Processo nº 1000131-46.2022.8.11.0020
ID: 341292321
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1000131-46.2022.8.11.0020
Data de Disponibilização:
04/08/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
TALINE REZENDE PANIAGO
OAB/MT XXXXXX
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KARLA AMORIM MELO
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000131-46.2022.8.11.0020 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Furto Qualificado, Crimes do Sistema Nacional de Armas…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000131-46.2022.8.11.0020 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Furto Qualificado, Crimes do Sistema Nacional de Armas] Relator: Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA] Parte(s): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELANTE), PEDRO GALBIATTI FILHO - CPF: 074.342.018-78 (APELANTE), JOAO FELIPE QUEIROZ DE MELO - CPF: 035.281.341-51 (APELANTE), WERIT FERREIRA RODRIGUES - CPF: 041.797.311-00 (APELANTE), ADRIANO MATA DA SILVA - CPF: 711.099.431-72 (APELANTE), WADER NERY DE OLIVEIRA - CPF: 010.628.651-03 (APELANTE), JAMIL FRANCISCO NUNES - CPF: 900.165.051-15 (APELADO), TALINE REZENDE PANIAGO - CPF: 047.183.501-31 (ADVOGADO), KARLA AMORIM MELO - CPF: 028.063.101-48 (ADVOGADO), CARLOS ROGERIO DOTOLI - CPF: 048.508.931-98 (APELADO), ESTADO DE MATO GROSSO (VÍTIMA), PEDRO GALBIATTI FILHO - CPF: 074.342.018-78 (VÍTIMA), CARLOS ROGERIO DOTOLI - CPF: 048.508.931-98 (APELANTE), JAMIL FRANCISCO NUNES - CPF: 900.165.051-15 (APELANTE), TALINE REZENDE PANIAGO - CPF: 047.183.501-31 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), KARLA AMORIM MELO - CPF: 028.063.101-48 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A APELAÇÃO CRIMINAL – FURTO QUALIFICADO – POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO E PRODUÇÃO DE MUNIÇÃO – SENTENÇA PROCEDENTE EM PARTE – PRELIMINAR DE NULIDADE – NÃO ARGUIDA – MÉRITO – RECURSO MINISTERIAL – PRETENDIDA CONDENAÇÃO PELA POSSE COMPARTILHADA DE ARMA DE FOGO E PRODUÇÃO DE MUNIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE PROVAS SUFICIENTES – PRINCÍPIO DO ‘IN DUBIO PRO REO’ – ABSOLVIÇÃO MANTIDA – RECURSO DEFENSIVO – PLEITO ABSOLUTÓRIO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA – NÃO ACOLHIMENTO – MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS – DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS HARMÔNICOS – RES FURTIVA APREENDIDA EM PODER DOS ACUSADOS – DOSIMETRIA DA PENA – FIXAÇÃO DA PENA BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL MANTIDA – MAUS ANTECEDENTES – COMPROVAÇÃO – RÉGIME INICIAL SEMIABERTO ADEQUADO – SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS – INAPLICABILIDADE – REQUISITOS DO ART. 44 DO CÓDIGO PENAL NÃO PREENCHIDOS – REINCIDÊNCIA E INAPTIDÃO PARA MEDIDAS ALTERNATIVAS – RECURSOS DESPROVIDOS. A absolvição do acusado pelo crime de posse irregular de arma de fogo e produção de munição sem autorização deve ser mantida quando não comprovada, de forma suficiente, a autoria delitiva, havendo dúvida razoável sobre a efetiva posse compartilhada do artefato bélico, em homenagem ao princípio do in dubio pro reo. Comprovadas a materialidade e autoria do crime de furto qualificado, através de provas robustas colhidas sob o crivo do contraditório e ampla defesa, notadamente pelos depoimentos harmônicos de testemunhas e pela apreensão da res furtiva em poder dos acusados, impõe-se a manutenção da condenação. Havendo circunstância judicial desfavorável objetivamente fundamentada, justifica-se a fixação da pena-base acima do mínimo legal, não havendo que se falar em reforma da dosimetria quando fixada dentro dos parâmetros legais e de forma proporcional e razoável. O regime inicial semiaberto mostra-se adequado ao réu reincidente condenado a pena superior a dois anos, consoante previsão do art. 33, §2º, "b" do Código Penal e em conformidade com a Súmula 269 do STJ. Inviável a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quando o condenado não preenche os requisitos do art. 44 do Código Penal, notadamente por ser reincidente e ter demonstrado inaptidão para o cumprimento de penas alternativas, tendo praticado novo crime durante o período de cumprimento de pena substitutiva anterior. R E L A T Ó R I O Recursos de apelação interpostos pelo Ministério Público e pela defesa de Carlos Rogério Dotoli contra sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Alto Araguaia, que julgou procedente em parte a denúncia para condenar os réus Jamil Francisco Nunes e Carlos Rogério Dotoli pela prática do crime de furto qualificado, previsto no artigo 155, §4º, incisos II e IV do Código Penal (para Jamil) e artigo 155, §4º, inciso IV do Código Penal (para Carlos Rogério), e absolver o réu Jamil dos crimes previstos nos artigos 12, caput, e 16, §1º, inciso VI, ambos da Lei nº 10.826/2003. O réu Jamil Francisco Nunes foi condenado à pena de 3 (três) anos, 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 11 (onze) dias-multa, com substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. O réu Carlos Rogério Dotoli foi condenado à pena de 3 (três) anos, 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 11 (onze) dias-multa, sem substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Em suas razões recursais, o Ministério Público pugna pela reforma da sentença para condenar o réu Jamil Francisco Nunes pelos crimes de posse