiência de entrevista e determinada a citação do requerido. A audiência de entrevista foi realizada (ID 10130462167) e, posteriormente, foi colhida a prova pericial, sendo o laudo médico acostado sob ID 10268043320. Como o requerido não apresentou impugnação ao pedido inicial, foi nomeado Curador Especial (Defensoria Pública) para apresentar impugnação nos termos do § 2º do art. 752 do CPC (ID 10236954930). O Curador Especial apresentou impugnação (ID 10283816537), reconhecendo a legitimidade da autora e a incapacidade do requerido, mas suscitando preliminares de nulidade do processo, além da inconstitucionalidade de dispositivos legais, necessidade de aplicação da regra de interpretação "pro-personae" , além da necessidade de realização de nova perícia, além de estudo biopssicossocial ou social do caso. Pugnou, ao final, pela procedência parcial do pedido inicial, reconhecendo a incapacidade relativa do requerido, impondo-se a curatela tão somente para a gestão de bens e atos negociais. A autora manifestou sobre a impugnação na petição de ID 10293990092, na qual insurgiu-se contra as alegações do Curador Especial, impugnando-as de forma genérica, enfatizando que estão sendo observadas as regras legais do trâmite processual, destacando que a curadora ajuizou a presente ação em prol de assegurar os direiteos e deveres do curatelado. Em seu parecer final, a RMP opinou pela rejeição das alegações de nulidade e inconstitucionalidade apresentadas pelo Curador Especial e, no mérito, destacando a entrada em vigor da Lei 13.146/15, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência e alterou substancialmente as normas sobre a capacidade civil e sobre a abrangência das pessoas sujeitas à curatela, opinou pela procedência do pedido inicial com nomeação da requerente como curadora, sugerindo que seja para “todos os atos da vida civil, especialmente aqueles constantes no artigo 6º do Estatuto das Pessoas com Deficiência” (ID 10300405978). É o relatório. Decido. Inicialmente, antes de adentrar ao mérito, necessário dirimir sobre as nulidades e inconstitucionalidades alegadas pelo Curador Especial. Das Alegações de Nulidade Processual O Curador Especial arguiu nulidades relacionadas ao laudo pericial, especificamente que a perícia foi realizada antes da impugnação, por profissional supostamente não capacitado e por médico de confiança da família, além da ausência de avaliação biopsicossocial. Tais alegações não merecem prosperar. Em primeiro lugar, a condução do processo, com a realização da perícia em momento anterior à apresentação da impugnação pela Defensoria Pública, não acarretou prejuízo à defesa do requerido. Isso porque, o sistema processual pátrio, fundado no princípio da instrumentalidade das formas (Art. 277 do CPC) e na premissa de que “não há nulidade sem prejuízo” (“pas de nullité sans grief”), permite a flexibilização formal quando o ato atinge sua finalidade. Ademais, verifica-se que no caso destes autos houve a possibilidade de apresentação de quesitos pelo Curador Especial conforme se extrai de ID 10239071748, pois ele foi intimado da nomeação do perito e da data da realização da perícia, antes da realização da perícia, de forma que poderia, caso pretendesse, apresentar quesitos, ainda que antes da apresentação da impugnação. No caso destes autos, entretanto, a entrevista do curatelado (ID 10130462167 – gravada em sistema audiovisual), aliada ao laudo pericial (ID 10268043320), forneceu elementos robustos para a convicção deste Juízo sobre o estado de saúde e capacidade do requerido, tornando desnecessária a repetição dos atos processuais já efetivados, de forma que não há necessidade de repetição dos mesmos, na forma como se verá na fundamentação do mérito desta sentença. Quanto à capacidade do médico perito, Dr. Sérgio Augusto Gorzato Maldi, CRM-MG 31.094, este foi formalmente nomeado por este Juízo (decisão sob ID 10231308752), inclusive através do sistema Auxiliares da Justiça (Banco de Peritos) do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, conforme se verifica de ID 10231308752/10231323842, de forma que é totalmente descabida a alegação de que foi nomeado médico de confiança da família. Ademais, como médico psiquiatra, Psiquiatra Forense, e especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas, foi considerado apto a proceder ao exame e responder aos quesitos formulados, alcançando a perícia o fim almejado de atestar os limites da capacidade do requerido. Se o perito sentisse que não possuía conhecimento suficiente para realizar o exame pericial, poderia