Processo nº 8120163-15.2024.8.05.0001
ID: 292653453
Tribunal: TJBA
Órgão: 2ª V DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA
Classe: Procedimento do Juizado Especial da Fazenda Pública
Nº Processo: 8120163-15.2024.8.05.0001
Data de Disponibilização:
09/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CLEBER DE JESUS DA PAIXAO
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA COMARCA DE SALVADOR | FÓRUM REGIONAL DO IMBUÍ 2ª VARA DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA Rua Padre Cassimiro Quiroga, Loteamento Rio das Pedras, …
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA COMARCA DE SALVADOR | FÓRUM REGIONAL DO IMBUÍ 2ª VARA DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA Rua Padre Cassimiro Quiroga, Loteamento Rio das Pedras, Qd. 01, Imbuí, CEP: 41.720-4000, Salvador-BA. Telefone: (71) 3372-7361 | E-mail: ssa-2vsje-fazenda@tjba.jus.br Processo: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA n. 8120163-15.2024.8.05.0001 Órgão Julgador: 2ª VARA DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA REQUERENTE: NEIDE DE JESUS CARVALHO SOUZA Advogado(s): CLEBER DE JESUS DA PAIXAO (OAB:BA44336) REQUERIDO: MUNICIPIO DE SALVADOR Advogado(s): SENTENÇA Trata-se de AÇÃO JUDICIAL SOBRE PAGAMENTO PARCIAL DEEMENDA CONSTITUCIONAL 120/2022, CUMULADA COMPAGAMENTO DE INSALUBRIDADE proposta com o MUNICÍPIO DE SALVADOR - BA, na qual o autor alega, resumidamente, que exerce a função de Agente Comunitário de Saúde - ACS e que está percebendo valor de vencimento básico inferior ao que acredita ser o correto. Isso porque, o autor alega que deve ser observada a Emenda Constitucional n.º 120, de 2022, a qual estabelece que o vencimento dos Agentes Comunitários de Saúde não deve ser inferior a 2 (dois) salários mínimos, o que não vem sendo cumprido pelo Réu. Deste modo, vem ao Juízo pleitear a condenação do Réu para adequação do vencimento ao piso salarial nacional e seus reflexos, bem como a implantação do percentual do adicional de insalubridade em 20% (vinte por cento), sobre o vencimento do autor, ambos a contar da vigência da referida Emenda Constitucional, com pagamento do retroativo. Citado, o Réu apresenta contestação. Dispensada a audiência de conciliação. Voltaram os autos conclusos. É o breve relatório. Decido. DAS PRELIMINARES O Réu arguiu, em preliminar, a incompetência absoluta do juizado estadual, em razão da necessidade de chamamento da União ao processo, tal alegação visa questionar a competência do juízo atual para decidir sobre o assunto, sustentando que o envolvimento da União é necessário para uma análise adequada da questão em litígio. No entanto, o argumento apresentado pelo Réu não é válido, uma vez que o Estado brasileiro adota um modelo federativo, no qual é evidente a autonomia dos entes federados para determinar seus próprios regimes estatutários. Isso significa que cada ente federado tem o poder de legislar e regular assuntos relacionados às suas competências, incluindo a definição de seus próprios regimes jurídicos. Portanto, a participação da União no processo não é necessária para a análise do caso em questão. Ante o exposto, rejeito a preliminar de incompetência absoluta levantada pelo Réu. Com relação à alegação preliminar de ausência de interesse processual devido à promulgação da Lei nº 9.646/2022 pelo Município de Salvador, a qual estabeleceu um novo regime jurídico para os agentes de saúde pública, entendo que se trata de exame de mérito. Ademais, embora o tema abordado na presente ação possa ter relação com esse novo regime, importante é ressaltar que o autor também busca receber retroativamente parcelas de remuneração, corrigidas com base na aplicação do Piso Nacional da categoria, sendo forçosa a rejeição da preliminar por ausência de interesse de agir suscitada. Acerca da alegação preliminar do réu sobre a inépcia da petição inicial, entendo que não merece prosperar, visto que não se vislumbra nenhum vício processual que impeça a análise dos fatos, causa de pedir e pedidos. Isso porque, conforme o art. 330, §1º do Código de Processo Civil, o reconhecimento da inépcia da petição inicial possui hipóteses eminentemente processuais, nos seguintes moldes: Art. 330. A petição inicial será indeferida quando: § 1º Considera-se inepta a petição inicial quando: I - lhe faltar pedido ou causa de pedir; II - o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; III - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV - contiver pedidos incompatíveis entre si. Nesta linha de pensamento, lecionam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart: A inépcia de que trata o Código é a legal, processual, especificamente definida pelo § 1.