Ministério Público Do Estado Do Paraná x Lucas Lourenço Martins
ID: 291202633
Tribunal: TJPR
Órgão: 1ª Vara Criminal de Apucarana
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0009995-44.2024.8.16.0044
Data de Disponibilização:
06/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RENATA MIRANDA DUARTE
OAB/MG XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE APUCARANA 1ª VARA CRIMINAL DE APUCARANA - PROJUDI Travessa João Gurgel de Macedo, Nº 100 - Vila Formosa - Apucarana/PR - CEP: 86.800-710 - Fone: (43) 3…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE APUCARANA 1ª VARA CRIMINAL DE APUCARANA - PROJUDI Travessa João Gurgel de Macedo, Nº 100 - Vila Formosa - Apucarana/PR - CEP: 86.800-710 - Fone: (43) 3572-8813 - Celular: (43) 99651-8149 - E-mail: apu-3vj-e@tjpr.jus.br Autos nº. 0009995-44.2024.8.16.0044 Processo: 0009995-44.2024.8.16.0044 Classe Processual: Ação Penal - Procedimento Ordinário Assunto Principal: Tráfico de Drogas e Condutas Afins Data da Infração: 25/08/2024 Autor(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ (CPF/CNPJ: 78.206.307/0001-30) Rua Professor Erasto Gaertner, 795 SEDE MP - Centro - APUCARANA/PR - CEP: 86.800-280 Réu(s): LUCAS LOURENÇO MARTINS (RG: 127387265 SSP/PR e CPF/CNPJ: 086.321.349-90) RUA OSWALDO FRANCISCO DE LIMA, 170 - APUCARANA/PR - Telefone(s): (43) 3423-9609 SENTENÇA 1. RELATÓRIO: O Ministério Público do Estado do Paraná, no uso de suas atribuições perante esta Comarca, ofereceu denúncia em face de LUCAS LOURENÇO MARTINS, brasileiro, portador da Cédula de Identidade RG sob nº 12.738.726-5/PR, nascido aos 08/05/1996 (com 28 anos de idade na época dos fatos), filho de Maria Aparecida Martins e João Lourenço Martins, residente e domiciliado na Rua Oswaldo Francisco de Lima, nº 170, Loteamento Sanches dos Santos, neste Município e Comarca de Apucarana/PR, atualmente recolhido no Mini Presídio de Apucarana, atribuindo-lhe a prática, em tese, do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, em razão do seguinte fato delituoso descrito na peça vestibular: “No dia 25 de agosto de 2024, por volta das 22h20min, na residência localizada na Rua Oswaldo Francisco de Lima, nº 170, Loteamento Sanches dos Santos, neste Município e Comarca de Apucarana/PR, o denunciado LUCAS LOURENÇO MARTINS, com consciência e vontade, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, trazia consigo, para fins de comercialização a quantia de 05 (cinco) porções de substância análoga à ‘cocaína’, cuja substância ativa é denominada ‘benzoilmetilecgonina’ e mantinha em depósito, para fins de comercialização, 106 porções de substância análoga à ‘cocaína’, cuja substância ativa é denominada ‘benzoilmetilecgonina’, com peso total de 90 g, além de 07 porções (sete) porções de Cannabis Sativa L, popularmente conhecida como ‘maconha’, com peso total de 271 g, substâncias estas capazes de causarem dependência física ou psíquica, cujo uso e comercialização são proibidos em todo o território nacional, conforme Portaria nº. 344/98 da Secretaria da Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, tudo conforme Auto de Apreensão (mov. 1.9), Boletim de Ocorrência nº 2024/1057112 (mov. 1.16), Termos de Depoimentos (mov. 1.5 a 1.8) e Auto de Constatação Provisório de Droga (mov. 1.11). Segundo consta, existiam informações de grande movimentação de usuários na residência. No dia em questão a equipe visualizou o denunciado na parte externa da residência entregando algo para outro homem, ocasião em que efetuaram a abordagem e localizaram as cinco porções no interior de seu bolso. Após ter sido consentida a realização de busca domiciliar, foi localizado o restante das substâncias entorpecentes no interior de uma mochila que estava no quarto do denunciado, além de 01 (uma) balança de precisão e a quantia de R$ 113,00 (cento e treze reais) em notas trocadas." Com a inicial acusatória, vieram os seguintes documentos: Auto de Prisão em Flagrante (seq. 1.4); Termos de Depoimentos (seq. 1.5/1.6 e 1.7/1.8); Termo de Interrogatório (seq. 1.12/1.13); Boletim de Ocorrência (seq. 1.16); Auto de Exibição e Apreensão (seq. 1.9); Auto de Constatação Provisória de Drogas (seq. 1.11); e Relatório da Autoridade Policial (seq. 9.1). Os Laudos Toxicológicos Definitivos das Substâncias entorpecentes apreendidas foram colacionados nos sequenciais 80.1 e 85.1. O Auto de Prisão em Flagrante foi homologado no seq. 19.1 e, após manifestação do Parquet (seq. 29.1), converteu-se em preventiva (seq. 32.1), com a expedição do respectivo mandado (seq. 37.1). O Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor do acusado no seq. 43.1. A denúncia foi recebida em 03 de setembro de 2024 (seq. 53.1). Citado (seq. 82.2), o denunciado apresentou resposta à acusação (seq. 90.1), por intermédio da Defensoria Pública. Não sendo arguidas preliminares e tampouco verificadas causas afetas à absolvição sumária, ratificou-se o recebimento da denúncia, inaugurando a instrução do feito (seq. 94.1). Durante a instrução (seq. 176.1 e 218.1), foram inquiridas uma testemunha de acusação, duas testemunhas defensivas e, ao final, realizado o interrogatório do réu. Não houve requerimentos de diligências na fase do artigo 402 do Código de Processo Penal. As informações processuais do acusado, extraídas do Sistema Oráculo, foram colacionadas no seq. 219.1. O Ministério Público, em suas alegações finais (seq. 222.1), pugnou pela condenação do acusado, nos termos da denúncia, sob o argumento de que restaram comprovadas a materialidade e autoria delitivas. Por sua vez, a Defesa, em suas alegações finais (seq. 226.1), requereu, preliminarmente, a nulidade da prova obtida do ingresso dos policiais na residência, absolvendo o réu com base no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal; e a nulidade da prova obtida em Delegacia, acostada no seq. 1.19, bem como que esta não seja fundamento para eventual condenação. Alternativamente, pleiteou pela absolvição por ausência de intuito mercantil ou pela desclassificação para o crime previsto no artigo 28 da Lei nº 11.343/2006. Em caso de condenação, postulou pela fixação da pena-base no mínimo legal; a inconvencionalidade e inconstitucionalidade da circunstância agravante da reincidência; a diminuição de pena em decorrência do tráfico praticado na modalidade privilegiada; a fixação do regime semiaberto para cumprimento inicial da pena; a fixação da pena de multa no mínimo legal; o direito de recorrer em liberdade; e a concessão da gratuidade da justiça. Vieram os autos conclusos. É o relato do necessário. Tudo bem visto e ponderado, passo a DECIDIR. 