Processo nº 1001601-63.2023.8.11.0025
ID: 310396188
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1001601-63.2023.8.11.0025
Data de Disponibilização:
30/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GUSTAVO GUILHERME COSTA SALAZAR
OAB/MT XXXXXX
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WOLBAN MILLER SANCHES MIGUEL
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1001601-63.2023.8.11.0025 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins, Associação para a …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1001601-63.2023.8.11.0025 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins, Associação para a Produção e Tráfico e Condutas Afins] Relator: Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). CHRISTIANE DA COSTA MARQUES NEVES] Parte(s): [CAUA DE SOUZA GONCALVES - CPF: 073.940.431-85 (APELANTE), TIAGO JOSE LIPSCH - CPF: 031.073.461-44 (ADVOGADO), GUSTAVO GUILHERME COSTA SALAZAR - CPF: 999.988.581-00 (ADVOGADO), LUCAS EDUARDO DOS SANTOS - CPF: 059.767.912-63 (APELANTE), WOLBAN MILLER SANCHES MIGUEL - CPF: 054.636.421-76 (ADVOGADO), POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), AZAEL NOGUEIRA DE OLIVEIRA - CPF: 714.856.601-06 (TERCEIRO INTERESSADO), JEAN ANDRADE ARAUJO - CPF: 077.174.426-98 (TERCEIRO INTERESSADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO (ARTS. 33, CAPUT, E 35, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/2006). PRELIMINARES DE VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO E ILICITUDE DAS PROVAS REJEITADAS. FUNDADAS RAZÕES JUSTIFICADORAS DA BUSCA DOMICILIAR PELOS AGENTES POLICIAIS. REJEIÇÃO. CRIME PERMANENTE. INGRESSO EM RESIDÊNCIA INDEPENDENTE DE DETERMINAÇÃO JUDICIAL. PROVAS OBTIDAS LICITAMENTE. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. IMPROCEDÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA INCONTESTES. DEPOIMENTOS POLICIAIS HARMÔNICOS E COERENTES COM O CONJUNTO PROBATÓRIO. ABSOLVIÇÃO QUANTO AO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. IMPOSSIBILIDADE. VÍNCULO ESTÁVEL E PERMANENTE ENTRE OS AGENTES DEMONSTRADO. DIVISÃO DE TAREFAS. READEQUAÇÃO DA DOSIMETRIA DA PENA. IMPOSSIBILIDADE. QUANTIDADE DO ENTORPECENTE LOCALIZADO. APLICAÇÃO DA FRAÇÃO MÁXIMA NA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA. INVIABILIDADE. CONDENAÇÃO PELO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO QUE INVIABILIZA A REDUTORA. RECURSOS DESPROVIDOS. I. Caso em exame Apelação Criminal interposta contra sentença que os condenou por tráfico ilícito de entorpecentes e associação para o tráfico de entorpecentes (art. 33, caput, e art. 35, caput, ambos da Lei nº 11.343/2006), à pena privativa de liberdade de 07 (sete) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 1116 (mil cento e dezesseis) dias-multa, em regime inicial semiaberto. II. Questão em discussão Há quatro questões: 1) nulidade da busca e apreensão decorrente da invasão domiciliar; 2) absolvição dos delitos, pela insuficiência probatória, nos termos do artigo 386, inciso VII do Código de Processo Penal; 3) readequação da dosimetria da pena base; e 4) aplicação da causa especial de diminuição de pena na fração máxima. III. Razões de decidir O ingresso dos policiais na residência dos apelantes se justifica pela existência de fundadas razões, uma vez que a abordagem decorreu denúncia decorrente do cumprimento de mandado de busca e apreensão de outro acusado e de flagrante tentativa de fuga, elementos que caracterizam justa causa para a ação policial. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça admite o ingresso policial em domicílio sem mandado judicial quando há elementos concretos que indiquem a prática de crime permanente, como o tráfico de drogas. A quantidade e forma de acondicionamento da droga, associadas ao contexto da apreensão e demais elementos probatórios, comprovam a traficância. O vínculo estável e permanente entre os apelantes e terceiras pessoas, com o fim de praticar, reiteradamente ou não, o tráfico, está bem delineado no conjunto probatório, notadamente nos relatórios de análise do relatório de degravação e nas provas orais colhidas, sendo de rigor a sua condenação pelo delito tipificado no art. 35 da Lei n.º 11.343/06. Mantida a condenação dos acusados pelos crimes de tráfico de drogas e associação ao narcotráfico, não há como beneficiá-lo com a redutora de pena prevista no art. 33, §4.