º do art. 330, em exame. Por isso, só se considera inepta a petição inicial quando lhe faltar pedido ou causa de pedir, quando o pedido for indeterminado, fora das hipóteses em que permitido, quando da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão e quando contiver pedidos incompatíveis (art. 330, § 1.º, CPC), ressalvada a possibilidade de cumulação alternativa (art. 326, CPC)." [...] "O primeiro caso enunciado no texto legal diz respeito à ausência de pedido ou de causa de pedir. Logicamente, partindo da premissa de que, segundo a óptica tradicional, a atuação jurisdicional está limitada àquilo que é trazido como pedido e como causa de pedir, torna-se inviável a prestação do Estado se não há delimitação desses aspectos. " [... "Considera-se determinado o pedido que tem seus limites bem definidos. Sabe-se o que se pede, de quem se pede e, no caso de condenação, quanto se pede. O pedido, assim, deve especificar com clareza a quantidade e a qualidade daquilo que se pretende. Por outras palavras, o pedido deve vir definido, de forma individualizada, com especificação precisa daquilo que se busca." (Marinoni, 2016) [...] "Em terceiro lugar, haverá inépcia sempre que, da narração dos fatos, não decorrer logicamente a conclusão. Trata-se aqui de hipótese específica de ininteligibilidade que, mais do que inviabilizar o julgamento da controvérsia, impede o próprio conhecimento do litígio. Se a parte narra certo problema, mas formula pedido totalmente distinto, não há como saber se a tutela jurisdicional buscada diz respeito ao conflito narrado ou ao pedido formulado. Em qualquer dos casos, haverá situação que pode ser assimilada à ausência de pedido ou de causa de pedir, já que se a narração dos fatos não induz à conclusão é porque ou falta a narração dos fatos adequadas, ou a conclusão correta." (Marinoni, 2016) No caso em mote, o autor narrou logicamente o fato em questão, fundamentando-o na Emenda Constitucional n.º 120, de 2022 e entendimento que acha pertinente, delimitando seu pedido ao tempo não prescrito, juntando seus contracheques, aptos para simples cálculos em fase de cumprimento de sentença. Portanto, afasto a alegação de inépcia da petição inicial. O Réu arguiu ainda a preliminar a inépcia da inicial diante da ausência de planilha de cálculos, alegando que o autor não evidenciou como se deu a evolução do débito que julga ser credora da municipalidade. Contudo, a preliminar não merece ser acolhida, tendo em vista ser uníssona a jurisprudência pátria no sentido de que o mero cálculo aritmético não tem o condão de gerar a iliquidez da sentença, de forma que através da juntada dos contracheques, pode-se chegar ao valor pretendido. Neste sentido, cite-se: Ementa: RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. TELEFONIA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO CUMULADO COM DANOS MORAIS. SERVIÇOS NÃO CONTRATADOS. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, EM RAZÃO DA ILIQUIDEZ DO PEDIDO. COMPETÊNCIA DO JEC. QUANTUM FACILMENTE APURÁVEL MEDIANTE SIMPLES CÁLCULO ARITMÉTICO COM BASE NAS PROVAS CARREADAS AOS AUTOS. CASSAÇÃO DA SENTENÇA TERMINATIVA. RECURSO PROVIDO PARA DESCONSTITUIR A SENTENÇA. (TJRS. Recurso Cível Nº 71003223104, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Adriana da Silva Ribeiro, Julgado em 26/01/2012). Nesse mesmo sentido, o Enunciado n. 32 do FONAJEF preconiza: "A decisão que contenha os parâmetros de liquidação atende ao disposto no art. 38, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95". Ante o exposto, afasta-se a preliminar alegada pelo Réu. Ultrapassadas todas as questões prévias, passa-se ao mérito propriamente dito. DO MÉRITO Cinge-se a presente demanda à insurgência da parte autora que almeja a adequação dos reflexos do vencimento salarial e do adicional de insalubridade ao piso nacional da categoria dos Agentes de Combate a Endemias - ACE e Agentes Comunitários de Saúde - ACS, nos termos da Lei que o instituiu e da Emenda Constitucional n.