Processo nº 1000897-33.2024.8.11.0084
ID: 259152245
Tribunal: TJMT
Órgão: VARA ÚNICA DE APIACÁS
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 1000897-33.2024.8.11.0084
Data de Disponibilização:
23/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
TABATA BOSCHETTI GIACOMELLI
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE APIACÁS SENTENÇA Processo: 1000897-33.2024.8.11.0084. AUTOR: CARLOS HENRIQUE SANTOS LIMA REQUERIDO: SECRETARIA DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE-SEMA Vis…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE APIACÁS SENTENÇA Processo: 1000897-33.2024.8.11.0084. AUTOR: CARLOS HENRIQUE SANTOS LIMA REQUERIDO: SECRETARIA DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE-SEMA Vistos. Cuida-se de ação ordinária ajuizada por CARLOS HENRIQUE SANTOS LIMA, devidamente qualificado, em face de SECRETARIA DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE-SEMA, com pedido de concessão de tutela provisória de urgência. Em sua inicial, pugna o autor que seja cancelado/anulado o auto de infração ambiental nº 20043564 de 29/05/2020, afirmando que se trata de área consolidada e pequena propriedade rural. De acordo com o autor, há necessidade de imediata revogação/extinção do referido embargo nº 20044510/2020. Objetivando desconstituir os atos administrativos que ora impugna, sustentou que o auto de infração objeto desta ação deve ser anulado, na medida em que se originou de infração ambiental ocorrida antes de 22/07/2008, em área inferior a quatro módulos fiscais e explorada em regime de agricultura familiar de subsistência, e cuja legislação não impôs o dever de recuperar o dano ambiental. Em id 174924338 a inicial foi recebida e indeferido o pedido de liminar. A requerida apresentou contestação no Id. 179144660. Em síntese, alegou preliminarmente: a incompetência absoluta deste juízo, devendo ser determinada a remessa dos autos ao juízo da Vara Especializada do Meio Ambiente da Comarca de Cuiabá – MT e ausência ou interesse de agira pugnando por extinção do processo ou a suspensão do processo pelo prazo de 1 ano. No mérito o requerido sustentou que a legislação não dá permissão de desmate aos proprietários de imóveis rurais com área igual ou inferior a 4 (quatro) módulos fiscais e que o benefício concedido trata unicamente da não obrigatoriedade de recuperação ou compensação da área de reserva legal já desmatada até 22/07/2008. O réu afirma que a ação deve ser julgada improcedente e que o requerente pretende a suspensão de infração cometida de desmate posterior ao ano de 2008, em área de especial preservação, não sendo possível falar em anulação do ato. Impugnação à contestação apresentada no Id. 183442599. Instados sobre as provas que pretendiam produzir (Id. 183480881), a requerente colecionou provas em id 186464748 e o requerido permaneceu inerte. É o relato do necessário. Fundamento. Decido. II- FUNDAMENTAÇÃO: II. I- Julgamento antecipado da lide: Nos termos do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil, o feito comporta julgamento antecipado, eis que inexiste necessidade de produção de prova em audiência ou qualquer outro tipo de instrução. Tal providência evidencia-se como verdadeiro dever processual do juiz, comprometido com a celeridade processual constitucional e boa-fé, não se apresentando, ao contrário do que possa parecer, como mera faculdade do julgador. Basta lembrar que de acordo com o art. 139, inciso II, do CPC, “o juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: [...] II - velar pela duração razoável do processo; [...]”, o que ainda vem reforçado pelo art. 370, ao prenunciar que “caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento de mérito”. As medidas encontram sustentação no vértice constitucional previsto no art. 5º, inciso LXXVIII, da Lei Maior, já que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são asseguradas a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Permitido assim o julgamento antecipado, uma vez que presentes todos os elementos necessários ao convencimento deste julgador, sendo dispensáveis outras providências, porquanto manifestamente protelatórias. II.II. Das preliminares: Suposta incompetência do Juízo: Acerca da preliminar incompetência do Juízo, compreendo que não merece prosperar, uma vez que, o Código de Processo Civil estabelece que se o Estado for o demandado, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado (CPC, art. 52, parágrafo único). O Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, mediante a Resolução n. 03/2016/TP, definiu da seguinte forma a competência da Vara Especializada de Meio Ambiente da Comarca de Cuiabá (MT): “Art. 1º - A Vara Especializada do Meio Ambiente e o Juizado Volante Ambiental com sede em Cuiabá têm competência territorial nas Comarcas de Cuiabá, Várzea Grande e Santo Antônio de Leverger. Art. 2º - Compete à Vara Especializada do Meio Ambiente processar e julgar as ações de natureza civil, pertinentes ao meio ambiente físico, natural, cultural, artificial, do trabalho, além dos executivos fiscais advindos de multas aplicadas pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA) e Secretarias Municipais do Meio Ambiente das Comarcas de Cuiabá, Várzea Grande e Santo Antônio de Leverger, bem como as ações penais que tratem de crimes ambientais.” [sem destaque no original] A competência acima fixada foi mantida pela Resolução TJ-MT/OE de 02 de 28 de março de 2019, está restrita às Comarcas de Cuiabá, Várzea Grande e Santo Antônio de Leverger, bem assim aos municípios que integram tais Comarcas. Esse é o entendimento do TJMT, vejamos: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ANULATÓRIA – MATÉRIA AMBIENTAL – COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA 2ª VARA DA COMARCA DE COMODORO (MT) – PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA REJEITADA – DESMATAMENTO SEM AUTORIZAÇÃO – EMBARGO DE OBRA OU ATIVIDADE – ART. 16 DO DECRETO N. 6.514/2008 – EXCEÇÃO PARA ATIVIDADES DE SUBSISTÊNCIA – CONFIGURAÇÃO DA PEQUENA PROPRIEDADE RURAL FAMILIAR – DECISÃO LIMINAR CONCEDIDA PELO JUÍZO A QUO – MANUTENÇÃO – RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A Resolução TJ-MT/OE n. 02/2019 não confere competência à Vara Especializada de Meio Ambiente da Comarca de Cuiabá (MT) para julgar questões ambientais fora de sua jurisdição territorial específica, restringindo-se às Comarcas de Cuiabá, Várzea Grande e Santo Antônio de Leverger. 2. O desmatamento sem autorização do órgão ambiental competente constitui infração administrativa que pode legitimar a lavratura de auto de infração e a imposição de embargo. Contudo, a legislação ambiental (Decreto n. 6.514/2008, art. 16) e o Código Florestal (Lei n. 12.651/2012, art. 3º, V e art. 51, §1º) estabelecem exceção ao embargo para atividades de subsistência familiar em pequenas propriedades rurais. 3. Deve ser mantida a decisão do juízo de origem que, em análise sumária própria da fase processual, constatou a probabilidade do direito da parte agravada, determinando a suspensão do embargo. 4. Recurso não provido. (N.U 1009903-25.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, RODRIGO ROBERTO CURVO, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 14/08/2024, Publicado no DJE 19/08/2024). Nesses termos, não há que se falar na incompetência do juízo, motivo pelo qual rejeito a preliminar de incompetência. Da suposta ausência de interesse de agir ou, subsidiariamente, da suspensão do processo: Alega o requerido em sua contestação que antes do final pronunciamento administrativo, carece ao autor o interesse de agir e que deve o processo ser suspenso. Pois bem. Vejo que não há o que se falar em ausência de interesse de agir, afinal, é perfeitamente possível ao autor a busca judicial pugnando pela anulação do auto de infração se comprovado ilegalidade. Todavia, a manifestação judicial, por lógico, analisará dentro dos limites judiciais legais. Logo, rejeito as preliminares acima e prossigo com as análises das seguintes. III. Do mérito - Responsabilidade ambiental dos requeridos comprovada: Importante mencionar que de acordo com a Constituição Federal em seu art. 225, todos possuem direito ao meio ambiente equilibrado, vejamos: art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (...) § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Grifamos Por sua vez, a Lei 6.938/81 que Instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente estabelece, em seu art. 2º: Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; Ill - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais; IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas; V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras; VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais; VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental; VIII - recuperação de áreas degradadas; (Regulamento) IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação; X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente. A Lei 6.938/81 também nos traz o conceito de poluidor, bem como, a abrangência de sua responsabilidade: art. 3º. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: (...) IV -poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; (...) art. 14, § 1º -Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. Grifamos A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se, no sentido de que ostenta natureza objetiva e propter rem a obrigação de reparar o dano ambiental. Com efeito, a obrigação de preservar e reparar o meio ambiente, cumprindo a legislação ambiental, é propter rem, objetiva e solidária entre os possuidores atuais e históricos do imóvel. Dessa forma, permanece tal responsabilidade, ainda que independentemente da existência de culpa (lato sensu), ou de ser a parte requerida o causador direto do dano ambiental. Nesse sentido colaciono entendimento jurisprudencial do TJMT: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA – AFASTADA – DANO AMBIENTAL - DESMATAMENTO SEM AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO AMBIENTAL – DEGRADAÇÃO AMBIENTAL COMPROVADA – DEVER DE REPARAÇÃO – OBRIGAÇÃO PROPTER REM – INDENIZAÇÃO DEVIDA – DANO MORAL COLETIVO NÃO EVIDENCIADO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO – SENTENÇA REFORMADA. Não merece acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva que não se reveste de robustez probatória apta a desconstituir a presunção de legitimidade e legalidade dos atos administrativos. Ao causar danos ao meio ambiente será imposta ao poluidor, independentemente da existência de culpa, a obrigação de recuperar os danos causados, na maior medida possível, e indenizar os danos causados por meio do pagamento de um montante em dinheiro, que deverá ser revertido à preservação do meio ambiente. Logo, demonstrado o nexo de causalidade entre o dano provocado e atividade potencialmente poluidora desenvolvida, implica-se a responsabilidade civil do poluidor-pagador. A condenação do Requerido, ao pagamento de indenização, a título de dano moral coletivo, exige a demonstração de que a infração ambiental causou repulsa a toda a coletividade. Em vista de o dano ambiental não ultrapassar o limite do tolerável para a coletividade, deve ser afastada a tese de ocorrência do dano moral coletivo. (N.U 1000428-14.2017.8.11.0025, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, ALEXANDRE ELIAS FILHO, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 28/06/2022, Publicado no DJE 04/07/2022) É importante lembrar que, ainda que a responsabilidade seja objetiva, há que se perquirir acerca do nexo de causalidade entre a ação e o dano. Nesse sentido: "O POLUIDOR (RESPONSÁVEL DIRETO OU INDIRETO), POR SEU TURNO, COM BASE NA MESMA LEGISLAÇÃO, ART. 14, É OBRIGADO INDEPENDENTEMENTE DA EXISTÊNCIA DE CULPA, A INDENIZAR OU REPARAR OS DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE E A TERCEIROS, AFETADOS POR SUA ATIVIDADE." (RESP N. 467.212-0 - RJ, REL. MIN. LUIZ FUX, 1.ª TURMA). Ademais, repita-se porque é oportuno, importam ao Direito Ambiental, que protege a coletividade, o ecossistema e a vida latu sensu, os princípios da legalidade, da prevenção e da reparação do dano. Nesse sentido, Édis Milaré, “[o] dano ambiental mede-se por sua extensão, impondo a reparação integral a teor do que estabelecem os arts. 14, § 1°, da Lei n° 6.938/1981 e 225, § 3°, da CF, os quais não fazem qualquer referência a uma indenização tarifária. A teoria da reparação integral do dano ambiental, adotada no Brasil significa que a lesão causada ao meio ambiente há de ser recuperada em sua integridade e qualquer norma jurídica que disponha em sentido contrário ou que pretenda limitar o montante indenizatório a um teto máximo será inconstitucional; (...)” (in Direito do Ambiente, Revista dos Tribunais, 8ª edição, p. 426). Aliás, a formalização dos princípios com a elaboração de normas precisas é instrumento importante para que se consiga atingir um grau razoável de certeza de que se terá capacidade de implementar comportamentos e coibir práticas ambientalmente nocivas. O Estado, como é óbvio, desempenha papel fundamental no estabelecimento de tais preceitos e fiscalização da correta observância destes por parte da sociedade que, de alguma forma, se utiliza dos recursos ambientais. A fiscalização, prática essencial para que se alcance os resultados desejados na preservação do meio ambiente, nada mais é que o exercício do poder de polícia, que está diretamente ligado ao princípio constitucional da legalidade, pois, não se poderá estabelecer uma exigência de polícia sem que haja uma base legal para a imposição. Já o princípio da prevenção visa a orientar as medidas políticas adotadas em matéria ambiental, de forma a evitar a prática de atos lesivos que venham a causar danos ao meio ambiente. Ademais, prioriza a atenção que deve ser dada às medidas que evitem qualquer início de agressão ao ambiente para, assim, evitar ou eliminar qualquer agente causador do dano ecológico. Onde