Processo nº 1002421-02.2021.8.11.0042
ID: 307272291
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1002421-02.2021.8.11.0042
Data de Disponibilização:
25/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FAGNER RAIONE SILVA ARRUDA
OAB/MT XXXXXX
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MATHEUS AMELIO DE SOUZA BAZZI
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1002421-02.2021.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Promoção, constituição, financiamento ou integração d…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1002421-02.2021.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Promoção, constituição, financiamento ou integração de Organização Criminosa] Relator: Des(a). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI Turma Julgadora: [DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). WESLEY SANCHEZ LACERDA] Parte(s): [POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (APELADO), LUCIANO MARIANO DA SILVA - CPF: 034.047.684-26 (APELANTE), BRUNA MAYARA TORRES SOARES - CPF: 051.645.141-33 (APELANTE), EDVANDRA MARIA DE SOUZA - CPF: 035.393.591-33 (APELANTE), EDER JOSE ALVES - CPF: 016.492.791-32 (ADVOGADO), PATRICIA SILVA ARAUJO - CPF: 017.777.491-66 (APELANTE), FABIANA FELIX DE ARRUDA SOUZA - CPF: 048.576.951-46 (ADVOGADO), FAGNER RAIONE SILVA ARRUDA - CPF: 703.249.801-91 (ADVOGADO), LEANDRO RODRIGUES DE FARIAS - CPF: 017.572.621-30 (APELANTE), VERIDIANA DA SILVA SANTOS - CPF: 069.292.673-92 (APELANTE), EMERSON DOS SANTOS COSTA - CPF: 033.821.721-51 (ADVOGADO), ANDERSON DE ANDREA LEMES - CPF: 005.026.561-07 (APELANTE), RAFAEL SALEM GONCALVES PIMENTA - CPF: 039.256.911-62 (ADVOGADO), MATHEUS AMELIO DE SOUZA BAZZI - CPF: 061.639.571-05 (ADVOGADO), SANDRO MARIANO DA SILVA - CPF: 777.080.321-72 (APELANTE), ANIBAL FELICIO GARCIA NETO - CPF: 003.116.461-74 (ADVOGADO), LEIDINEIA KATIA BOSI - CPF: 964.046.209-87 (ADVOGADO), RENATA BRITO MELO - CPF: 104.450.704-71 (APELANTE), PALOMA MEIRELLY DE QUEIROZ - CPF: 105.848.224-64 (ADVOGADO), EMANNUEL SALGUEIRO ESPINDOLA - CPF: 049.462.461-26 (APELANTE), MIGUEL JUAREZ ROMEIRO ZAIM - CPF: 361.777.921-20 (ADVOGADO), GIOVANE DE ALBUQUERQUE FIGUEIREDO - CPF: 052.137.121-00 (ADVOGADO), MARINA RAIMUNDA PAULINO NUNES - CPF: 428.054.811-00 (APELANTE), SIMONE MARIA DE SANTANA CORONEL - CPF: 032.929.761-97 (APELANTE), ANA MARIA DE SOUSA - CPF: 020.136.311-97 (APELANTE), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0030-89 (VÍTIMA), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), EDVANDRA MARIA DE SOUZA - CPF: 035.393.591-33 (TERCEIRO INTERESSADO), SANDRO MARIANO DA SILVA - CPF: 777.080.321-72 (TERCEIRO INTERESSADO), VERIDIANA DA SILVA SANTOS - CPF: 069.292.673-92 (TERCEIRO INTERESSADO), EMANNUEL SALGUEIRO ESPINDOLA - CPF: 049.462.461-26 (TERCEIRO INTERESSADO), RODRIGO ARAUJO DA SILVA - CPF: 096.321.694-50 (TERCEIRO INTERESSADO), FELIPE HADAN DA SILVA MACHADO - CPF: 049.984.251-02 (TERCEIRO INTERESSADO), MAYLSON MUNIZ VIEIRA - CPF: 036.129.181-76 (TERCEIRO INTERESSADO), WILLIANA GOMES DE CAMPOS - CPF: 858.990.382-68 (TERCEIRO INTERESSADO), DANIEL BRUNO CAVALCANTE NUNES - CPF: 008.966.334-97 (TERCEIRO INTERESSADO), MARCILIO DE SOUZA BEZERRA - CPF: 608.802.441-00 (TERCEIRO INTERESSADO), RANIERE LEITE JARUZO DOS SANTOS - CPF: 008.767.104-29 (TERCEIRO INTERESSADO), BEATRIZ ACHUCARRO PIRES - CPF: 052.387.361-18 (APELANTE), BEATRIZ ACHUCARRO PIRES - CPF: 052.387.361-18 (TERCEIRO INTERESSADO), VITOR HUGO BARROS CAMPOS (TERCEIRO INTERESSADO), RENATA BRITO MELO - CPF: 104.450.704-71 (TERCEIRO INTERESSADO), LEANDRO RODRIGUES DE FARIAS - CPF: 017.572.621-30 (TERCEIRO INTERESSADO), LORRAYNE MARIANA TELES - CPF: 062.255.741-66 (APELANTE), JOICE ALVES TELES - CPF: 020.888.711-36 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), ANTONIO DE LIMA FERNANDES NETO - CPF: 972.058.771-72 (ADVOGADO), LORRAYNE MARIANA TELES - CPF: 062.255.741-66 (TERCEIRO INTERESSADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). WESLEY SANCHEZ LACERDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU OS RECURSOS, COM PROVIDÊNCIA DE OFÍCIO. PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 1002421-02.2021.8.11.0042 APELANTE: LUCIANO MARIANO DA SILVA, BRUNA MAYARA TORRES SOARES, PATRICIA SILVA ARAUJO, ANDERSON DE ANDREA LEMES, SIMONE MARIA DE SANTANA CORONEL, ANA MARIA DE SOUSA APELADO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO EMENTA: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSOS DE APELAÇÃO CRIMINAL. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. LAVAGEM DE DINHEIRO. TRÁFICO DE DROGAS. INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO Nº 11/2017 DO TJMT AFASTADA. REGRAS DE COMPETÊNCIA NÃO AFRONTADAS. ABSOLVIÇÃO DESCABIDA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DOSIMETRIA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. RESTITUIÇÃO DE IMÓVEL INVIÁVEL. INEXISTÊNCIA DE PROVAS DA ORIGEM LÍCITA. RECURSOS DESPROVIDOS. I. Caso em exame 1. Recursos de apelação interpostos contra sentença condenatória que reconheceu a prática de delitos de organização criminosa, tráfico de drogas e lavagem de capitais por parte dos recorrentes, com base em vasta prova testemunhal e técnica colhida no curso da "Operação Parasita". II. Questão em discussão 2. As questões em discussão consistem em saber se: (i) a Resolução nº 11/2017 do TJMT é inconstitucional, por suposta violação ao princípio do juiz natural; (ii) houve usurpação de competência ou desrespeito às regras de prevenção; (iii) as provas constantes nos autos são aptas a sustentar a condenação dos recorrentes; (iv) existe suporte probatório para as causas de aumento de pena aplicadas aos delitos de organização criminosa; (vi) há ilegalidade na pena-base de Luciano e no perdimento de bens. III. Razões de decidir. 3. A Resolução nº 11/2017 é válida e não viola o princípio do juiz natural, pois decorre de competência administrativa dos tribunais para a especialização de varas com base na matéria. 4. A competência da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá é firmada em razão da matéria (organização criminosa), prevalecendo sobre os critérios de prevenção e territorialidade. 5. As provas colhidas — em especial relatórios de inteligência, análise de dados extraídos de celulares e depoimentos policiais — são suficientes e idôneas para a condenação dos réus, pois demonstram a ocorrência dos crimes a eles imputados. 6. Nos termos do art. 156 do CPP, compete a defesa apresentar provas capazes de desconstituir os elementos que sustentam a condenação. 7. As causas de aumento de pena previstas nos §§3º e 4º do art. 2º da Lei nº 12.850/2013 foram corretamente aplicadas, diante da liderança exercida por um dos réus, do envolvimento de adolescentes e da conexão com outras organizações criminosas que restaram provadas. 8. A existência de múltiplas condenações permite que uma delas seja utilizada para exasperar a pena-base e as demais para reconhecer a reincidência. 9. O perdimento de bens é medida legítima diante da comprovação da origem ilícita dos recursos utilizados; todavia, deve ser afastado o perdimento do veículo Fiat Cronos em nome de terceiro, cuja restituição fora previamente deferida em processo próprio. IV. Dispositivo e tese 10. Recursos desprovidos. De ofício, tornada sem efeito a decretação de perdimento do veículo Fiat Cronos. Tese de julgamento: "1. É válida a especialização da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT para processar e julgar crimes de organização criminosa, com fundamento na Resolução nº 11/2017 do TJMT. 2. É legitima a condenação por organização criminosa, tráfico de drogas e lavagem de capitais, fundada em provas técnicas, documentais e testemunhais, que comprovam as práticas ilícitas. 3. O decote das causas de aumento de pena previstas no art. 2º, §§3º e 4º da Lei nº 12.850/2013, é descabido quando comprovada o papel de liderança na organização criminosa, o envolvimento de adolescentes e a conexão com outros grupos criminosos. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 5º, LIII; 96, I, “a”; CP, arts. 69, 91, II; CPP, arts. 74, 83, 156; Lei nº 12.850/2013, arts. 2º, §§ 3º e 4º; Lei nº 9.613/1998, arts. 1º e 7º. Jurisprudência relevante citada: STJ, HC HC 698.947/SP, AgRg no HC n. 810.819/PB, AgRg no REsp n. 2.123.639/MG, APn n. 940/DF, AgRg no AgRg no HC n. 885.042/MG, AgRg no AREsp n. 2.069.393/RJ, AgRg no REsp n. 1.925.984/PR, AgRg no HC n. 966.821/MG, AgRg no AREsp 1407471/RR TJMT, N.U 1002175-06.2020.8.11.0021, N.U 1000621-82.2024.8.11.0025, NU 1001057-08.2022.8.11.0091, 1000795-14.2021.8.11.0020, N.U 1009401-45.2022.8.11.0004, N.U 0046811-79.2018.8.11.0042, N.U 0028131-12.2019.8.11.0042, N.U 1010690-70.2023.8.11.0006, NU 0031350-04.2017.8.11.0042; N.U 1010602-55.2022.8.11.0042; TJMG - Apelação Criminal 1.0701.21.001728-4/001. ESTADO DE MATO GROSSO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 1002421-02.2021.8.11.0042 APELANTE: LUCIANO MARIANO DA SILVA, BRUNA MAYARA TORRES SOARES, PATRICIA SILVA ARAUJO, ANDERSON DE ANDREA LEMES, SIMONE MARIA DE SANTANA CORONEL, ANA MARIA DE SOUSA APELADO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO RELATÓRIO EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIRA PERRI Egrégia Câmara: Trata-se de recursos de apelação criminal interposto contra sentença que condenou Luciano Mariano da Silva à pena de 18 (dezoito) anos, 7 (sete meses e 6 (seis) dias de reclusão, em regime fechado, e 826 (oitocentos e vinte e seis) dias-multa, por infração ao art. 2º, §§3º e 4º, incisos I e IV, da Lei n.12.850/2013, ao art. 33, c/c art. 40, inciso VI, da Lei 11.343/2006 e ao art. 1º da Lei 9.613/1998, na forma do art. 69 do Código Penal; Ana Maria de Souza, à pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime aberto, e 11 (onze) dias multa, e Simone Maria de Santana Coronel, à pena de 4 (quatro) anos e 1 (um) mês de reclusão, em regime semiaberto, e 12 (doze) dias-multa, por infração ao art. 2º, § 4º, inciso IV, da Lei n. 12.850/2013; Bruna Mayara Torres Soares e Anderson de Andrea Lemes, à pena 3 (três) anos de reclusão, e 10 (dez) dias-multa, cada, em regime aberto, por infração ao art. 1º da Lei n. 9.613/1998 e Patrícia Silva Araújo, à pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime semiaberto, e 21 (vinte e um) dias-multa, por infração ao art. 2º, § 4º, inciso IV, da Lei n. 12.850/2013 e do art. 1ª da Lei n. 9.613/1998 (organização criminosa, lavagem de dinheiro e tráfico de drogas). Em suas razões, Luciano, Ana Maria, Simone e Bruna invocam a “inconstitucionalidade incidental da Resolução n. 11/2027 do Tribunal Pleno, com supressão parcial do texto “com jurisdição em todo o estado, por violação do art. 22, inciso I e do art. 5º, inciso LIII, da Constituição Federal”. Também afirmam que a norma viola os critérios de competência e prevenção, assim como artigos 69, 70, 78, 79 e 83 do Código de Processo Penal. No mérito, sustentam que: 1) devem ser absolvidos por insuficiência probatória; 2) a “pena base [deve ser fixada] no mínimo legal em relação ao recorrente Luciano Mariano, assim como afastada as causas de aumento de pena relativo ao emprego de arma de fogo e participação de menor, por ausência de provas, em relação a todos os recorrentes” (d. 209325262 - pág. 1-27 e e 209325289pág. 1-19). Patrícia também insurge e aduz que: 1) o automóvel apreendido tem origem lícita, de modo que sua restituição é impositiva; 2) deve ser absolvida de “todas as imputações que lhe foram feitas na denúncia, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, afastando-se, no caso de condenação, a agravante descrita no §3° e a causa de aumento do §4°, inciso IV, ambos do art. 2° da Lei n° 12.850/2013, bem como a tipificação do art. 1º da Lei 9.613/1998” (Id. 213179159 - pág. 1-11). Anderson argumenta que deve-se “anular a sentença, porquanto viola o dever de motivação pelo emprego da inversão do ônus de prova, sem explicar os motivos da sua incidência e nem justificar o porquê de o acusado ter que suprir carga que incumbe à acusação, a fim de que outra seja proferida”. Subsidiariamente, almeja ser absolvido, por ausência de provas ou “por falta de prova de dolo direto ou da inadequação subjetiva da prática a partir de dolo eventual” (d. 215300659 – pág. 1-24). A sua vez, Lorrayne Mariana Teles aduz que: 1) “a falta de citação valida nos autos, bem como a mesma não ser filha de Luciano “Marreta”, demonstra clara quebra do contraditório e da ampla defesa”; 2) “não houve intimação da apelante após a mesma ter completado a maioridade civil gerando a ausência de qualquer recurso a materializar a ampla defesa da parte, culminando na sua irrefutável nulidade”; 3) “a apelante [...], na época dos fatos era menor de idade, sem falar que o imóvel foi adquirido por sua mãe, com dinheiro diverso da origem atribuída nos autos, conforme contrato de compra e venda e comprovante de vínculo empregatício” (Id. 264056434 - pág. 1- 19). Contrarrazões no Id. 209325275 - pág. 1-25, 209325291 - pág. 1-18, 218100679 - pág. 1-22, 218100688 - pág. 1-17 e 264056446 - Pág. 1-10). A Procuradoria-Geral de Justiça opina “pelo não acolhimento das preliminares suscitadas, e, no mérito, pelo desprovimento dos apelos interpostos pelos apelantes Luciano Mariano da Silva, Anderson de Andrea Lemes, Ana Maria de Sousa, Bruna Mayara Torres Soares e Simone Maria de Santana Coronel, bem como pelo parcial provimento do recurso interposto por Patrícia Silva Araújo, tão somente para extirpar a decretação de perdimento do veículo, mantendo-se, no mais, incólume a sentença hostilizada” (Id. 227446693 - pág. 1-59). Em parecer complementar, manifesta-se pelo desprovimento do apelo interposto por Lorrayne Marian (Id. 280632889 - pág. 1-8). É o relatório. PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 1002421-02.2021.8.11.0042 VOTO EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI (RELATOR) Egrégia Câmara: PRELIMINAR: INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO N. 11/2017 DO TRIBUNAL PLENO. VIOLAÇÃO DO JUIZO NATURAL E DAS REGRAS DE COMPETÊNCIA A Defensoria Pública Estadual, no interesse de Luciano Mariano da Silva, Ana Maria de Souza, Simone Maria de Santana Coronel e Bruna Mayara Torres Soares sustenta que “há inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa devendo ser suprimido parcialmente o texto “com jurisdição em todo o Estado”, da Resolução nº. 11/2017 do Tribunal Pleno por afronta o disposto no art. 22, I, c.c art. 5º, inciso LIII, ambos da Constituição Federal”. Consigna que “Não se pode contrariar ou negar a vigência da lei federal, a pretexto de aplicar lei de organização judiciária, imiscuindo em matéria constitucionalmente eleita para legislação federal, violando a Constituição Federal, e