º 120, de 2022. Como é cediço, o ordenamento jurídico pátrio estabelece que a Administração Pública se encontra afeta, entre outros, ao princípio da legalidade, que representa a obrigação da Administração de agir de acordo com os ditames legais, previsto no artigo 37 da Constituição Federal de 1988: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […] Neste sentido, convém destacar a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello ao discorrer sobre o princípio da legalidade, in verbis: É, em suma: a consagração da ideia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei. […] Pretende-se através da norma geral, abstrata e por isso mesmo impessoal, a lei, editada, pois, pelo Poder Legislativo - que é o colégio representativo de todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social -, garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização desta vontade geral [1]. Como se sabe, a Constituição Federal, mediante o art. 198, §5º, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 51/2006, determinou que lei federal trataria do regime jurídico e da regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias: Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: [...] § 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias. […] Com efeito, a fim de regulamentar o disposto no referido texto constitucional, foi editada a Lei nº 11.350, de 05 de outubro de 2006, a qual estabeleceu, em seu art. 8º, que os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias estão submetidos, em regra, ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, sendo facultada a possibilidade de adoção de regime jurídico distinto pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, por meio de lei local. Art. 8º Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, na forma do disposto no § 4º do art. 198 da Constituição, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa. No âmbito municipal, com espeque no art. 30, inciso I, da Constituição Federal, bem como no referido art. 8º da Lei nº 11.350/2006, o Município de Salvador, por meio da Lei Municipal nº 7.955/2011, alterou o regime jurídico dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias do celetista para o estatutário. Em razão disso, esses agentes passaram a integrar o Plano de Cargos e Vencimentos dos Profissionais de Saúde da Prefeitura Municipal do Salvador, previsto na Lei Municipal nº 7.867/2010, na forma do seu art. 3º da Lei Municipal nº 7.955/2011: Art. 3º Os Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias passam a integrar, no que couber, o Plano de Cargos e Vencimentos dos Profissionais de Saúde da Prefeitura Municipal do Salvador, instituído pela Lei nº 7.867, de 12 de julho de 2010. Assim, a partir dessa conversão de regime jurídico, os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias do Município de Salvador passaram a se submeter à disciplina normativa do regime jurídico estatutário municipal, e não mais àquela disposta na Lei nº 11.350/2006. Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 63/2010 modificou a redação do citado art. 198, §5º, Constituição Federal, o qual passou a estabelecer que lei federal versaria não apenas sobre o regime jurídico e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias, mas também acerca do piso salarial profissional nacional e as diretrizes para os Planos de Carreira destes. Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: [...] § 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico, o piso salarial profissional nacional, as diretrizes para os Planos de Carreira e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias, competindo à União, nos termos da lei, prestar assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para o cumprimento do referido piso salarial. […] Nesta senda, a Lei nº 12.994/2014 e posteriormente a Lei nº 13.708/2018 acresceram à Lei nº 11.350/2006 o piso salarial profissional nacional dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias, que foi fixado no valor de R$ 1.550,00 (um mil quinhentos e cinquenta reais), a partir de 1º de janeiro de 2021, conforme o seu art. 9º-A, §1º: § 1º O piso salarial profissional nacional dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias é fixado no valor de R$ 1.550,00 (mil quinhentos e cinquenta reais) mensais, obedecido o seguinte escalonamento: ( Promulgação de partes vetadas ) I - R$ 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta reais) em 1º de janeiro de 2019; II - R$ 1.400,00 (mil e quatrocentos reais) em 1º de janeiro de 2020; III - R$ 1.550,00 (mil quinhentos e cinquenta reais) em 1º de janeiro de 2021 […] Por fim, o advento da Emenda Constitucional n.º 120, de 5 de maio de 2022, pôs fim à questão surgida após a edição do Piso Nacional dos Agentes de Saúde, ao definir a responsabilidade da União pelo pagamento de seus vencimentos básicos: § 7º O vencimento dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias fica sob responsabilidade da União, e cabe aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer, além de outros consectários e vantagens, incentivos, auxílios, gratificações e indenizações, a fim de valorizar o trabalho desses profissionais. § 8º Os recursos destinados ao pagamento do vencimento dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias serão consignados no orçamento geral da União com dotação própria e exclusiva. § 9º O vencimento dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias não será inferior a 2 (dois) salários mínimos, repassados pela União aos Municípios, aos Estados e ao Distrito Federal. § 10. Os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias terão também, em razão dos riscos inerentes às funções desempenhadas, aposentadoria especial e, somado aos seus vencimentos, adicional de insalubridade. § 11. Os recursos financeiros repassados pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para pagamento do vencimento ou de qualquer outra vantagem dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias não serão objeto de inclusão no cálculo para fins do limite de despesa com pessoal." (NR) Embora de aplicação imediata, conforme repasse realizado a nível federal, o valor disposto no novel texto constitucional exigiu a efetiva transmissão dos valores, por parte da União, que se deu através da Portaria GM/MS n.º 1.971/2022 (ACE) e 2.109/2022 (ACS). Após isso, o Município de Salvador, buscando regulamentar a matéria, instituiu novo Estatuto às categorias, através da Lei Municipal n.º 9.646/2022, já atualizada com os novos ditames constitucionais. Neste contexto, faz-se necessário lembrar que o processo de interpretação e aplicação do direito consiste em fenômeno complexo. Vale dizer, a interpretação isolada de determinado enunciado normativo pode implicar na sua contradição com todo o sistema, sendo tal hipótese capaz de culminar na restrição ou extrapolação da finalidade da norma. Destarte, para não incorrer em tais situações, afigura-se imprescindível a análise sistemática do texto normativo, porquanto essencial para fins de caracterização da unidade, coerência e completude do ordenamento jurídico. A corroborar com o exposto acima, insta transcrever as lições Luís Roberto Barroso: […] O direito objetivo não é um aglomerado aleatório de disposições legais, mas um organismo jurídico, um sistema de preceitos coordenados ou subordinados, que convivem harmonicamente. Sistema pressupõe ordem e unidade. A interpretação sistemática é fruto da ideia de unidade do ordenamento jurídico. Através dela, o intérprete situa o dispositivo a ser interpretado dentro do contexto normativo geral e particular, estabelecendo a conexões internas que enlaçam as instituições e as normas jurídicas. (grifou-se) Desta forma, infere-se que o piso salarial profissional nacional estabelecido pela Lei nº 11.350/2006 diz respeito apenas aos agentes comunitários de saúde e aos agentes