2. FUNDAMENTAÇÃO: A exordial oferecida pelo Ministério Público do Estado do Paraná atribui ao réu LUCAS LOURENÇO MARTINS a prática, em tese, do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006. No plano processual, foram observados os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, razão pela qual a causa está apta a julgamento. 3. PRELIMINARES: 3.1. Da violação de domicílio: A Defesa requereu o reconhecimento da ilegalidade da apreensão realizada, bem como a ilicitude da materialidade do delito obtido através de tal atuação, ressaltando que as drogas foram encontradas em virtude da entrada ilegal dos policiais na residência do acusado. Contudo, denoto que não há que se falar em ilicitude da materialidade do delito, pois apesar dos policiais militares terem adentrado na residência do acusado sem ordem judicial expressa, por meio de mandado de busca e apreensão, houve expressa autorização por parte da mãe do denunciado (seq. 1.18, p. 56), sendo que, na casa, foram encontradas porções de “cocaína” e “maconha”, configurando-se situação flagrancial, sendo a atuação da polícia permitida pela própria Constituição Federal e não caracterizando a violação de domicílio. A Constituição Federal no artigo 5°, inciso XI, estabelece que, em situações excepcionais, a garantia da inviolabilidade de domicílio seja mitigada, enquanto existir o estado de flagrância, senão vejamos: “[...] a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial [...]” Assim, durante o dia ou à noite, em caso de flagrante delito, a autoridade policial poderá adentrar na residência para lavrar o flagrante e esta é a hipótese dos autos. O crime de tráfico ilícito de entorpecentes, tipificado no artigo 33, caput, da Lei 11.343/06, é crime permanente, razão pela qual o agente é considerado em constante situação de flagrância, podendo a apreensão ser efetuada a qualquer momento. Os doutrinadores Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, ao discorrerem sobre o tema, nos ensinam que: "Enquanto não cessar a permanência, a prisão em flagrante poderá ser realizada a qualquer tempo (art. 303, CPP), mesmo que para tanto seja necessário o ingresso domiciliar. Como a Carta Magna, no art. 5º, inciso XI, admite a violação domiciliar para a realização do flagrante, a qualquer hora do dia ou da noite, em havendo o desenvolvimento de crime permanente no interior do domicílio, atendido está o requisito constitucional". ("in" Curso de Direito Processual Penal - 6ª edição – Editora JusPODIVM - 2011 - p. 538). No mesmo sentido: APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE DROGAS - PRELIMINAR - VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO - INEXISTÊNCIA DE MANDADO JUDICIAL - REJEIÇÃO – SITUAÇÃO FLAGRANCIAL - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - CONCURSO MATERIAL - INEXISTÊNCIA - PRIVILÉGIO - CABIMENTO - REGIME DIVERSO DO FECHADO E SUBSTITUIÇÃO DA PENA - ADMISSIBILIDADE. - A própria Constituição Federal (art. 5º, XI) permite, em situações excepcionais, que a garantia da inviolabilidade de domicílio seja mitigada, enquanto existir o estado de flagrância. - A apreensão de certa quantidade de substância entorpecente em poder do acusado e a forma como estava acondicionada, aliados a outros elementos de prova demonstram que a droga apreendida não se destinava ao consumo próprio, mas à mercancia. - Deve-se se reconhecer a minorante prevista no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, quando o réu é primário, não ostenta maus antecedentes e não existem nos autos provas de que ele se dedique à atividade ou integre organização criminosa. - De acordo com o incidente de uniformização desse egrégio Tribunal de Justiça é possível se estabelecer o regime inicial aberto para o cumprimento da pena para o delito de tráfico de drogas, desde que réu preencha os requisitos objetivos e subjetivos previstos no artigo 33 do Código Penal. - Presentes os requisitos necessários para a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, ela deve ser concedida ao agente, sobretudo depois da edição da Resolução nº 05 do Senado Federal. V.V. - Impossível a concessão da substituição da pena reclusiva por restritivas de direitos para os delitos de tráfico de drogas, pois, além da expressa vedação do art. 44 da Lei Antidrogas, ausentes os requisitos subjetivos de que trata o art. 44 do Código Penal. – Para o crime de tráfico de entorpecentes, o regime de cumprimento da pena privativa de liberdade deve ser o fechado, em observância à disposição contida no art. 2º, § 1º, da Lei n.º 8.0 72/90, modificada pela Lei n.º 11.464/07. (TJ-MG - APR: 10525120076548001 MG, Relator: Denise Pinho da Costa Val, Data de Julgamento: 06/08/2013, Câmaras Criminais / 6ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 12/08/2013). Com efeito, não há que falar em existência de prova ilícita no presente caso, razão pela qual rejeito a preliminar de nulidade do processo. 