consequentemente eivando de nulidade por vício de iniciativa da matéria”. Sem razão a defesa. A questão posta em análise já foi discutida e rediscutida reiteradas vezes neste Sodalício, sendo firme e pacífico o entendimento quanto a competência absoluta da 7ª Vara Criminal da Capital para processar e julgar o crime de organização criminosa. Nesse sentido: [...] É válida a Resolução n. 11/2017 do Tribunal Pleno que confere ao Juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT competência especializada para processar e julgar delitos cometidos por organização criminosa em todo o território estadual, pois os Tribunais locais possuem autorização para procederem à especialização de Varas para o processamento de feitos restritos por matéria. Em que pese os crimes tenham sido praticados na Comarca de Água Boa/MT, não há nenhuma ilegalidade na tramitação da ação perante a 7ª Vara Criminal de Cuiabá/MT, já que este juízo, por ser especializado quanto à matéria, prevalece sobre os demais. [...] A criação de varas especializadas por ato administrativo não infringe o princípio do juiz natural quando fundada em competência territorial relativa à matéria. [...] (TJ/MT, N.U 1002175-06.2020.8.11.0021, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, JOSE ZUQUIM NOGUEIRA, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 05/03/2025, Publicado no DJE 14/03/2025). [...] A Resolução n. 11/2017 do Tribunal Pleno, ao atribuir jurisdição estadual à 7ª Vara Criminal de Cuiabá para o julgamento de crimes de organização criminosa, fundamenta-se no art. 96, I, "a", da Constituição Federal e no art. 74 do Código de Processo Penal, não havendo inconstitucionalidade ou ilegalidade. A especialização de varas para processamento de crimes de organizações criminosas atende à Recomendação n. 03/2006 do Conselho Nacional de Justiça, sendo válida a fixação de competência territorial por deliberação dos tribunais. A alegada incompetência territorial do juízo sentenciante não enseja nulidade absoluta, pois a inobservância da regra de especialização das varas configura nulidade relativa, somente reconhecível mediante demonstração de prejuízo, o que não restou evidenciado. [...] (TJ/MT, N.U 1000621-82.2024.8.11.0025, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, LUIZ FERREIRA DA SILVA, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 19/02/2025, Publicado no DJE 24/02/2025). Conquanto o feito tenha iniciado sua tramitação na Comarca de Nova Mutum/MT, não há qualquer nulidade a ser reconhecida, uma vez que a competência foi declinada ao Juízo da 7ª Vara Criminal da Capital, por força do contido na Resolução n. 11/2017-TP. A propósito, enfrentando situação idêntica na Apelação Criminal n. 1001057-08.2022.8.11.0091, a Primeira Câmara Criminal concluiu que “O reconhecimento da incompetência territorial é afastado com base na Resolução nº 11/2017 do Tribunal Pleno do TJMT, que atribui competência à 7ª Vara Criminal de Cuiabá para julgar crimes de organização criminosa, ainda que os fatos tenham ocorrido em outra comarca, conforme entendimento do STF e STJ”. Para melhor ilustrar o posicionamento, trago à baila excertos do voto-condutor proferido pelo eminente relator, Des. Marcos Machado, cujos fundamentos também adoto como razões de decidir, verbis: “A competência do Juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá Especializada Contra o Crime Organizado, Crimes Contra a Ordem Tributária e Econômica, Crimes Contra a Administração Pública e Crimes de Lavagem de Dinheiro para processar e julgar a ação penal (PJe n. 1001057-08.2022.8.11.0091) está fundamentada na Resolução n. 11/2017/TP, visto que os apelantes foram denunciados por integrar organização criminosa (Lei 12.850/2013, art. 2º). O c. STF e c. STJ firmaram entendimento de que os Tribunais podem definir competência jurisdicional em varas especializadas em razão da matéria, a despeito do lugar do fato criminoso (STF, HC n. 113018 - Relator: Min. Ricardo Lewandowski - 14.11.2013; STJ, AgRg no REsp nº 1611615/MT - Relator: Min. Felix Fischer - 16.4.2018; STJ, AgRg no REsp n. 1.402.325/MT - Relator: Min. Ribeiro Dantas - 25.8.2020). No mesmo sentido, esta e. Câmara decidiu: ‘É competente a 7ª Vara Criminal de Cuiabá para processar e julgar a ação penal em que se apurar crime de organização criminosa, supostamente cometido na Comarca de Alto Garças, por força do que dispõe a Resolução nº 11/2017, do Tribunal Pleno. Precedentes desta Corte e do STJ.’(AP nº 1014759-71.2020.8.11.0000 - Relator: Des. Orlando de Almeida Perri - 12.8.2020) ‘Não há qualquer ilegalidade na tramitação, quer do procedimento investigatório, quer da ação penal deflagrados contra os pacientes, perante a Vara Especializada contra o Crime Organizado, Crimes contra a Ordem Econômica e Crimes contra a Administração Pública da comarca de Cuiabá, pois embora os ilícitos a eles assestados tenham supostamente ocorrido em Paranatinga/MT e Campo Novo/MT, o referido Juízo, por ser especializado quanto à matéria, prevalece sobre os demais’(HC n. 1018081-65.2021.8.11.0000 - Relator: Des. Paulo da Cunha - Primeira Câmara Criminal - 18.2.2022) Noutro giro, a Súmula 206 do STJ‘dispõe que ‘a existência de vara privativa, instituída por lei estadual, não altera a competência territorial resultante das leis de processo’, visando à remessa do feito ao Juízo de onde as infrações penais foram consumadas, também não prospera, porquanto o verbete em questão concerne à matéria de Direito Processual Civil, afastando-se a sua aplicação no Direito Processual Penal. De mais a mais, mesmo levando-se em consideração que a competência em razão da natureza da infração penal seja relativa, as normas norteadoras do Processo Penal permitem ao Juiz, de ofício, reconheça a sua incompetência, conforme se depreende do artigo 109 do CPP’, como bem destacado pelo Juízo singular (Jean Garcia de Freitas Bezerra, juiz de Direito - ID. 215810084 – fls. 747)”. Em caso semelhante assim me posicionei: “É competente a 7ª Vara Criminal de Cuiabá/MT para processar e julgar a ação penal em que se apurar crime de organização criminosa, cometido em Ponte Branca/MT – município abrangido pela jurisdição de Alto Araguaia/MT –, por força do que dispõe a Resolução n. 11/2017, do Tribunal Pleno. A especialização de varas consiste em alteração de competência territorial em razão da matéria, e não alteração de competência material, regida pelo art. 22 da Constituição Federal” [STF, HC nº 113.018/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, julgado em 29.10.2012]. [...] não há ilegalidade na tramitação de ação penal deflagrada inicialmente no interior e, depois, remetida para o Juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá-MT, já que este é especializado quanto à matéria, e prevalece sobre os demais juízos, conforme regulamentação administrativa do tribunal” (TJMT, N.U 1018752-88.2021.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 17/11/2021, publicado no DJE 19/11/2021). [...] (TJMT, N.U 1000795-14.2021.8.11.0020, minha relatoria, Primeira Câmara Criminal, julgado em 5/3/2024). Com essas considerações, em consonância com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, rejeito a preliminar. É como voto. PRELIMINAR: COMPETÊNCIA E PREVENÇÃO DO JUÍZO DE ORIGEM A Defensoria Pública Estadual, no interesse de Luciano Mariano da Silva, Ana Maria de Souza, Simone Maria de Santana Coronel e Bruna Mayara Torres Soares, aduz ainda que “as provas que subsidiaram a propositura da presente ação penal foram oriundas da prisão cautelar do acusado Vitor Hugo Barros Campos, quando teve o celular apreendido e autorização de acesso aos dados nos autos n.º 3324-87.2019.811.0086, código 131488, perante a 3ª Vara de Nova Mutum/MT (Num. 48961560 -Pág. 11)”. Assim, defende que “o juízo da Terceira Vara da Comarca de Nova Mutum/MT, além de ser o competente pelo critério estabelecido no art. 70 do CPP, se tornou prevento em relação ao de Cuiabá/MT, pois o magistrado atuante naquela comarca se antecedeu, nos termos do art. 83, do CPP”. A alegação não prospera. Sobre o tema, este é o entendimento que prevalece: “[...] A Resolução nº 11/2017 foi editada em conformidade com o art. 96, I, ‘a’, da Constituição Federal, que confere aos tribunais competência para organizar sua estrutura jurisdicional, inclusive criando varas especializadas. 4. A supressão do termo ‘com jurisdição em todo o estado’ não gera vício formal ou inconstitucionalidade, sendo um ajuste redacional que não altera a competência essencialmente atribuída às varas criminais. 5. A Resolução n. 11/2017, ao estabelecer a competência ampliada da 7ª Vara Criminal, não viola o CPP, mas adequa a distribuição de processos de acordo com as necessidades locais, em conformidade com os parâmetros constitucionais e legais. 6. O termo ‘com jurisdição em todo o estado’ é uma medida administrativa para garantir a eficiência na tramitação de processos de grande complexidade, especialmente em matéria de organização criminosa. O CPP permite ajustes na competência territorial (art. 74), visando à eficiência da justiça, o que legitima a Resolução. 7. As regras de conexão e continência previstas nos artigos 69, 76 e 78 do CPP não são absolutas e podem ser flexibilizadas em casos que envolvem varas especializadas. 8. A competência por prevenção, prevista no art. 75, parágrafo único, do CPP, é critério subsidiário para a fixação da competência territorial, sendo utilizada quando há mais de um juízo igualmente competente. No caso em questão, a especialização da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, criada para julgar crimes de organização criminosa, prevalece sobre a regra de prevenção, dada a competência em razão da matéria. 9. Conforme já decidido pelos tribunais superiores, a designação de competência territorial em razão da matéria é válida, nos termos do art. 96, I, ‘a’, da Constituição Federal, sendo plenamente legítima a especialização da 7ª Vara Criminal para julgar crimes de organização criminosa, independentemente do local da prática delitiva. O art. 70 do CPP, que regula a competência pelo local da consumação da infração, não se aplica quando há competência especializada. 10. A prevenção, embora prevista no art. 83 do CPP como critério subsidiário para fixação de competência, não é absoluta. Ela pode ser afastada em face de normas de organização judiciária que estabeleçam competências especializadas. 11. A jurisprudência dos tribunais superiores, incluindo o STJ e o STF, reconhece que a especialização de varas para o julgamento de determinadas matérias, como crimes de organização criminosa, é legítima e prevalece sobre a competência por prevenção, conforme disposto no art. 96, I, ‘a’, da Constituição Federal. 12. A competência por prevenção, sendo relativa, não prevalece sobre a competência absoluta em razão da matéria, especialmente em situações que envolvem varas especializadas, como a 7ª Vara Criminal de Cuiabá. 13. A teoria do juízo aparente, amplamente aceita pela jurisprudência pátria, preserva a validade dos atos processuais praticados por autoridade que, à época da decisão, se apresentava como aparentemente competente. A mera menção ao envolvimento em organização criminosa, por si só, não afasta a competência do juízo de origem até que haja elementos concretos suficientes para a redistribuição” [...] (TJMT, N.U 1009401-45.2022.8.11.0004, Des. RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 02/10/2024). Destarte, se os crimes foram perpetrados no contexto de organização criminosa, não há falar que o Juízo de Nova Mutum é competente, nem que se tornou prevento em relação à 7ª Vara Criminal da Capital. Posto isto, em consonância com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, rejeito a preliminar. É como voto. MÉRITO A denúncia imputou a Luciano Mariano da Silva e outras 21 (vinte e uma) pessoas, os crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro e tráfico de drogas – Operação Parasita –, e encontra-se vazada nos seguintes termos: [...] No dia 05 de agosto de 2019, ocorreu no município de Nova Mutum/MT, a prisão em flagrante de Vitor Hugo Barros Campos – epiteto 12K ou 12 carro –, a apreensão de seu aparelho celular, assim com uma pistola Sig-Sauer, calibre .40, munições calibre 9mm, munições calibre .38, maconha e balança de precisão, conforme boletim de ocorrência n. 2019.231.833. Destaca-se que a extração e análise de dados constante no aparelho celular apreendido com Vitor Hugo são objetos dos autos 3324-97.2019.811.0086, código 131488, sendo autorizado o compartilhamento das informações com a Gerência de Combate ao Crime Organizado – GCCO. Ocorre que com a exploração do supracitado aparelho celular, descortinou-se a existência de associação de inúmeras pessoas, de maneira estruturada, ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com objetivo de obter vantagem econômica, em diversos municípios do Estado de Mato Grosso, mediante a prática de crimes de tráfico de drogas. Foi localizado ainda no referido aparelho celular grupos do aplicativo WhatsApp onde percebeu-se que as lideranças administravam abertamente os negócios ilícitos da organização criminosa. Identificou-se diversos grupos com diferentes finalidades, como cadastrar e recrutar novos integrantes, explicar o funcionamento da facção criminosa, além de expedir comunicados gerais, especialmente sobre regra a serem observadas, prestar contas dos valores recolhidos, manter contato com organizações criminosas aliadas, com atuação em outros estados brasileiros, promover e determinar as práticas ilícitas, especialmente o cometimento do crime de tráfico de drogas, intimar os membros que não seguem regras, incutir nos membros a ‘cultura organizacional’ direcionada ao crime, dentre outras condutas. Ademais, assevera que, além do aparelho celular de Vitor Hugo, foi analisado ainda outros três aparelhos aprendidos pela Polícia Civil de Barra do Bugres/MT e compartilhadas as informações, conforme deferimento do juízo. Extraindo-se as informações constante nos relatórios de análise dos celulares, constatou-se que tratava-se do mesmo grupo criminoso, porém, com ramificações em diversas regiões do Estado de Mato Grosso e ainda com conexões em outros estados federativos. Nota-se ainda que esta organização criminosa possui diversas formas de agir e principalmente de gerir os valores arrecadados, quando comparados do modus operandi da organização criminosa Comando Vermelho. Desta forma, foi constatado a existência de uma facção criminosa independente, que possui estreita relação, assim como relações comerciais com a organização criminosa Comando Vermelho, mas que é liderada de maneira autônoma pelo presidiário Luciano Mariano da Silva, alcunha Marreta, atualmente