irregular de arma de fogo e produção de munições sem autorização legal, sustentando que o réu praticou os delitos de forma compartilhada, pois os artefatos estavam disponíveis para seu uso, tendo inclusive admitido que tinha conhecimento da existência da arma de fogo na residência (ID 236365249). Por sua vez, a defesa de Carlos Rogério Dotoli requer: 1) a absolvição do réu, por ausência de provas; 2) a redução da pena-base ao mínimo legal; 3) o afastamento da agravante de abuso de confiança; 4) a alteração do regime de cumprimento de pena para o aberto; 5) a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos; 6) a concessão ao réu do direito de recorrer em liberdade (ID 252794248). O réu Jamil Francisco Nunes apresentou contrarrazões ao recurso ministerial, pugnando pela manutenção da sentença absolutória quanto aos crimes de posse irregular de arma de fogo e produção de munições (ID 236365258). O Ministério Público também apresentou contrarrazões ao recurso defensivo, manifestando-se pelo seu desprovimento (ID 252794652). A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Procurador de Justiça Roberto Aparecido Turin, manifestou-se pelo desprovimento de ambos os recursos, na ementa assim sintetiza: (ID 254959676) SUMÁRIO: RECURSO DE APELAÇÃO – CRIME DE FURTO QUALIFICADO – RECURSO MINISTERIAL – CONDENAÇÃO DO RÉU JAMIL FRANCISCO NUNES PELOS CRIMES PREVISTOS NOS ARTIGOS 12, CAPUT, E 16, §1º, INCISO VI DO CP – IMPROCEDÊNCIA – PROVAS EXTRAJUDICIAIS NÃO RATIFICADAS EM JUÍZO – AUSÊNCIA DE PROVAS DA AUTORIA DELITIVA - RECURSO DA DEFESA - ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS DO DELITO DE FURTO QUALIFICADO – IMPOSSIBILIDADE – PROVA BASTANTE A SUSTENTAR O ÉDITO CONDENATÓRIO – AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS – DEPOIMENTOS CONSTANTES AO FEITO COMPROVAM A AUTORIA DELITIVA – REDUÇÃO DA PENA-BASE – INVIABILIDADE - O JUÍZO SINGULAR MAJOROU A PENA-BASE EM VIRTUDE DA EXISTÊNCIA DE MAUS ANTECEDENTES, SENDO QUE AS CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME FORAM CONSIDERADAS NORMAIS À ESPÉCIE - AFASTAMENTO DA AGRAVANTE DE ABUSO DE CONFIANÇA - IMPRATICABILIDADE – RÉU TEVE PENA INTERMEDIÁRIA MAJORADA PELA AGRAVANTE DO ARTIGO 61, INCISO II, ALÍNEA “H”, DO CP, POR TER O APELANTE PRATICADO CRIME CONTRA VÍTIMA MAIOR DE 60 (SESSENTA) ANOS - ALTERAÇÃO DE REGIME PARA O ABERTO – INVIABILIDADE – APLICAÇÃO DE REGIME MAIS BRANDO DEPENDE DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA EM RELAÇÃO ÀS CIRCUNSTÂNCIAS PREVISTAS NO ART. 59 DO CP, CONFORME DISPÕE O § 3º DO MESMO DISPOSITIVO LEGAL – A SENTENÇA APONTOU A EXISTÊNCIA DE MAUS ANTECEDENTES, A JUSTIFICAR GRAVIDADE COMPATÍVEL COM O REGIME INICIAL MAIS GRAVOSO [SEMIABERTO] - SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS – IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DOS REQUISITOS - O RÉU SOFREU NOVA CONDENAÇÃO NO CURSO DO CUMPRIMENTO DE PENA SUBSTITUTIVA ANTERIOR, O CONDENADO DEU MOSTRAS DA SUA INAPTIDÃO A REFERIDA SUBSTITUIÇÃO, NOS TERMOS DO ART. 44, INCISOS II DO CÓDIGO PENAL - DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE – PREJUDICADO – JUÍZO SINGULAR CONCEDEU AO RÉU O DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE - PELO DESPROVIMENTO DOS RECURSOS. É o relatório. V O T O R E L A T O R Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço de ambos os recursos. DO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO O Ministério Público recorre visando a condenação do réu Jamil Francisco Nunes pelos crimes de posse irregular de arma de fogo e produção de munições sem autorização legal, previstos no art. 12, caput, e art. 16, §1º, inciso VI, ambos da Lei nº 10.826/2003, dos quais foi absolvido pelo Juízo a quo. Sustenta o Parquet que, embora o réu não fosse proprietário do armamento, praticou os crimes de forma compartilhada, pois os artefatos estavam disponíveis para seu uso e ele tinha conhecimento de sua existência na residência. Narra a denúncia: “1. DOS DELITOS A) DO FURTO QUALIFICADO Extrai-se dos autos que na data de 18 de janeiro de 2022, em propriedade particular localizada na zona rural de Alto Araguaia/MT, denominada Fazenda Nossa Senhora Aparecida (Fazenda G3), os denunciados Carlos Rogério Dotoli e Jamil Francisco Nunes, em união de desígnios, consciente e dolosamente, mediante abuso de confiança, subtraíram para si ou para outrem coisa alheia móvel concernentes em 150 (cento e cinquenta) litros de óleo diesel, descritos no Termo de Apreensão e Auto de Avaliação Indireta (id.74116378 e id.74117604) de propriedade da vítima Pedro Galbiatti Filho, idoso. B) DA POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO Em dias anteriores e até a data de 19 de janeiro de 2022, por volta das 01h00min, no interior e dependência de residência e local de trabalho, propriedade particular localizada na zona rural de Alto Araguaia/MT, denominada Fazenda Nossa Senhora Aparecida (Fazenda G3), o denunciado Jamil Francisco Nunes, com livre consciência e vontade, possuiu e manteve sob sua guarda arma de fogo, tipo espingarda calibre 36 (trinta e seis) e 06 (seis) munições deflagradas de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar (Laudo Pericial Criminal id. 74271069 e Termo de Apreensão Id. 74116378). C) DA PRODUÇÃO, RECARGA, RECICLAGEM E ADULTERAÇÃO DE MUNIÇÕES SEM AUTORIZAÇÃO LEGAL Nas mesmas circunstâncias de tempo e local acima descritas, o denunciado Jamil Francisco Nunes, com livre consciência e vontade, produziu, recarregou, reciclou, bem como adulterou munições ou explosivos, sem autorização legal (Laudo Pericial Criminal id. 74271069 e Termo de Apreensão Id. 74116378). 