3.2. Da ilegalidade da prova obtida por acesso ao aparelho celular do acusado: Outrossim, a Defesa do réu sustentou a ilegalidade das provas produzidas no seq. 1.19, em razão de terem sido obtidas através do acesso sem autorização judicial ao aparelho celular do acusado, violando assim a garantia constitucional à intimidade. Analisando os autos, entendo que não assiste razão à Defesa. Verifica-se que o suposto acesso ilegal ao celular do réu teria ocorrido no momento da abordagem, onde os policiais teriam visualizado na tela bloqueada do aparelho, mensagens que aparentavam indicar o comércio de entorpecentes realizado pelo acusado. De fato, dispõe o artigo 5°, inciso XII, da Constituição da República Federativa do Brasil que é “inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Ocorre que o caso em tela não se amolda a tal disposição, vez que os policiais não acessaram o aparelho celular do réu, mas, tão-somente visualizaram mensagens da barra de notificações, sem desbloquear o aparelho. Assim, embora seja garantida a inviolabilidade das comunicações telefônicas, tal garantia não engloba o mero fato de os policiais visualizarem a tela do celular do réu, e, posteriormente, documentarem a situação nos autos. Neste sentido: Ementa: Direito penal e direito processual penal. Apelações Criminais. Tráfico de drogas. Recursos conhecidos e não providos. I. Caso em exame. 1. Apelações criminais interpostas pelos réus contra sentença que os condenou pela prática do crime de tráfico de drogas, tipificado no art. 33, caput, da Lei nº 11 .343/2006, em razão da apreensão de 53 gramas de maconha durante abordagem policial. O apelante 1, alega insuficiência probatória, requerendo sua absolvição. Subsidiariamente, requer a aplicação da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006. O apelante 2, alega nulidade da abordagem policial e das provas produzidas. Também alega insuficiência probatória, requerendo a absolvição ou, subsidiariamente, a desclassificação da conduta para porte de drogas para uso pessoal. Ainda, requer a aplicação da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006. II. Questão em discussão. 2. A questão em discussã2.onsiste em saber se a abordagem policial, busca pessoal e produção de provas realizadas foram lícitas, bem como se há provas suficientes para a condenação dos réus pelos crimes de tráfico de drogas, considerando a alegação de insuficiência probatória e da possibilidade de desclassificação da conduta para porte de drogas para uso pessoal. III. Razões de decidir. 3. A abordagem policial foi considerada lícita, pois houve fundada desconfiança devido à movimentação suspeita dos réus, que infringiram leis de trânsito e à tentativa de fuga com a dispersão de objeto em via pública ao avistar os policiais. 4. A produção das provas foi considerada lícita, pois vista a mensagem acerca da traficância somente na tela do celular bloqueada. Ademais, o acesso aos celulares dos réus foi realizado após autorização judicial. 5. A materialidade e a autoria do crime de tráfico de drogas foram comprovadas por meio de depoimentos de policiais e mensagens extraídas dos celulares dos réus.6. As alegações de que a droga era para consumo pessoal foram refutadas, pois as circunstâncias e as mensagens indicam a intenção de tráfico. 7. Os réus não preencheram os requisitos para a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, pois se dedicavam à atividade criminosa.8. A pena foi fixada para ambos os réus em 5 anos de reclusão e 500 dias-multa, com regime inicial semiaberto, conforme a legislação aplicável. IV. Dispositivo. 9. Apelações conhecidas e desprovidas. Dispositivos relevantes citados: CPP, arts. 240, § 2º, e 244; Lei nº 11.343/2006, arts. 33, caput, e 28, § 2º; CP, art. 59; Lei nº 11 .343/2006, art. 33, § 4º. Jurisprudência relevante citada: STJ, HC 404.507, Rel. . Min. Felix Fischer, Quinta Turma, j. 10.04 .2018; STJ, AgRg no HC 755.632, Rel. Min. Jesuíno Rissato, Quinta Turma, j. 25.10.2022; TJPR, 4ª Câmara Criminal, 0002836-14.2022 .8.16.0014, Rel. Desembargadora Sonia Regina de Castro, j. 12.12.2022; TJPR, 4ª Câmara Criminal, 0001162-94.2021 .8.16.0156, Rel. Desembargador Celso Jair Mainardi, j. 21.10.2024; TJPR, 4ª Câmara Criminal, 0066530-20.2023 .8.16.0014, Rel. Substituta Elizabeth de Fatima Nogueira Calmon de Passos, j. 21.10.2024; TJPR, 4ª Câmara Criminal, 0019523-91.2021 .8.16.0017, Rel. Desembargador Rui Portugal Bacellar Filho, j. 30.01.2023. (TJ-PR 00080725120228160044 Apucarana, Relator.: substituto Pedro Luis Sanson Corat, Data de Julgamento: 07/04/2025, 4ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 07/04/2025) Ressalte-se que o acesso aos dados constantes no aparelho celular somente foi realizado após a devida autorização judicial (seq. 53.1), que determinou a confecção de perícia, a fim de extrair a existência de conversas relacionadas à comercialização de drogas. Isso posto, diante da licitude das provas produzidas na fase policial e judicial, afasto a preliminar arguida pela Defesa. Não há outras preliminares, irregularidades ou nulidades a serem apreciadas. Por estarem presentes as condições de ação e pressupostos processuais, passo a enfrentar o mérito, em estrita observância ao princípio da individualização da pena. 4. MÉRITO: 4.1. Materialidade e Autoria: A materialidade restou inconteste pelo Auto de Prisão em Flagrante (seq. 1.4); Termos de Depoimentos (seq. 1.5/1.6 e 1.7/1.8); Termo de Interrogatório (seq. 1.12/1.13); Boletim de Ocorrência (seq. 1.16); Auto de Exibição e Apreensão (seq. 1.9); Relatório da Autoridade Policial (seq. 9.1); e Auto de Constatação Provisória de Drogas (seq. 1.15), devidamente corroborado pelos Laudos de Pesquisa Toxicológica (seq. 80.1 e 85.1) que atestaram o resultado positivo para a substância Cannabis Sativa L., conhecida como “maconha”, bem como “cocaína”, que contém o princípio ativo benzoilmetilecgonina, capazes de gerar dependência psíquica, constantes da relação de substâncias de uso proscrito no Brasil, conforme a Portaria nº 344/98 do SVS/MS, atualizada pela RDC nº 21 de 17 de junho de 2010, da ANVISA/MS, lista F (F1). Saliente-se, ainda, que para análise da tipificação do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006, o