segregado na Penitenciária Central do Estado. Extrai-se dos autos que Luciano “Marreta” é um criminoso há anos conhecido pelas forças de segurança, possui extensa ficha criminal antes mesmo da criação do Comando Vermelho, razão pela qual possui bastante respeito dentre os criminosos. Com fito de ilustrar a situação de aparente retomada das atividades criminosas, a nova roupagem da organização criminosa criada manteve a impressão digital de seu idealizador e líder principal, conforme demonstrado nos relatórios de análise de aparelhos celulares apreendidos. Dentre os grupos do aplicativo WhatsApp criados pelos criminosos para troca de informações, o principal criado apenas pela cúpula administrativa da organização criminosa em 2017, denominado “Progresso Marreta 157”, foi recriado, desta vez, em 2019, com a nomenclatura “Fantástico Progresso”, claramente em alusão à exposição obtida pela repercussão televisiva da operação ‘Ares Vermelho’. Portanto, notou-se que a facção criminosa liderada por Luciano Marreta possui sua própria metodologia de recrutamento, recolhimento de valores por meio das denominadas ‘camisas’, ‘caixinhas’ e ‘biqueiras’, sem prejuízo das relações entre seus membros e as normas das demais facções, incluído o Comando Vermelho CV/MT. Restou evidenciado nas conversas uma complexa estruturação voltada ao crime organizado, contendo vasto material que apresenta uma estrutura organizacional definida, com liderança e divisão de tarefas entre seus membros, além de expor a evidente permanência e estabilidade do grupo para a prática de crimes, principalmente, tráfico de drogas e de armas de fogo. Contatou-se ainda diversas transações financeiras, onde verifica-se a discrepância entre os valores movimentados e a situação econômica dos integrantes da organização criminosa. Em cidades interioranas em geral, as lideranças tratam com os integrantes denominados ‘disciplina’ acerca das arrecadações das taxas cobradas para exercer o tráfico de drogas, além das taxas mensais para exercer a venda dos entorpecentes, a facção exige dos membros batizados uma taxa mensal, denominada ‘mensalidade da camisa’ ou ‘camiseta’. Das conversas analisadas, extrai-se uma organização estruturada voltada ao crime, com liderança e divisão de tarefas entre seus membros, além de expor a evidente permanência e estabilidade do grupo para a prática de ilícitos penais. Outrossim, impende salientar que a liderança da organização em análise não tolera a atuação de cabriteiros, isto é, membros de outras facções criminosas rivais, a exemplo do PCC. [...] B) NÚCLEO PRINCIPAL – LIBERANÇA O núcleo principal é composto por Luciano Mariano – vulgo Marreta, Ana Maria de Souza – epíteto Lokura, Renata Brito Melo – alcunha Mana Preciosa, Rodrigo Araújo da Silva – vulgo Serra Branca e Patrícia Silva Araújo – alcunha Vida Loka, os quais são responsáveis pela liderança da facção criminosa. Além das relações comerciais de remessa de drogas para outros estados da federação, restou indene de dúvidas que o núcleo principal da organização criminosa administra a realização do tráfico de drogas em oito municípios do interior do estado de Mato Grosso, tais como: Barra do Bugres, Vera, Alta Floresta, Feliz Natal, Apiacás, Claudia, Nova Olimpia e Nova Mutum. Frisa-se que em todas essas cidades foram identificados integrantes da organização criminosa analisada em plena atuação criminosa. [...] B) NÚCLEO OPERACIONAL O núcleo operacional é composto pelos denunciados Marcilio de Souza Bezerra – epíteto Derizone, Daniel Bruno Cavalcante Nunes – vulgo DDD, Vitor Hugo Barros Campo – alcunha 12K, Simone Maria de Santana Coronel – vulgo Blindada e Felipe Hadan da Silva Machado – epíteto Diabo Loiro. [...] C) NÚCLEO FINANCEIRO Identificou-se considerável volume financeiro entre os anos de 2018 a 2020, envolvendo dezenas de contas bancárias, movimentando a serviço da organização criminosa liderada pelo denunciado Luciano. Impende ressaltar que o denunciado Luciano, mesmo estando recluso, determina ações aos seus subordinados e membros da facção criminosa, onde emite ordens para depósito de valores em contras predeterminadas por ele e por Ana Maria, organiza a logística, rota e dinheiro empregado na aquisição de entorpecentes. [...] Destarte, as lideranças determinam as contas bancárias a serem movimentadas e os integrantes transferem para elas o dinheiro arrecadado, seguindo rigorosamente tal ordem. Conforme já explanado, Patrícia Silva Araújo é representada como sendo a número 04 no poder, segundo Luciano. É responsável por movimentar as contas bancárias, tem-se que sua conta é uma das mais difundidas para receber depósitos da facção criminosa. Ademais, mesmo residindo em Cuiabá, Patrícia disponibiliza a conta para traficantes de diferentes regiões do estado de Mato Grosso, evidenciando a capilaridade da arrecadação e o intenso uso das contas dela. Além de Patrícia, figura central no recebimento de valores, também servem à organização criminosa as contas bancárias dos denunciados Bruna Maryana Torres Soares, Edvandra Maria de Souza, Beatriz Acrucarro Pires, Emmanuel Salgueiro Espindola, Anderson de Andrea Lemes, Williana Gomes de Campos, Ranieri Leite Jaruzo dos Santos, Leandro Rodrigues de Farias, Veridiana da Silva Santos, Sandro Mariano da Silva, Mallyson Muniz Vieira e sua mãe [...] (Id. 209320988 - pág. 1 a 209320990 - pág. 5). Nestes autos foram julgados Ana Maria de Sousa, Simone Maria de Santana Coronel, Vitor Hugo Barros Campos, Edvandra Maria de Souza, Luciano Mariano da Silva, Renata Brito Melo, Patrícia Silva Araújo, Sandro Mariano da Silva, Veridiana da Silva Santos, Anderson de Andrea Lemes, Bruna Mayara Torres Soares e Emmanuel Salgueiro Espindola. O feito foi desmembrado em relação aos demais (Id. 209325658 - pág. 4). Posteriormente ocorreu o trancamento da ação penal promovida em desfavor de Vitor Hugo (Id. 209325658 - pág. 9). Edvandra Maria de Souza e Sandro Mariano da Silva foram absolvidos (Id. 209325658 - pág. 63). Apesar de condenados, Renata Brito Melo (Id. 58237626 - pág. 1), Emanuel Salgueiro Espindola (Id. 209325747 - pág. 5) e Veridiana da Silva Santos (Id. 209325248 - pág. 1) não recorreram. Os pedidos de absolvição não prosperam. O conjunto probatório demonstra que Ana Maria, Patrícia, Simone integravam o grupo criminoso criado por Luciano, que atuava de maneira permanente e estável, com nítida divisão de tarefas entre seus membros, e visava o cometimento de ilícitos, especialmente o tráfico de drogas em larga escala. Conforme apurado, Luciano [Marreta] liderava a facção criminosa e orquestrava atividades relacionadas ao tráfico, geralmente na modalidade de consórcio, com o propósito de amenizar custos e otimizar os lucros decorrentes da atividade ilícita. Ana Maria [Lokura] e Patrícia [Vida Loka] o auxiliavam na administração. Simone executava atividades em geral da ORCRIM, enquanto Bruna e Anderson cederam suas contas em benefício dela. A prova testemunhal produzida é uníssona nesse sentido. Ferdinando Frederico Murta – delegado que presidiu o inquérito – descreveu pormenorizadamente o trabalho investigativo e expôs a participação dos réus nos crimes capitulados na denúncia, verbis: MP: [...] essa operação foi denominada Operação Parasita, aconteceu no ano de 2020, e essas pessoas estão sendo processada [...] imagino que tenha presidido o inquérito, trabalhado no caso, penso poderá dar mais detalhes para nós, deixo o senhor à vontade para fazer o relato, balanço geral da operação, do que se tratou e, na medida do possível, gostaria que o senhor fosse especificando os núcleos dessa organização criminosa, individualizando, na medida do possível, a conduta de cada um dos acusados. T: [...] eu presidi a presente investigação juntamente com um colega da Polícia Federal, Dr. Cassio Galhardo, nós conduzimos juntos lá na Força Integrada [...], na análise de alguns aparelhos celulares nós conseguimos identificar a existência desse grupo ora denunciado; houve primeiramente a apreensão de um aparelho celular em 2019, no município de Nova Mutum, esse aparelho estava sendo analisado conosco mediante autorização judicial e passado algum tempo recebemos algumas outras informações oriundas de Barra do Bugres, de outros procedimento, mediante compartilhamento de provas, também com autorização judicial para análise das mídias; analisando esse material, nós conseguimos constatar que tratava-se de um mesmo grupo em decorrência da similaridade de casos, coincidência dos investigados, nós passamos a analisar esse material de maneira conjunta; da análise desse material, que resultou ao final, o produto apresentado ao final do inquérito policial, nós constatamos a existência de uma organização criminosa existente no estado de Mato Grosso, da qual vários integrantes faziam parte também do Comando Vermelho, mas não todos, e sim uma estrutura que funcionava de maneira paralela ao Comando Vermelho dentro do Estado de Mato Grosso; como que funcionava, essa estrutura era coordenada, liderada pelo criminoso Luciano, mais conhecido como ‘Marreta, Thor’ e mais uma dezena de outros vulgos, de dentro da cadeia ele articulou um grupo, toda uma estrutura, com divisão de tarefas, divisão de funções, e praticaram uma séria de crimes ao longo desse período investigado; os fatos que nós identificamos na análise dos materiais, remetem ao período entre os anos de 2018 a 2020, a maioria do conteúdo é atinente ao ano de 2019; essa organização criminosa era voltada principalmente para o crime de tráfico de drogas, enquanto outros crimes eram praticados também de maneira conexa, mas a principal fonte de renda, a principal atividade por eles exercida era o tráfico de drogas à época; nós identificamos, além do Marreta, uma pessoa do lado de fora, que é Ana Maria; a Ana Maria funcionava como um braço forte dele do lado de fora, ela executava as ordens dele no fora em decorrência dele estar preso na Penitenciária Central do Estado durante todo o período investigado; além da Ana Maria outras duas pessoas foram identificada na função de liderança, o Rodrigo, mais conhecido como ‘Serra Branca’ e a Renata, são um casal residente na Paraíba e o Rodrigo ‘Serra Branca’ de dentro do presídio continuava a exercer suas funções sendo auxiliado pela sua esposa, que estaria extramuros, estaria em liberdade. MP: No caso esse casal, eles seriam adquirentes de drogas aqui do Marreta, seria isso? T: Vou concluir aqui, acho que o senhor vai entender, vai ficar um pouco mais claro. MP: Eles são lá da Paraíba? T: Isso, exatamente; além do Marreta, da Ana Maria, dessas duas pessoas e da Patrícia, que é uma quinta pessoa que integrava esse grupo, eles participavam de um grupo de líderes, de administradores dessa organização, então o líder máximo era o Marreta, a Ana Maria funcionava como um braço dele do lado de fora, juntamente com esse casal e a Patrícia, eles executavam todas as articulações desse grupo; o que esse grupo fazia, eles organizavam a compra de drogas em forma de consórcio para abastecer o comércio local deles, os quais eles administravam em alguns municípios, e também tinham conexões com outros estados, principalmente Paraíba, Pernambuco e Mato Grosso do Sul [...]; [o Marreta] tem bastante contato na região de fronteira, então ele utilizada de todo esse know-how, de toda essa experiência dele para facilitar o transporte da droga até aqui e também a remessa para suas conexões em outros estados, para outras organizações criminosas, outros traficantes de outra região; o Rodrigo e a Renata então, confirmando o que o senhor acabou de me perguntar, eles sim auxiliavam nessa conexão com os outros estados, inclusive também um outro integrante do grupo, que não faz parte da liderança, mas que participava aí do núcleo operacional, que é o Daniel, vulgo DDD, ‘Daniel das drogas’, é um criminoso bastante conhecido lá na região nordeste como um dos principais integrantes da organização Nova Okaida [...], essas pessoas que falei, esses cinco integrantes, estavam incluídos em todos os grupos que foram analisados, são dezenas de grupos, mas havia um grupo só entre eles, onde estavam somente os líderes, onde eram tratados os assuntos mais sensíveis, prestação de contas, onde eram realizadas cobranças de cima para baixo, onde o líder fazia a cobrança aos seus subordinados para que eles repassassem aos demais integrantes [...]. MP: [...] você pode continuar, então, na hierarquia narrando [...], aí tem os outros [....]? T: Como que nós fizemos doutor, nessa investigação nós dividimos os integrantes em três grupos principais, os líderes, o núcleo da liderança, o núcleo operacional, que eram as pessoas ali que ajudavam nessa logística, na organização de remessa das drogas, de recebimento, e o núcleo que nós denominamos núcleo financeiro, que eram as pessoas que emprestavam contas, forneciam as contas e também movimentavam contas bancárias para realizarem as movimentações financeiras ali, para facilitar não somente o transporte do dinheiro, mas também, de certa forma, dissimular a origem dos valores ali apurados; então, além do núcleo de liderança dessas pessoas que eu mencionei, nós dividimos o núcleo operacional, dos quais faziam parte o Derizone, o DDD, que são os dois internos lá do sistema penitenciário da Paraíba, o Vitor Hugo, que o senhor mencionou, que foi o indivíduo que foi... MP: O 12K, né? T: Exatamente, 12K. MP: Ele teria sido preso por tráfico de drogas e aí foi apreendido o celular dele, onde foi encontrado já o início desse material, é isso? T: Exatamente, doutor, ele foi preso em 2019 em Nova Mutum, com quantidade de drogas e uma arma de fogo, e do aparelho celular dele, mediante autorização judicial, foi extraída a primeira parte desse material que deu início às investigações; então, além do Derizone, do DDD, do Vitor Hugo, vulgo 12K, a Simone, vulgo Blindada, e o Felipe Radam são os outros indivíduos que participam desse grupo, que foram identificados como integrantes desse grupo operacional, que participavam efetivamente ali da troca de mensagens, da articulação ali desse esquema de compra, distribuição e, consequente, venda de droga aos usuários. MP Certo. T: Além dessas pessoas, foram identificados os indivíduos que compunham o núcleo financeiro, o núcleo financeiro são mais de dez integrantes, cada um com uma função e uma conduta específica, mas todos eles trabalhavam basicamente no mesmo tipo de atuação, eles trabalhavam com o fornecimento e utilização de contas bancárias; como que nós identificamos isso, nos grupos, como forma de contabilidade deles, até nos facilitou uma desnecessidade de pedir uma quebra bancária, que seria uma grande quantidade de valores e atrasaria ainda mais a conclusão das investigações, como forma de prestação de