2. DO HISTÓRICO DOS FATOS Extrai-se dos autos que o denunciado Jamil Francisco Nunes trabalha há aproximadamente 05 (cinco) anos na Fazenda denominada Nossa Senhora Aparecida (Fazenda G3), localizada na Zona Rural desta Comarca, de propriedade da vítima Pedro Galbiatti Filho, idoso Infere-se do caderno investigativo que na data de 17 de janeiro de 2022 vítima Pedro viajou para sua residência em Estrela D’Oeste/SP, permanecendo na propriedade seu único funcionário, o denunciado Jamil Francisco. Consta que no dia 18 de janeiro de 2022, Carlos Rogério Dotoli e Jamil Francisco Nunes, amigos de longa data, aproximadamente 06 (seis) anos, aproveitando da ausência da vítima no local, subtraíram 150 (cento e cinquenta) litros de óleo diesel os quais encontravam-se armazenados em reservatório próprio. Ato contínuo e em união de desígnios, os denunciados partiram com a res furtiva com destino à cidade de Alto Taquari/MT, objetivando realizar a venda para pessoa não identificada, em benefício próprio ou alheio. Na madrugada do dia 19 de janeiro de 2022, por volta das 01h00min, enquanto os denunciados trafegavam pela rodovia, policiais militares que executavam patrulha rural na MT 465, no município de Alto Taquari, abordaram o veículo conduzido pelo acusado Carlos Rogério. Neste ato, Carlos Rogério e Jamil Francisco foram flagrados em posse da res furtiva, consistente em 150 (cento e cinquenta) litros de óleo diesel, e, segundo apurou-se, pretendiam os denunciados auferir o lucro de R$ 300,00 (trezentos reais) com a empreitada criminosa. A guarnição se deslocou até a propriedade particular localizada na zona rural de Alto Araguaia/MT, denominada Fazenda Nossa Senhora Aparecida (Fazenda G3), e identificaram os reservatórios vazios de onde os denunciados subtraíram 150 (cento e cinquenta) litros de óleo diesel. Ato contínuo, realizando diligências na propriedade, os agentes policiais lograram êxito em encontrar no cômodo habitado pelo denunciado Jamil Francisco, 01 (uma) espingarda calibre 36 (trinta e seis), bem como materiais que normalmente são utilizados em recarregamento ou confecção de munição, conforme descritos no Laudo Pericial Criminal id. 74271069 e Termo de Apreensão Id. 74116378. Assim, em dias anteriores e até a data de 19 de janeiro de 2022 no interior e dependência de residência e local de trabalho, o denunciado Jamil Francisco Nunes, com livre consciência e vontade, possuiu ou manteve sob sua guarda arma de fogo de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar (Laudo Pericial Criminal id. 74271069 e Termo de Apreensão Id. 74116378). Nas mesmas circunstâncias de tempo e local acima descritas, o denunciado Jamil Francisco Nunes produziu, recarregou, reciclou, bem como adulterou munições ou explosivos, sem autorização legal. Extrai-se do exame balístico tratar-se de 01 (uma) espingarda de marca “BOITO”, calibre nominal gauge 36, eficiente para a produção de tiros, sendo que as 06 (seis) munições deflagradas de uso permitido são compatíveis com a arma de fogo em questão. Ademais, a perícia concluiu que os demais materiais apreendidos são utilizados em recarregamento ou confecção de munição, sendo que a pólvora recebida era eficiente para causar sua queima em cadeia e provocar explosão suficiente para produzir cartuchos de arma de fogo (Laudo Pericial Criminal id. 74271069). 3. DA CONCLUSÃO E DOS REQUERIMENTOS Por todo o exposto, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso oferece a presente denúncia em desfavor de: (i) Carlos Rogério Dotoli vez que incorreu nas condutas delitivas descritas no art. 155, §4º, incisos II e IV c/c art. 61, inciso II, alínea “h” (contra pessoa maior de 60 anos), ambos do Código Penal; (ii) Jamil Francisco Nunes como incurso nas condutas delitivas descritas no art. 155, §4º, incisos II e IV c/c art. 61, inciso II, alínea “h” (contra pessoa maior de 60 anos), ambos do Código Penal; art. 12, caput, e art. 16 §1º, inciso VI, ambos da Lei n. 10.826/2003, nos termos do art. 69 do Código Penal. Sendo assim requer que, recebida a presente ação penal, seja procedida a citação dos acusados, prosseguindo-se o devido processo legal, aplicando-se o rito contido no Código de Processo Penal, ouvindo-se as testemunhas abaixo arroladas e, por derradeiro seja os réus condenados ao final, nos termos desta peça.” Após detida análise dos autos, verifico que não assiste razão ao Ministério Público. A materialidade dos crimes em questão restou devidamente comprovada pelo laudo pericial criminal nº 220.2.03.2022.000664-01 (ID 74521541 – pág. 30), que atesta a apreensão de uma espingarda calibre 36, eficiente para a produção de tiros, e de materiais utilizados no recarregamento e confecção de munição. Contudo, no que concerne à autoria delitiva, a prova produzida não se mostrou suficiente para ensejar um decreto condenatório em desfavor do réu Jamil Francisco Nunes. O cerne da questão está em definir se o réu Jamil possuía o domínio fático sobre a arma de fogo e os materiais para produção de munição, ainda que de forma compartilhada, o que configuraria o tipo penal em comento. Na fase extrajudicial, os policiais militares afirmaram que a arma foi localizada no cômodo pertencente