Processo nº 0001812-14.2011.4.01.3303
ID: 280785189
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0001812-14.2011.4.01.3303
Data de Disponibilização:
27/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR
OAB/BA XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0001812-14.2011.4.01.3303 PROCESSO REFERÊNCIA: 0001812-14.2011.4.01.3303 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: UNIÃO FEDERAL e outr…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0001812-14.2011.4.01.3303 PROCESSO REFERÊNCIA: 0001812-14.2011.4.01.3303 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: UNIÃO FEDERAL e outros REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR - BA10109-A POLO PASSIVO:CARLOS CARAIBAS DE SOUSA e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR - BA10109-A RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0001812-14.2011.4.01.3303 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de apelações interpostas por Carlos Caraíbas de Sousa e Outro e pela União em face da sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Bom Jesus da Lapa/BA, que, nos autos da ação civil pública de improbidade administrativa, julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer a prática dos atos de improbidade descritos no art. 10 da Lei 8.429/1992 pelos réus, condenando-os ao ressarcimento do dano ao erário, em valor a ser apurado; ao pagamento da multa civil de 2 (duas) vezes o valor do dano; proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos, fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de 8 (oito) anos; e ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa. Sustentam os réus que a comissão permanente de licitação, de forma equivocada, por falta de conhecimento jurídico específico, realizou processo de inexigibilidade de licitação para contratar médico para atuar no Programa Saúde de Família - PSF ante a carência de profissionais da área disposto a trabalhar na zona rural e dos distritos do município, por serem locais de difícil acesso e locomoção, quando, na verdade, deveria ter realizado contratação temporária, o que, por seu turno, não traduz ato de improbidade administrativa. Alegam inexistência de prejuízo ao erário, uma vez que os serviços foram efetivamente prestados pela médica Ana de Cássia Barros Pereira contratada, como atesta a testemunha Clívia Pereira Duarte, ressaltando que o relatório da Controladoria Geral da União, o qual afirma o contrário, carece de legalidade e legitimidade, tendo utilizado amostras de apenas 2 (dois) meses do exercício de 2009, sem qualquer informação no que diz respeito à frequência dos profissionais que exerciam suas funções nos postos de saúde. Por fim, argumenta a necessidade de reforma da sentença em face da ausência de demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo ou culpa grave, o que afasta a a responsabilização dos réus por meio da Lei de Improbidade Administrativa. A União, por sua vez, busca a reforma da sentença na parte em que deixou de reconhecer a improbidade decorrente da contratação direta, sem licitação, de profissional de saúde. Alega violação aos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade, sustentando que a inexigibilidade foi indevidamente utilizada e que a ausência de notória especialização é evidente. Requer a aplicação das sanções do art. 12, III, da Lei 8.429/1992. Com contrarrazões dos réus (ID. 22757962, fls. 236/253) e da União (ID. 22757962, fls. 209/218). O Ministério Público Federal (PRR1) opina pelo não provimento da apelação dos réus e pelo provimento do apelo da União (ID. 22757962, fls. 259/269). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0001812-14.2011.4.01.3303 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Consta, em síntese, que foram verificadas irregularidades na gestão de recursos públicos federais, provenientes do Ministério da Saúde, no âmbito do Município de Serra do Ramalho/BA, relacionadas a existência de irregularidades no pagamento e contratação indevida, sem licitação, de profissional de saúde, contratado para execução do Programa Saúde da Família - PSF, com recursos do Programa de Atenção Básica à Saúde - PAB, no exercício de 2009. Na sentença, o Juízo a quo concluiu o seguinte: (...) Deduz-se, do contexto fático narrado ,na petição Inicial, que em amostragem, a Controladoria Geral da União (CGU) teria depurado irregularidades em relação à contratação e Pagamento realizados pelos requeridos, Prefeito e Secretário de Saúde municipal, com proveito direto à terceira requerida, médica contratada, ANA