contas, eles faziam os depósitos, tiravam fotos dos comprovantes e postavam no grupo, como se não bastasse isso, para identificar e eles facilitarem o controle contábil deles por parte das pessoas responsáveis, mais precisamente o Rodrigo e a Renata, eles colocavam uma tarja, escreviam no celular uma tarja, de quem era o responsável por aquele depósito; exemplo, tem alguns depósitos aí com valores expressivos, no qual tinha uma tarja em cima escrito ‘depósito Derizone’, ou então, pagamento fulano de tal, então eles faziam o depósito na conta, ou na conta deles próprios, ou mesmo em contas fornecidas por terceiros, e colocavam ali o remetente, quem era a pessoa que era responsável por estar realizando aquele pagamento, seja pagamento referente às taxas cobradas mensalmente, ou mesmo o pagamento de aquisição de certa quantidade de drogas, como são muitas pessoas no relatório final nós delimitamos ali a função de cada um e o que foi obtido de cada um [...]; a principal de dela ali, que mais chamava a atenção acho que é a Patrícia, a própria Patrícia que é considerada uma das líderes, estava sempre envolvida na questão de fornecimento das contas, no encaminhamento dos comprovantes, foi identificado inclusive que ela possuía duas empresas de fachada, que não tinha nenhum tipo de movimentação, não existiam as empresas e serviam unicamente para maquiar a grande movimentação de dinheiro que fazia nas suas contas, que foi comprovada por meio do afastamento fiscal e os valores apresentados na investigação, valores altos, salvo engano ela movimento mais de um milhão e meio de reais em um período determinado, sem qualquer tipo de lastro, de ocupação fixa, muito menos atividade das empresas por ela constituídas. MP: Os policiais foram à campo e verificaram que essas empresas, na verdade, não existiam de fato, só de direito? T: Sim senhor, exatamente, essa investigação tem grande parte dos elementos obtidos por meio da análise dos aparelhos celulares, dos relatórios técnicos apresentados, que foram realizados pelos analistas de inteligência, que poderão dar maiores detalhes, mais técnicos e precisos a respeito de qualquer informação e qualquer dúvida, e, concomitantemente a isso eram realizadas diligências de campo, cada uma das informações constantes do relatório foi verificada em loco, para verificar a procedência ou não, inclusive, ao longo da investigação, como o senhor bem disse, foram identificados a existência de grupos referentes a cada um desses municípios por eles administrados, e ali existiam várias outras pessoas também envolvidas, só que em decorrência de não ser possível a identificação e a comprovação efetiva de quem seria cada um deles, nós restringimos a investigação a estes núcleos apontados e delimitados na denúncia ofertada pelo Ministério Público. MP: A respeito dessa apreensão desses quinhentos quilos de maconha em Rondonópolis, o senhor tem algum detalhe sobre isso, se recorda de algum fato que ele tenha nessa situação? T: Sim, eu me recordo, eu até fiz alguns apontamentos que eu tinha feito em decorrência da grande quantidade de informações; essa apreensão foi em julho de 2019, ela foi realizada pela Polícia Militar e Polícia Civil local de Rondonópolis, nós pudemos identificar, por meio das análises dos celulares, que aquela droga apreendida de posse das duas menores, elas de fato pertenciam ao grupo e à organização investigada. estavam envolvidos naquela situação aos quais podemos efetivamente afirmar isso ao longo da investigação, o líder, o Marreta, o Derizone e o Serra Branca, consequentemente os dois que estavam recolhidos no sistema prisional lá [...], o Derizone, durante as conversas fica claro que o Derizone já havia feito o pagamento de parte daquele dinheiro, daquela droga que eventualmente veio a ser apreendida no município de Rondonópolis de posse das menores, e fica bem claro ali, comprovado por meio dos relatórios, a conversa entre eles, no momento em que o Rodrigo exclui do grupo as meninas, aquelas meninas, as menores que foram apreendidas lá eram integrantes do grupo, elas foram retiradas do grupo por motivo de segurança. MP: A ‘Boneca de Luxo’ e a ‘Bela Dona’, né? T: Exatamente, elas foram retiradas do grupo na mesma data, juntamente com o Felipe Radan, que é um outro integrante da organização, eles foram retirados do grupo naquela mesma data por questões de segurança, e eles lamentam efetivamente a perda da carga, perderam um valor expressivo, e que iriam dar sequência nas tratativas ali para recuperar o prejuízo que eles haviam acabado de sofrer. [...] MP: Parece também que vocês receberam vários relatórios de inteligência financeira demonstrando a incompatibilidade, a incoerência de movimentação bancárias de vários desses acusados por terem disponibilizados suas contas para movimentação financeira da ORCRIM? T: Sim, nós recebemos sim os relatórios de inteligência financeira. MP: Da quebra de sigilo? T: Exatamente, nós pedimos o afastamento do sigilo fiscal dos investigados, não somente por meio da informações de inteligência, as informação de inteligência quando recebemos são analisadas, efetivamente analisadas, e é verificado se há ou não a procedência daquelas informações, nós não a tratamos como cem por cento verdade, em decorrência disso, cada um desses relatórios foi analisado e, em conjunto com os demais conteúdos indiciários que obtivemos ao longo da investigação, pudemos verificar alia discrepância das informações apresentadas, relatada pelos mesmos para as autoridades fiscais, identificar aquelas que não havia nenhum tipo de forma de ser corroborada, e demonstram que realmente as investigações apontavam na direção correta, e que aquele lucro, aqueles valores obtidos eram realmente de origem ilícita. [...] MP: Você se recorda de essa acusada (Patrícia) é uma que adquiriu um veículo para o irmão deficiente? T: Exatamente, ela adquiriu o veículo para ela, esse veículo foi adquirido em nome do irmão única e tão somente para obtenção de desconto e maquiar a real propriedade do veículo; o veículo foi verificado durante vários dias, foram várias diligências realizadas, o veículo sempre estava na garagem da casa dela, ele nunca foi utilizado pelo deficiente, nem mesmo pela genitora, ficava de posse única e exclusiva dela, inclusive esse veículo foi utilizado na participação de um roubo em outro município, salvo engano isso consta em um dos relatórios, que não deixa a menor dúvida da utilização ilícita desse veículo aí adquirido com produto do crime. [...] MP: E essa Simone, que chama de Blindada, que o senhor disse que estaria no grupo operacional [...], ela já estaria presa, o senhor recorda de algum.... T: Se não estou enganado, ela já se encontrava presa e mantinha contato direto não só com o Marreta, mas com as pessoas a ela vinculadas na organização, por meio de troca de mensagens nos próprios grupos onde foi possível identificá-la, da mesma forma, fornecimento de conta, realização de pagamentos, prestação de contas, cada um deles foi obtido elementos suficientes do envolvimento, como eu disse para o senhor, os que não ficaram efetivamente comprovado nos evitamos de incluir no relatório final do inquérito, deixaram de ser indiciados [...]. MP: Inclusive tem um áudio aqui do Marreta para a Ana Maria dizendo, falando que ela estava devendo dinheiro já, que eles tinham mais pessoas para ajudar, que ela não era a única pessoa que estava presa etc., tem coisa nesse sentido também? T: Isso. MP: Aparentemente ela adquiria drogas deles e estava devendo? T: Exatamente, essas pessoas que nós colocamos ali no núcleo operacional eram as pessoas que transacionavam direto com os líderes, né?, trabalhavam ali na solicitação de compra, participação; um exemplo claro de como trabalhavam é o Derizone e o DDD, naquela transação da meia tonelada que foi apreendida em Rondonópolis, eles ali pagando parte daquele valor, que é uma compra em consórcio que eles têm o costume de fazer há muitos anos aqui no estado, que dessa maneira eles barateiam o custo da droga, parte da droga às vezes chega para a revenda e eles aproveitam o frete dependendo do caminhão que está disponível, do veículo que está disponível, fica mais barato para eles trazerem um quantidade maior de droga e dividirem os custos, e porque não os riscos, de uma eventual apreensão. [...] MP: Tem uma situação em que o Luciano fala que estaria vendendo uma casa dele, não sei se é em Nova Olimpia, em algum lugar assim, o senhor se recordar disso também? T: Me recordo de um áudio.... MP: Para investir no Paraguai, coisa do tipo? T: Sim, me recordo de um áudio sim nesse sentido, nessa análise ficou bem claro ali que ele estava com interesse em se dispor de alguns dos imóveis que ele possuía ali em Nova Olimpia, o interesse dele em investir lá , aí não sabemos se para aquisição de drogas ou mesmo para formar patrimônio também [...], mas serviu realmente para a gente confirmar o patrimônio ocultado por ele ali naquele município, porque fomos verificar, não tinha nada em nome dele, como é comum em todos os criminosos contumazes, a utilização dos parentes para usufruto e administração daquele patrimônio por ele obtido. [...] MP: E o Emanuel Salgueiro Spindola, esse seria um dos que emprestariam contas também, parece que ele alegou que uma outra pessoa teria pedido a conta dele, movimentou [...] bastante dinheiro? T: A exemplo dos demais, da própria Beatriz... MP: O Anderson? T: Da Beatriz, que é daquela mesma região... o Anderson é um caso peculiar, porque é o sogro dele, né?, a exemplo do Emanuel, da Beatriz, são moradores da região de fronteira ali, região de Ponta Porá, Amambai, e as contas deles foram muito utilizadas por eles para recebimento de transferência de valores, não tem como eles falaram que desconhecimento, nem tratar como um fato isolado, porque são dezenas de comprovantes que vieram a ser corroborados com as informações de volume de transação financeira por eles realizadas [...], ele [o Anderson] é pai da esposa dele, ele fala que é ex-mulher desde sempre, mas até onde a gente sabe é esposa dele [...] Karoline [...], o Anderson, que era o sogro dele, foi utilizada também em diversas oportunidades e, por coincidência ou não, em 2019, durante uma outra investigação que ocorreu, quando o Marreta e um outro preso foram indiciados por tentar entrar com um freezer com cem ou duzentos celulares, não lembro a quantidade [...], na Penitenciária Central do Estado, esse freezer foi levado até a PCE com o veículo de propriedade do Marreta, que ficava à disposição do Anderson, e o motorista do veículo que levou o freezer recheado de celulares até a PCE foi o próprio Anderson, isso foi documentado, estou afirmando isso porque também fui o presidente daquela investigação, então a relação deles vai muito mais além de ser o sogro dele, tinha participação efetiva nos crimes por ele praticados. [...] MP: Esse dinheiro batia na conta e saia, as pessoas ficavam com determinados valores em espécie, o senhor conseguiu apurar, não deu para apurar não? T: Não, exatamente isso, embora a gente não tenha feito ali uma solicitação de análise completa das contas em decorrência do volume, natureza, era muito claro quando a gente conseguiu o afastamento fiscal e veio o balanço de entrada e saída das contas, ficou bem claro que eram contas de passagem mesmo, se o senhor for fazer uma análise via verificar que os valores à crédito são sempre bem semelhantes dos valores à débito, então fica bem caracterizado que a conta servia só para.... MP: Parar lavagem, para ocultação [...]? T: Para ocultar e dissimular a origem dos valores exatamente. [...] (Id. 209323079 - pág. 1 a 209323081 - pág. 3 – relatório de mídias). O PM Sérgio Martins Lisboa descreveu a investigação de maneira semelhante e acrescentou que, em diligência, constatou que “uma casa com piscina, em dois lotes, lá em Nova Olímpia, de propriedade de Luciano, estava em nome de uma das filhas dele, Lorrayne” (Id. 209323079 - pág. 1 a 209323081 - pág. 3 – relatório de mídias). O depoimento do IPC Mário Cesar Oliveira Borges auxiliou na compreensão do caso: MP: [...] gostaria que você fizesse para nós um resumo dessa Operação Parasita, que culminou no desmantelamento de uma célula do Comando Vermelho, que atuava em várias cidades do estado [...], vocês identificaram as lideranças, identificaram o núcleo operacional, identificaram também várias pessoas que disponibilizavam suas contas bancárias para trânsito de valores, então faça um apanhado geral para nós e depois a gente pode fazer uma ou outra pergunta para você especificando. T: Tudo bem, posso começar? MP: Pode. T: Pois bem, as investigações iniciaram após a prisão de um indivíduo chamado Vitor Hugo, no município de Nova Mutum; nessa prisão foi apreendido o aparelho celular dele, após autorização judicial foi analisado o conteúdo desse aparelho, após análise do conteúdo desse aparelho chegou-se à conclusão que estava agindo naquele momento uma organização criminosa voltada ao tráfico de entorpecentes e lavagem de capitais, após várias diligências, várias análises nesse aparelho, ao final várias pessoas foram indiciadas por organização criminosa, tráfico de drogas e lavagem de capitais; a principal liderança desse grupo criminoso é o Marreta, Luciano, vulgo Marreta, já bastante conhecido das forças policiais aqui; o Marreta tinha como principal braço aqui fora, fora do presídio, porque ele atualmente encontra-se preso na PCE, a criminosa Ana Maria, que representava ele aqui fora; Ana Maria contava também com algumas pessoas na empreitada de tráfico de drogas e lavagem de capitais; são várias pessoas, agora eu tenho que olhar aqui os nomes dela. MP: O casal lá da Paraíba, você se recorda, o Rodrigo e a... T: O Rodrigo, vulgo Serra Branca e a Renata; o Rodrigo estava preso no presídio de Campina Grande, na Paraíba; na época, o casal tinha a missão de fazer a contabilidade dos valores que entravam nas contas e controle de pessoas que faziam parte do grupo, Renata e Serra Branca, é isso, Renata e Serra Branca. MP: Certo, a Renata seria a Mana Preciosa? T: É, o vulgo dela é Mana Preciosa. MP: Entendi, tem uma denunciada também, a Patrícia, ela é conhecida como Vida Loka e tem... tinha empresas registradas no nome dela só no papel, só no direito, já tem conhecimento desse fato, fez alguma diligência nesse sentido? T: Sim, em relação à Patrícia nós fizemos bastante diligências, nós notamos uma participação muito importante dela também, na época, ela emprestava a conta dela para recebimento de depósitos, agora, de cabeça, não vou saber o montante que girou na conta dela, mas foi um valor expressivo, levando em consideração o fato dela não ter nenhum emprego formal registrado e ter registrado em seu CPF duas