ao réu Jamil. O 1º Tenente da Polícia Militar, João Felipe Queiroz de Melo, declarou: "QUE fizeram revista no cômodo onde o suspeito JAMIL afirmou ser morador e localizaram uma espingarda calibre 36 com 6 munições deflagradas; QUE a arma estava desmuniciada [...]" (ID 236364164 – pág. 15). No mesmo sentido, o Soldado da Polícia Militar Werit Ferreira Rodrigues afirmou: "QUE ao ser verificado o cômodo onde o suspeito JAMIL disse ser morador, embaixo da cama, os policiais localizaram uma espingarda calibre 36 desmuniciada e em separado encontraram 6 munições deflagradas de cal 36 [...]" (ID 236364164 – pág. 18). Todavia, em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, os policiais não mantiveram a mesma versão com a mesma certeza. O 1º Tenente João Felipe Queiroz de Melo declarou: "Era em um cômodo, mas eu não me recordo se era exatamente o quarto onde ele dormia, foi as instalações que ele mostrou pra nós da fazenda, era o local que ele residia, agora exatamente se era o quarto que ele dormia eu não me recordo". Já o Policial Militar Adriano Mata da Silva, quando indagado se participou da diligência que encontrou a espingarda no quarto do Jamil, respondeu apenas: "Eu fiquei cuidando do outro rapaz". Além disso, a vítima Pedro Galbiati Filho informou em juízo que não tinha conhecimento de que Jamil possuía arma de fogo ou confeccionava munições, e, segundo consta na certidão nº 2022.16.22636, a vítima afirmou, em contato telefônico com a Polícia Civil, que a espingarda apreendida não pertencia a Jamil, sendo possivelmente de algum ex-funcionário da fazenda. O próprio réu Jamil, quando interrogado, negou a propriedade da arma, afirmando que ela estava em outro cômodo utilizado por outros funcionários: "A espingarda estava lá, mas não era minha; estava no quarto ao lado, pode perguntar para o policial que a retirou; eu nem fui lá, me deixaram na cozinha; não estava no meu quarto. O meu quarto é o primeiro, e a arma estava no quarto de outros trabalhadores." É verdade que o réu admitiu ter conhecimento da existência da arma: "a arma eu tinha visto ela porque a gente sempre limpa o cômodo para outras pessoas chegar, a arma estava guardada debaixo do colchão". No entanto, o mero conhecimento da existência da arma, por si só, não configura o crime de posse compartilhada, sendo necessário demonstrar que o agente tinha disponibilidade sobre o artefato, podendo utilizá-lo quando bem entendesse. Para a configuração da posse compartilhada de arma de fogo, é imprescindível a demonstração inequívoca de que o réu exercia domínio sobre o objeto, ainda que não exclusivo, tendo plena disponibilidade para utilizá-lo caso desejasse. No caso em análise, não se comprovou de maneira satisfatória esse vínculo subjetivo entre o réu e a arma de fogo e os materiais para produção de munição. Nesse sentido, a mera presença do réu no imóvel onde foi encontrada a arma de fogo não é suficiente para caracterizar a posse compartilhada, especialmente quando há dúvidas sobre a localização exata do artefato (se no quarto do réu ou em outro cômodo) e quando as próprias testemunhas policiais não confirmam categoricamente, em juízo, que a arma estava sob a posse do acusado. Como bem asseverou o magistrado sentenciante, "remanesce nos autos dúvida não resolvida acerca de qual cômodo foi localizado o artefato bélico, se foi no quarto utilizado pelo acusado Jamil ou num segundo quarto, utilizado por outros funcionários da propriedade rural." E, como é cediço, no processo penal vigora o princípio do in dubio pro reo, segundo o qual, havendo dúvida, ainda que mínima, sobre a autoria do delito, impõe-se a absolvição do acusado. Este princípio encontra respaldo no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, que determina a absolvição do réu quando não houver prova suficiente para a condenação. Nesse sentido, colaciono o seguinte precedente deste Tribunal: "APELAÇÃO CRIMINAL – PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO – SENTENÇA CONDENATÓRIA – PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO – POSSE COMPARTILHADA – AUSÊNCIA DE CONHECIMENTO/ACESSO/DISPONIBILIDADE ÀS ARMAS DE FOGO – JULGADO DO TJMG E TJMG – RECURSO PROVIDO. Para condenação da posse "compartilhada" de arma de fogo de uso permitido, deve estar comprovado que o agente tenha conhecimento e acesso/disponibilidade ao armamento caso deseje utilizá-lo, de modo que o simples fato do apelante estar no local da apreensão não pode servir de fundamento para condenação (TJMG, Apelação Criminal 1.0134.15.010543-2/001). "A ausência de provas bastantes nos autos de que o agente exercia a composse ou a posse compartilhada da arma de fogo com numeração raspada, ou que detivesse plena disponibilidade do armamento caso desejasse utilizá-lo, desautoriza a prolação de édito condenatório, devendo ser aplicado o secular brocardo do in dubio pro reo." (TJMT, N.U 0011949-93.2015.8.11.0040)" (TJ-MT - APR: 00178043720178110055, Relator: MARCOS MACHADO, Data de Julgamento: 04/04/2023, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: 13/04/2023). Diante do exposto, considerando que não há provas suficientes nos autos que demonstrem, para além de dúvida razoável, que o réu Jamil Francisco Nunes exercia a posse, ainda que compartilhada, da arma de fogo e dos materiais para produção de munição, sendo insuficiente o mero conhecimento da existência desses objetos, mantenho a