º, da Lei de Drogas, uma vez que não preenchem os requisitos legais, haja vista dedicar-se a atividades criminosas. IV. Dispositivo Recurso desprovido. Teses de julgamentos O ingresso policial em domicílio sem mandado judicial é lícito quando há fundadas razões que indiquem a ocorrência de crime permanente, como o tráfico de drogas. Comprovadas a materialidade e a autoria delitivas, bem como a destinação mercantil do narcótico apreendido, não há falar em absolvição do tráfico. “Uma vez constatada a materialidade dos crimes de tráfico de drogas e de associação para o tráfico, assim como a existência de provas da autoria dos apelantes, devem ser ratificadas as condenações”. “A condenação simultânea do agente pelo delito de associação para o tráfico de drogas obsta a incidência do tráfico privilegiado” Dispositivos relevantes citados: art. 33, caput, art. 35, caput, e art. 42, todos da Lei nº 11.343/2006; art. 5º, XI, da CF/88; arts. 240 e 244, do CPP. Jurisprudência relevante citada: STF - Recurso Extraordinário nº 603.616/RO; HC 250150 AgR; AgReg no RE nº 1.466.339; Recurso Extraordinário com Agravo n. 1.430.436; RE n. 1.459.386-AgR; STJ - AgRg no HC n. 612.972/SP; AgRg no HC nº 630728/SC; AgRg no HC nº 744.556/RO; AgRg no HC 886.490/SP; AgRg no AR Esp n. 1.035.945/RJ TJMT – RAC 1002234-72.2022.8.11.0037. R E L A T Ó R I O Trata-se de Apelação Criminal interposta por Cauã de Souza Goncalves e Lucas Eduardo dos Santos contra sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara da Comarca de Juína/MT, nos autos de ação penal nº 1001601-63.2023.8.11.0025, que os condenou por tráfico ilícito de entorpecentes e associação para o tráfico de entorpecentes (art. 33, caput, e art. 35, caput, ambos da Lei nº 11.343/2006), à pena privativa de liberdade de 07 (sete) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 1116 (mil cento e dezesseis) dias-multa, em regime inicial semiaberto (id. 238591826). Não se conformando com os termos da sentença Lucas Eduardo dos Santos, requereu: a) Preliminarmente, absolver o apelante, por ausência de provas da materialidade do crime, tendo em vista a nulidade da busca e apreensão das drogas encontradas, oriundas de invasão domiciliar, nos termos dos incisos XI, LV e LVI, do artigo 5°, da Constituição Federal e art. 157, do CPP; b) Seja a sentença de 1º grau, reformada, para absolver LUCAS EDUARDO DOS SANTOS, da condenação proferida pelo delito de associação para o tráfico de drogas; c) Requer seja aplicada à redução da pena prevista art. 33, § 4º da Lei 11.343/06, no patamar máximo de 2/3; (id. 238591838) Igualmente, Cauã de Souza Goncalves postulou pela reforma do decisum para: 1. A reforma da sentença para reconhecer a nulidade do processo, em razão da ilegalidade na busca e apreensão, uma vez que não havia fundada suspeita que justificasse a entrada na residência. 2. A absolvição de CAUÃ DE SOUZA GONÇALVEZ, considerando a ausência de provas robustas que comprovem sua participação nos delitos imputados, bem como a possibilidade de aplicação de forma subsidiaria das atenuantes que o caso requer em principal da primariedade e conduta social, na dosimetria da pena. (id. 249541691). Em contrarrazões o Ministério Público pugnou pelo improvimento, mantendo-se integralmente a sentença condenatória prolatada (id. 238591846 e id. 253798699). A douta Procuradoria Geral de Justiça, através da eminente Procuradora de Justiça Silvana Correa Vianna, opina pelo desprovimento dos apelos (id. 257047169). É o relatório. V O T O R E L A T O R Como relatado, cuida-se de recurso de apelação criminal interposto por Cauã de Souza Goncalves e Lucas Eduardo dos Santos contra sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara da Comarca de Juína/MT, nos autos de ação penal nº 1001601-63.2023.8.11.0025, que os condenou por tráfico ilícito de entorpecentes e associação para o tráfico de entorpecentes (art. 33, caput, e art. 35, caput, ambos da Lei nº 11.343/2006), à pena privativa de liberdade de 07 (sete) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 1116 (mil cento e dezesseis) dias-multa, em regime inicial semiaberto (id. 238591826). Em resumo, Cauã de Souza Goncalves e Lucas Eduardo dos Santos pugnaram, preliminarmente, pela nulidade processual, ante a ausência de justa causa para a abordagem policial. No mérito requereram a sua absolvição do crime de associação para o tráfico de entorpecente, pela insuficiência probatória. Subsidiariamente, a readequação da dosimetria da pena, além da aplicação da causa especial de diminuição de pena na fração máxima, ou seja, 2/3 (dois terços). Narra a exordial acusatória (id. 238591731): “...FATO 01: Ressai dos presentes autos de Inquérito policial que no dia 27 de abril de 2023, por volta das 06h00min, na residência particular situada na Avenida Cuiabá, em frente a Igreja Católica, módulo 05, na cidade de Juína/MT, os denunciados CAUÃ DE SOUZA GONÇALVES e LUCAS EDUARDO DOS SANTOS, com vontade livre e consciente da ilicitude de sua conduta, guardavam e tinham em depósito, com finalidade de fornecer de qualquer modo ao consumo de terceiros, substância entorpecente consistente em 10 (dez) porções grandes de substância análoga a maconha, acondicionadas em plástico preto; 14 (quatorze) porções pequenas de substância análoga a maconha; 05 (cinco) porções grandes de substância análoga a maconha, acondicionada em plástico de