pessoas jurídicas [...], empresa fictícia, só tem no papel, mas não existe de fato. MP: O senhor foi um dos que diligenciou e verificou isso? T: Em relação à Patrícia sim, participei muito das diligências em relação a ela. [...] MP: Você tem conhecimento se esse grupo criminoso perdeu quinhentos quilos de maconha em Rondonópolis, que foram apreendidas na posse de duas adolescentes? T: Perdeu.... não lembro que força que fez a apreensão desse entorpecente, mas teve sim, inclusive saiu em várias mídias sociais e nos grupos de WhatsApp aos quais os acusados pertenciam; após a prisão, eles jogaram imediatamente no grupo de WhatsApp deles informando essa prisão e a apreensão desses entorpecentes, que era do grupo sim. [...] MP: E desse outro grupo de pessoas pelos quais transitou o dinheiro [...] saberia identificar mais algum integrante aí da ORCRIM? T: Doutor, minha missão nessa investigação foi fazer diligências de campo, conversar com pessoa que eram próximas dos investigados, levantar patrimônio deles, nessas diligências nós percebemos tranquilamente a participação efetiva desse pessoal com valores; eu não fiz análise financeira [...], mas analisando de forma bem rasa percebeu-se que eles movimentaram muito dinheiro mesmo sem emprego formal, mesmo sem nada que pudesse justificar esses valores. [...] MP: Chegou a visitar outras cidades, nessas diligências de campo? T: Sim, fui em outros estados, fui em Goiás, fui em Mato Grosso do Sul, fui na Paraíba. MP: O que o senhor verificou dessas diligências? T: Eu não sei se eu falei da Ana Maria, ela é uma peça chave nessa organização criminosa, as coisas aconteciam depois que passavam por ela, as determinações eram dadas pelo Luciano, que estava preso, e quem ditava as regras aqui fora era a Ana Maria; Ana Maria é bastante conhecida nossa aqui como traficante, ela tem registro criminal também por tráfico de drogas em Goiás, mais precisamente na comarca de Mineiros, ela está foragida inclusive de Mineiros, se eu não estou enganado, era bastante atuante na região norte [...], lá o pessoal conhece muito ela. MP: Correto, ela é de qual cidade? T: Ela é natural do estado de Goiás, agora, eu não lembro se é Mineiros ou se é outro município do interior de Goiás, mas ela é do interior de Goiás. MP: Chegou a trabalhar no caso de um carro, de um veículo Focus, que existia uma procuração da acusada Veridiana para o irmão do Luciano? T: Sim senhor, outro detalhe importante que demonstra o vínculo desse pessoal todo, essa situação desse Ford Focus; a Veridiana era a pessoa de confiança da Ana Maria no município de Feliz Natal e Vera, a Veridiana traficava drogas lá na região, também fazia cobranças a mando da Ana Maria, ela tinha um veículo registrado no nome dela, um Ford Focus, esse Ford Focus ela preencheu a procuração e outorgou poderes ao irmão do Luciano, o Sandro; diligenciando aqui no estado, nós conseguimos encontrá-lo lá em Jaciara, com posse desse veículo. MP: Soube também que as vezes o Luciano se valia de familiares para ocultar o patrimônio dele, imóveis na cidade de Nova Olimpia, tema alguma informação nesse sentido? T: Sim, fui em Nova Olimpia também, os valores obtidos com a prática de crimes, não só de agora, o Luciano Marreta vem agindo aqui no estado há décadas, é um criminoso bastante conhecido aqui; o dinheiro que eles... o lucro que obtinham dessa prática criminosa ele investia na maioria das vezes em imóveis, principalmente no município de Nova Olimpia, onde os pais dele residem [...]. [...] MP: [...] o senhor sabe se Ana Maria comprou um veículo zero em nome do irmão dela [...]? T: A Ana Maria não, a Patrícia [...], ela comprou um Fiat Kronos utilizando os dados do irmão dela, o irmão dela é um especial, só que esse veículo nunca foi do irmão dela, nunca foi da mãe dela, esse veículo sempre foi da Patrícia, inclusive foi utilizado em um assalto ocorrido em Arenápolis há um ano atrás, isso foi muito bem demonstrado no relatório policial que nós anexamos no inquérito; o carro nunca foi do irmão dela, sempre foi dela, isso confirmamos várias vezes, em várias diligências. [...] Defesa: Nessas investigações vocês viram se as empresas já estão desativadas ou se estava ativa? T: Quais empresas? Defesa: As empresas da Patrícia [...]? T:As fictícias empresas da Patrícia... não tem empresa, tem só no papel, de fato não funciona, as empresas dela uma é na residência da mãe e outra é próximo da avó. Defesa: Então, mas no papel está ativa ou inativa? T: Não vou conseguir falar agora com detalhe doutora se está ativa ou inativa, nós conseguimos confirmar que não funciona de fato essas empresas. Defesa: Entendi, e a questão do veículo, qual foi o ano que vocês fizeram a investigação em local que viram que o carro não se encontrava na mãe dela nem com o irmão dela? T: No decorrer de 2020 inteirinho, após a aquisição desse veículo, esse veículo nunca dormiu nem um dia na casa da mãe dela nem da avó onde o irmão dela mora, sempre dormiu na garagem dela, onde ela foi presa. [...] (Id. 209323079 - pág. 1 a 209323081 - pág. 3 – relatório de mídias). O relato do IPC Renato de Melo Castro foi esclarecedor: MP: Tem um relatório extenso aqui subscrito pelo senhor, quase duzentas páginas, da análise dos dados extraídos do celular do Vitor [...], gostaria que o senhor fizesse um resumo aí do que o senhor procurou, creio que o senhor tenha dado uma revisada no relatório para relembrar antes da audiência. T: [...] doutor, antes de eu iniciar, eu queria, antes de entrar no relatório, eu queria contextualizar como que se chegou a esse fato; Nova Mutum, como é público, nós estamos numa rota muito pesada de tráfico, aqui a gente está dentro da BR-163, então o controle pelo tráfico de drogas da nossa região aqui é importantíssimo para qualquer organização criminosa; o Mato Grosso, como é sabido, hoje é amplamente comandado pelo Comando Vermelho, Nova Mutum não é diferente; pois bem, aqui em Nova Mutum doutor, a gente estava numa situação, o seguinte, os faccionados de Nova Mutum estavam desorganizados, o que estava acontecendo, não tinha uma liderança forte na cidade que fizesse com que o Comando Vermelho tivesse o comando geral mesmo do tráfico aqui em Nova Mutum, por que ele não tem isso, doutor?, continua não tendo também devido ao forte trabalho que as polícias têm aqui, não só a Polícia Civil, como a Polícia Militar, que a gente trabalha muito forte nessa questão aí do desmantelamento dessas organizações criminosas, a gente sabe que é através delas que vem todos os outros crimes; pois bem, o Marreta, que é o Luciano Mariano da Silva, todo mundo conhece, ele tinha o controle na época do Comando Vermelho na nossa região, ele tinha o controle aqui; porém, ele tinha alguns desafetos aqui na cidade. que seria o Anailton dos Santos, que era um cara identificado como Coroa, posteriormente doutor, a gente fez um trabalho aqui em relação a Anailton, ele foi preso lá no Nordeste juntamente com o Everson, que é o Evinho, eles foram presos em outra operação nossa aqui também da DEF; o Marreta, ele tinha essa desavença principalmente com esses dois traficantes, esses dois traficantes, eles são extremamente articulosos, principalmente o Anailton, então, o que o Anailton estava fazendo, estava arrebanhando pessoas que estavam descontentes com a falta de liderança do Comando Vermelho em Nova Mutum, tudo que estou falando para os senhores aqui doutor é investigação anterior ao relatório, levantamento nossos, e o que acontece, chega num determinado momento, no mês de agosto de 2019, o Marreta pega e manda para Nova Mutum o Vitor Hugo, que é um criminoso, faccionado do Comando Vermelho, e dá ordem para ele, fala: “olha, eu preciso colocar ordem em Nova Mutum”, e é o que ele faz aqui em Nova Mutum, ele vem para cá com esse propósito [...], para colocar ordem na casa, né?, tanto que o Marreta, em determinado momento, tá no relatório, ele até comenta: “vê aí algum meio da gente poder fazer alguns roubos de caminhonete”, expandir o negócio mesmo da facção, e o Vitor fala: “oh, meu negócio é matar, roubar não, eu vim aqui para tomar conta, se você precisar que eu tome conta da quebrada, se você precisar que eu elimine desafetos, eu tô aqui pra fazer isso”, então, essa vinda do Vitor Hugo para Nova Mutum devolve para o Marreta, mesmo que seja momentaneamente, um pouco do controle da organização criminosa aqui em Nova Mutum [...]. MP: Pode continuar então, quando chegaram à prisão então, na análise dos celulares, vocês verificaram que o Vitor Hugo, por essa proximidade que ele tinha com o Luciano, ele estava ali vinculado também à Ana Maria, à Patrícia, que recebia dinheiro das suas contas, um casal lá do Nordeste, o Rodrigo, Serra Branca, e a Mana Preciosa, a Renata? T: Isso. MP: Pode nos dizer um pouco desse núcleo aí da liderança? T: Isso, o que que acontece doutor, não tem como a gente falar do Marreta sem a gente falar da Ana Maria, a Ana Maria é os dois braços e as duas pernas do Marreta. MP: Total confiança dele, vários policiais disseram isso. T: De confiança, porque o que acontece, quando a pessoa entra para dentro da organização criminosa, para você ter essa proximidade com pessoas do escalão, por exemplo, que é o Luciano, você precisa ser uma pessoa articulada, sem medo nenhum, desprendida de qualquer coisa, porque tá colado ali hoje no líder. MP: Mas a Ana Maria não é de Nova Mutum? T: Não, não, a Ana Maria não, mas o controle do Comando Vermelho, que é como tá no relatório, que tá bem explícito, não se limitava só a Nova Mutum. MP: Só para saber mesmo. T: Após a prisão deles, que a gente fez a devassa, a Ana Maria, bem sabida, ela é de Cuiabá, né? MP: Ela administrava todas essas cidades aí da região. Feliz Natal, Vera? T: É a voz ativa do Luciano, né?, na realidade doutor, que fique bem claro, que a história do Luciano dentro da organização criminosa do Estado, se a gente for parar para analisar, infelizmente o Luciano, em determinado momento, se a gente for ver tantas operações que foram feitas contra ele, ele é maior que o Comando Vermelho, ele é um cara, um criminoso, que se ele soubesse usar o poder de administração que ele tem para coisa certa, para fazer o correto, esse cara seria extremamente exitoso, né? MP: Entendi, e a Patrícia Vida Loka, o senhor se lembra do relatório, se aparecia o nome dela, como pessoa que administrava, recebia vários valores? T: Eram pessoas que estavam próximas do Marreta e que faziam essa troca de contas, né?, faziam, se não me engano, dar naquele grupo cobranças, né?, está muito bem explicado lá. MP: O casal também, o casal da Paraíba também, o próprio Marcílio, que é de Derizone, o DDD, que é o Daniel, são pessoas que tinham, recebiam drogas do Luciano também. T: Sim, doutor, com certeza. MP: Ficou bem esclarecido no relatório? T: Ficou muito bem esclarecido, é que assim doutor, nós chegamos num ponto que a gente não tinha perna para poder trabalhar, né?, embora a gente quisesse muito trabalhar mais informações, o relatório ficou muito grande, a gente precisava de ajuda, tanto que a gente compartilhou essa informação junto com a GCCO e junto com a Força Tarefa, né?, com a brilhante ajuda aí da Polícia Federal, aí da Polícia Militar, eles tiveram mais tempo para trabalhar na realidade no relatório do que nós mesmos, né? MP: O senhor soube posteriormente que realmente foram detectados vários outros participantes da organização criminosa que disponibilizam seus nomes, suas contas bancárias para trânsito desses valores? T: Sim doutor. [...] Defesa: Nos telefones apreendidos, em relação a Patrícia, nessas investigações o senhor apurou o que sobre ela? T: A Patrícia é membro ativa do Comando Vermelho, as contas dela eram utilizadas para a organização criminosa [...], dinheiro. Defesa: E na questão do celular, o senhor verificou se ela fazia parte de liderança ou só membro mandada por alguém? T: A liderança em si doutora, dentro da organização criminosa, liderança quando a gente fala, falamos em três lideranças, quais são elas: a liderança que a gente chama do conselho do Comando Vermelho, que no caso seria o Marreta; nós temos a segunda liderança, uma liderança local, que é chamada de voz ou torre, e temos uma terceira liderança que está sempre ligada no conselheiro, dentro da hierarquia ela não tem ligação com o gerente local, tem ligação aqui dentro, essas são as lideranças de fato dentro da organização criminosa Comando Vermelho [...], então seja, a Patrícia é uma pessoa de extrema confiança da liderança do Comando Vermelho, sabe das atitudes ilícitas, isso é fato comprovado. [...] (Id. 209323079 - pág. 1 a 209323081 - pág. 3 – relatório de mídias). Os demais policiais ouvidos ratificaram as informações constantes nos relatórios que instruem os autos, detalhando a estrutura da organização, seu modus operandi e delimitando, pormenorizadamente, a participação de cada um dos denunciados nos delitos (Id. 209323079 - pág. 1 a 209323081 - pág. 33 –relatório de mídias). Conforme reiteradamente decidido, o relato dos policiais que participaram da investigação “merecem a credibilidade e a fé pública inerente ao depoimento de qualquer funcionário estatal no exercício de suas funções, principalmente, quando corroborados pelos demais elementos de provas nos autos [...] e ausentes indícios de que houvesse motivos pessoais para a incriminação injustificada dos investigados” (STJ, HC 698.947/SP, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), QUINTA TURMA, julgado em 23/11/2021, DJe 26/11/2021). Além disso, “os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal” (Enunciado n. 8 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas TJ/MT). Invoco ainda os seguintes julgados: [...] entende este Tribunal da Cidadania que "os depoimentos prestados por policiais têm valor probante, na medida em que seus atos são revestidos de fé pública, sobretudo quando se mostram coerentes e compatíveis com os demais elementos de prova dos autos, e ausentes quaisquer indícios de motivos pessoais para a incriminação injustificada do investigado, como na espécie" (AgRg no AREsp n. 1.997.048/ES, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 15/2/2022, DJe de 21/2/2022). [...] (STJ, AgRg no HC n. 810.819/PB, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 17/6/2024, DJe de 19/6/2024). [...] A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que "o depoimento dos policiais prestado em Juízo constitui meio de prova idôneo a resultar na condenação do réu, notadamente quando ausente qualquer dúvida sobre a imparcialidade dos agentes, cabendo à defesa o ônus de demonstrar a imprestabilidade da prova" (AgRg no HC n. 672.359/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/6/2021, DJe 28/6/2021)". [...] (STJ, AgRg no REsp