DE CASSIA BARRROS PEREIRA. Deflui do relatório da CGU, fls. 39-44, que houve a contratação desprovida de realização de procedimento licitatório, sendo esta a primeira razão apontada pela União para a responsabilização dos agentes por atos de improbidade. A rigor, denota-se, pelos próprios elementos presentes na cópia do contrato (fls. 159-162), que a licitação foi dispensada sob o argumento de que a profissional contratada teria notória especialização. Convém rememorar que os requeridos, durante a instrução processual - em que se proveu o alargamento de todo debate e assegurou-se a ampla defesa -, repisaram a ausência de qualquer ato ímprobo para os efeitos da lei quanto à irregularidade da contratação. Isso porquanto ausente restaria má-fé dos agentes públicos e tampouco sobejara demonstrado o elemento subjetivo imprescindível para a adequação dos fatos à hipótese de improbidade por enriquecimento ilícito. Particularmente sob o ângulo atinente ao elemento subjetivo contido nas hipóteses do art. 11, da Lei . 8.429/92, penso haver razão aos requeridos, pois tanto doutrina e jurisprudência, de há muito, estabelecem indispensabilidade do elemento subjetivo do dolo para incidência em ato ímprobo que viole princípios da administração pública. Conquanto na espécie a atividade exercida pelo profissional médico verse sobre função contínua e. inerente às competências municipais, o programa, particularmente implementado pelo Ministério da Saúde no exercício de 2009, visava o atendimento temporário e excepcional do interesse público municipal, e até por tal motivo detinha o conteúdo e natureza jurídica de programa, ao contrário de uma atividade continuada de responsabilidade inerente ao próprio Município de Serra do Ramalho/BA. Diante desse viés, os requeridos, durante a instrução, fizeram, a meu sentir, uso argumentativo adequado trabalhando como base de defesa a ausência de dolo ou má-fé para a contratação da profissional da saúde, com recursos públicos provenientes do Ministério da Saúde. Logo, convém explicitar que procedem as deduções dos réus, dado que mostraram ter buscado todos os meios disponíveis a fim de manter a atividade do serviço de saúde em locais praticamente esquecidos pelas instâncias centrais de governo, cumprindo, ademais, com o primado da continuidade no oferecimento da Saúde, sem qualquer intercorrência negativa evidenciada nos autos. No mais, ressoou-me crível a superação do dolo ou má-fé com a demonstração de publicações de editais de concursos públicos de provas e títulos visando prover cargos inerentes, à área da saúde, inclusive, no mesmo ano de 2009, quando foram amealhadas as inconsistências. Por semelhança das situações vertentes, entrevejo a pertinência da atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, permeando tal ponto de vista em seus julgados: ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. ÁREA DE SAÚDE. EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO. ELEMENTO SUBJETIVO DOLOSO NÃO CONFIGURADO. AUSENCIA DE ATO ÍMPROBO. 1. Este Tribunal tem reiteradamente se manifestado no sentido de que "o elemento subjetivo, necessário à configuração de improbidade administrativa censurada nos termos do art. 11 da Lei 8.429/1992, é o dolo genérico de realizar conduta que atente contra os princípios da Administração Pública, não se exigindo a presença de dolo específico" (REsp 951:389/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, Dle 4/5/2011). 2. No caso dos autos, o Tribunal de origem assentou que o agravado "fez contrata0es para a área de saúde, visando a, atender necessidade temporária de excepcional interesse Público, evitando-se, assim, a descontinuidade da prestação de serviços público". 3. Diante dessas circunstâncias, pode-se aferir que não despontou a presença de dolo na inação do acusado, ainda que na sua forma genérica, que evidenciasse seu intencional propósito de violar o princípio da legalidade. Isso porque as contratações temporárias destinaram-se a atender excepcional interesse público na prestação de serviços de saúde, tendo, inclusive, sido posteriormente realizado concurso público para provimento dos cargos efetivos. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 903.803/SE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/03/2018, Die 05/04/2018) (grifei) Conquanto esteja estabelecida a não incidência destes primeiros fatos aos ilícitos preconizados no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, inferência idêntica não posso retirar, na espécie, no concernente às categorias cogitadas no art. 10. Consoante averiguado no caderno processual, houve, realização de fiscalização pela Controlado ria Geral da União (CGU) destinada a examinar a aplicação de recursos federais no Município de Serra do Ramalho - BA. Observo daí emergirem diversas irregularidades em virtude do pagamento indevido dos recursos à profissional ANA DE CASSIA BARRROS PEREIRA. Ante os extratos de pagamento existentes nos autos, perceptível que a médica fora contratada para o labor semanal de 40 (horas), resultando numa contrapartida do trabalho um valor de R$ 7.906,76 (sete mil novecentos e seis reais e setenta e seis centavos) mensais. O próprio contrato entabulado pelos requeridos com a profissional da saúde cuida-se de elemento que revela, com destaque em negrito, cuja cópia encarta-se à f. 159, a jornada mensal a ser cumprida e a retribuição salarial. Nesse linde, importa notar que os requeridos nem chegaram a opor-se á essa constatação sobre a jornada de trabalho estabelecida a partir da verossimilhança emergente do contrato. Digo isso, pois o principal fundamento de defesa elaborado pelos requeridos gira em torno da ausência de dolo ou má-fé no que toca ao controle da carga horária mensal da médica, fator, no meu compreender, dispensável à espécie das sanções que causam prejuízo ao erário (art. 10 da Lei 8.429/92). Decerto, Malgrado os requeridos ainda tentem trazer alguma luz. quanto à ausência de prejuízo ao erário, a prova ,do fato desconstituição do direito do autor sobressai bastante frágil na instrução processual. É que se busca aventar pela regularidade dos pagamentos efetuados mensalmente e cumprimento da jornada, tão somente via de declaração unilateral, desprovida, todavia, de documentação idônea a fim de lastrear o controle interno de contas, prestando incólume, de conseguinte, o exame da Controladoria Geral da União, ante a legitimidade encartada em seus documentos. Com efeito, a mera oitiva de três testemunhas em Juízo a defender o controle da jornada de trabalho da médica, sem qualquer elemento, material a corroborar as declarações, soa-me rio fidedigno, na medida em que, ao lidar-se com o pagamento de recursos públicos, estes devem ser submetidos a escrutínio rígido dos órgãos de controle interno e externo, e não por declarações de terceiros. De outro ângulo, sobreleva rejeitar o fundamento de fragilidade dos mapas de controle da CGU, como buscam ventilar os implicados. Como notório é, no Processo Civil, o réu se defende das acusações, devendo o autor comprová-las, em regra. Contudo, dadas as premissas processuais basilares não fica a defesa imune em oferecer contraprova no concernente aos fatos impeditivos do direito alegado pelo autor. Na hipótese em apuração, "os réus atacam com argumentos desprovidos de base material o relatório analisado e concluído pelo órgão de controle federal, aceitando um vazio probatório sobre a regularidade da frequência da profissional de saúde, quem recebia salários mensais, mas sem a presença de um elemento material sequer sobe a contrapartida dos serviços prestados. Ora, tal ponto de vista levantado com veemência pelos acusados chega a ser risível, porque, mesmo em sede de agravo de instrumento foram instados, com meios próprios, a buscar as provas sobre fatos corroboram suas teses, porém, deixaram de desincumbir-se do ônus processual (fls. 765-767)[15]. Logo, impõe-se agregara esses indícios o fato de que os gestores de referido Programa incorreram, ao menos, em conduta negligente no que concerne às atividades de controle e fiscalização, resultando, dentre outras inconsistências, em dano ao erário público. Isso porquanto, dentro dos limites legais, decorre a presença de máculas, consistentes no recebimento indevido dos valores do referido programa por uma gama de funcionários do ente federado. Certamente, as alegações efetuadas reiteradamente pela defesa dos réus, são, em grande parte, imprestáveis para afastar a imputação nas sanções legalmente estipuladas, dado que o gestor de recursos públicos assume uma ampla categoria de responsabilidades presentes no sistema jurídico que parte desde o Texto Constitucional até as mais detalhadas resoluções, atos e pareceres de controle do Poder Público. Diante desse viés, relevante o tratamento doutrinário a supedanear o explicitado aqui, o que faço com o escólio de Fábio Medina Osório [6] Assim, os agentes particulares que tratam com as coisas publicas, que prestam serviços públicos ou exercem, embora transitoriamente, funções públicas, sempre, que envolvam o manejo de recursos públicos, estão submetidos