ter declinado da nomeação. Por fim, a alegação de que não foi realizada avaliação biopsicossocial ou estudo social do caso também não se sustenta como causa de nulidade no presente processo. E isto porque conforme dispõe o § 1º do art. 2º do Estatuto da Pessoa com Deficiência, referido estudo biopsicossocial será realizado apenas quando for necessário. Analisando os autos, depreende-se que foi realizada perícia médica atestando a incapacidade para a realização de atos da vida civil pelo requerido em razão da patologia atestada em resposta aos quesitos do Juízo. Desta forma, as provas produzidas foram suficientes para atestar a deficiência mental permanente, não sendo necessária a avaliação biopsicossocial, ficando, portanto, afastada também esta preliminar de nulidade absoluta do processo, suscitada pela parte apelada. São neste sentido as decisões de nossos tribunais, valendo trazer à colação o recente julgado do TJMG sobre o tema, em recurso oriundo de processo deste Juízo: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INTERDIÇÃO - PESSOA COM DEFICIÊNCIA – DOENÇA DE ALZHEIMER – PRELIMINAR – NULIDADE - ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - ENFERMIDADE MENTAL - COMPROMETIMENTO ABSOLUTO – CURATELA ESTENDIDA – PODERES DE REPRESENTAÇÃO. - O estudo biopsicossocial é realizado apenas se for necessário; se as provas produzidas foram suficientes para atestar as condições da deficiência, não há qualquer nulidade do processo. - As normas incertas nos dispositivos com arguição de inconstitucionalidade buscam, exatamente, a observância aos direitos constitucionais relativos à dignidade, igualdade, não discriminação, não desamparando aqueles incapazes de exprimir sua vontade. - No julgamento do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade nº 1.0000.17.034419-6/002, o Órgão Especial do TJMG já enfrentou argumentação de inconstitucionalidade com relação aos dispositivos da Lei nº 13.146/2015. ...” (TJMG - AP. CIV. nº 1.0000.24.413130-6/001 – 4ª Cam. Civ. Especializada; Rela. Desa. Alice Birchal; julg. Em 20.03.25 – in www.tjmg.jus.br). Da Alegação de Inconstitucionalidades e aplicação da regra "pro personae" O Curador Especial pleiteou, ainda, a declaração incidental de inconstitucionalidade dos artigos 84 a 87 e 114 da Lei 13.146/2015 (LBI), bem como de diversos artigos do Código Civil e do Código de Processo Civil, sob a alegação de que perpetuam um sistema de substituição da vontade, em violação aos artigos 3º e 12 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) e ao princípio “pro-personae”. Esta tese também não deve ser acolhida. A Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), ao contrário de violar os preceitos da CDPD, representou um avanço significativo no ordenamento jurídico brasileiro, buscando adequá-lo à Convenção. As alterações promovidas pela LBI, especialmente nos artigos do Código Civil e do CPC, têm como objetivo principal assegurar o direito da pessoa com deficiência ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas, limitando a curatela a uma medida protetiva extraordinária e proporcional, que afeta tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial. Ao estabelecer que a curatela não alcança direitos fundamentais como o próprio corpo, sexualidade, matrimônio, privacidade, educação, saúde, trabalho e voto (Art. 85, § 1º da LBI), a legislação brasileira afasta a ideia de “morte civil” e de substituição integral da vontade do curatelado. A curatela, nos moldes da LBI, restringe-se a auxiliar o indivíduo na gestão de seu patrimônio e na realização de atos negociais, sem anular sua capacidade civil plena em outros aspectos da vida. A distinção entre capacidade de direito e capacidade de fato é mantida, mas a incapacidade de fato é mitigada a ponto de se alinhar à autonomia e dignidade preconizadas pela CDPD. Desta forma, a LBI, ao tratar a pessoa com deficiência como relativamente capaz, independentemente do grau de sua deficiência, e ao restringir os efeitos da curatela, atua em conformidade com o princípio "pro-personae". O sistema legal brasileiro, por meio da LBI, oferece um modelo de proteção que busca preservar ao máximo a autonomia e a dignidade do indivíduo, fornecendo o apoio necessário sem implicar uma substituição generalizada da vontade. Portanto, não há que se falar em inconstitucionalidade, mas sim em aplicação de uma legislação que efetiva os direitos humanos das pessoas com deficiência no contexto brasileiro. Neste sentido já decidiu o Egrégio TJMG, conforme julgado acima citado, no tópico referente a alegação