magistrado deve aferir as condutas bases, neste caso “trazer consigo” e “manter em depósito”, bem como o conjunto das demais circunstâncias para determinar se as substâncias destinavam-se efetivamente ao tráfico de drogas, tal como natureza, quantidade e modo de acondicionamento dos entorpecentes apreendidos, local e as condições em que se desenvolveu a ação, afastando-se, de tal forma, as hipóteses do artigo 28, da mencionada Lei. Complementam, portanto, a materialidade do delito de tráfico de drogas, a quantidade e a forma de acondicionamento das drogas apreendidas, sendo 111 (cento e onze) porções de substância análoga à ‘cocaína’, cuja substância ativa é denominada ‘benzoilmetilecgonina’, com peso total de 90 g (noventa gramas), embaladas e fracionadas para venda; e 07 (sete) porções de substância análoga à ‘maconha’, cuja substância ativa é Cannabis Sativa L., com peso total de 271 g (duzentos e setenta e um gramas); além da quantia de R$ 113,00 (cento e treze reais), em notas diversas; 01 (uma) balança de precisão; e 01 (um) aparelho celular. Logo, não restam dúvidas de que a posse das substâncias entorpecentes, em circunstâncias que denotam o tráfico de drogas, indica a prática da conduta prevista no artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006. De igual modo, do conjunto probatório produzido, resta isenta de dúvidas a conclusão de que a autoria do delito em questão repousa sobre a pessoa do acusado. Ouvido em Juízo, o acusado Lucas Lourenço Martins negou a prática delitiva, afirmando ser mero usuário. Veja-se: “Juíza: O que o senhor pode falar para gente sobre isso? Réu: essas drogas que eu mantinha era para meu uso, não tinha 90 g e não tinha porção de ‘maconha’, eu uso e estava num quadrado só, 270 g, no meu bolso eles acharam 25 g e tinham mais 5 pinos que era para o meu uso. Juíza: você falou que tinha 270 g da maconha? Réu: Sim, eu uso e compro de bastante. Essas porções de cocaína que eles falam, não estava comigo. Eles entraram dentro de casa e fizeram eu fechar esses pinos. A balança eu sempre pesava. Juíza: Você usa cocaína e maconha? Réu: Sim (…) Juíza: você falou que 25 g de cocaína era sua né? Réu: R$ 1.000. Juíza: E 270 g de maconha? Réu: E quanto custa isso? R$ 200,00. Eu pegava latinha na rua, reciclagem, tinha até postagem no Facebook. Nós estávamos usando cocaína dentro de casa, eles passaram e falaram que não era para eu falar que eles tinham pego dentro de casa e que era para entrar na rua. Eles entraram dentro de casa sem mandato. Eu não tentei nenhuma reação de correr, estava no meu bolso, eu entreguei a droga para eles. Juíza: quem estava na sua casa? Réu: O meu pai e minha mãe dormindo e um cara usando, eles não trouxeram ele se não ele ia explicar para vocês. Juíza: você recebe pessoas para usar droga com você? Réu: Sim, por isso tinha movimentação, quando alguém ia fumar maconha ou cheirar pó em casa. Defensora: você só tinha 25 g de cocaína? Réu: 25 g e 5 pinos e eles fizeram eu fechar tudo em pino. Defensora: Eles levaram ou estava na sua casa? Réu: Eles ‘deixou’ lá. Defensora: essas 270 g de maconha você tinha guardado em casa? Réu: Verdade. Defensora: a polícia pediu para você fracionar só a cocaína? Réu: Isso, eu mesmo falei onde estava a maconha que estava dentro de uma bolsa. Defensora: a cocaína estava com você? Réu: No meu bolso. Defensora: vocês iam usar tudo isso naquela hora? Réu: sim, ia usar tudo isso, como eu pegava fora da cidade, já pegava de bastante porque teve umas guerra aí.” (mídia em seq. 215.2) Contudo, verifico que tal versão é isolada e diverge do conteúdo probatório coligido aos autos, o que passo a detalhar a seguir. Primeiramente, do que se colhe das provas indiciárias produzidas nos autos, representadas, sobretudo, pelas informações que ensejaram a investigação, observa-se que o acusado praticaria o tráfico de drogas na aludida localidade, tanto que fora alvo de denúncias anônimas feitas por populares, dirigidas à sua pessoa, posteriormente confirmadas pela polícia. Ademais, além dos entorpecentes encontrados, sendo parte deles embalados para venda, infere-se que havia com o acusado quantia razoável de dinheiro, em notas trocadas, sendo que ele não comprovou a procedência lícita dos valores, presumindo-se que são oriundos do comércio de entorpecentes. Assim, as circunstâncias em que as drogas foram encontradas apontam para a autoria delitiva do tráfico de drogas pelo acusado, não havendo prova em contrário apontada pela Defesa. Oportuno destacar, por outro lado, quanto às notícias anônimas, que estas não podem embasar uma condenação sob pena de ferir de morte os princípios do contraditório e da ampla defesa. Contudo, essas informações dadas por populares foram apenas o despertar da atenção dos policiais, os quais foram até o local indicado, a fim de observar se o conteúdo delas era verdadeiro. No mais, analisando detidamente a prova testemunhal colhida aos autos, depreendo que tais informações foram devidamente corroboradas, tanto em sede policial quanto em Juízo pelos Policiais Militares que participaram da prisão em flagrante do réu. Neste sentido, corroborando os depoimentos prestados em sede inquisitorial, a policial militar Mônica de Souza, compromissada e advertida sobre as penalidades do crime de falso testemunho, foi contundente em relatar como se deu o fato. Relatou o seguinte: “Promotor: Narra para nós como foi essa ocorrência, por favor. Policial: Então, doutor, a gente ficou tendo ciência desse tráfico de drogas lá através do disque denúncia, do 181, né, dizendo que um dos moradores da residência praticava a venda de entorpecentes ali, não tinha horário, poderia ser qualquer horário, que o fluxo era grande ali durante o dia, durante a noite e com grande movimentação de usuários. Então, quando a gente tomou conhecimento dessas informações aí, em patrulhamento pelo endereço, a gente