haja qualquer risco de dano irreversível ou sério ao meio ambiente, deve ser tomada uma ação de precaução para prevenir prejuízos. Por esse princípio, basta a simples potencialidade de dano, para a verificação da responsabilidade civil na forma objetiva. No caso em questão, denota-se, por meio dos documentos aportados à exordial que a equipe de fiscalização da SEMA-MT constatou que houve a alteração ambiental comprovada e motivou o Auto de Infração e a expedição dos demais documentos. Portanto, a conduta da autora está longe do alegado em sua inicial, pois, não há o que se falar em existência de nulidade e como já bem-posicionado pela jurisprudência atual: “o Auto de Infração e o Termo de Embargo são atos administrativos que gozam de presunção de veracidade e legitimidade, cabendo ao particular o ônus de demonstrar a inocorrência da infração ambiental neles descritas.” Logo, as esferas cível, criminal e administrativa possuem independência e autonomia, de modo que um mesmo fato pode gerar responsabilização civil, penal e administrativa, e aquele que causa o dano deve responder nas três esferas. Aliás, esse é o entendimento recentíssimo (abril de 2025) do Tribunal de Justiça deste Estado, vejamos: RECURSO INOMINADO – FAZENDA PÚBLICA – DIREITO ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL – AUTUAÇÃO POR INFRAÇÃO AMBIENTAL –PLEITO DE NULIDADE DA AUTUAÇÃO – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA POR AUSÊNCIA DE VÍCIOS – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DECORRENTE DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL – NATUREZA PROPTER REM – INSURGÊNCIA DA PARTE PROMOVENTE – AUTUAÇÃO POR INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA AMBIENTAL - DANO AMBIENTAL – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – DEVER ATRELADO AO DIREITO DE PROPRIEDADE – OBRIGAÇÃO PROPTER REM – AUSÊNCIA DE NULIDADE – IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO JUDICIAL – LIMITAÇÃO A ASPECTOS DE LEGALIDADE – ATO ADMINISTRATIVO HÍGIDO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Os atos praticados pela Administração Pública gozam, dentre outros, dos atributos de presunção de legalidade, legitimidade e veracidade, uma vez que tais atributos se fundamentam no princípio da legalidade previsto no artigo 37, “caput”, da Constituição Federal, os qual estabelece que ao administrador público somente é dado fazer aquilo que a lei determina, autoriza e permite de forma expressa. Não assiste razão quanto à tese de que não possui responsabilidade pelo evento –– de modo que não pode ser punido por ato de terceiro. Isso porque como bem destacado na sentença, em se tratando de dano ambiental, a responsabilidade é objetiva, decorrente do direito de propriedade, vale dizer, se trata de obrigação propter rem.Recurso conhecido e improvido. (N.U 1000117-76.2023.8.11.0101, TURMA RECURSAL CÍVEL, EDUARDO CALMON DE ALMEIDA CEZAR, Primeira Turma Recursal, Julgado em 03/04/2025, Publicado no DJE 09/04/2025). Conclui-se a existência do NEXO DE CAUSALIDADE entre ATO e DANO, caracterizada assim a responsabilidade da parte requerida em reparar o dano ambiental efetuado. Dessa forma, indubitavelmente restou provado nos autos a existência do dano ambiental, sua localização, extensão, data e a responsabilidade ambiental do requerido. IV- Infração Administrativa Ambiental. Competência Constitucional Legislativa e Material. Atuação Administrativa. Poder de Polícia. Importa dizer que a responsabilização administrativa ambiental, decorre da infração de uma norma administrativa de proteção ambiental, a qual prevê a imposição de sanção ao agente causador do dano. A respeito das infrações e sanções administrativas, colaciono a sempre bem-vinda lição de Celso Antônio Bandeira de Mello: “Infração e sanção administrativa são temas indissoluvelmente ligados. A infração é prevista em uma parte da norma, e a sanção em outra parte dela. Assim, o estudo de ambas tem que ser feito conjuntamente, pena de sacrifício da inteligibilidade quando da explicação de uma ou de outra. Infração administrativa é o descumprimento voluntário de uma norma administrativa para o qual se prevê sanção cuja imposição é decidida por uma autoridade competente no exercício da função administrativa – ainda que não necessariamente aplicada nesta esfera. [...]. Sanção administrativa é a providência gravosa prevista em caso de incursão de alguém em uma infração administrativa cuja imposição é da alçada da própria Administração. Isto não significa, entretanto, que a aplicação de sanção, isto é, sua concreta efetivação, possa sempre se efetuar por obra da própria Administração. Com efeito, em muitos casos, se não for espontaneamente atendida, será necessário recorrer à via judicial para efetivá-la, como ocorre, por exemplo, com uma multa, a qual, se não for paga, só poderá ser judicialmente cobrada”. [...]