de não ser necessária a avaliação biopsicossocial, deixando de transcrever referido julgado novamente nesta parte desta sentença para não torná-la repetitiva. Dirimidas referidas questões (nulidades e inconstitucionalidades) alegadas pelo Curador Especial, passo ao mérito do pedido inicial. Inicialmente insta salientar que o CPC atual, que é de março de 2015 e entrou em vigor no mês de março de 2016, trouxe muitas alterações com relação à ação de interdição prevista no CPC/73. Ao tratar de referido procedimento o código mostrou interesse muito grande com o curatelado, prevendo que o curatelado volte a ter autonomia, teria que ter sua vontade respeitada, com um procedimento minucioso e inclusive revogou alguns artigos do Código Civil relativos à interdição (1768 a 1773). Todavia, em julho de 2015, portanto posterior ao CPC/2015 (apenas entrou em vigor antes de referido código) foi publicada a Lei 13.146/15 – Lei de inclusão da Pessoa com Deficiência, denominada ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, que trouxe modificações na ação de interdição e repristinou alguns artigos do Código Civil que haviam sido revogados pelo CPC, modificando, portanto, algumas regras advindas com este novo código. Referida lei entrou em vigor em janeiro de 2016. Neste sentido é a lição de Humberto Theodoro Júnior sobre o tema: “Outra questão relevante de se mencionar, ainda quanto ao NCPC, refere-se à simultaneidade de sua tramitação com a do projeto que deu origem à Lei 13.146, de 06.07.2015. Trata-se da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência). Essa lei alterou significativamente as incapacidades do direito civil, o instituto da curatela, além de criar um outro regime de proteção às pessoas com vulnerabilidade: a tomada de decisão apoiada. Essa circunstância teve reflexos sobre diversos dispositivos do NCPC. Por outro lado, o fato de os dois projetos tramitarem ao mesmo tempo não evitou que as duas normas contenham disposições aparentemente conflitantes. É o caso dos arts. 1.768, 1.769 e 1.771 do Código Civil, os quais foram revogados pelo NCPC e tiveram sua redação modificada pela Lei 13.146/2015. …Essa disposição tem impactos diretos no NCPC, na medida em que limita a interdição aos atos patrimoniais do interdito, alterando a sistemática do art. 757, da legislação processual. …Previa o NCPC a legitimidade do representante da entidade em que se encontra abrigado o interditando para requerer a interdição (NCPC, art. 747, III). …Entretanto, como essa legitimidade especial não foi repetida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência ao repristinar o art. 1.768 do Código civil como lei posterior ao NCPC, é de se ter por revogado, implicitamente, o inciso III do art. 747 do NCPC, no qual se achava prevista. Nesse caso, a solução seria recorrer à instituição do Ministério Público para provocar a medida.” (Curso de Direito Processual Civil; Procedimentos Especiais; Vol. II; 50ª ed. rev., atual. e ampl.; Ed. Forense; Rio de Janeiro; 2016, p. 524/525 e 531). Destaco ainda que mesmo se não considerarmos que a Lei que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência seja posterior ao CPC (em face da data da entrada em vigor), referida Lei 13.146/15 deve prevalecer sobre as regras advindas com o CPC (que estiverem em conflito com aquela), em atendimento ao princípio que estatui que a lei geral nova não revoga nem modifica lei especial anterior (art. 2º, § 2º da LINDB). Assim, ao analisar a questão objeto destes autos, temos que analisar o CÓDIGO CIVIL, O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E O CPC (neste em relação às regras que não conflitem com o Estatuto). Cumpre destacar ainda que as alterações advindas com a lei 13.146/15 que revogaram disposições do CPC são basicamente em referência ao objeto da ação, não havendo que se falar em interdição de direitos, mas sim à curatela, além da legitimação para intentar a ação, vez que a Lei 13.146/15 repristinou o art. 1.768 do Código Civil que havia sido revogado pelo CPC e também em relação aos casos em que o MP é legitimado, tendo em vista que referida lei também alterou a redação do art. 1769 do Código Civil e outros aspectos relevantes em referência ao teor desta decisão, que serão abaixo destacados. Com estes esclarecimentos iniciais, cumpre destacar que referido Estatuto da Pessoa com Deficiência, alterou vários artigos do Código Civil e estabeleceu que, a partir de seu advento, somente serão absolutamente incapazes os menores de 16 anos. Assim, com a extinção da incapacidade absoluta da pessoa