n. 2.123.639/MG, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 27/5/2024, DJe de 3/6/2024). A quebra de dados autorizada – e seus respectivos relatórios de análises – se agregam aos elementos de convicção angariados. In casu, o acesso ao conteúdo dos telefones revelou a existência de “grupos do aplicativo WhatsApp onde as lideranças administravam abertamente os negócios ilícitos da ORCRIM. Identificaram-se grupos para diversas finalidades, como cadastrar e recrutar novos faccionados; explicar o funcionamento da ORCRIM e expedir comunicados gerais, especialmente sobre as regras a serem observadas; prestar contas dos valores recolhidos; manter contato com facções criminosas aliadas com atuação em outros estados brasileiros; promover e determinar as práticas ilegais, especialmente o tráfico de drogas e armas; intimidar os membros que não seguem as regras; incutir nos membros a “cultura organizacional” direcionada ao crime; dentre outras condutas” (Relatório Final FICCO/MT – Id. 209320963 - pág. 1- 116). Além disso, demonstrou que a “organização criminosa independente, possui [...] estreita relação e relações comerciais com a organização criminosa Comando Vermelho, mas que é liderada de maneira autônoma”, foi criada por Luciano em meados em 2018 e era liderada por ele. A análise de dados evidenciou que, em 27-7-2019, Marreta “postou sua fotografia no grupo” e “informou que cada unidade (tablete) de maconha está sendo comercializada pelo valor de R$ 850,00 (oitocentos e cinquenta) reais. E se algum faccionado adquirir acima de 100 kg (cem quilos) de entorpecentes ele reduz o valor da droga”. Também constatou que, em 3-8-2019, ele enviou a seguinte mensagem a Ana Maria [Lokura]: “Boa Noite aí família nativa! É nós tamu junto! Oh Oh, “Lokura”! Me abre um grupo e traz os fornecedor aí todinho das cidades aí... Abre um grupo e me traz todos os fornecedor da região de Alta Floresta e Alta Floresta...todos...todos.” (Id. 209320963 - pág. 19 O relatório de extração de dados forneceu ainda várias conversas em que Marreta orienta os demais membros da cadeia de comando a respeito das providências que devem ser adotadas na gestão do tráfico de drogas: Áudio 10 [...] Ô LOKURA tem outro aí ó, outro cabriteiro, VINICINHO tá, cabriteiro já se rende, falô que não quer problema, é todos eles já tá avisado, quem fecha com o comando vermelho tem até a zero hora, meia noite, depois de meia noite eu não aceito mais nenhum, todos que eu pegá eu vou mata, tem até meia noite pra todos cabriteiro da cidade me procurar tá, aquele que não me procurar até meia noite não me procure mais só vou matar, não aceito mais cadastro beleza? E o COROA está dentro da cidade tá, os lojistas que está dentro da cidade aí já caça a casa desse COROA e passo o endereço do COROA, o COROA está na cidade, não vem me dizer que trinta lojista nosso aí não sabe onde o COROA mora entendeu? (Id. 209320956 - pág. 73). O LOKURA tá aí ó, o tal do MARANHÂO do carro preto, falou que não quer problema não, vai cadastrar, disse que só tem pinos, família esse MARANHÃO, vende droga aí de quem, de balinha, de caixa, como que é , ele é envolvido com esse COROA, passa a visão desse cara aí para mim. Ele disse que só tem seis pinos de cocaína, só vende umas cocaínas, aí ajeita aí gurizada, vamo pegar do mesmo tá 12K, não vai ninguém das gurizada, põe só... pega um viciadinho de alguém e manda buscar lá, o gurizão aí, manda aí buscar tá, não vai ninguém, aí cadastra ele, solta droga pra ele trabalhar, tá vê lá LOKURA, dá atenção aí daquele jeito o mano 102, não dá mole (Id. 209320956 - pág. 83-84). A quebra de dados comprovou ainda que Luciano atuava intensamente na distribuição/comercialização de substâncias ilícitas. A prática delitiva foi bem delimitada neste trecho da sentença: Entretanto, foram juntados aos autos trechos de conversas extraídas do aparelho celular apreendido junto a outro suspeito, devidamente colacionados ao relatório final de ID 48975550, no qual o réu LUCIANO, vulgo “Marreta ou Maresia”, informa que cada unidade (tablete) de maconha está sendo comercializada pelo valor de R$ 850,00 (oitocentos e cinquenta reais), valor que poderá ser reduzido caso adquiram quantia de entorpecente superior a 100 kg, senão vejamos: [imagens] Já nos grupos específicos por município, o denunciado LUCIANO revela sua imposição como líder da organização criminosa por meio de mensagem enviada no grupo de whatsapp intitulado “Baza Alta Floresta”, no qual ordena que a vulgo “Lokura”, identificada como Ana Maria de Souza, crie outro grupo no aplicativo e ali inclua todos os fornecedores de drogas da cidade de Alta Floresta/MT e adjacências, in litteris: [...] Ainda, consta dos autos que houve uma apreensão de quase meia tonelada de maconha no município de Rondonópolis/MT, em 26/07/2019, na posse de duas adolescentes, Nattalicy dos Anjos Moraes e Samira Victoria da Silva, conforme boletim de ocorrência n. 2019.221790 (ID 48961561 – págs. 19/21). Neste tocante, verifica-se dos registros de conversas analisadas e extraídas dos aparelhos apreendidos que ainda na madrugada do referido dia, 26/07/2019, saudavam-se os comparsas no grupo de mensagens, informando que estariam presentes no grupo as integrantes “BONECA DE LUXO” e “BELA DONA”, informando ainda que ambas são de Rondonópolis. Sobreleva mencionar que a adolescente Samira Victoria da Silva, ouvida perante a autoridade policial, confirmou sua alcunha de “bonequinha de luxo”, conforme consta do termo de declarações de ID 48961561 – pág. 36, evidenciando o envolvimento das menores com a organização criminosa em comento. Prosseguindo, logo em seguida, LUCIANO posta no grupo a foto da carga ainda armazenada em fardos, bem como faz menção às adolescentes, cujas alcunhas são “BONECA DE LUXO” e “BELA DONA”: [...] Ato contínuo, após a confirmação da chegada do carregamento de maconha, LUCIANO começa a tratar da distribuição e informa que MARCÍLIO já teria adquirido 20 kg da substância entorpecente, vejamos: [...] Neste cenário, especificamente quanto ao delito de tráfico de drogas, verifica-se que a materialidade delitiva restou comprovada pela apreensão do entorpecente na posse das menores e pela confecção do laudo pericial definitivo n. 3.14.2019.58422-01, juntado sob ID 71275793, elaborado pela POLITEC, constatando-se que a substância apreendida apresentou resultado positivo para a presença de MACONHA (Id. 209325662 - pág.17- 22). Saliento que, no contexto, a falta de apreensão de drogas diretamente na posse Luciano não descaracteriza a traficância imputada a ele. A jurisprudência é pacífica no sentido de que a “ausência de apreensão de drogas na posse direta do agente não afasta a materialidade do delito de tráfico quando estiver delineada a sua ligação com outros integrantes da mesma organização criminosa que mantinham a guarda dos estupefacientes destinados ao comércio proscrito” (STJ, HC n. 536.222/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 23/6/2020, DJe de 4/8/2020). Colaciono ainda os seguintes julgados: [...] Outrossim, nos termos da jurisprudência desta Corte, a "caracterização do crime de tráfico de drogas prescinde de apreensão de droga em poder de cada um dos acusados; basta que, evidenciado o liame subjetivo entre os agentes, haja a apreensão de drogas com apenas um deles para que esteja evidenciada, ao menos em tese, a prática do delito em questão. Assim, a mera ausência de apreensão de drogas na posse direta do agente "não afasta a materialidade do delito de tráfico quando estiver delineada a sua ligação com outros integrantes da mesma organização criminosa que mantinham a guarda dos estupefacientes destinados ao comércio proscrito", conforme decidido por ocasião do julgamento do HC n. 536.222/SC, de relatoria do Ministro Jorge Mussi (5ª T., DJe de 4/8/2020)" (HC n. 686.312/MS, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 12/4/2023, DJe de 19/4/2023). [...] (STJ, EDcl no HC n. 757.182/PE, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 6/6/2023, DJe de 12/6/2023). [...] Esta Corte possui entendimento de que para a caracterização do crime de tráfico de drogas é prescindível a apreensão de droga em poder de cada um dos acusados, desde que seja evidenciado o liame subjetivo entre os agentes e haja a apreensão de drogas com apenas um deles. Assim, "a mera ausência de apreensão de drogas na posse direta do agente "não afasta a materialidade do delito de tráfico quando estiver delineada a sua ligação com outros integrantes da mesma organização criminosa que mantinham a guarda dos estupefacientes destinados ao comércio proscrito", conforme decidido por ocasião do julgamento do HC n. 536.222/SC, de relatoria do Ministro Jorge Mussi (5ª T., DJe de 4/8/2020)" HC n. 686.312/MS, Terceira Seção, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 19/4/2023) [...] (STJ, AgRg no AREsp n. 2.256.875/MG, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 6/6/2023, DJe de 12/6/2023). As provas produzidas denotam ainda a responsabilidade de Luciano na lavagem de capitais. Consoante apurado, ele adquiriu o imóvel localizado na Rua Pará, 291-W, Quadra 03, Lote 07, Bairro Jardim Castanheira, Nova Olímpia/MT, em nome de Lorrayne Mariana Teles, visando ocultar os valores obtidos com as atividades ilícitas desempenhadas. Na mensagem colacionada, Sandro Mariano conversa com a arquiteta que foi contratada para regularizar o referido imóvel e em diversos trecho confirma que a residência pertence ao seu irmão Luciano: Opaaaa, bom dia primeiramente para a senhora, deixa eu falar para a senhora... a senhora acelera esse povo aí pra mim faz favor... porque que pague ou de graça ou que não pague, mais eu preciso dessa multa na minha tá, eu preciso que a senhora acelere esse processo aí faz valor... porque a advogada aqui do dono da casa que é meu irmão, ele tá mi querendo essa multa de todo jeito... então eu pelo pra senhora fazendo favor... que a senhora aprece o povo aí de todo jeito eu quero essa multa em mão... ou de graça ou pago eu precisar dela... tá a senhora me manda uma resposta faz favor... e me aqui ah ah... manda a obra ou manual da casa para mim lançar para advogada que ele ver também... a senhora manda as fotos tudinho que a senhora fez o pedido tá... a senhora mi acelera esse processo faz favor porque é o menino que quer ver de todo jeito... o que é de graça ou pago ele quer a multa na mão.... a senhora me faz um favor tá... eu tenho que descer aí agora... o que mês que vem eu tenho que descer aí tá.... ou então antes de eu descer (Id. 209325662 - pág. 27). Aliás, como o magistrado sentenciante ressaltou, em decorrência da cobrança, “a arquiteta Janaina Eliete Behrenz, que mantém contato com Sandro, envia para o interlocutor um arquivo em PDF do CREA/MT, cujo conselho, depois de oficiado, encaminhou cópia integral do procedimento, do qual se extrai que se refere a um auto de infração n. 2019003606. Ocorre que aludido auto de infração corresponde ao imóvel localizado na Rua Pará, Quadra 03, Lote 07, Bairro Jardim Castanheira, Nova Olímpia/MT, registrado em nome de Lorrayne Mariana Teles, e possui como requerente e responsável pela defesa administrativa justamente a arquiteta Janaina Eliete Behrenz (ID 48961567 – pág. 117), revelando a ligação do bem com o réu LUCIANO “MARRETA”” (Id. 209325662 - pág. 27). Conquanto o nome de Luciano não conste na certidão de nascimento de Lorrayne, as mensagens obtidas nos celulares apreendidos espancam qualquer dúvida quanto ao vínculo familiar que existe entre eles. Inclusive, em uma das conversas obtidas, o próprio Luciano deixa claro que Lorrayne é sua filha: É... Karol, olha só, fica tranquila, vai viver sua vida, né... você é a mãe do meu filho, eu tenho um grande respeito por você. Isso aí não me atinge em nada, cada um faz o que quer da sua vida, eu sei que é difícil isso aqui, mas fica tranquila tá?, sobre isso é de menos, eu só que você faz o seguinte, você vai ter que ir lá no cartório tirar a união publica que nóis casou lá, entendeu. Faz esse favor para mim aí. Do mesmo jeito que eu respeito seu direito, ei quero que você também tenha um respeito por mim, porque eu sou pai do seu filho. E outra coisa, aquele dinheiro do carro é seu, eu não quero. O que é teu é teu. Agora os sete mil e setecentos que o irmão passou para você, eu quero que você pega cinco mil reais e manda lá pra minha filha, pra Lorrayne, e tem ligação agora que eu vou ligar pra ela lá. Você sabe que eu tô sem dinheiro, vou vender minha casa, mas não vai ser de um dia pro outro, e eu não posso ficar sem as coisas aqui. Então cinco mil reais desse dinheiro você manda pra Lorrayne, pra vó dela e eu vou ligar. Ou então melhor, entrega pro Rafael, o número do Rafael é [...], entrega minha identidade pro Rafael, entrega cinco mil reais desse dinheiro, vai lá no cartório tira lá a união publica que nois é casado [...] (Id. 209325662 - pág. 29). A análise de dados ratifica o envolvimento de Ana Maria de Souza na organização criminosa. As conversas demostraram que a recorrente – que é conhecida como ““Lokura”, “Safira” ou “Preciosa” – possui as funções de cooptar e cadastrar integrantes para atuarem no tráfico de drogas, além de exercer linha direta (repasse de informações) e fazer cumprir as ordens de Marreta. Verificou-se que ela exige dos membros da ORCRIM pontualidade no pagamento dos entorpecentes adquiridos, bem como é quem fornece as contas bancárias para onde se deve enviar todo dinheiro arrecadado”. Além disso, revelaram que ela está “presente em todos os grupos analisados, sempre exercendo claramente voz de comando e superioridade hierárquica sobre os demais. Em um dos grupos minuciosamente analisados, denominado “ADM Fantástico”, foi criado em 14/07/2019 por “Lokura”, então usuária dos terminais telefônicos [...], naquele momento” (Id. 209320963 - pág. 21). Algumas das mensagens enviadas por ela nos grupos têm o seguinte teor: “Cidade de Vera depositou mil cento e cinquenta na conta do fazendeiro”. (Id. 209320963 - Pág. 22). “Ou, cidade de Feliz Natal depositou mil reais na conta da vida loka” (Id. 209320963 - pág. 23). Ana Maria efetuou diversas cobranças: Áudio 42 – Não família, já depositaram o dinheiro aqui, era pra depositar o dinheiro desde cedo, cadê o dinheiro, tem que tá na conta, aí G4 nativa. Áudio 43 – Não, o 004, cadê vocês uai, o dinheiro era para depositar, dá hora que eu mandei a conta aqui ninguém foi fazer o depósito, é urgente, desde cedo tô pedino, falo que ia onze horas até agora ninguém deposito o dinheiro, já é cinco e vinte e sete, e aí G4? Áudio 44 – Cadê o 103, cadê o G4, cadê o 004, nenhum tá respondendo, ué, cadê vocês? (Id. 209320956 - pág. 128). A diálogo a seguir transcrito também é relevante: Áudio 6 – Eu não