. Evidentemente, a razão pela qual a lei qualifica certos comportamentos como infrações administrativas, e prevê sanções para quem nelas incorra, é a de desestimular a prática daquelas condutas censuradas ou constranger ao cumprimento das obrigatórias. Assim, o objetivo da composição das figuras infracionais e da correlata penalização é intimidar eventuais infratores, para que não pratiquem os comportamentos proibidos ou para induzir os administrados a atuarem na conformidade de regra que lhes demanda comportamento positivo. Logo, quando uma sanção é aplicada, o que se pretende com isto é tanto despertar em quem a sofreu um estímulo para que não reincida, quanto cumprir uma função exemplar para a sociedade. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 798-800). [sem destaque no original]. Não é demais reforçar que, em atenção ao princípio da legalidade (que norteia toda a atuação administrativa), tanto a infração quanto a sanção devem estar previstas em lei. O insigne jurista acima mencionado destaca, ainda, os princípios da anterioridade, da tipicidade, da exigência de voluntariedade, da proporcionalidade, do devido processo legal e da motivação como de observância obrigatória para a válida instituição de infrações e sanções administrativas. A competência para a instituição de infrações administrativas ambientais decorre do próprio texto constitucional. Desse modo, o art. 24, da CF/1988, conferiu, à União, aos Estados e ao Distrito Federal competência concorrente para legislar sobre matérias relacionadas à proteção do meio ambiente e dos recursos naturais. Confira-se: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...]; VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;” [sem destaque no original]. Em razão do princípio da predominância do interesse – técnica adotada pelo legislador constituinte para a repartição de competência entre os entes federados –, em matéria de competência legislativa concorrente, cabe à União estabelecer normas gerais, limitando-se a elas (art. 24, §1º). Aos Estados e ao Distrito Federal cabe legislar de forma suplementar (art. 24, §2º, c/c art. 32, §1º) e, inexistindo leis federais sobre normas gerais, eles exercerão a competência legislativa plena para atender as suas peculiaridades. No âmbito da competência legislativa concorrente, a superveniência de norma federal sobre normas gerais suspenderá a eficácia da lei estadual naquilo que lhe for contrário (art. 24, §4º). Com status de norma geral, a Lei n. 9.605/1998 dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e conceitua infração administrativa como “toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente” (art. 70). Ressalta-se que a aplicação de sanção administrativa decorre da verificação da adequação da conduta à infração administrativa ambiental, realizada em razão do exercício do poder de polícia, conferido, como se sabe, à Administração Pública com competência fundada na Constituição Federal e/ou em textos legais infraconstitucionais. Nesse ponto, cabe pontuar que a Carta Magna de 1988 conferiu competência material comum à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para promoverem a execução de diretrizes, políticas e preceitos relativos à proteção ambiental, bem como para exercerem o poder de polícia, como forma de proporcionar maior efetividade à proteção dos recursos naturais. Confira-se: “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...]. VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar; IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos; XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios; [...]. Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.” [sem destaque no original]. Portanto, conclui-se que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios possuem tanto competência legislativa para estabelecer infrações penais administrativas quanto competência material para executar ações voltadas à proteção ambiental, alicerçadas no poder de polícia, inerente à própria atividade administrativa fiscalizatória. Os atos administrativos produzem efeitos jurídicos imediatos, alterando, desse modo, a situação jurídica do destinatário do ato, seja adquirindo, transferindo, modificando, extinguindo ou declarando um direito, bem assim impondo uma obrigação. No entanto, para que o ato administrativo exista validamente, produzindo os efeitos desejados, imprescindível o atendimento dos seguintes requisitos/elementos: competência, finalidade, forma, motivo e objeto. Não é demais lembrar que, em razão do mandamento constitucional contido no art. 5º, inciso XXXV (indeclinabilidade da jurisdição), o ato administrativo se sujeita ao controle judicial (Sistema da Unidade de Jurisdição). No entanto, o Poder Judiciário, quando atua no exercício da função jurisdicional, somente poderá anular atos administrativos quando eivados de ilegalidade ou ilegitimidade, sendo-lhe vedado o pronunciamento a respeito da conveniência e oportunidade do ato (mérito administrativo). Por fim, importa destacar que os atos administrativos gozam dos atributos da presunção de veracidade (os fatos descritos pelo agente administrativo são tidos como existentes) e legitimidade (o ato praticado pelo agente administrativo assim foi feito em conformidade com o direito). Desse modo, ao insurgir-se em face de um ato administrativo, deve o infrator comprovar os motivos capazes a anular o ato que se consubstancia em atividade administrativa destinada à proteção ambiental. Todavia, no caso concreto, não houve comprovações suficientes a ensejar a anulação do ato. Isto porque, depreende-se dos documentos que instruem os autos que a parte requerente foi autuada em 29.05.2020, por: “desmatar a corte raso no ano de 2029, 3.59 hectares de vegetação nativa em área de especial preservação”, sendo lavrado, em razão disso, o Auto de Infração nº 20043564; notificação nº 20042364 e Termo de Embargo/ interdição nº 20044510. O proprietário foi devidamente comunicado por e-mail em 2020, como se observa no id 186464751, ou seja, ato legal sendo oportunizado o contraditório e ampla defesa. Em 17 de março de 2022, decisão administrativa compreendeu pela aplicação de multa no valor de 5.000,00 (cinco mil reais por hectares); manutenção do termo de embargo e revelia do autuado (id 186464751). Importantíssimo mencionar que, em id 186464751, a própria parte autora juntou comunicado da SEMA, ofertando desconto de 30 (trinta por cento) para pagamento à vista para os autos de infração emitidos após 01.01.2017. Vê-se, dessa forma, que foram observados os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório no âmbito do processo Administrativo em análise, garantia fundamental contida no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, logo, o ato realizado pela SEMA é válido. Da Alegação suposta Área Consolidada e Pequena Propriedade Rural: Argumentou o autor durante todo o trâmite processual que trata-se de área concolidada e que a propriedade é considerada nos termos da lei como pequena propriedade rural vejamos trecho da inicial em id 169815630: “O autuado não cometeu ilícito algum, pois a área em questão era consolidada, antes de 2008, apenas efetuou limpeza de pasto, sem desmatar floresta nativa. Conforme se faz prova por meio Captura de Tela feito (doc. 05), o qual se utilizou a ferramenta de publicação de dados geográficos da Sema-MT – Geoportal (https://geoportal.sema.mt.gov.br). ” “Outrossim, o autor é pequeno produtor rural e realiza atividade de subsistência na propriedade, consistentes na criação de bovinos e cultivo de lavoura, isso tudo juntamente com seus familiares, sendo certo que não é permitido o embargo das atividades de subsistência exercidas nas pequenas propriedades rurais. Por fim sendo certo que o embargo e a suspensão das atividades da área atingem o patrimônio e o direito de propriedade do autor e tais penalidades encontram-se fulminadas por vícios insanáveis, a declaração de suas nulidades é medida que se impõe.” Entretanto, não há o que se falar em área consolidada, pois não se enquadra nas situações previstas nos termos do artigo. 67, do Código Florestal, ou seja, são classificados assim, os imóveis rurais que detinham, em 22 de julho de 2008, área de até 4 (quatro) módulos fiscais e que possuam remanescente de vegetação nativa em percentuais inferiores ao previsto no art. 12, a Reserva Legal será constituída com a área ocupada com a vegetação nativa existente em 22 de julho de 2008, vedadas novas conversões para uso alternativo do solo. Mas, no caso em tela, a autuação ocorreu em 29.05.2020 e o período do corte raso ocorrido entre 25.07.2019 e 12.08.2019 - não sendo possível falar em área consolidada. Sobre o tema, assim compreendeu o Tribunal de Justiça deste Estado em recentíssimo julgamento, 10.04.1985, vejamos: RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DECLARATÓRIA – ALEGAÇÃO DE ÁREA CONSOLIDADA – AFASTADA – PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO – NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO POR ILEGITIMIDADE – AFASTADA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1 – Em conformidade com a Súmula 623 do STJ, “as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”. 