absolvição decretada pelo Juízo de primeiro grau, com fulcro no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal. DO RECURSO DA DEFESA DE CARLOS ROGÉRIO DOTOLI DA PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA A defesa de Carlos Rogério Dotoli pleiteia, preliminarmente, a absolvição do réu por insuficiência de provas, alegando que não há nos autos elementos suficientes para comprovar sua participação no crime de furto qualificado. O pleito, contudo, não merece acolhimento. A materialidade do delito de furto está cabalmente demonstrada pelo boletim de ocorrência nº 2022.15998 (ID 74519536 – pág. 38), termo de apreensão nº 2022.16.22988 (ID 74519536 – pág. 44) e demais documentos constantes dos autos. E a autoria delitiva recai, inequivocamente, sobre o réu Carlos Rogério Dotoli, conforme se extrai do conjunto probatório produzido sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. A vítima Pedro Galbiati Filho relatou em juízo: "No dia 19, me ligaram da delegacia de polícia de Alto Taquari dizendo que os meninos tinham sido presos por furto de óleo diesel; no outro dia, eu fui até Alto Taquari e prestei depoimento lá. O Jamil era meu funcionário há 05 (cinco) anos; ele era da minha confiança e ele tinha acesso a tudo na fazenda; Lá tem um tanque de 1.000 litros, que fica estocado óleo diesel para usar nos tratores da fazenda, e foi de lá que eles subtraíram". O Policial Militar João Felipe Queiroz de Melo, por sua vez, narrou com riqueza de detalhes como os réus foram flagrados com a res furtiva: "Nós estávamos em execução da patrulha rural, realizando um bloqueio na região de uma MT que fica na região rural, se não me engano num vilarejo que fica perto do Buriti, mas é na região que fica entre o Município de Alto Araguaia e Alto Taquari, durante a madrugada se aproximou de onde estávamos fazendo o bloqueio um veículo Uno. No interior desse veículo Uno estavam dois homens. O que estava dirigindo, estava em visível estado de embriaguez, havia uma garrafa de bebida alcoólica no interior do carro, com um deles, não me recordo qual deles foi localizada também uma porção de substância entorpecente e na parte de trás desse carro havia galões de combustível. Nós separamos eles, e começamos a entrevistar dada a circunstância suspeita de onde eles vinham para onde eles estavam indo; e as versões apresentadas por eles eram complemente divergentes. Contestados com relação a essa situação divergente, um deles acabou confessando que eles estavam furtando aquele combustível de uma fazenda na qual ele trabalhava". Corroborando esse depoimento, o Policial Militar Adriano Mata da Silva afirmou: "A gente estava no Buriti (Distrito de Alto Araguaia/MT), e no entroncamento de estrada de chão vinha aproximando um veículo; e a gente fez a abordagem desse veículo, a gente encontrou 02 ocupantes dentro desse veículo; e aí foi encontrado não sei se era um galão, estava dentro de um tambor esse combustível estava com cheiro muito forte e a gente identificou rápido esse combustível no veículo; O óleo diesel era da fazenda (de propriedade da vítima); um dos indivíduos, não sei se ainda é, ele era funcionário da fazenda, e ele falou que ele pegou na propriedade de lá na fazenda esse combustível". A versão apresentada pelo réu Carlos Rogério em seu interrogatório judicial, de que teria recebido o óleo diesel como forma de pagamento por um frete para levar Jamil à cidade, mostra-se inverossímil diante do conjunto probatório. Primeiramente, porque não houve qualquer autorização da vítima para a retirada do combustível; em segundo lugar, porque o próprio réu admitiu que "já tinha arrumado um comprador" para o óleo diesel, o que demonstra o intuito de comercialização do produto do furto; e, por fim, porque não foi apresentado qualquer documento ou prova que corroborasse a alegação de que Jamil necessitava de atendimento médico urgente. Além disso, conforme consta no depoimento policial, no momento da abordagem, os réus apresentaram versões divergentes sobre o destino e a origem do combustível, vindo a confessar posteriormente que o haviam furtado da fazenda. É importante ressaltar que os depoimentos dos policiais militares possuem relevante valor probatório, especialmente quando coerentes entre si e corroborados pelos demais elementos de prova, como é o caso dos autos. Nesse sentido, inclusive, é o Enunciado nº 8 deste Tribunal de Justiça: "Os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal". Assim, a materialidade e a autoria do crime de furto qualificado estão suficientemente demonstradas nos autos, não havendo que se falar em absolvição por insuficiência probatória. DA DOSIMETRIA DA PENA O apelante questiona a dosimetria da pena, alegando que a pena-base foi fixada em patamar excessivo e que o magistrado considerou de maneira inadequada as consequências do crime para justificar uma pena mais rigorosa. Transcrevo a sentença, na parte a que alude: “Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE os pedidos formulados na denúncia, para CONDENAR o réu JAMIL FRANCISCO NUNES como incurso nas penas do art. 155, § 4º, incisos II e IV, do Código Penal; e o réu CARLOS ROGERIO DOTOLI, como incurso nas penas do art. do art. 155, §4º inciso IV do Código Penal. IV. DA APLICAÇÃO DA PENA Em observância ao princípio constitucional da individualização da pena, passo à dosimetria individualizada da resposta penal, aplicando o