visualizou quando dois homens na área externa da residência, no momento que um estava passando algo para o outro. Aí nós demos a voz de abordagem e foi identificado o Lucas, né, a pessoa que estava passando essa droga para um usuário lá na hora. Com ele ali durante busca foi localizado algumas porções no bolso da blusa dele ali, se eu não me engano agora, acho que foi cinco porções de cocaína. E na sequência ele já falou que ele trafica ali mesmo, já fazia um tempo e perguntado pra ele se tinha mais drogas ali com ele, ali na casa, ele falou que tinha uma mochila em cima da cama dele com mais porções. Então, foi autorizado aí a entrada na residência pra pegar essa mochila. E dentro da mochila, acho que tinha mais 106 porções de cocaína e acho que sete porções de maconha, sendo uma porção de tablete, as outras seis um pouco menores. Mas aí foi localizada essa cocaína, a maconha, uma balança de precisão e uns trocados. Inclusive a mãe dele, ele mora com os pais dele, a mãe dele falou que era frequente isso aí, já fazia um tempo, ela já tinha pedido pra ele parar, mas que não tinha adiantado, eles já são mais idosos, né. Então, diante dessa situação aí, a gente deu voz de prisão pra ele e encaminhamos ele pra delegacia. Defensora: Mônica, depois que vocês receberam as denúncias anônimas, vocês chegaram a fazer algum tipo de vigilância na frente da casa? Policial: Esse dia foi a primeira, então, nós recebemos, foi nesse dia as informações, e nesse dia a gente desceu para levantar essas informações, para ver o movimento e a gente já se deparou com essa situação. Então, no dia que a gente recebeu, a gente já teve essa situação.” (mídia em seq. 175.1) Os depoimentos dos policiais se constituem meio de prova apto e idôneo a formação de juízo de valor a respeito da autoria do crime, vez que prestados sobre o crivo do contraditório e sem que se vislumbre o mínimo interesse desses agentes públicos em prejudicar o denunciado. As palavras dos agentes do Estado são dignas de crédito e confiança, pois aclaram como se deu a empreitada criminosa, expondo as condições do local do crime, e as circunstâncias em que foi lavrada a prisão. Os referidos policiais não possuíam outra intenção senão de delatar o verdadeiro autor do fato dissonante e revelar as particularidades da abordagem policial e as conjunturas processuais, fáticas e jurídicas que a autorizaram. Logo, os depoimentos harmônicos e coesos prestados, em Juízo e em sede de inquérito policial, pelos agentes responsáveis pela prisão do réu e as circunstâncias em que se deram o delito, revelam, de forma satisfatória, a prática do crime de tráfico de drogas. No mais, deixo de transcrever os depoimentos das testemunhas defensivas, pois meramente abonatórios, em nada auxiliando na elucidação dos fatos. Assim, do que se colhe das provas produzidas nos autos, observo que o acusado trazia consigo substâncias entorpecentes conhecidas vulgarmente como “maconha” e “cocaína”, pois iria revendê-las a terceiros nesta cidade. Ainda, para a existência do crime de tráfico é prescindível a realização de atos de venda, ou seja, o traficante não é apenas aquele que comercializa entorpecente, mas todo aquele que, de algum modo, participa da produção e na circulação de drogas. Basta que tenha a posse ou guarda do entorpecente, cuja destinação comercial é comprovada por indícios e circunstâncias, não havendo necessidade de ser demonstrado o animus imediato de traficar ou de difundir. Destaque-se, novamente, que as notícias anônimas não podem embasar uma condenação sob pena de ferir de morte os princípios do contraditório e da ampla defesa, sendo que foram apenas o despertar da atenção dos policiais, os quais, após investigações, foram até o local indicado e efetuaram a apreensão. Sobre a legalidade das informações anônimas que serviram para o aclaramento dos fatos apurados, já se pronunciou o Tribunal de Justiça do Paraná e de Santa Catarina: [...] A denúncia anônima não é em si ilegal nem invalida o feito, se a prisão e posterior processamento de ação penal contra os agentes decorre da realização de diligências em que se constata a efetiva prática do crime resultando, inclusive, em prisão em flagrante. TJPR, Rel. Lilian Romero, 3ª C. Crim., Ap. Crim. nº 279.103-7, DJ 01/04/05) [...].(TJPR - 3ª C.Criminal - AC 1020512-2 - Pato Branco - Rel.: Rogério Kanayama - Unânime - J. 06.06.2013) APELAÇÃO CRIME. CONDENAÇÃO PELOS CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS E POSSE DE ARMA DE USO RESTRITO (ART. 33 C/C O ART. 40, INCISO VI, AMBOS DA LEI Nº 11.343/06 E ART. 16, INCISO VI, DA LEI Nº 10.826/03). PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO PRÓPRIO. NÃO ACOLHIMENTO. PROVAS COLACIONADAS SEGURAS E HARMÔNICAS PARA ATESTAR A CONDIÇÃO DE TRAFICANTE. QUANTIDADE E DIVERSIDADE DA SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. PRISÃO NO MOMENTO EM QUE A DROGA ERA EMBALADA EM PEQUENAS PORÇÕES. DENÚNCIAS ANÔNIMAS E DEPOIMENTO DOS POLICIAIS. GRANDE MOVIMENTAÇÃO DE USUÁRIOS E APREENSÃO NA POSSE DE UM DELES, AO SE RETIRAR DA RESIDÊNCIA DO RÉU. AUSÊNCIA DE CONTRAINDÍCIOS DEFENSIVOS APTOS A COMPROVAR A TESE DE CONSUMO PRÓPRIO. DECISÃO SINGULAR PAUTADA NA PROVA. PLEITO DE AFASTAMENTO DA CAUSA DE ESPECIAL DE AUMENTO DO ART. 40, INCISO VI, DA LEI Nº 11.343/06. INVIABILIDADE. TRÁFICO REALIZADO COMPROVADAMENTE COM ENVOLVIMENTO DE MENOR. POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. PEDIDO ABSOLUTÓRIO DA DEFESA. NEGATIVA DE AUTORIA. IMPROCEDÊNCIA. DENÚNCIAS ANÔNIMAS CONFIRMADAS POR DILIGÊNCIA POLICIAL. ARMAMENTO ENCONTRADO NO QUINTAL DA RESIDÊNCIA DO RÉU. MATERIALIDADE E AUTORIA PLENAMENTE ATESTADAS. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO.” (Apelação Crime nº 0842303-2 – 4ª Câmara Criminal – Rel. Dr. Carlos Henrique Licheski Klein – DJ 22/08/2012). Denúncias anônimas servem de suporte probatório para condenação quando aliadas a outras provas que comprovam a veracidade de suas informações. Neste sentido: “A atividade investigativa pode ser iniciada por meio de denúncias anônimas, pois, com base nas informações fornecidas por cidadãos de bem é que, muitas vezes, as polícias civil e militar tomam conhecimento dos fatos delituosos e, posteriormente, procedem à averiguação da veracidade dos fatos”. (TJSC, Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2011.064323-7, de Blumenau, rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, j. 07-08-2012) De outro giro, o acusado tenta se esquivar de sua responsabilidade ao afirmar que é usuário, entretanto, tal afirmação não restou comprovada, mormente porque a Defesa deixou de apresentar elementos mínimos capazes de demonstrar a alegada dependência, nos termos do artigo 156, do Código de Processo Penal. Sobre o tema, assente a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: "O fato de ser o réu viciado em drogas não impede que seja ele traficante, nem lhe reduz a capacidade de entender o caráter ilícito de sua conduta". (3ª Câm. Crim. do extinto TAPR - Rel. Sônia Regina de Castro - Acórdão: 9755). Aliado a isso, tem-se a apreensão da balança de precisão em sua residência, evidenciando a destinação que seria dada à droga, pois nenhum usuário utilizaria uma balança para fracionar a droga, se pretendesse apenas consumir as porções. Neste sentido, oportuno trazer o entendimento do E. Tribunal de Justiça do Paraná sobre o tema: APELAÇÃO CRIMINAL DA DEFESA – AÇÃO PENAL PÚBLICA – TRÁFICO DE DROGAS (LEI Nº 11.343/2006, ART. 33, CAPUT)– ABSOLVIÇÃO AFASTADA – APREENSÃO DE 890 G (OITOCENTOS E NOVENTA GRAMAS) DE MACONHA, BALANÇA DE PRECISÃO E EMBALAGENS COMUMENTE UTILIZADAS PARA O ACONDICIONAMENTO DE DROGAS FRACIONADAS – PALAVRA DOS POLICIAIS MILITARES EXECUTORES DA DILIGÊNCIA DE APREENSÃO – RELEVÂNCIA E VALOR – VERSÕES UNÍVOCAS E COERENTES – CIRCUNSTÂNCIAS DO FLAGRANTE QUE DÃO MOSTRAS SUFICIENTES DA DESTINAÇÃO DA DROGA AO COMÉRCIO PROSCRITO –DESNECESSIDADE DE PROVA DE ATOS DE MERCÂNCIA – TIPO DE INJUSTO CONGRUENTE OU SIMÉTRICO, QUE DISPENSA DEMONSTRAÇÃO DE UM ELEMENTO SUBJETIVO ESPECÍFICO – DESCLASSIFICAÇÃO TÍPICA PARA CONSUMO PESSOAL – IMPOSSIBILIDADE – INDICADORES OBJETIVOS NÃO VERIFICADOS – CONDIÇÃO DE USUÁRIO EVENTUAL IRRELEVANTE – REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA – MANUTENÇÃO – RECLUSÃO FIXADA EM PATAMAR SUPERIOR A 4 ANOS E INFERIOR A 8 ANOS – RÉU REINCIDENTE – RECLUSÃO A SER CUMPRIDA EM REGIME INICIALMENTE FECHADO – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJPR - 4ª C. Criminal - 0003724-64.2021.8.16.0160 - Sarandi - Rel.: DESEMBARGADOR DOMINGOS THADEU RIBEIRO DA FONSECA - J. 21.02.2022) (TJ-PR - APL: 00037246420218160160 Sarandi 0003724-64.2021.8.16.0160 (Acórdão), Relator: Domingos Thadeu Ribeiro da Fonseca, Data de Julgamento: 21/02/2022, 4ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 22/02/2022) Com efeito, conclui-se que a imputação criminal apresentada na denúncia está plenamente lastreada pelas provas produzidas durante a instrução processual, que revelam cabalmente a prática do crime de tráfico de drogas e a autoria delitiva. Há, portanto, prova suficiente, produzida em Juízo, a sustentar a condenação do acusado Lucas Lourenço Martins pela prática do crime de tráfico de drogas. 4.2. Responsabilidade: A responsabilidade do réu pela prática delituosa decorrente da própria autoria é patente na hipótese em que não se verificam excludentes aptas a afastá-la. Isso porque, a responsabilidade enquanto reprovabilidade do delito exsurge do conhecimento notório do efeito devastador do crime, especialmente o tráfico de drogas – mal maior da sociedade hodierna. Destaca-se que, na hipótese sub judice, não ocorre qualquer causa de exclusão de antijuridicidade em favor do réu. Além disso, era o réu, ao tempo da ação, plenamente imputável, tendo o potencial conhecimento da ilicitude de seu comportamento, mesmo lhe sendo exigível, na circunstância, conduta diversa, o que demonstra sua culpabilidade. Não havendo nos autos nenhuma circunstância que demonstre a ocorrência de causa excludente da ilicitude (legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de direito - art. 23 do CP), completou-se a equação que forma a definição formal de infração. Por último verifica-se que o autor do fato é culpável, visto que tinha a potencial consciência da ilicitude, era-lhe exigível conduta diversa de acordo com o direito, sendo ainda imputável. Nada consta nos autos que demonstre a existência de qualquer causa excludente da culpabilidade, tais como: 1º) erro de proibição - art. 21, caput, do CP; 2º) obediência hierárquica - art. 22, 2ª parte, do CP (estas relacionadas à ausência de potencial consciência da ilicitude); 3º) coação moral irresistível - art. 22, 1ª parte, do CP (referente à inexigibilidade de conduta diversa); 4º) inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado - art. 26, caput, do CP; 5º) inimputabilidade por menoridade penal - art. 27, do CP: “desenvolvimento mental incompleto”; 6º) inimputabilidade por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior - art. 28, §1º, CP. 4.3. Reincidência: Pugna o réu em sede de alegações finais pelo afastamento da circunstância agravante da reincidência, reconhecendo-se sua inconstitucionalidade e/ou inconvencionalidade no caso concreto, ao fito de, indiretamente, beneficiar o réu com a redução da pena que lhe foi estabelecida na segunda etapa da operação dosimétrica. Inexiste, contudo, qualquer inconstitucionalidade a ser reconhecida. Destaque-se que a aplicação da reincidência, verdadeiramente, não implica no reconhecimento de dupla valoração, porquanto o escopo da aludida figura não consiste em punir duas vezes um só ilícito anteriormente perpetrado pelo indivíduo incriminado. Pelo contrário, a intenção do legislador, claramente, diz respeito à necessidade de uma punição mais severa do agente, reconhecendo que a nova