deficiente, a decretação da interdição absoluta dos direitos do incapaz tornou-se inadmissível, sendo certo que nos termos do art. 4º do Código Civil, com a redação alterada pelo art. 114 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15), a pessoa com deficiência agora é considerada relativamente capaz, independentemente do grau de sua deficiência. Assim, sem maiores delongas, fica rejeitada a súplica da parte autora e a manifestação do Ministério Público, no sentido de estender à curadora, no caso destes autos, os poderes de representação ao curatelando, tendo em vista o grau de comprometimento das capacidades mentais daquele. Vale inclusive transcrever as lições de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald sobre o tema: “Nota-se, assim, que as pessoas com deficiência psíquica foram, oportunamente, removidas do rol dos absoluta e dos relativamente incapazes, estando libertas do regime da curatela, pela via de uma ação interdição (atente-se para o nome: interdição de direitos). Não mais se cogita de incapacidade jurídica, relativa ou absoluta, decorrente de uma deficiência física ou mental, por si só. Não é despiciendo lembrar a clareza solar do art. 6º do Estatuto da Pessoa com Deficiência: “a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa”. ...Por mais grave que se pronuncie a patologia, é fundamental que as faculdades residuais da pessoa sejam preservadas, em especial as que dizem respeito às suas crenças, preferências, vontades, valores e afetos, em um âmbito condizente com o seu real e concreto quadro psicofísico. ...Por isso, deficiência (física ou psíquica), por si só, não gera incapacidade jurídica;...Pois bem, contempla o art. 3º do Texto Codificado uma única hipótese de incapacidade absoluta, lastreada em critério objetivo (etário): os menores de 16 anos de idade. ...Insista-se à exaustão: não há mais, diferente da redação primitiva do Estatuto de 2002, incapacidade absoluta por deficiência psíquica ou intelectual. O critério médico, até então utilizado, foi suplantado por um critério meramente objetivo, etário. (Curso de Direito Civil; Volume 6, Famílias; Ed. Juspodivm; 8º ed., revista e atualizada, Salvador; 2016, p. 909, 910, 913 e 914). Nos termos de referida lei, a incapacidade civil relativa é excepcional e extraordinária, devendo ser adotada somente quando for necessária, se limitando para a prática de atos negociais e de administração de patrimônio. Na prática, o que a Lei 13.146/15 que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência fez, foi tratar os relativamente incapazes como os pródigos, ou seja, restringiu apenas a liberdade para os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, conforme se vislumbra da redação do art. 85, caput, de referido Estatuto, não afetando a plena capacidade civil da pessoa para alguns atos, conforme se extrai do art. 6º da mesma lei. Vale inclusive transcrever os principais artigos da Lei 13.146/15 que foram responsáveis pela modificação acima mencionada. O art. 2º estatui o que é considerada pessoa com deficiência: “Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.” Já o art. 6º deixa claro que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: “I – casar-se e constituir união estável; II – exercer direitos sexuais e reprodutivos; III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter aceso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; V – exercer o direito à família e à convivência familiar comunitária; VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.” Por seu turno, o art. 84 estatui que: “A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas”, acrescentando, o § 1º de referido artigo que, somente “quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei”. Já o § 3º deste mesmo artigo, estatui que “a definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível.” Já o art. 85 deixa claro que “A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial” e seu § 1º praticamente repete a disposição expressa no art. 6º, no tocante a capacidade da pessoa com deficiência para os outros atos da vida, estatuindo: “A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.” (grifei). O artigo 114 de referida lei alterou a redação de vários artigos do Código Civil a respeito da capacidade civil, valendo transcrever a nova redação do art. 1.772 que corrobora, mais uma vez, a intenção do legislador no tocante à curatela limitar apenas a prática de atos de natureza patrimonial e negocial, vejamos: “O juiz determinará, segundo as potencialidades da pessoa, os limites da