ao dever de probidade administrativa. Também os particulares que atuem em conjunto com os agentes públicos, na violação do dever de probidade administrativa, podem ser sancionados, nos termos legais, por seus atos. A par dessa conjuntura, vale destacar a previsão legal que responsabiliza terceiros beneficiários da prática de ato de improbidade, consubstanciada no art. 3º, da lei 8.429/92 [7] Releva destacar, pela pertinência ao caso concreto, as razões delineadas no acórdão do agravo interposto pelos réus, em ação similar a destes autos, cujos fatos ocorreram no mesmo Município: Considerações sobre a confiabilidade da metodologia adotado pela CGU para apuração da carga horária-de 'trabalho efetivamente cumprida, centrada na análise da produtividade dos profissionais de saúde para disso aferir o tempo dedicado à atividade, não devem ser feitas no presente momento, sem franquear à União a oportunidade de demonstrar a correção das apurações e de suas conclusões no curso do processo, sobretudo porque teriam sido reforçadas por informações obtidas por outras agentes dos mesmos locais de trabalho da agravada e pela 'população que acorria aos serviços, a revelar que, possivelmente, haja a necessidade de produção de prova oral para confirmação da veracidade do alegado. É certo que o melhor para o serviço público teria sido a realização do controle de frequência por parte do município contratante. Mas, na falta de tal fiscalização, nada impede que se averigue a estrita observância da carga horário de trabalho do agente público por outros meios, inclusive por demonstrativos de produtividade, registros de dias de atendimentos realizados e depoimentos testemunhais. Neste sentido, a principio, não merece censura a forma encontrada pela CGU para apuração da carga horária cumprida pela agravada, sendo as informações até aqui coletadas suficientes para a instauração do processo de responsabilização pela prática de ato de improbidade administrativa. Daí a dizer que os subsídios existentes são suficientes para urna condenação há uma distância considerável, porque tudo vai depender de um estudo minucioso dos elementos de prova reunidos aos autos após a instrução do feito. Dito isto, entendo que, por ora, há subsídios mínimos para o recebimento da ação contra a agravada pela, prática de atos de improbidade administrativa, consubstanciados no recebimento de verbas públicas sem o cumprimento da carga horária de trabalho contratada pelo ente público. (AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 0017404-11.2014.4.01.0000/BA) (grifos meus) Extrai-se que, com o cruzamento das ordens de pagamento dos salários à profissional em tela, em cotejo com a ausência de qualquer documento acerca da frequência de trabalho, dessume-se a assunção de responsabilidade tanto do Prefeito como do Secretario Municipal (fls.173-209). Logo, com essas. premissas, sobressai a imputação correta pela autorização do gestor municipal, CARLOS CARAÍBAS DE SOUZA, sem lastro do trabalho realizado pela beneficiária, incidindo nas hipóteses do art. 10 da Lei Federal no 8.429/82. Por sua vez, FLORISVALDO FERREIRA DE SOUZA FILHO, incide nas mesmas imputações de direito, por ter apontado nas notas de empenho, sem lastro, a regularidade da prestação dos serviços médicos, no período de janeiro a julho de 2009. Calha esclarecer que, diante dos elementos colhidos pela CGU, sem contraprova por parte dos réus, entendo correta a sorna total de R$ 31.524,94 (trinta e um mil quinhentos e vinte e quatro reais e noventa e quatro centavos) ao tempo dos fatos, com prejuízo ao erário a ser ressarcido de forma solidária pelos dois implicado acima. De outra parte, viável consignar novamente a respeito do elemento volitivo da ação ímproba. É que, conquanto a tese não seja nada inovadora, é bom deixar assentado - com vistas a, não se suscitarem nulidades ou eventual recurso de embargos - que a legislação exige apenas ação culposa para a punição do agente ímprobo. (...) Analisando a questão, verifico que a presente ação foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Do que se extrai, pois, do entendimento fixado pelo STF, pode-se concluir, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações, iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeiraª Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. Na espécie, os réus foram condenados pela prática dos atos de improbidade descritos no art. 10, caput, I, II, IX, XI e XII, da Lei 8.429/1992, tendo sido afastadas, por outro lado, as condutas descritas no art. 11, caput, I, da citada norma, os quais, antes das alterações levadas a efeito pela Lei 14.230/2021, se encontravam expressos nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; (...) IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento; (...) XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; (...) Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; (...) Com a redação dada pela nova lei, os dispositivo ficaram assim redigidos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a indevida incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, de rendas, de verbas ou de valores integrantes do acervo patrimonial das entidades referidas no art. 1º desta Lei; II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; (...) IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento; (...) XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; (...) Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: I - (revogado); (...). No tocante à conduta relativa ao art. 10 da LIA, a imputação funda-se na ocorrência de dano presumido ante a ausência de comprovação da frequência da jornada de trabalho da médica contratada. Ocorre que, a despeito das irregularidades formais narradas, consistentes na ausência de ficha de frequência assinada pela médica contratada, ou mesmo de fiscalização por parte dos órgãos de controle municipal, não restou comprovado o intuito dos agentes em lesar o erário ou mesmo o efetivo dano aos cofres públicos. Isso porque constam dos autos inúmeros documentos manuscritos que atestam o atendimento de pacientes pelos profissionais de saúde do ente municipal (ID. 2275944, fls. 47/156), corroborados pelo depoimento da testemunha Clívia Pereira Duarte, Coordenadora de Atenção Básica à Saúde do município à época dos fatos, que atesta o cumprimento da carga horária da médica Ana de Cássia Barros Pereira, conforme pacutada contratualmente, bem como a ausência de reclamações sobre a fata de atendimento médico pela população municipal. Portanto, não há nos autos elementos que apontem para a ocorrência efetiva de dano, já que não restou comprovado o não cumprimento da jornada de trabalho da médica contratada ou mesmo a falta de prestação de serviços à comunidade. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). Porém a União não se desincumbiu do ônus de comprovar a perda patrimonial concreta. O STJ decidiu que a comprovação de prejuízo efetivo ao erário, como condição para a condenação baseada no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa, deve ser exigida nos processos relativos a fatos anteriores à Lei 14.230/2021 que ainda estejam em andamento. A propósito: ADMINISTRATIVO. ATO ÍMPROBO. DANO PRESUMIDO. ALTERAÇÃO LEGAL EXPRESSA. NECESSIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em sessão realizada em 22/2/2024, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou o Tema 1.096 do STJ, o qual fora outrora afetado para definir a questão jurídica referente a "definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário (in re ipsa)". 2. Após o referido cancelamento, ressurgiu a necessidade desta Primeira Turma enfrentar a seguinte controvérsia jurídica: com a expressa necessidade (tratada nas alterações trazidas pela Lei 14.320/2021) de o prejuízo ser efetivo (não mais admitindo o presumido), como ficam os casos anteriores (à alteração legal), ainda em trâmite, em que a discussão é sobre a possibilidade de condenação por ato ímprobo em decorrência da presunção de dano? 3. Os processos ainda em curso e que apresentem a supracitada controvérsia devem ser solucionados com a posição externada na nova lei, que reclama dano efetivo, pois sem este (o dano efetivo), não há como reconhecer o ato ímprobo. 4. Não se desconhece os limites impostos pelo STF, ao julgar o Tema 1199, a respeito das modificações benéficas trazidas pela Lei 14.320/2021 às ações de improbidade ajuizadas anteriormente, isto é, sabe-se que a orientação do Supremo é de que a extensão daquele tema se reservaria às hipóteses relacionadas à razão determinante do precedente, o qual não abrangeu a discussão ora em exame. 5. In casu, não se trata exatamente da discussão sobre a aplicação retroativa de alteração normativa benéfica, já que, anteriormente, não havia norma expressa prevendo a possibilidade do dano presumido, sendo este (o dano presumido) admitido após construção pretoriana, a partir da jurisprudência que se consolidara no STJ até então e que vinha sendo prolongadamente aplicada. 