esprementei dele ainda mano, maise pelo jeito dele é melhor do que o outro, ele é mais né. Áudio 07 – Lokura: doutor, o que que o nosso gerente de Feliz Natal falou do pó, ele me disse que esse é melhor do que o outro, porque ele é mais seco, entendeu? Áudio 08 – Marreta: Porque você vem com esses áudios cara, entendeu? Cê sabe que você vai só ouvir com uns áudios desses aqui entendeu? Isso é uma tiração tendeu cara, tô com dois, três dias pedindo uma porra de um teste se essa mercadoria presta, com três dias vem uma porra de áudio desse aqui entendeu (Id. 209325658 - pág. 33). Além do mais, o Relatório Final da FICOO/MT demonstrou que as publicações dela continham diversos comprovantes de depósito/transferência bancária que beneficiavam a ORCRIM (Id. 209320963 - pág. 24). A quebra de dados comprovou ainda que a prisão Ana Maria em novembro de 2020 repercutiu nos grupos: PTT-20210111-WA0139 – Ele [Marreta] já sabe que a Ana foi presa né, que a Ana rodou, ele sabe que se ela estivesse aqui fora, ela ia ajudar ele né, porque ela morrer por ele” (Id. 209320963 - pág. 34). No que tange a Patrícia Silva Araújo [Vida Loka], a prova técnica confirma que era responsável por movimentar grande parte dos recursos financeiros da organização. Além disso, nos telefones apreendidos foram identificadas conversas em que ela negocia entorpecentes no interesse do grupo: PTT-20210204-WA0290: Perto da sua casa tem 40 quilos. O cara quer mil real em cada um, será que nós não consegue ganhar em cima bem? PTT-20210404-WA0291: Amor, você pega aqui em Cuiabá nesse valor aí? Eu tenho um pagador (inaudível). Você pega nesse valor aqui, na mão, tem aqui? PTT-20210404-WA0292: Heim, você tem foto desse trem aí? [...] PTT-20210404-WA0293: Dá para nós vende a 1.000, 1.100, ganha um em cima entendeu? Na sequência, Patrícia comenta “que sua fornecedora está com 600 quilos e afirma novamente o valor de R$ 850,00: “Do Marreta para mim é 850”. Gordão de surpreende com os valores e, em tom de brincadeira, afirma que Patrícia é muito perigosa e que só mexe com pancadão. [...] Patrícia diz que só pagou 50 quilos e que uma parte mandou para as quebradas e outra parte para o estado do Pará. A troca de mensagens se encerra com Patrícia perguntando se Gordão possui comprador: “Mas tem comprar aí para nos ganhar um rex” (Id. 209320963 - pág. 31-33). Em outra conversa ela encaminha um áudio do líder da organização [Luciano], que faz várias observações e dá orientações a serem repassadas aos demais membros: Marreta: Olha só loira, deixa eu te falar, eu saí da igreja, eu estou na triagem aqui cara. Eu tô no corre com o advogado, com Rafael e Patrícia para levar pro Raio 5, pra dá moral pros guri sozinho, isolado lá mano, tem que sair da triagem e eu preciso que o Rafael ache o Serra Branca, ele e a princesa aí cara, pra resolver o bagulho lá loco aqui pra mim cara, ajuda eu aí pô, ajuda eu aí entendeu, manda o advogado vim aí pô (inteligível) Rafael aí, manda o advogado vim, porque em fevereiro agora tá passando o carnaval, aí março agora já tá bom as estradas pra ir lá pro sitio, entendeu [...] (Id. 209320963 - Pág. 34). As conversas obtidas relevam que, quando Luciano manifestou o desejo de investir no Paraguai, coube a Patrícia a responsabilidade pela venda do imóvel para obter o dinheiro: PTT-20210111-WA0138: Acelera, ele disse que vai vender a casa dele para investir no Paraguai. PTT-20210111-WA0140: Mesmo pra mim, que vai mexer com a venda da casa dele [...] (Id. 209320988 - Pág. 27). A investigação demosntrou ainda que Patrícia criou “empresa de fachada, isto é, fictícia, constituída apenas documentalmente, sem nenhuma atividade econômica” para a lavagem de capitais (Id. 209320988 - pág. 22). Também foram localizadas mensagens em que Ana Maria “posta a foto do cartão de VIDA LOKA, informando em qual conta deveria ser feito o depósito. Logo em seguida, um dos integrantes da organização realiza o depósito na conta” (Id. 209320963 - pág. 29). Foram encontrados “diversos [outros] comprovantes de depósitos realizados na conta de “Vida Loka” (Id. 209320963 - pág. 30). O Relatório Final da FICCO/MT inclusive comprova “por meio da análise de movimentações financeiras das contas da investigada, judicialmente autorizada, [...] que nos últimos 24 meses, Patrícia recebeu mais R$ 1.300.000,00 (um milhão e trezentos reais) em créditos de origem desconhecida)” (Id. 209320963 - pág. 30-31). Além disso, os investigadores constataram que “Seu último vínculo empregatício registrado nos sistemas, no período de 01/08/2015 a 14/07/2018 foi com o Governo do Estado de Mato Grosso desempenhando o cargo de ‘auxiliar de escritório em geral’, com renda média mensal de R$1.652,54” (Id. 209320988 - pág. 24). Também registraram que “com a quebra fiscal deferida judicial e a análise de relatórios de inteligência financeira (RIF’s) expedidos pelo COAF, foram detectadas volumosas movimentações financeiras da facção criminosa em nome dessas pessoas. O somatório total dos valores movimentados nas contas desses membros da organização criminosa foi superior a R$ 18.000.000,00 (dezoito milhões de reais) [...]” (Id. 209320988 - pág. 25). A quebra de dados expôs a condição de faccionada de Simone Maria de Santana Coronel [Blindada], pois ela postou no grupo um comprovante bancário com a seguinte descrição: Meu pagamento, quero participar do sorteio kkkk Blindada [...] boa noite a todos (Id. 209320963 - Pág. 48). Em outra conversa extraída de um grupo de conversa mantido pelos responsáveis pelas finanças, Luciano orienta Ana Maria quanto à inadimplência de Simone e determina a advertência dela: Áudio 10: “O LOKURA, ó esse mês a BLINDADA não tem dinheiro tá? A BLINDADA todo o mês é mil reais que eu dô, aí ela veio aqui e falou [...], ali que faltava uma mixaria era quinhentos mil reais, não é isso é dois mil e cem reais, eu paguei aqui, mas esse mês dia cinco já pode falar pra ela amanhã tá, esse mês ela não tem dinheiro não tá, o mês que vem aí nós dá, mas esse mês ela não tem dinheiro não tá, que ela deixou uma conta de dois mil e cem reais aqui pra mim só esse mês, com mais mil que eu dô que eu dei pra ela esse mês foi três mil e cem pra ela tá, e nós somos em muitos, não tem só ela presa, tem um monte de gente beleza?” (Id. 209320963 - pág. 49). A lavagem de capitais imputada a Bruna Mayara Torres Soares exsurge nas provas angariadas. A quebra de dados forneceu comprovantes referentes à depósitos efetivados na conta dela (Id. 209320963 - pág. 61). Ademais, o afastamento do sigilo fiscal comprovou a incompatibilidade da movimentação bancária com sua capacidade financeira , verbis: Passaram pelas contas desta investigada aproximadamente R$ 290.000,00 (duzentos e noventa mil reais) no ano de 2018, R$ 609.829,63 (seiscentos e nove mil, oitocentos e vinte e nove reais e sessenta e três centavos) no ano de 2019 e, em 2020, somente até o mês de junho, já movimentou cerca de R$ 246.785,39 (duzentos e quarenta e seis mil, setecentos e oitenta e cinco reais e trinta e nove centavos) a título de crédito e de débito. [...] A investigada não declarou rendimentos. Também não foram encontrados vínculos empregatícios ou outros rendimentos lícitos que justifiquem tamanha movimentação (Id. 209320963 - pág. 61-62). Como bem destacado na sentença, “depósitos fracionados não identificados constitui modus operandi tipicamente realizado para dissimular bens, pois afasta da origem ilícita sem chamar atenção dos meios de controle” (Id. 209325658 - pág. 45). O crime de lavagem de capitais atribuído a Anderson de Andrea Lemes também restou provado, consoante destaca este trecho da sentença: O réu, interrogado em juízo, negou a prática delitiva e, em alegações finais, argumentou que as planilhas apresentadas pela acusação não estão embasadas em documentos públicos, assim como pode ter incorrido em erro de tipo ao emprestar a conta bancária para sua filha, sem ter o conhecimento de que seria utilizada para outros fins. Ainda, destacou que não teve participação no evento criminoso da tentativa de entrega de celulares no presídio em que o genro LUCIANO “MARRETA” estava preso. Pois bem, conforme se observa das provas carreadas aos autos, notadamente da extração de dados do aparelho celular de André Luis da Silva Costa, há prints de comprovantes de depósitos e transferências bancárias em nome de ANDERSON DE ANDREA LEMES enviadas no grupo de whatsapp da facção criminosa, senão vejamos (ID 48975550 – pág. 71): [...] Ainda, aportou aos autos o Relatório Técnico n. 10/2020, cuja análise financeira apontou que a movimentação nas contas de ANDERSON ganhou destaque no ano de 2019, apresentando um crédito de R$ 226.721,00, sendo que quase todo valor foi sacado ou transferido para outras contas (ID 48975550 – pág. 72), in litteris: [...] Outrossim, o relatório de inteligência financeira – RIF indicou suspeitas de ANDERSON em sua conta bancária na Caixa Econômica Federal, Agência 2985 – Pantaneira-MT, Conta 2970-3, Tipo Poupança 013, no período de 01/04/2019 até 17/05/2019. O valor movimentado nesse período e o método usado nas transações chamaram a atenção do órgão devido à inconsistência de informações fornecidas pelo correntista (cadastro) e os valores movimentados em curto espaço de tempo sem fundamentação econômico-financeira. Dentre os fatores inconsistentes foram apontados o seguinte: 1. Renda comprovada de R$ 3.500,00, mas com movimentação a crédito em cus conta no valor de R$ 168.794,00 sem justificativa. Verificou-se que desde 31/07/2012, Anderson não contribui para a previdência, apesar de ter informado ser vendedor de comércio varejista e atacadista em atividade. 2. Os valores não permanecem no saldo da conta. Assim que era creditados já havia a devida destinação praticamente no mesmo montante, conforme ponta a tabela abaixo: [...] 3. Mais de 83% (oitenta e três por cento) dos créditos em conta foram por meio de depósitos com valores abaixo de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Outra parte dos depósitos foi por meio de casas lotéricas conveniadas da Caixa Econômica Federal. 4. Origem em outros estados: os depósitos realizados em conta, além de ser de valor inferior para dificultar o monitoramento das autoridades, provieram dos seguintes estados: São Paulo, Acre e Pernambuco. 5. Relacionamento financeiro com pessoas ligadas à organização criminosa Comando Vermelho em Mato Grosso, inclusive com líderes. [...] (Id. 209325658 - Pág. 51-53). A tudo isso soma-se o Relatório Técnico 10/2020, que apontou que, “no ano de 2019, [foram] creditado na conta [de Anderson] da Caixa Econômica Federal o valor de R$ 226.721,00, sendo ressaltado que toda a quantia creditada foi sacada ou transferida para outras contas (48975550 - Pág. 71)” (Id. 218100688 - pág. 6). De se consignar que a jurisprudência é firme no sentido de que “Movimentações financeiras ilícitas, realizadas para ocultar a origem de recursos provenientes de infração penal, configuram o crime de lavagem de dinheiro, sobretudo quando associadas à participação em organização criminosa”. (TJ/MT, N.U 0046811-79.2018.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS REGENOLD FERNANDES, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 09/04/2025, Publicado no DJE 14/04/2025). Conquanto a defesa sustente que o ônus da prova foi indevidamente invertido, o argumento não prospera, especialmente porque a condenação baseou-se em prova sólidas acerca da materialidade e da autoria do delito. Aliás, como a Procuradoria-Geral de Justiça alertou, “demonstrado pela acusação provas robustas a comprovar a materialidade e autoria delitiva imputada ao apelante, caberia à defesa apresentar escusas/justificativas a fim de demonstrar a licitude das operações, invertendo-se o ônus da prova, a teor do art. 156 do CPP, o que não ocorreu” (Id. 227446693 - pág. 53-54). A alegação de que a conduta imputada a Anderson é atípica, porque “emprestou sua conta bancária para sua filha, que era casada com LUCIANO MARIANO DA SILVA”, tampouco comporta acolhimento. Não me parece crível que o réu não tenha se atentado para a utilização ilícita de sua conta bancária, notadamente considerando o longo período em que ocorreu, a expressividade dos valores movimentados e o tipo de transações efetuados (recebimento com a imediata transferência do valor para outras contas). Além disso, como ressaltou o Ministério Público, ele tinha conhecimento das atividades ilegais desenvolvidas pelo genro, pois existe “uma investigação que ocorreu devido ANDERSON adentrar na PCE com um freezer recheado com cerca de 100 aparelhos celulares. O veículo que carregou o freezer estava em nome de LUCIANO e fora dirigido pelo próprio ANDERSON, então a relação dos dois é maior do que a de apenas ser sogro” (Id. 218100688 - pág. 8). De toda sorte, não se pode olvidar que o Superior Tribunal de Justiça entende que, “[...] mesmo que, no curso da ação penal, fique demonstrada sua relativa ignorância acerca dos meandros do esquema, é importante anotar que, de acordo com lição doutrinária de José Paulo Baltazar Júnior (Crimes Federais, 11ª Edição, p. 1096), o tipo de lavagem de dinheiro admite o dolo eventual, o que implica admitir “a ocorrência do crime quando o lavador do dinheiro não tem a certeza de que o objeto da lavagem é produto de atividade criminosa, mas assume o risco de que os bens tenham origem criminosa, com base no indicativo dado pelas circunstâncias do fato” [...] (APn n. 940/DF, relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 6/5/2020, DJe de 13/5/2020). Não é demais relembrar que as provas obtidas com a quebra de dados telefônico, contantes nos relatórios elaborados no período de investigação, inserem-se dentre aquelas irrepetíveis, sujeitas ao contraditório diferido, e mostram-se aptas para respaldar a condenação. Nesse sentido: [...] Não há se falar, pois, em violação do art. 155 do CPP, uma vez que questiona-se a utilização de provas irrepetíveis, sujeitas ao contraditório diferido, como interceptação de dados telefônicos provenientes de SMS e WhatsApp, busca e apreensão na residência de corréu e interceptações telefônicas constadas em relatórios de inteligência da polícia, sendo todas válidas para a condenação do agravante por ambos os crimes. Tal conclusão, por óbvio, afasta o pedido de absolvição por insuficiência de provas para a configuração dos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico postulada pela defesa, uma vez que clara e suficientemente demonstrada a vinculação com a traficância e a associação com diversos corréus para a prática de tráfico de drogas. [...] (STJ, AgRg no AgRg no HC n. 885.042/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 2/9/2024, DJe de 6/9/2024). [...] É possível a condenação criminal, com fundamento em provas de natureza cautelar e não repetível, como diligências judicialmente autorizadas de busca e apreensão e de interceptação de dados telefônicos provenientes de SMS e WhatsApp, cujos resultados são posteriormente reduzidos a termo em relatórios de inteligência da polícia, visto que tais elementos são sujeitos a contraditório diferido e se inserem na ressalva prevista na parte final do art. 155, caput, CPP, bastando assim para a formação do convencimento condenatório. As provas cautelares e não repetíveis, corroboradas que estão pelos depoimentos colhidos em juízo, são capazes de implicar na empreitada delitiva não só os réus já condenados na sentença, mas também alguns dos réus absolvidos, o que impõe tanto a manutenção da condenação daqueles quanto a reforma da absolvição destes, mediante o provimento parcial do recurso interposto pelo Ministério Público. (TJ/MT, N.U 0028131-12.2019.