conduta delituosa demonstra maior reprovabilidade no meio social, em vista da ousadia da reiteração criminosa. Destarte, verifica-se que o objetivo da norma insculpida no art. 61, inciso I, do CP, reside na reprovação da reiteração criminosa do agente, a qual, por sua vez, reflete um visível e significativo desrespeito do indivíduo em relação ao ordenamento jurídico, revelando, ainda, grande destemor quanto ao poder coercitivo do Estado, daí porque a necessidade de se operar o recrudescimento da resposta penal, ao fito de evitar que volte a delinquir. Nesta toada de entendimento, colaciono o seguinte julgado: APELAÇÃO CRIME. TRÁFICO DE ENTORPECENTES (ARTIGO 33, CAPUT, DALEI Nº 11.343/06). PRETENSÃO DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE E/OU INCONVENCIONALIDADE DA AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA SOB A ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO ‘NE BIS IN IDEM’. NÃO ACOLHIMENTO.QUESTÃO SUPERADA PELO PRETÓRIO EXCELSO, EM REPERCUSSÃO GERAL.INSTITUTO ABRIGADO PELA CARTA CONSTITUCIONAL. MANUTENÇÃO DA REPRIMENDA FIXADA.RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (TJPR - 4ª C.Criminal - AC - 1507374-4 - Paranaguá - Rel.: Lidia Maejima - Unânime - - J. 11.08.2016). No Pretório Excelso, tal questão, inclusive, gerou o reconhecimento da existência de repercussão geral no Recurso Extraordinário nº. 591.563/RS1, cujo mérito foi julgado pelo Tribunal Pleno no Recurso Extraordinário nº. 453.000/RS, colocando fim à discussão instaurada nos presentes autos: AGRAVANTE REINCIDÊNCIA CONSTITUCIONALIDADE Surge harmônico com a Constituição Federal o inciso I do artigo 61 do Código Penal, no que prevê, como agravante, a reincidência." 1 "RECURSO. Extraordinário. Reincidência. Decisão que afastou a aplicação da circunstância agravante prevista no art. 61, I, do Código Penal. Questão da recepção da norma pela Constituição Federal. Relevância. Repercussão geral reconhecida. Apresenta repercussão geral o recurso extraordinário que verse sobre a questão de recepção, pela Constituição da República, do art. 61, I, do Código Penal." (STF, RE 591563 RG, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, julgado em 02/10/2008, DJe-202 DIVULG 23-10-2008 PUBLIC 24-10-2008 EMENT VOL-02338-11 PP-02114). (STF, RE 453000, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 04/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 02-10-2013 PUBLIC 03-10-2013). Por oportuno, frise-se que a discussão em tela não importa em violação ao princípio constitucional da isonomia, porque réus reincidentes não podem ser tratados da mesma maneira daqueles que não carregam consigo tal espécie de registro criminal, não havendo dúvidas de que o tratamento diverso que o direito lhes confere tem uma finalidade, qual seja, a de repelir qualquer postura de fomento em relação às práticas criminosas e concretizar, de certa forma, o conceito de igualdade material, nesse particular. Em outras palavras, a reincidência funciona, também, como divisor de águas, garantindo a efetivação do princípio da isonomia, cuja regra, segundo Rui Barbosa, "não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam". (BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. 5. ed. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 1999. p. 26). Outrossim, compete esclarecer que, se desconsiderada a referida agravante, incorrer-se-ia em afronta ao princípio da legalidade (lex praevia, scripta, stricta et certa), pois o Estatuto Repressivo, em seu art. 61, I, determina, expressamente, o compulsório agravamento da pena quando há o cometimento de ilícito penal após outra condenação anterior já transitada em julgado. Ao agravar a pena do indivíduo reincidente, o magistrado não o está punindo duas vezes pelo mesmo fato e, ao fazê-lo, com base na condição subjetiva que a reincidência revela, não está desviando-se do comando constitucional. Ao contrário, o juiz do caso, ao assim proceder, estará individualizando a pena (CF, art. 5º, XLVI), atribuindo maior grau de reprovabilidade àquele que já foi repreendido pela Justiça, em razão da prática de fato criminoso. Pune-se o contumaz, o recalcitrante, o repetente de forma mais severa que o novel criminoso, o eventual delinquente. Portanto, não há que se falar que a consideração da reincidência configura dupla incriminação pelo mesmo fato. Assim, recai a agravante genérica da reincidência, consoante demonstram as informações processuais anexas no seq. 219.1, nos termos do artigo 61, inciso I, do Código Penal. 5. DISPOSITIVO: Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido contido na inicial acusatória para condenar o denunciado LUCAS LOURENÇO MARTINS nas sanções previstas no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006. Passo à dosimetria da pena. 6. DOSIMETRIA DA PENA: 6.1. 1ª Fase - circunstâncias judiciais: 6.1.1. Do art. 42, da Lei 11.343/2006: Conforme dispõe o art. 42 da Lei 11.343/2006, na fixação da pena, deve considerar-se, com preponderância no previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou produto, a personalidade e a conduta social do agente. Com relação à natureza das substâncias, entendo que esta desfavorece o acusado, posto que parte das substâncias apreendidas (cocaína) apresenta um alto grau de nocividade à saúde humana. Neste sentido, é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: “Mostra-se justificada a exasperação da pena-base além do mínimo legal baseada na natureza da droga apreendida - cocaína -, por se tratar de substância nociva à saúde do usuário, a teor do que preceituam os artigos 42 da Lei nº 11.343/2006 e 59 do Código Penal.” (TJPR - 3ª C.Criminal - AC - 754450-5 - Foz do Iguaçu - Rel.: Rogério Kanayama - Unânime - J. 12.05.2011). No que tange à quantidade das substâncias verifica-se que se revela expressiva a ponto de implicar no aumento da pena nesta fase, pois foram apreendidas 271 gramas de maconha e 90 gramas de cocaína. Por sua vez, no que tange à personalidade, esta não foi estudada tecnicamente, não se podendo afirmar que é voltada a prática delitiva. Já, com relação à conduta social do agente, inexistem elementos para sua aferição. 