sistema trifásico previsto no artigo 68 do Código Penal. - Do réu Jamil Francisco Nunes. Culpabilidade: é normal à espécie. Quanto aos antecedentes, observo que o réu é tecnicamente primário. Conduta social e personalidade do agente: não existem elementos para auferi-las, pelo que deixo de valorá-las. Motivos do crime: não extrapolam o limite da objetividade jurídica do tipo penal, não merecendo aqui qualquer consideração. Circunstâncias do crime: deve ser destacada a prática do crime com abuso de confiança, a partir do vínculo até então estabelecido entre o réu e a vítima. Consequências do crime: as consequências são as normais da espécie. Por fim, tem-se que o comportamento da vítima não contribuiu para a prática delitiva. Bem sopesadas tais circunstâncias, fixo a PENA-BASE em: 02 (dois) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Na segunda fase, não concorrem circunstâncias atenuantes, todavia, incide a agravante do artigo 61, inciso II, “h”, do Código Penal, uma vez que o crime foi praticado contra vítima maior de 60 (sessenta) anos, motivo pelo fixo a PENA INTERMEDIÁRIA em: 3 (três) anos, 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Na terceira etapa da dosimetria, inexiste causa de aumento ou de diminuição de pena, razão pela qual fixo a PENA DEFINITIVA em: 3 (três) anos, 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa. O regime inicial de cumprimento de pena será o ABERTO, nos termos do art. 33, § 2º, “c”, do Código Penal. Verifico que a detração penal não influiria no regime de pena aplicado. Assim, deixo de proceder à detração penal prevista no artigo 387, § 2º, do Código de Processo Penal. Considerando as circunstâncias judiciais, a pena aplicada e não sendo o réu reincidente em crime doloso, entendo possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (art. 44), o que faço na forma de prestação de serviços à comunidade (art. 43, IV do Código Penal), tendo a mesma duração da pena privativa de liberdade (art. 55 do Código Penal), bem como de prestação pecuniária a instituição assistencial, no valor equivalente a 10 (dez) salários mínimo, valor vigente à época do efetivo pagamento, sendo ambas as penas prestadas em favor de entidade a ser escolhida quando da audiência admonitória, no juízo das execuções penais. Substituída a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, afigura-se incabível a suspensão condicional da penal, nos termos do artigo 77, III, do Código Penal. Considerando o fato de que o réu está em liberdade neste processo, não havendo notícias de que tenha reiterado na conduta ou interferido na apuração da verdade, e, finalmente, por não vislumbrar motivos para a decretação de sua prisão preventiva ou para aplicação de outra medida cautelar, reconheço ao réu o direito de apelar em liberdade, na forma do art. 387, § 1º, do Código de Processo Penal. - Do réu Carlos Rogerio Dotoli. Culpabilidade: é normal à espécie. Quanto aos antecedentes, observo que o réu cumpre pena no executivo de nº 2000009-79.2023.8.11.0020, onde se executa a condenação formada nos autos de nº 0001697-23.2017.8.11.0020. Denota-se que a sentença transitou em julgado no curso da presente ação (03/10/2022), circunstância que, inobstante inviabilizar a caracterização da reincidência (art. 63, CP), não impede a configuração dos maus antecedentes, consoante tem decidido o e. STJ (HC 262254/SP). Registro que as demais ações penais em nome do réu, pendem de julgamento. Conduta social e personalidade do agente: não existem elementos para auferi-las, pelo que deixo de valorá-las. Motivos do crime: não extrapolam o limite da objetividade jurídica do tipo penal, não merecendo aqui qualquer consideração. Circunstâncias do crime: não se destacam pelo que nada há a valorar. Consequências do crime: as consequências são as normais da espécie. Por fim, tem-se que o comportamento da vítima não contribuiu para a prática delitiva. Bem sopesadas tais circunstâncias, fixo a PENA-BASE em: 02 (dois) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Na segunda fase, não concorrem circunstâncias atenuantes, todavia, incide a agravante do artigo 61, inciso II, “h”, do Código Penal, uma vez que o crime foi praticado contra vítima maior de 60 (sessenta) anos, motivo pelo qual fixo a PENA INTERMEDIÁRIA em: 3 (três) anos, 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Na terceira etapa da dosimetria, inexiste causa de aumento ou de diminuição de pena, estabelecendo a PENA DEFINITIVA em: 3 (três) anos, 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Em se tratando de réu reincidente, o regime inicial de cumprimento de pena será o SEMIABERTO, nos termos do art. 33, § 2º, “b”, do Código Penal, em consonância com a Súmula nº. 269 do STJ. Verifico que a detração penal não influiria no regime de pena aplicado. Assim, deixo de proceder à detração penal prevista no artigo 387, § 2º, do Código de Processo Penal. Ausentes os requisitos legais do artigo 44 do Código Penal, torna-se incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Do mesmo modo, incabível a suspensão condicional da pena, na forma do art. 77 do Código Penal. Considerando o fato de que o réu está em liberdade neste processo, não havendo notícias de que tenha reiterado na conduta ou interferido na apuração da verdade, e, finalmente, por não vislumbrar motivos para a decretação de sua prisão preventiva ou para aplicação de outra medida cautelar, reconheço ao réu o direito de apelar em liberdade, na forma do art. 387, § 1º, do Código de Processo Penal. V. DAS DISPOSIÇÕES FINAIS DEIXO de fixar o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração (art. 387, IV, CPP), uma vez que inexiste pleito nesse sentido, não sendo exercido, por consequência, o contraditório sobre o tema.”