6. Esse entendimento (repita-se, fruto de construção jurisprudencial, e não decorrente de texto legal) não pode continuar balizando as decisões do STJ se o próprio legislador deixou expresso não ser cabível a condenação por ato ímprobo mediante a presunção da ocorrência de um dano, pois cabe ao Judiciário prestar a devida deferência à opção que seguramente foi a escolhida pelo legislador ordinário para dirimir essa questão. 7.Recurso especial desprovido. Embargos de declaração prejudicados. (REsp 1.929.685/TO, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/09/2024.) Assim como a jurisprudência da Quarta Turma desta Corte. Confira-se: Ação de improbidade administrativa. Condenação dos réus pela prática das condutas ímprobas descritas na Lei 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei 8.429, Lei de Improbidade Administrativa [LIA]), Art. 10, caput, I, II, IX, XI e XII. Superveniência da Lei 14.230, de 2021. Condenação fundada em conduta culposa. Inadmissibilidade. Sentença reformada, nesse ponto. Pretensão à condenação das rés fundada na ausência de prestação de serviços. Serviços efetivamente prestados. Sentença confirmada, nesse ponto. 1. (A) Condenação dos réus pela prática das condutas ímprobas descritas na LIA, Art. 10, caput, I, II, IX, XI e XII, com fundamento na conclusão “de que os gestores de referido Programa incorreram, ao menos, em conduta negligente no que concerne às atividades de controle e fiscalização, resultando, dentre outras inconsistências, em dano ao erário público.” (B) A Lei 14.230, de 25 de outubro de 2021, aboliu a improbidade administrativa na modalidade culposa, o que caracteriza abolitio criminis. (C) “A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; [...] A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente”. (STF, ARE 843989. Tema 1199.) (D) Consequente impossibilidade de fundar a condenação pela prática de improbidade administrativa em conduta culposa. (E) Sentença reformada. 2. (A) Hipótese em que a União imputou aos réus a prática das condutas ímprobas descritas na LIA, Art. 10, caput, I, VIII, IX e XI, e Art. 11, caput, I, na redação original. (B) Sentença em que o juízo condenou os réus pela prática, dentre outras, das condutas ímprobas descritas na LIA, Art. 10, II e XII, que não foram objeto de imputação na petição inicial. (C) A LIA, na redação dada pela Lei 14.230, dispõe no Art. 17, § 10-F, que “[s]erá nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que”, dentre outros casos, “condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial”. No mesmo sentido, o Art. 17, § 10-C, da LIA, na parte não afetada pela declaração de “inconstitucionalidade parcial, com interpretação conforme sem redução de texto” (STF, ADIs 7072 e 7043, supra), determina que ao juiz é “vedado modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor.” (D) Dispositivos não declarados inconstitucionais pelo STF no julgamento das ADIs 7042 e 7043. (E) Nos termos do Art. 17, §§ 10-C e 10-F, da LIA, na atual redação, e considerando que a União, na petição inicial, imputou aos réus a prática das condutas ímprobas descritas na LIA, Art. 10, caput, I, VIII, IX e XI, e Art. 11, caput, I, na redação original, é inadmissível a condenação dos réus pela prática de condutas ímprobas que não foram objeto de imputação na petição inicial. LIA, Art. 10, II e XII. (F) Sentença reformada. 3. (A) Pretensão à condenação das enfermeiras-rés pela prática das condutas ímprobas descritas na LIA, Art. 10, caput, I. (B) Pedido embasado na alegação de que as enfermeiras não teriam prestado os serviços pelos quais receberam pagamento. (C) Como registrado pelo juízo e reconhecido pela União, “as enfermeiras colacionaram aos autos diversos prontuários de atendimento”. (D) Os prontuários de atendimento comprovam que houve prestação de serviço por parte das enfermeiras, o que afasta a prática de conduta ímproba por parte delas e por parte daqueles que as contrataram. (E) Sentença confirmada. 4. Apelação dos réus provida. Apelação da União não provida. (AC 0002260-84.2011.4.01.3303, Rel. Des. Fed. Leão Aparecido Alves, PJe 19/03/2025.) Ademais, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. A ação foi proposta pelo Ministério Público Federal em face dos apelantes (ex-prefeito de Araguaiana/MT e particular), em razão de suposta dispensa indevida de licitação para a aquisição de medicamentos (Programa de Assistência Farmacêutica), com indicativo de superfaturamento de preços; e em face apenas do ex-prefeito, por desvio de finalidade na aplicação dos recursos da Atenção Básica (Programa PAB Fixo), utilizados em procedimentos de média e alta complexidades. 2. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, condenando ambos os apelantes nas seguintes sanções (art. 12, II, da lei n. 8.429/92): (i) ressarcimento ao erário, no valor de R$ 20.857,57, relativo ao Programa de Assistência Farmacêutica, a ser corrigido; (ii) suspensão dos direitos políticos, pelo prazo de 5 (cinco) anos; e (iii) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Aplicou, ainda, ao ex-prefeito as sanções de ressarcimento do valor de R$ 71.127,59, relativo ao Programa PAB Fixo, a ser corrigido; e pagamento de multa civil no valor de 3 (três) remunerações do cargo de prefeito, relativo à época dos fatos. (…) 5. O art. 10, caput, da Lei n. 8.429/92, com a redação dada pela Lei n. 14.230/21, estabelece que "Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei: [...]", referindo-se em seu inciso VIII à conduta de "frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva". 6. A despeito da impropriedade apontada pela CGU - dispensa de licitação para aquisição de medicamentos em único estabelecimento farmacêutico no município -, o fato é que a frustração à licitação, presente no inciso VIII do art. 10 da Lei n. 8.429/92, está atrelada à existência de conduta dolosa, apta a ensejar perda patrimonial efetiva, não se configurando com ilações ou eventuais inconformidades formais no procedimento licitatório. 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023.) Sendo assim, não comprovada a existência de dano, tampouco o dolo específico dos réus na prática da conduta, não cabe a condenação pelo cometimento de ato ímprobo previsto no art. 10 da LIA. No que diz respeito à pretensa incidência do disposto no art. 11, caput e inciso I, da LIA, a União insurge-se contra a sentença na parte em que deixou de condenar os réus pela prática de alegado ato ímprobo decorrente da contratação irregular de profissional da saúde com a dispensa indevida de processo licitatório, argumentando violação aos princípios da administração pública. Ocorre que inexiste hoje a possibilidade de enquadramento da conduta somente no caput do art. 11, porque tal dispositivo, isoladamente, não traz em si nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba e, portanto, só existe se vinculado a algum de seus incisos. Precedentes do TRF 1ª Região: AC 0011428-36.2009.4.01.3900, AC 0004242-33.2016.4.01.3312 e EDAC 0003493-86.2016.4.01.4000. Cabe asseverar que os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, após o advento da Lei 14.230/2021, passaram a ostentar caráter taxativo e não meramente exemplificativo como anteriormente, de sorte que a configuração da improbidade por violação aos princípios da administração pública somente ocorrerá ante a perfeita subsunção do fato específico aos tipos legais. Nesse contexto, esta Corte, em casos de condenação pelo art. 11, caput e seus incisos revogados, tem assim se posicionado: DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. AFASTAMENTO DAS CONDUTAS CULPOSAS. ART. 11, CAPUT. REVOGAÇÃO. CONDUTA INEXISTENTE. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. A Lei 8.429/1992, alterada pela Lei 14.230/2021, passou a vigorar na data da sua publicação, em 26/10/2021. As controvérsias em torno da aplicação imediata das novas disposições legais devem ser analisadas em relação às questões de natureza processual e material. Às questões de ordem processual são aplicáveis as leis em vigor no momento em que prolatado o decisum na instância a quo, em obediência ao princípio tempus regit actum (art. 14 do CPC e, por analogia, art. 2º do CPP). Já às questões de natureza material, a nova lei tem aplicação imediata aos feitos em andamento, nos termos do art. 1º, § 4º, que dispõe: aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. O direito administrativo sancionador, como sub-ramo do Direito Administrativo, expressa o poder punitivo do Estado ante o administrado, seja ele o próprio servidor público ou o particular. Daí decorre sua aplicação aos atos de improbidade administrativa — notadamente para reconhecer a aplicação imediata de seus preceitos a condutas antes tidas como suficientes para caracterizar o ato de improbidade, e agora tidas como irrelevantes, ou atípicas. A opção legislativa de revogar alguns preceitos da lei de improbidade administrativa é válida, pois decorre de previsão constitucional contida no art. 37, § 4º, o qual preceitua que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Desde a alteração promovida pela Lei 14.230/2021, os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa deixaram de lado o caráter exemplificativo e passaram a ostentar caráter taxativo, motivo pelo qual somente será configurada a improbidade por violação aos princípios, a prática das condutas expressamente indicadas no rol do referido dispositivo legal. Os incisos I e II do art. 11 da Lei 8.429/1992 foram revogados. A referida norma se aplica ao caso concreto, visto que atinge as ações em curso, considerando que o artigo 1º, §4º, determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador que comporta aplicação retroativa. Desde a vigência plena da Lei 14.230/2021, a conduta imputada aos requeridos deixou de ser típica (art. 11, caput, da Lei 8.429/1992). Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AG 1033687-14.2022.4.01.0000, Terceira Turma, Rel. Des. Fed. Maria do Carmo Cardoso, PJe 14/06/2023.) Ademais, esta Corte já decidiu que para configurar o ato de improbidade que causa dano ao erário a dispensa indevida de licitação deve acarretar perda patrimonial efetiva, o que não ocorreu na espécie, não havendo mais que se falar em dano presumido. Precedentes: AC 0011852-47.2014.4.01.3304 e AC 0027450-02.2009.4.01.3600. Deste modo, não há que se falar em condenação com base no art. 11, caput e inciso I da LIA, em razão das alterações legislativas promovidas pela Lei 14.230/2021. Ante o exposto, dou provimento à apelação dos réus, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido; e nego provimento à apelação da União. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0001812-14.2011.4.01.3303 APELANTE: FLORISVALDO FERREIRA DE SOUZA FILHO, UNIÃO FEDERAL, CARLOS CARAIBAS DE SOUSA Advogado do(a) APELANTE: AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR - BA10109-A APELADO: CARLOS CARAIBAS DE SOUSA, UNIÃO FEDERAL, FLORISVALDO FERREIRA DE SOUZA FILHO Advogado do(a) APELADO: AURELIO RODRIGUES DE SOUZA JUNIOR - BA10109-A EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. ART. 10 DA LIA. DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO. FALHA NO CONTROLE DE FREQUÊNCIA DE PROFISSIONAL CONTRATADO. IRREGULARIDADES CONSTATADAS. CONDUTA CULPOSA. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO. ART. 11, CAPUT E INCISO I DA LEI 8.429/1992. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO ISOLADA. ROL TAXATIVO. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO DOS RÉUS PROVIDA. APELAÇÃO DA UNIÃO NÃO PROVIDA. 1. O STF, no julgamento do RE 843.989/PR (Tema 1.199), por unanimidade, fixou tese no sentido de que: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10, 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente (...)”. 2. Pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações de improbidade administrativa ainda em curso. 3. Ademais, o STJ entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. 4. A improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. 5. Na espécie, a despeito das irregularidades formais narradas, consistentes na ausência de ficha de frequência assinada pela médica contratada, ou mesmo de fiscalização por parte dos órgãos de controle municipal, não restou comprovado o intuito dos agentes em lesar o erário ou mesmo o efetivo dano aos cofres públicos. 6. Houve a revogação do art. 11, I, da LIA, tornando atípica a conduta imputada. Além disso, inexiste hoje a possibilidade de enquadramento da conduta somente no caput do art. 11, porque tal dispositivo, isoladamente, não traz em si nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba e, portanto, só existe se vinculado a algum de seus incisos. 7. Os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, após o ingresso da Lei 14.230/2021 ao mundo jurídico, passaram a ostentar caráter taxativo e não meramente exemplificativo como anteriormente, de sorte que a configuração da improbidade por violação aos princípios da administração somente ocorrerá ante a perfeita subsunção do fato específico aos tipos legais. 8. Ademais, esta Corte já decidiu que para configurar o ato de improbidade que causa dano ao erário a dispensa indevida de licitação deve acarretar perda patrimonial efetiva, o que não ocorreu na espécie, não havendo mais que se falar em dano presumido. Precedentes: AC 0011852-47.2014.4.01.3304 e AC 0027450-02.2009.4.01.3600. 9. Apelação dos réus provida. Apelação da União não provida. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, dar provimento à apelação dos réus e negar provimento à apelação da União. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 20/05/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator
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