6.1.2. Do artigo 59, do CP: A culpabilidade, entendida como o índice de reprovabilidade da conduta praticada pelo réu não merece reprovação mais elevada do que a já prevista no tipo penal. No que se refere aos antecedentes criminais, observo que há registro em suas informações processuais de uma condenação transitada em julgado antes da prática do crime (autos nº 0014173-51.2015.8.16.0044), evidenciando-se que é reincidente. Contudo, a sentença transitada em julgado não serve para gerar maus antecedentes e reincidência, ao mesmo tempo, sob pena de violação do princípio ne bis in idem. Posto isso, deixo de valorar esta circunstância. Com relação à conduta social e à personalidade, tais circunstâncias já foram analisadas no tópico anterior. Os motivos do delito não merecem especial consideração. As circunstâncias do crime não devem ser interpretadas desfavoravelmente nesta fase. As consequências do crime são inerentes ao tipo penal. O comportamento da vítima, por se constituir esta a saúde pública, em nada influiu para a prática da infração. Considerando a presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis e, em obediência aos critérios fixados no artigo 59 do Código Penal, fixo a pena base em 07 (sete) anos de reclusão e 700 (seiscentos) dias-multa. 6.2. 2ª Fase – circunstâncias agravantes e atenuantes: Não há circunstâncias atenuantes a serem consideradas. Todavia, incide a circunstância agravante da reincidência, prevista no art. 61, inciso I, do Código Penal, consoante se extrai das informações do Sistema Oráculo (seq. 219.1). Assim, agravo a pena em 1/6 (um sexto), passando a dosá-la em 08 (oito) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 817 (oitocentos e dezessete) dias-multa. 6.3. 3ª Fase - causas de aumento e diminuição de pena: Não concorrem causas de aumento. Deixo de aplicar, ainda, a causa de diminuição prevista no art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006, eis que o réu é reincidente. Deste modo, nesta terceira fase de aplicação da pena, fixo a pena do réu em 08 (oito) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 817 (oitocentos e dezessete) dias-multa. 7. PENA DEFINITIVA: Inexistindo outras circunstâncias que possam influenciar na dosimetria, torno a PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE DEFINITIVA em 08 (oito) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 817 (oitocentos) dias-multa. Considerando a situação econômica do réu, fixo o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos. 8. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA: Diante da reincidência e do quantum de pena fixado, nos termos do artigo 33, §§ 2º, “a” e 3º, do Código Penal, deve o réu iniciar o cumprimento da pena em regime FECHADO, segundo condições fixadas pelo Juízo da Execução. 9. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE: Incabível a substituição diante da ausência do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 44, inciso I, do Código Penal. 10. IMPOSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA: Incabível a suspensão condicional da pena, uma vez que ausente o requisito objetivo previsto no “caput”, do artigo 77, do Código Penal. 11. DETRAÇÃO: Compulsando os autos, verifico que não é possível a fixação de regime mais benéfico em decorrência da detração, a teor do disposto no artigo 387, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal, pois o réu não cumpriu o requisito objetivo (art. 112 da LEP). 12. PRISÃO PREVENTIVA: Mantenho a prisão cautelar do réu por entender que a prova da materialidade e da autoria se robusteceram pela sentença condenatória após exame exauriente, de modo que os requisitos e pressupostos ainda persistem, em especial de garantia à ordem pública. Verifico que a mercancia de drogas pelo réu perturba a ordem pública, tanto que ensejou denúncia em seu desfavor, de modo a demonstrar quão abalada encontra-se a comunidade desta cidade pelo delito praticado. Além disso, a reincidência denota que, posto em liberdade, poderá novamente comprometer a ordem pública. 13. DISPOSIÇÕES FINAIS: Nos termos do artigo 804 do Código de Processo Penal, CONDENO o réu ao pagamento das custas e despesas processuais, sendo que eventual pedido de gratuidade da justiça deverá ser formulado perante o Juízo da Execução Penal. Com base no art. 50, §4º e no art. 72 da Lei n. 11.343/06, DETERMINO a incineração das drogas apreendidas, expedindo-se ofício à Autoridade Policial para que efetive a diligência. Quanto aos bens e valores apreendidos, considerando que, ao que tudo indica, são oriundos da atividade ilícita do comércio de drogas, DECRETO a perda em favor da União e a reversão da quantia diretamente ao FUNAD, nos termos do artigo 63 da Lei nº 11.343/2006. 14. APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO: a) comunique-se ao Distribuidor, ao Instituto de Identificação do Paraná e à Delegacia de Origem, certificando nos autos, observando-se o disposto no Código de Normas da Egrégia Corregedoria-Geral da Justiça; b) comunique-se ao Juízo Eleitoral, via SIEL, para os efeitos do artigo 15, inciso III, da Constituição da República; c) extraia-se a guia de recolhimento, atendendo-se às instruções do Código de Normas da Egrégia Corregedoria-Geral da Justiça; d) remetam-se os autos à Contadoria Judicial para cálculo das custas processuais; Atendam-se às demais disposições do Código de Normas da Egrégia Corregedoria-Geral da Justiça, no que for pertinente. PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE. INTIMEM-SE. Apucarana, datado e assinado digitalmente. CAROLLINE DE CASTRO CARRIJO Juíza de Direito Substituta
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