(Negritado no original) A legislação pátria adotou o método trifásico de cálculo da pena, no qual o magistrado de forma fundamentada, fixa a pena visando a suficiência para a reprovação do delito e prevenção da conduta típica, conforme disposto no artigo 68 do Código Penal, em síntese: “A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento”. Dispõe a obra de Fernando da Costa Tourinho Filho, in Processo Penal, Editora Saraiva, vol.4, pág. 175: “(...) a sentença é uma declaração de vontade emitida pelo Juiz e, também, o resultado de uma atividade mental (cf. Derecho procesal civil, p.300) [...] A sentença, desse modo, não é apenas um ato de inteligência, um lavor intelectual, mas, também, um ato de vontade, porquanto ela exprime uma ordem que nada mais é senão aquela mesma ordem genérica, abstrata e hipotética, prevista na lei, que se transmuda em concreta.” E continua o jurista, as fls.176: “(...)A função da sentença é declarar o direito. Quando o Juiz procede a subsunção do fato à norma, aplicando o direito à espécie concreta, ele nada mais faz senão, por meio daquele procedimento de coordenação “já existente na dialética socrático-platônica e na lógica de Aristóteles” declarar o direito preexistente” De acordo com o exposto, assim é o entendimento do STF: “O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena. Cabe às circunstâncias ordinárias, mais próximas dos fatos e das provas, fixas as penas” (STF, HC, 139.717/AgR/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 2ª Turma, j. em 30/05/2017). Cumpre ressaltar que a lei não fixa parâmetros aritméticos para a exasperação da pena-base ou para a aplicação de atenuantes e de agravantes, cabendo ao magistrado, utilizando-se da discricionariedade motivada e dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, fixar o patamar que melhor se amolde à espécie. No mesmo sentido é o Col. Superior Tribunal de Justiça - STJ: "a dosimetria da pena configura matéria restrita ao âmbito de certa discricionariedade do magistrado e é regulada pelos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, de modo que, não evidenciada nenhuma discrepância ou arbitrariedade na exasperação efetivada na primeira fase da dosimetria, deve ser mantida inalterada a pena-base aplicada" (AgRg no HC 343.128/MS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/05/2016, DJe 31/05/2016). No caso dos autos, na primeira fase da dosimetria, o Juízo de primeiro grau fixou a pena-base em 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de reclusão, considerando como desfavorável apenas a circunstância judicial relativa aos maus antecedentes, tendo em vista que o réu cumpre pena no executivo de nº 2000009-79.2023.8.11.0020, onde se executa a condenação formada nos autos de nº 0001697-23.2017.8.11.0020, com trânsito em julgado em 03/10/2022, durante o curso da presente ação. Ao contrário do que alega a defesa, o magistrado não utilizou as consequências do crime como fundamento para elevar a pena-base, tendo expressamente consignado que "as consequências são as normais da espécie". Tampouco considerou qualquer "abuso de confiança" em relação ao réu Carlos Rogério, tendo aplicado tal qualificadora apenas em relação ao réu Jamil. A fixação da pena-base acima do mínimo legal, no caso, mostra-se adequada e proporcional, tendo em vista a presença da circunstância judicial desfavorável (maus antecedentes), devidamente fundamentada pelo magistrado. Ademais, o ‘quantum’ de aumento aplicado pelo magistrado não se mostra excessivo, situando-se dentro de parâmetros razoáveis, considerando que a pena em abstrato para o crime de furto qualificado (art. 155, §4º, CP) varia de 2 a 8 anos de reclusão, e a pena-base foi fixada em 2 anos e 9 meses, ou seja, com acréscimo de apenas 9 meses em relação ao mínimo legal. Nesse sentido, é pacífico o entendimento jurisprudencial de que a dosimetria da pena insere-se no âmbito da discricionariedade regrada do magistrado, que deve observar as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, bem como os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. No caso em tela, não se vislumbra qualquer excesso ou desproporcionalidade na fixação da pena-base, que foi adequadamente fundamentada na existência de maus antecedentes. Quanto à agravante aplicada na segunda fase, o apelante argumenta sobre "o afastamento da agravante de abuso de confiança". Ocorre que tal argumentação parte de uma premissa equivocada, pois o magistrado não aplicou a agravante de abuso de confiança em relação ao réu Carlos Rogério, tendo expressamente consignado que "não há falar em aplicação da qualificadora do abuso de confiança em relação ao corréu, isso porque, a prova produzida não demonstra qualquer vínculo de confiança entre o réu Carlos Rogério e a vítima Pedro Galbiatti". Em verdade, na segunda fase, o magistrado aplicou apenas a agravante do artigo 61, inciso II, alínea "h", do Código Penal, por ter sido o crime praticado contra vítima maior de 60 anos, o que não foi objeto de impugnação específica pela defesa. Portanto, não há