2 – Nesta seara recursal, entendo por não contrapostos os documentos emitidos pelo órgão ambiental (Relatório Técnico Nº. /GPFCD/CFFL/SUF/SEMA/2022; Auto de Infração nº 0921006023/2023, Termo de Embargo nº 0921006123/2023, entre outros). Ademais, o deferimento do pedido para “retirada do nome da Requerente da lista de áreas embargadas”, como pleiteado, acabaria por esgotar a finalidade da demanda, conforme apontado pelo Estado de Mato Grosso em sede de contrarrazões, o que se mostra prematuro nessa fase de cognição não exauriente. 3 – A alegação de que a área degradada é consolidada depende de comprovação idônea, aos conformes do art. 3º, IV do Código Florestal, o que não se configura, ao menos no presente momento. 4 – Recurso conhecido e não provido. (N.U 1013683-70.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, JOSE LUIZ LEITE LINDOTE, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 02/04/2025, Publicado no DJE 10/04/2025) Em igual sentido: “.....5. A área autuada não pode ser considerada consolidada antes de 2008, uma vez que as provas técnicas indicam sinais de regeneração da vegetação, afastando a tese de ocupação preexistente a essa data. IV. Dispositivo e tese. 6. Recurso provido. Tese de julgamento: "A autuação ambiental realizada pelo órgão licenciador, no caso a SEMA/MT, é legítima mesmo diante de autuações anteriores por outro ente federativo, desde que não haja pagamento de multa anterior; a ocupação antrópica posterior a 2008 não caracteriza área consolidada." Dispositivos relevantes citados: Lei Complementar nº 140/2011, art. 17; Lei nº 9.605/1998, art. 76. Jurisprudência relevante citada: STF, ADI 4757, Rel. Min. Rosa Weber, Plenário, j. 07.05.2021. TJMT, N.U 1004697-72.2022.8.11.0041, Rel. Des. Maria Erotides Kneip, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 04.03.2024; (N.U 1007989-85.2018.8.11.0015, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, RODRIGO ROBERTO CURVO, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 06/11/2024, Publicado no DJE 12/11/2024). Sobre a alegação de pequena propriedade e a suposta impossibilidade de embargo, verifica-se que apesar da área do autor, contar com 112 hectares, deste modo atendendo o requisito dos 4 módulos fiscais, não há comprovação dos demais requisitos exigidos pela lei, em especial: utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas ou tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas de tal atividade, nos termos do artigo 3º (incisos I, II e III) da Lei n. 11.326, de 24 de julho de 2006, que estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Ressalta-se que, tanto na inicial, quanto na impugnação de id 183442599 o autor limitou-se a afirmar que: “a propriedade tem finalidade produtiva e familiar, desempenhando um papel essencial na segurança alimentar do autor e sua família” e colecionou fotos. A propriedade do autuado, não está amparada pelo óbice legal do artigo 16 do Decreto Federal 6.514/2008, que proíbe a aplicação de embargo em áreas destinadas à atividade de subsistência por ausência de comprovação. Além disso, ainda que se trate-se de pequena propriedade e com finalidade de subsistência familiar, não concede o direito a destruição. No caso em tela, houve dano comprovado de um total de 3,59 hectares, por meio de corte raso ilegal, realizado entre 25/07/2019 e 12/08/2019, sem autorização do órgão ambiental competente, nitidamente, não há motivos para intervir judicialmente e/ou determinar a anulação da autuação ou do Termo de Embargo. IV- DISPOSITIVO. Diante do exposto e em consonância com a fundamentação supra JULGO IMPROCEDENTES os pedidos contidos na inicial, por não vislumbrar vícios de legalidade que invalidem o Auto de Infração nº 20043564; notificação nº 20042364 e Termo de Embargo/ interdição nº 20044510, proveniente da Secretaria de Estado de Meio Ambiente – SEMA/MT, tampouco que invalidem os atos praticados no âmbito do Processo Administrativo originado dos documentos acima descritos. Assim, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO EXTINTO o processo com resolução de mérito. Condeno a parte Requerente ao pagamento de custas processuais e dos honorários advocatícios no importe de 10% do valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, § 4º, inciso III do Código de Processo Civil. Após o trânsito em julgado, em nada sendo requerido, arquivem-se, com as cautelas de estilo. Cumpra-se, expedindo-se o necessário. Apiacás/MT, 22 de abril de 2025. Lawrence Pereira Midon Juiz de Direito.
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