curatela, circunscritos às restrições constantes do art. 1.782, e indicará curador.” (grifei) Por seu turno, o art. 1.782 acima mencionado (que é o limite da afetação pela curatela), que não sofreu alterações com o advento desta nova lei, estatui: “A interdição do pródigo só o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração.” Desta forma, resta claro que, conforme acima já enfatizado, na prática, o que a Lei 13.146/15 fez foi tratar os relativamente incapazes como os pródigos, ou seja, restringiu apenas a liberdade para os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial. Vale inclusive transcrever a lição de Humberto Theodoro Júnior também sobre este tema: “Especial atenção merece o art. 85 da Lei 13.146/2015, que estabelece os limites da curatela: afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial; ela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto (§ 1º). ...O laudo deverá especificar, se for o caso, os atos para os quais haverá necessidade de curatela (NCPC, art. 753, § 2º). Esses atos, vale lembrar, são relacionados apenas aos direitos de natureza patrimonial e negocial (Lei 13.146/2015, art. 85).” (mesma obra citada na nota 1, p. 525 e 535). Ultrapassadas referidas questões a respeito da capacidade relativa e da restrição apenas em relação a direitos de natureza patrimonial e negocial, cumpre destacar que no caso destes autos restou demonstrado, pela produção da prova pericial (Laudo Pericial ID 10268043320), que o requerido, de fato, é portador de sequela de lesão encefálica anóxica, sendo certo que no laudo pericial restou apurado que o paciente configura alienação mental e preenche critérios para deficiência mental, e que ele é “incapaz de se deslocar de forma independente, bem como manter a higiene pessoal”, e apresenta “ausente qualquer capacidade de expressão consciente”, o que o impede, em caráter permanente, de praticar os atos da vida civil de forma independente, especialmente os atos relacionados à gestão de seus interesses patrimoniais. Tais aspectos também restaram verificados na entrevista realizada (ID 10130462167). Assim, a prova dos autos demonstra que, de fato, deve ser acolhido o pedido inicial para reconhecer a incapacidade relativa do requerido, sujeitando-o ao regime da curatela nos termos da Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Vale destacar ainda que no caso destes autos não há, sequer, como levar em conta a vontade, preferências, potencialidades e habilidades do curatelado, conforme previsão do parágrafo único do art. 1772 do CC (com redação advinda com a Lei 13.146/15) c/c art. 755, inciso II do CPC, vez que, conforme se verifica do laudo pericial (ID 10268043320), o requerido não tem condições de expressar sua vontade. De outro norte, nos presentes autos também restou demonstrada a aptidão da autora para exercer o “múnus” de curadora, atento às disposições previstas no parágrafo único do art. 1772 do CC (com redação advinda com a Lei 13.146/15) c/c art. 755, inciso I do CPC, sendo certo que ela é irmã do requerido. A requerente, inclusive, já acostou aos autos certidões negativas em seu nome, expedidas pela Justiça Comum em Uberlândia além da Justiça Federal, cíveis, criminais e também em relação aos Juizados Especiais de referidos ramos da Justiça, além da Justiça Trabalhista, para comprovação de sua total aptidão para o exercício do encargo (ID 9754467334/9754509100). Insta salientar que, nos termos do art. 758 do CPC, o curador nomeado deverá buscar tratamento e apoio apropriados à conquista da autonomia pelo curatelado, de forma que a curatela dure o menor tempo possível, nos termos do § 3º do art. 84 do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Nos termos do art. 1772 do Código Civil, com redação alterada pela Lei 13.146/15, os limites da curatela ficam circunscritos aos atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial. Como o requerido aufere benefício previdenciário junto ao INSS (conforme documento de ID 10103843802) e não há informações nos autos sobre a existência de outros bens, fica a curadora dispensada de prestação de contas de forma ordinária e regular, vez que referidos valores são facilmente absorvidos pelas despesas ordinárias do curatelado. Todavia, deverá documentar todas as despesas que fizer utilizando os benefícios do curatelado para o caso de ser instada a prestar contas de forma extraordinária. Vale destacar que a Representante do Ministério Público também opinou pela dispensa da prestação de contas periódica e ordinária. Vale destacar, ainda, que em face da incapacidade