qualquer reparo a ser feito na dosimetria da pena aplicada ao apelante. DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA A defesa pleiteia a fixação do regime aberto para o cumprimento inicial da pena, alegando que a fixação do regime semiaberto é desproporcional. O pleito não merece acolhimento. O magistrado de primeiro grau fixou o regime inicial semiaberto com base no artigo 33, §2º, "b" do Código Penal, em consonância com a Súmula 269 do STJ, considerando a reincidência do réu. De fato, embora a pena aplicada ao réu (3 anos, 2 meses e 15 dias) permitiria, em tese, o início do cumprimento no regime aberto, o fato de ser reincidente autoriza a imposição de regime mais gravoso, nos termos do artigo 33, §2º, "b" do Código Penal. A Súmula 269 do Superior Tribunal de Justiça estabelece que "é admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais". No caso em tela, não são integralmente favoráveis as circunstâncias judiciais, tendo sido valorados negativamente os maus antecedentes do réu. Ademais, conforme bem assinalado pela Procuradoria-Geral de Justiça em seu parecer: "O regime inicial mais rigoroso do que o apropriado à quantidade de pena (inferior a quatro anos de reclusão), não sendo o condenado reincidente, tal como previsto no art. 33, § 2º, "c" do Código Penal, é o aberto, mas a sua aplicação depende de fundamentação adequada em relação às circunstâncias previstas no art. 59 do mesmo estatuto, conforme dispõe o § 3º do mesmo dispositivo legal." Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, replicado no parecer ministerial: "[…] A pena-base foi fixada acima do mínimo legal, por ter sido desfavoravelmente valorada uma circunstância judicial (art. 59 do CP), o que, por si só, permite a fixação de regime prisional mais gravoso do que o indicado pelo quantum de reprimenda imposta ao réu, a teor do disposto no art. 33, § 3º, do Código Penal […] (AgRg no AREsp n. 2.330.296/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 24.10.2023)." Desse modo, considero adequada a fixação do regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena, em razão da reincidência do réu e da existência de circunstância judicial desfavorável. DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS A defesa pleiteia a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, alegando que o réu preenche os requisitos do artigo 44 do Código Penal. O pleito não merece acolhimento. O artigo 44 do Código Penal estabelece os requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, entre eles: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa; II - o réu não for reincidente em crime doloso; e III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. No caso em tela, embora o requisito objetivo do inciso I esteja preenchido (pena inferior a quatro anos e crime cometido sem violência ou grave ameaça), o réu é reincidente em crime doloso, o que, em princípio, impediria a substituição. É verdade que o §3º do mesmo artigo permite a substituição mesmo em caso de reincidência, desde que "a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime". No entanto, como bem pontuado pelo Procurador de Justiça em seu parecer, "o réu sofreu nova condenação no curso do cumprimento de pena substitutiva anterior, o condenado deu mostras da sua inaptidão a referida substituição, nos termos do art. 44, incisos II do Código Penal." De fato, conforme apurado nos autos, o réu foi condenado pelo crime de receptação, previsto no artigo 180, caput, do Código Penal, nos autos da ação penal nº 0001697-23.2017.8.11.0020, à pena de 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, a qual foi substituída por pena restritiva de direitos e transitou em julgado em 03.10.2022 (executivo de pena nº 2000009-79.2023.8.11.0020). E no dia 18.01.2022, durante o cumprimento dessa pena substitutiva, o acusado praticou novo delito (furto qualificado), objeto deste recurso, demonstrando sua inaptidão para o cumprimento de penas alternativas. Portanto, não é possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pois o réu não preenche os requisitos legais para tanto, tendo inclusive demonstrado que tal substituição não seria socialmente recomendável, ao cometer novo crime durante o cumprimento de pena substitutiva anterior. A defesa requer que seja concedido ao réu o direito de recorrer em liberdade. Tal pedido está prejudicado, uma vez que o Juízo de primeiro grau já concedeu ao réu esse direito, conforme se verifica na sentença recorrida: "Considerando o fato de que o réu está em liberdade neste processo, não havendo notícias de que tenha reiterado na conduta ou interferido na apuração da verdade, e, finalmente, por não vislumbrar motivos para a decretação de sua prisão preventiva ou para aplicação de outra medida cautelar, reconheço ao réu o direito de apelar em liberdade, na forma do art. 387, § 1º, do Código de Processo Penal." Portanto, resta prejudicado o pedido da defesa nesse ponto, uma vez que o direito de recorrer em liberdade já foi assegurado ao apelante na sentença impugnada. Ante o exposto, em consonância com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, NEGO PROVIMENTO aos recurso do Ministério Público e da Defesa, respectivamente, mantendo integralmente a sentença recorrida por seus próprios fundamentos. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 29/07/2025
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