de combate às endemias sujeitos ao regime jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, pois o art. 8º ressalva a possibilidade de adoção de regime jurídico estatutário pelos demais entes federativos, o que foi feito pelo Município de Salvador por intermédio da Lei Municipal nº 7.955/2011. No caso em tela, por ser a parte autora submetida ao regime jurídico estatutário municipal, o que engloba, evidentemente, o Plano de Cargos e Vencimentos dos Profissionais de Saúde da Prefeitura Municipal de Salvador, não há falar-se na aplicação do aludido piso salarial nacional, porque a própria Lei nº 11.350/2006 excetuou a faculdade de adoção de outro regime jurídico pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. Entendimento distinto levaria à criação de um regime jurídico híbrido, modelo não admitido no ordenamento jurídico pátrio. De mais a mais, a posterior determinação de equivalência do referido piso salarial ao vencimento básico não pode ser imposta ao regime jurídico estatutário já adotado pelo Município de Salvador desde 2011, pois tal situação violaria o pacto federativo. Consoante os termos do art. 37, inciso X, da Constituição Federal, a remuneração dos servidores públicos somente pode ser alterada por lei específica de iniciativa privativa do respectivo chefe do Poder Executivo: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […] X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices; […] Logo, ante a prévia adoção do regime jurídico estatutário pelo Município de Salvador, a implementação do piso salarial como vencimento básico ocasionaria o indevido aumento da remuneração de servidor público por ente federativo diverso, o que atentaria contra a autonomia administrativa, financeira e orçamentária da Municipalidade, mormente diante do efeito em cadeia sobre as demais vantagens pecuniárias e verbas que o utilizam como base de cálculo. A corroborar com o exposto acima, destacam-se os seguintes julgados: Agentes comunitários de saúde - Servidores públicos do Município de Paraguaçu - Pretensão de recebimento de piso salarial nacional previsto na Lei Federal nº 12.994/14 - Inadmissibilidade - Autonomia administrativa dos entes federativos que, dentro do contesto em que editada a Lei 11.350/06 não permite a interpretação pretendida pela autora, sob pena de se criar regime jurídico híbrido - Precedentes - Recurso improvido. (TJSP; Apelação 1003044-64.2016.8.26.0417; Relator (a): José Luiz Gavião de Almeida; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Público; Foro de Paraguaçu Paulista - 3ª Vara; Data do Julgamento: 27/02/2018; Data de Registro: 28/02/2018) (grifou-se) APELAÇÃO. Servidora Municipal. Agente Comunitário de Saúde. Piso salarial. 1. Pretensa aplicação da Lei Federal nº 12.994/14 que estabeleceu o piso salarial nacional para os agentes comunitários de saúde e de combate às endemias no valor de R$ 1.014,00. Sentença que julgou improcedente o pedido da autora. Manutenção. 2. Regime jurídico estatutário. A legislação federal determinou, como regra geral, a contratação mediante o regime celetista, facultando aos demais entes federativos adoção de regime estatutário. Há que se lembrar ser o Brasil um estado federal (ainda o é), não um estado unitário ou autonômico. Município de Bastos que editou a Lei nº 2.576/2014. 3. Recurso da autora não provido. (TJSP; Apelação 1000976-21.2016.8.26.0069; Relator (a): Oswaldo Luiz Palu; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Bastos - Vara Única; Data do Julgamento: 08/08/2018; Data de Registro: 08/08/2018) (grifou-se) APELAÇÃO - Servidor Público Municipal - Agente Comunitário de Saúde - Pretensão à instituição do piso salarial nacional previsto na Lei Federal nº 12994/14 ("Altera a Lei nº 11.350, de 5 de outubro de 2006, para instituir piso salarial profissional nacional e diretrizes para o plano de carreira dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias"), sem prejuízo à percepção das respectivas diferenças. PRELIMINAR - Tese de inconstitucionalidade da previsão do artigo 1º, da Lei Federal nº 12994/14, ao argumento de violação da autonomia municipal, constitucionalmente