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 12/02/2025, Publicado no DJE 15/02/2025). Assim sendo, diante de provas seguras quanto à prática das condutas delitivas atribuídas aos réus na denúncia, descabe a absolvição pretendida: [...] “Comprovada a autoria e materialidade dos crimes de organização criminosa, associação para o tráfico e lavagem de capitais, com base em provas documentais e testemunhais, deve ser mantida a condenação imposta.” [...] (TJ/MT, N.U 1010690-70.2023.8.11.0006, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 05/11/2024, Publicado no DJE 08/11/2024). [...] “A condenação está em harmonia com o lastro probatório colacionado aos autos, sendo suficiente para manter a decisão as interceptações telefônicas, aliadas aos depoimentos de policial responsável pelas investigações.” [...] (TJ/MT, N.U 0031350-04.2017.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Vice-Presidência, Julgado em 17/12/2024, Publicado no DJE 19/12/2024). Embora a defesa de Luciano, Ana Maria e Simone sustentem a necessidade de afastar a “causa de aumento de pena relativo ao emprego de arma de fogo”, lhes falta interesse recursal no ponto, uma vez que a majorante não foi incluída na condenação. Além disso, o causa de aumento concernente ao exercício de liderança (art. 2º, § 3º da Lei 12.850/2013), não incidiu na pena de Patrícia, de modo que, no ponto, ela também carece de interesse recursal. De qualquer modo, o decote das causas de aumento de pena efetivamente aplicadas aos crimes de organização criminosa não é viável. As informações obtidas na quebra de dados e a prova testemunhal produzida espancam qualquer dúvida quanto a função de liderança exercida por Luciano (art. 2º, § 3º da Lei 12.850/2013). O envolvimento de adolescentes nas atividades ilícitas também é incontroverso (art. 2º, § 4º, inciso I, da Lei 12.850/2013). A análise dos celulares apreendidos comprovou que as menores Nattalicy dos Anjos Moraes e Samira Victoria da Silva integravam a ORCRIM e que o entorpecente apreendido com elas na cidade de Rondonópolis – meia tonelada de maconha – pertencia ao grupo. Ademais, existem provas contundentes de que a organização mantinha conexão regular com outros grupos criminosos, a exemplo do Comando Vermelho e da Nova Okaida – que atua essencialmente no Estado da Paraíba, local em que Renata residia e que seu marido – conhecido pela alcunha de Serra Branca – e Daniel Bruno Cavalcante Nunes, vulgo DDD, encontram-se presos, de modo que está justificado o incremento da pena, amparado no disposto no art. 2º, § 4º, inciso IV, da Lei 12.850/2013. Nesse sentido: [...] O pedido subsidiário de afastamento da causa de aumento prevista no § 4º, inciso IV, do art. 2º da Lei n. 12.850/2013 não prospera, pois comprovada a conexão com outra organização criminosa independente - comando vermelho [...] (STJ, AgRg no AREsp n. 2.069.393/RJ, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 24/10/2023, DJe de 27/10/2023). [...] Ao mesmo tempo, por ter restado comprovado que "a organização criminosa do PCC mantinha contato com diversas outras organizações criminosas, tais como PGC (Primeiro Grupo Catarinense), PCP (Primeiro Comando do Paraná), CV (Comando Vermelho), FDN (Filhos do Norte), entre outras", a sentença entendeu que "incidirá aumento na fração de 1/2 (um meio)". Tal entendimento vai ao encontro com o entendimento desta Corte Superior - de que a interpretação correta do art. 68, parágrafo único, do Código Penal, permite a aplicação de duas causas de aumento quando existe fundamentação concreta para tanto. [...] (STJ, AgRg no REsp n. 1.925.984/PR, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 13/2/2023, DJe de 15/2/2023). O pedido de revisão da pena-base imposta a Luciano é descabido. Para todos os delitos, a vetorial dos antecedentes foi considerada desfavorável a ele, ante a existência de múltiplas condenações definitivas e anteriores aos fatos em exame, verbis: [...] o réu possui maus antecedentes criminais, à vista da certidão de antecedentes juntada aos autos, porquanto ostenta 03 (três) condenações anteriores transitadas em julgado, reunidas no executivo de pena n. 16955-75.2015.811.0042, em trâmite perante a 2ª Vara Criminal de Cuiabá, oriundas das ações penais n. 1836.70.2012.811.0045, 5000-09.2013.811.0045 e 3270-26.2014.811.0045, todas da Comarca de Lucas do Rio Verde, de modo que a primeira será aqui valorada e as demais serão utilizadas como agravante da reincidência [...]. (Id. 209325658 - Pág. 64-67). Não se pode olvidar que, “[...] em se tratando de pessoa multirreincidente, é perfeitamente possível que uma das condenações seja utilizada com o intuito de reincidência enquanto as demais sejam consideradas como antecedentes criminais” (STJ, AgRg no HC n. 966.821/MG, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 14/4/2025, DJEN de 24/4/2025.) Em razão do contexto probatório delineado, fica claro que o recurso interposto por Lorrayne, visando a restituição do imóvel, não comporta provimento. O art. 7º da Lei n. 9.612/1998 estabelece que “São efeitos da condenação, além dos previstos no Código Penal, a perda, em favor da União - e dos Estados, nos casos de competência da Justiça Estadual -, de todos os bens, direitos e valores relacionados, direta ou indiretamente, à prática dos crimes previstos nesta Lei, inclusive aqueles utilizados para prestar a fiança, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé”. Sobre o tema, Rogério Felippetto doutrina que, “tratando-se de lavagem de dinheiro, a própria ação de ocultar ou dissimular bens e valores já incide sobre objetos ilícitos. Então, o perdimento seria decorrente do conhecimento da ilicitude dos objetos que se originaram, por sua vez, da prática dos crimes antecedentes. Esse fato macula o bem e determina o seu perdimento” [...] (Lavagem de Dinheiro: crime econômico da pós-modernidade, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pág. 184). Saliento que o fato de a recorrente não ter participado da ação penal não configura cerceamento do direito de defesa. Ela não era investigada e a possiblidade de exercitar a defesa do bem surgiu apenas com a prolação da sentença que decretou seu pedimento. O julgado transcrito corrobora o entendimento: [...] A expropriação do bem "registrado em nome de interposta pessoa" (arts. 4º e 7º, I, Lei nº 9.613/98) e utilizado para a prática de atos de lavagem prescinde da citação do proprietário registral ("laranja") no processo-crime, uma vez que nenhuma pretensão punitiva lhe é dirigida, sendo os embargos de terceiro a forma processual idônea ao exercício da defesa dos interesses do "extraneus" que se considerar prejudicado pelos efeitos objetivos da sentença condenatória. [...] (TJMG - Apelação Criminal 1.0701.21.001728-4/001, Relator(a): Des.(a) Octavio Augusto De Nigris Boccalini , Relator(a) para o acórdão: Des.(a) Franklin Higino Caldeira Filho , 3ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 18/04/2023, publicação da súmula em 28/04/2023). De qualquer modo, vigora entendimento no sentido de que “a restituição das coisas apreendidas, mesmo após o trânsito em julgado da ação penal, está condicionada tanto à ausência de dúvida de que o requerente é seu legítimo proprietário, quanto à licitude de sua origem e à demonstração de que não foi usado como instrumento do crime, conforme as exigências postas nos arts. 120, 121 e 124 do Código de Processo Penal, c/c o art. 91, II, do Código Penal" (STJ, AgRg no AREsp 1407471/RR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 16/05/2019, DJe 21/05/2019). Conquanto a recorrente invoque a condição de terceira de boa-fé, aduzindo que o imóvel foi adquirido licitamente, não comprovou o alegado. O contrato trazido aos autos não foi registrado, sendo certo que apenas a assinatura do vendedor foi reconhecida em cartório (Id. 264056439 - pág. 1-2). Ademais, o pacto estabeleceu que o pagamento deveria ser feito na data de sua assinatura, ocorrida em 27-4-2019; contudo, os comprovantes não foram apresentados. O único documento bancário que instruiu a apelação, demonstrou apenas que, quase 8 (oito) meses depois, ou seja, em 12-12-2019, a genitora da recorrente sacou FGTS no valor de R$ 15.723,66 (quinze mil, setecentos e vinte e três reais e sessenta e seis centavos) (Id. 264056437 - pág. 1 e 264056437 - pág. 1). No entanto, nada indica que referido valor foi destinado ao pagamento da residência. Destarte, não restando provada a licitude da aquisição, descabe a restituição pretendida. Confira-se: APELAÇÃO CRIMINAL – EMBARGOS DE TERCEIRO – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA – TRÁFICO DE DROGAS – ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO – LAVAGEM DE CAPITAIS – OPERAÇÃO RED MONEY – PERDIMENTO DE IMÓVEL – BEM ADQUIRIDO COM A LAVAGEM DO DINHEIRO PROVENIENTE DAS ATIVIDADES ILÍCITAS – BOA-FÉ NÃO COMPROVADA – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO Não demonstrada a boa-fé do terceiro, tampouco a origem lícita do bem e a desvinculação dele com os fatos apurados na ação penal, inviável a restituição do imóvel ansiada. (N.U 1010602-55.2022.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, JOSE ZUQUIM NOGUEIRA, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 11/11/2024, Publicado no DJE 18/11/2024). No que tange ao veículo apreendido em poder de Patrícia, a sentença recorrida – prolatada em 19-4-2022 – determinou seu perdimento, nos seguintes termos: Ausente qualquer lastro de licitude do automóvel apreendido junto à ré PATRÍCIA SILVA ARAÚJO (ID 48448982 – autos n. 1001526-41.2021.8.11.0042), DECRETO O SEU PERDIMENTO em favor do ESTADO DE MATO GROSSO, nos termos do artigo 7º da Lei 9.613/98 e art. 91, II, “b”, do Código Penal, devendo o veículo ser levado a leilão, após o trânsito em julgado, nos termos do art. 133 do CPP. Tocante aos dois aparelhos celulares, considerando que os bens eram utilizados como instrumento do crime, já que a ré os utilizava para repassar determinações da organização criminosa e realizar movimentações bancárias, DETERMINO o PERDIMENTO dos objetos em favor do Estado de Mato Grosso. Na eventualidade de não apresentar condições de uso, após o trânsito em julgado, determino a imediata destruição, mediante termo nos autos (Id. 209325662 - Pág. 82). No entanto, o magistrado sentenciante olvidou-se que, em 30-7-2021, o juiz que respondia pela 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá, à época, havida determinado sua restituição nos autos n. 1004904-05.2021.811.0042: Cuida-se de pedido de restituição do veículo Fiat Cronos, prata, placa QCI-0I74, formulado por Fernando Silva Araújo, interditado judicialmente (Termo de Curatela Definitiva nº 52403801 – Pág. 13), representado por sua genitora Maria Divina Silva Araújo Queiroz. A requerente aduziu que seu filho Fernando Silva Araújo, que é portador de deficiência física, (Paralisia Cerebral com Oligofrenia Severa, Laudo de Avaliação Deficiência e/ou Visual n°52403801 - às fls. 10, 11 e 12), é o legitimo proprietário do veículo marca Fiat Cronos, cor prata, placa QCI-OI74. Alegou, ainda, que o veículo foi apreendido no dia 05 de fevereiro de 2021, em poder de PATRÍCIA SILVA ARAÚJO (também filha da requerente), uma vez que, em razão da Pandemia, a posse do referido veículo estava sob sua responsabilidade, porquanto esta estava lhe auxiliando no retorno de FERNANDO SILVA, às aulas, já que MARIA DIVINA não possui habilitação para dirigir. Além disso, a requerente salientou que o veículo fora adquirido mediante economia conjunta com seu outro filho JOAQUIM NETO SILVA ARAUJO, que, inclusive, utilizou-se de empréstimo para pagar o valor inicial, dado como entrada para compra do veículo. Informa também que, em caso de deferimento do pedido de restituição, quem dirigirá o referido veículo em favor de FERNANDO SILVA será JOAQUIM NETO, que possuí Carteira Nacional de Habilitação, devidamente regular, ID 52403800 - às fls. 03. Instado a se manifestar, o Ministério Público manifestou-se favorável à restituição do bem. É relatório do necessário. Decido. Compulsado os autos, tenho que o pedido formulado merece prosperar, eis que a requerente comprovou que FERNANDO SILVA ARAÚJO é legítimo proprietário do veículo FIAT CRONOS, 1.8, AT, COR PRATA, PLACA QCI-OI74, RENAVAM 01228278684, CHASSI 8AP359AB3LU086650, ALCOOL/GASOLINA, conforme documento acostado (Certificado De Registro e Licenciamento de Veículo – Eletrônico ID 52402965). Ademais, como bem salientou o Parquet, infere-se que o bem apreendido em poder de PATRÍCIA SILVA ARAÚJO, teve não somente comprovada sua propriedade por parte do ora representado Fernando Silva Araújo, como aferida sua origem lícita. Isto posto, não havendo oposição do Ministério Público, nos termos do artigo 120 do Código de Processo Penal, DEFIRO a restituição do veículo FIAT CRONOS, 1.8, AT, COR PRATA, PLACA QCI-OI74, RENAVAM 01228278684, CHASSI 8AP359AB3LU086650, ALCOOL/GASOLINA, à requerente MARIA DIVINA SILVA ARAÚJO QUEIROZ (Id. 61804931). A ordem foi cumprida em 25-8-2021 (Id. 63204281), sendo certo que o Ministério Público não recorreu da decisão. Assim sendo, deve prevalecer o entendimento adotado nos autos n. 1004904-05.2021.811.0042, extirpando-se da sentença recorrida o perdimento do veículo, ante a existência de decisão judicial antecedente, em sentido diverso, a respeito da matéria. Com essas considerações, em consonância com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, desprovejo os recursos, mantendo na íntegra os termos da condenação; de ofício, torno sem efeito o perdimento do veículo apreendido em poder de Patrícia Silva Araújo, ante a existência de decisão judicial em sentido contrário prolatada nos autos n. 1004904-05.2021.811.0042. É como voto Data da sessão: Cuiabá-MT, 24/06/2025
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