ser relativa (art. 4º, III do Código Civil com redação alterada pela lei 13.146/15), a curatela deve ser limitada nos termos dos art. 1.747, incisos II e III, 1748, 1774 c/c 1781 e 1782, todos do Código Civil, ou seja, privará o requerido de receber eventuais rendas e pensões e quaisquer quantias que lhe forem devidas, fazer suas despesas de subsistência, educação e as de administração, conservação e melhoramentos de eventuais bens que adquirir, não podendo, também praticar, sem a curadora, atos de empréstimo, transação, quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração. Observe-se que não poderá a curadora tomar medidas que impliquem disposição ou oneração de bens móveis ou imóveis de propriedade do curatelado, sem prévia autorização deste Juízo (art. 1748 do Código Civil). Destaco ainda que, no caso destes autos não há como acolher o pedido do zeloso Curador Especial, no tocante à imposição à autora, de cumprir projeto terapêutico em favor do requerido, tendo em vista que ao que demonstra os autos a curadora vem cuidando de forma adequada do requerido, todavia, ela deverá buscar tratamento e apoio apropriados à conquista da autonomia pelo curatelado, de forma que a curatela dure o menor tempo possível, nos termos do § 3º do art. 84 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, nos termos da fundamentação supra. Insta salientar novamente que, conforme já dirimido no início da fundamentação desta sentença, não há que se falar em estender ao(à) curador(a), no caso deste autos, os poderes de representação do curatelado na forma pleiteada pela parte autora, tendo em vista que nos termos do art. 4º do Código Civil, com a redação alterada pelo art. 114 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15), a pessoa com deficiência atualmente é considerada relativamente capaz, independentemente do grau de sua deficiência. Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO INICIAL para reconhecer a incapacidade relativa do requerido, HUMBERTO SILVA JÚNIOR, na forma do art. 4º, inciso III do Código Civil (com redação alterada pela Lei 13.146/15, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência). Em consequência e de acordo com o art. 1.775 e seus parágrafos do Código Civil c/c 755, inciso I do CPC, nomeio-lhe curadora a requerente, LILIANE RIBEIRO SILVA. Fica a curadora nomeada advertida dos limites da curatela (acima destacados), sendo certo que ela não poderá tomar medidas que impliquem assunção de dívidas e disposição ou oneração de bens móveis ou imóveis de propriedade do curatelado, sem prévia autorização deste Juízo (art. 1748 do Código Civil). Ademais, nos termos do art. 758 do CPC, deverá o curador buscar tratamento e apoio apropriados à conquista da autonomia pelo curatelado, de forma que a curatela dure o menor tempo possível, nos termos do § 3º do art. 84 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, nos termos da fundamentação supra. Nos termos da fundamentação supra, fica a curadora dispensada de prestação de contas de forma ordinária e regular, todavia, deverá documentar todas as despesas que fizer utilizando o benefício do curatelado para o caso de ser instada a prestar contas de forma extraordinária. Em obediência ao disposto nos art. 755, § 3º e 759, ambos do CPC c/c no art. 9º, III do Código Civil, lavre-se o competente termo de curatela, constando do mesmo as limitações previstas dos art. 1.747, incisos II e III, 1748, 1774 c/c 1781 e 1782, todos do Código Civil, inscreva-se a presente no Registro Civil (constando também os limites da curatela) e publique-se o edital na rede mundial de computadores, no sítio do TJMG e na plataforma de editais do CNJ (onde permanecerá por 6 meses), além do órgão oficial, por 3 vezes, com intervalo de 10 (dez) dias. Destaco que, nos termos do art. 98, § 1º, inciso III do CPC, fica dispensada a publicação na imprensa local, tendo em vista que foram concedidos os benefícios da justiça gratuita. Observo que o edital deverá conter os nomes do curatelado e da curadora, a causa da curatela, com seus limites, nos termos do § 3º do art. 755 do CPC, com as adequações advindas com a Lei 13.146/15, conforme destacado na fundamentação supra. Procedimento isento de custas processuais e honorários, em face a gratuidade judiciária que foi concedida à parte autora, nos termos do art. 98 e seus parágrafos do CPC. P.R.I. Uberlândia, data da assinatura eletrônica. Armando D. Ventura Júnior Juiz de Direito 1ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Uberlândia
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