assegurada - Rejeição - Espectro de incidência da norma federal que respeita a autonomia assegurada aos demais entes políticos (Estados, Municípios e Distrito Federal) - Presunção de constitucionalidade da legislação federal inabalada. MÉRITO - Servidora pública municipal, ocupante do cargo efetivo de "Agente Comunitário de Saúde", que pretende a incorporação do piso estipendial nacional introduzido pela Lei Federal nº 12994/14, sem prejuízo à composição das respectivas diferenças - Impossibilidade - Norma federal cujo espectro de eficácia colhe exclusivamente os servidores federais e àqueles vergados ao regime jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, como quer o artigo 8º, da Lei Federal 11350/06 ("Regulamenta o §5º do art. 198 da Constituição, dispõe sobre o aproveitamento de pessoal amparado pelo parágrafo único do art. 2º da Emenda Constitucional nº 51, de 14 de fevereiro de 2006, e dá outras providências") - Demandante que trava com o Poder Público local vínculo jurídico estatutário, submetendo-se, pois, às normas previstas pela Lei Municipal nº 1428/91 ("Institui o Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Monte Castelo, Estado de São Paulo, e dá outras providências") - Impossibilidade de aplicação do piso estipendial nacional, sob pena de a um só tempo violar a autonomia municipal e criar regime jurídico híbrido - Precedentes desta Corte de Justiça - Recurso provido. (TJSP; Apelação 0004585-05.2015.8.26.0638; Relator (a): Marcos Pimentel Tamassia; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Público; Foro de Tupi Paulista - 2ª Vara; Data do Julgamento: 06/06/2017; Data de Registro: 08/06/2017) (grifou-se) Ademais, impende ainda acrescer à fundamentação que o art. 9º da Lei nº 11.350/2006, com alterações posteriores, estabelece que os entes federativos não podem fixar "vencimento inicial" abaixo do piso profissional salarial. Neste sentido, a expressão "vencimento inicial" não pode ser equiparada a vencimento básico, porque, se assim fosse, o legislador expressamente o faria, de modo que o Município de Salvador cumpre o piso nacional na medida em que os referidos profissionais percebem, no mínimo, as parcelas "vencimento básico", "gratificação por avanço de competência" e "gratificação de incentivo à qualidade e produtividade dos serviços de saúde" desde o ingresso em seus cargos, as quais constituem valor superior ao piso estabelecido pela referida Lei Federal. Repise-se, com o advento da Lei Municipal nº 7.955/2014, a categoria dos agentes comunitários de saúde e de combate às endemias tiveram seu regime jurídico modificado para o estatutário, razão pela qual passaram a fazer jus ao plano de cargos e vencimentos dos servidores públicos municipais, na forma da Lei Municipal nº 7.867/2010 e, mais recentemente, da Lei Municipal n.º 9.646/2022, cuja remuneração inicial é, consideravelmente, superior ao piso salarial estabelecido para os agentes comunitários de saúde e de combate às endemias submetidos ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho. Dessa forma, por já possuírem lei específica com a disciplina do seu regime jurídico remuneratório, não lhes é aplicável a Lei nº 11.350/2006, sob pena de violação à autonomia municipal. Neste sentido é o entendimento da jurisprudência: DUPLO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CONHECIMENTO. AGENTE DE COMBATE À ENDEMIAS. PRETENSÃO AO RECEBIMENTO DE DIFERENÇAS À LUZ DO PISO SALARIAL, INTRODUZIDO PELA LEI FEDERAL Nº 12.994/2014. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. REGIME ESTATUTÁRIO. AUTONOMIA MUNICIPAL. NECESSIDADE DE REGRAMENTO ADICIONAL LOCAL. EXIGÊNCIA DO PAGAMENTO A PARTIR DA EDIÇÃO DE LEI MUNICIPAL ESPECÍFICA SOBRE O TEMA. HONORÁRIOS RECURSAIS. MAJORAÇÃO. 1. Os entes federais possuem garantia constitucional quanto à sua auto-organização, no que diz respeito aos seus servidores, em decorrência de autonomia política, administrativa e organizacional conferida pelo artigo 18, da CF/88, e da competência fixada pelo artigo 39, da mesma Carta Magna, para instituir regime jurídica único e planos de carreira dos servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas, inclusive para estabelecer padrões de vencimento e demais componentes do sistema remuneratório. 2. A Constituição Federal estabelece as normas pelas quais os municípios devem nortear sua atuação (artigos 30, 37 169, etc.) e é em face da autonomia municipal, garantida pela CF/88 em seus artigos 18 e 30, que os municípios têm liberdade para organizar seu quadro funcional, dentro dos limites impostos pela lei. Somando-se a isso, a fixação de remuneração dos servidores públicos se insere no âmbito discricionário da Administração Pública, e em se tratando de município, essa discricionariedade decorre da competência municipal, prevista para organizar o serviço público, no âmbito de seu território. 3. A Lei Federal nº 11.350/06, estabelecendo em seu artigo 8º, caput, que no âmbito da União, os agentes comunitários de saúde e de combate às endemias submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação do Trabalho - CLT, salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa. 4. Se o ente municipal adotou o regime jurídico estatutário para os Agentes Comunitários de Saúde e para os Agentes de Combate às Endemias, as vantagens remuneratórias dependem de edição municipal, em respeito à autonomia dos entes federados. 5. A Lei Federal nº 12.994/2014, que majorou o piso salarial da categoria, depende de regramento adicional local, visto ser a servidora recorrente submetida ao regime estatutário e não à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). 6. A competência para legislar benefícios concedidos aos servidores é privativa do ente federativo a que se encontra vinculado, em respeito ao princípio constitucional da autonomia dos entes federativos, nos termos do artigo 37, inciso X, da CF/88. 7. A disciplina normativa referente ao direito do trabalho, insere-se na competência legislativa da União. Essa competência definida ratione materiae, decorre de regra inscrita no artigo 22, inciso I, da CF/88, que atribui ao poder central competência para legislar privativamente sobre direito do trabalho. 8. A incidência da Lei nº 12.994/2014 federal possui aplicabilidade isolada apenas para os celetistas, ocupantes dos cargos municipais, estaduais, distritais e federais de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias, contratados pelo regime da CLT. 9. Evidenciada a sucumbência recursal, o valor dos honorários advocatícios devem ser majorados, nos termos do parágrafo 11 do art. 85 do CPC/2015. 10. PRIMEIRA APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA MAS DESPROVIDA. SEGUNDA APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA. (TJGO, APELACAO CIVEL 253823-24.2015.8.09.0107, Rel. DR(A). JOSE CARLOS DE OLIVEIRA, 4A CAMARA CIVEL, julgado em 16/03/2017, DJe 2245 de 06/04/2017) Nessa esteira, na hipótese em tratativa, percebe-se a distinção da controvérsia jurídica com relação àquela debatida na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.167, a qual analisou a constitucionalidade da Lei nº 11.738/2008 - que instituiu o piso salarial profissional nacional dos profissionais do magistério público da educação básica -, porquanto instrumentos legais que apresentam disciplinas normativas diversas, o que leva à ausência de similitude fático-normativa entre os casos. Conforme consignado, a Lei nº 11.350/2006 estabeleceu o regime celetista como regra para os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias, mas facultada a adoção de regime jurídico estatutário pelos entes federativos, o que não foi previsto na Lei nº 11.738/2008, cuja constitucionalidade foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI nº 4.167. Portanto, essa situação, por si só, já evidencia a distinção entre os dois casos. Ainda assim, da análise do voto do Ministro Joaquim Barbosa, relator da ADI nº 4.167, a constitucionalidade do piso salarial correspondente ao vencimento inicial dos profissionais do magistério público da educação básica decorreu de peculiaridades da Lei nº 11.738/2008, como a previsão contida no seu art. 3º, que previu a sua implementação progressiva e proporcional por todos os entes federativos, medida voltada à garantia da higidez orçamentária destes. Sendo esta outra importante diferenciação entre ambos os casos. Art. 3o O valor de que trata o art. 2o desta Lei passará a vigorar a partir de 1o de janeiro de 2008, e sua integralização, como vencimento inicial das Carreiras dos profissionais da educação básica pública, pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios será feita de forma progressiva e proporcional, observado o seguinte: I - (VETADO); II - a partir de 1o de janeiro de 2009, acréscimo de 2/3 (dois terços) da diferença entre o valor referido no art. 2o desta Lei, atualizado na forma do art. 5o desta Lei, e o vencimento inicial da Carreira vigente; III - a integralização do valor de que trata o art. 2o desta Lei, atualizado na forma do art. 5o desta Lei, dar-se-á a partir de 1o de janeiro de 2010, com o acréscimo da diferença remanescente. § 1o A integralização de que trata o caput deste artigo poderá ser antecipada a qualquer tempo pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. § 2o Até 31 de dezembro de 2009, admitir-se-á que o piso salarial profissional nacional compreenda vantagens pecuniárias, pagas a qualquer título, nos casos em que a aplicação do disposto neste artigo resulte em valor inferior ao de que trata o art. 2o desta Lei, sendo resguardadas as vantagens daqueles que percebam valores acima do referido nesta Lei. Ademais, é oportuno destacar que os julgados apresentados pela parte autora não representam precedentes de observância obrigatória - previstos no art. 927 do Código de Processo Civil -, motivo pelo qual não vinculam as razões de decidir apresentadas por este Juízo, sendo inclusive desnecessária à realização da distinção entre eles. Diante dos fundamentos acima apresentados, cabe registrar que o repasse realizado pelo Ministério da Saúde, a título de assistência financeira complementar, por meio da Portaria nº 3.778/2018, não acarreta o direito à equivalência do vencimento básico ao piso salarial nacional para os entes federativos que optaram pelo regime jurídico estatutário, pois verba transferida independentemente do regime jurídico adotado, sendo voltada ao custeio global desta categoria profissional, segundo se depreende do Decreto nº 8.474/2015, em especial do seu art. 4º: Art. 4º Para a prestação da assistência financeira complementar de que trata o art. 2º, os gestores estaduais, distrital e municipais do SUS declararão no SCNES os respectivos ACE e ACS com vínculo direto regularmente formalizado, conforme o regime jurídico que vier a ser adotado, na forma do art. 8º da Lei nº 11.350, de 2006. Parágrafo único. Os gestores estaduais, distrital e municipais do SUS são responsáveis pelo cadastro e pela atualização das informações referentes aos ACE e ACS no SCNES. Além disso, o valor definido na EC 120/2022 possui aplicabilidade, apenas após sua regulamentação por parte do ente responsável por realizar o pagamento das remunerações, após o devido repasse realizado pela União dos vencimentos básicos. Sendo assim, não há falar em pagamento de diferenças retroativas do salário da parte autora percebido antes da implementação do novo regulamento jurídico de sua categoria. Assim deve ser indeferido o pedido do autor quanto ao piso salarial. Em idêntico sentido de indeferimento, segue o pedido de implementação do percentual do adicional de insalubridade sobre o vencimento com fulcro na Emenda nº. 120/2022, haja vista sua incidência adequada sobre o vencimento atual. Ante o exposto, quanto ao pedido de pagamento de piso salarial, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS e extingo o processo com resolução de mérito, nos termos do Art. 487, I, do CPC. O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas, bem como a sentença de primeiro grau não condenará o vencido nas custas processuais e honorários de advogado, ressalvados os casos de litigância de má-fé; com esteio nos arts. 54 e 55, da Lei N.º 9.099/95. Intimem-se. Após o trânsito em julgado e cautelas de praxe, arquivem-se com baixa. Salvador, na data da assinatura eletrônica. REGIANNE YUKIE TIBA XAVIER Juíza de Direito JFS
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