sacola; 01 (um) recipiente plástico contendo substância análoga a maconha; 13 (treze) porções médias de substância análoga a cocaína pura; 36 (trinta e seis) porções médias de substância análoga a pasta base de cocaína; 13 (treze) porções grandes de substância análoga a maconha, acondicionadas em papel-alumínio; 04 (quatro) porções grandes de substância análoga a maconha, acondicionadas em plástico transparente, totalizando aproximadamente 04 (quatro) quilos de maconha, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, além de 05 (cinco) pinos para acondicionamento de entorpecente do tipo cocaína, 01 (uma) munição calibre 22 e a quantia de R$1.131,00 (mil, cento e trinta e um) reais em espécie, conforme se verifica do Auto de Prisão em Flagrante (fl.06 – ID.118709319), Boletim de Ocorrência (fls. 87/92 – ID.118709901), Termo de Apreensão (fl.16 – ID.118709323), Laudo Definitivo de Entorpecente (fls. 353/356 – ID.118893224) e Relatório de Extração e Degravação de Dados (fls. 662/669 – ID.120646679), bem como por meio de todos os depoimentos colhidos perante a Autoridade Policial. FATO 02: Extrai-se, ainda, do caderno investigativo que, na mesma data e local acima mencionado, os denunciados CAUÃ DE SOUZA GONÇALVES e LUCAS EDUARDO DOS SANTOS, consciente e voluntariamente, associaram-se com o fim de praticarem, habitualmente e reiteradamente, o tráfico ilícito de drogas, conforme se verifica do Auto de Prisão em Flagrante (fl.06 – ID.118709319), Boletim de Ocorrência (fls. 87/92 – ID.118709901), Termo de Apreensão (fl.16 – ID.118709323), Laudo Definitivo de Entorpecente (fls. 353/356 – ID.118893224) e Relatório de Extração e Degravação de Dados (fls. 662/669 – ID.120646679). DINÂMICA DOS FATOS: Conforme restou apurado, na data dos fatos a equipe policial em cumprimento do mandado de prisão expedido pela 7ª Vara Criminal de Cuiabá em face de Rafael Faustino se deslocou até o endereço indicado no mandado, a fim de cumprir a ordem expedida. Chegando no local, o suspeito não se encontrava, ocasião em que os policiais obtiveram a informação de que o mesmo havia pernoitado numa quitinete na Rua Virgílio da Silva, em frente a subestação de energia, no módulo 5. De imediato, os agentes da lei se deslocarem até o novo endereço indicado e lograram êxito em realizar a prisão de Rafael. Infere-se que os policiais tinham informações de que Rafael frequentava assiduamente um apartamento localizado na Avenida Cuiabá, e ao ser indagado acerca do fato, Rafael informou que no primeiro apartamento à direita estariam dois comparsas seu em posse de uma grande quantidade de droga que seria distribuída para as “lojinhas”. Diante da informação, a equipe policial se deslocou até o apartamento indicado e ao chegarem no local, visualizaram o denunciado LUCAS EDUARDO DOS SANTOS descendo as escadas em posse de duas mochilas. Ao visualizar os policiais, LUCAS correu em direção contrária e deixou cair uma das mochilas (de cor verde), a qual a equipe policial constatou que em seu interior haviam várias porções grandes de substância análoga a maconha. Na sequência, o denunciado LUCAS adentrou no apartamento de número 1, e negou-se a abrir a porta, sendo necessário realizar o seu arrombamento. Já no interior do imóvel, os agentes da lei visualizaram o incriminado LUCAS EDUARDO DOS SANTOS acompanhado de CAUÃ DE SOUZA GONÇALVES dentro do banheiro na posse de uma segunda mochila de cor rosa, tentando descartar os entorpecentes dentro do vaso sanitário, mas foram impedidos a tempo pelos policiais. De posse da segunda mochila os policiais localizaram várias porções de substância análoga a pasta base, várias porções de substância análoga a cocaína, pinos para acondicionamento de entorpecentes, uma munição calibre 22 intacta, além de valores em espécie. Ao serem indagados, os denunciados relataram que haviam saído recentemente da cidade de Brasnorte para a cidade de Juína por ordem da facção criminosa comando vermelho e seriam responsáveis pela guarda dos entorpecentes, os quais posteriormente seriam repassados para outros traficantes. Afirmaram ainda, que ao tomarem conhecimento da operação que estava sendo realizada no município, retirariam os entorpecentes daquela localidade e os esconderiam em uma região de mata até acabar a operação. Desta feita, pelas condições apresentadas, quais sejam, diversidade e quantidade e entorpecente, aliado ao fato de que também foram apreendidas certa quantia em dinheiro, os incriminados foram presos em flagrante delito pelo crime de tráfico ilícito de drogas e associação para o tráfico de drogas. Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO denuncia CAUÃ DE SOUZA GONÇALVES e LUCAS EDUARDO DOS SANTOS como incursos nas sanções do artigo 33, caput, e 35, caput, ambos da Lei Federal n. 11.343/2006, requerendo que seja recebida e autuada a presente peça acusatória, com a notificação dos denunciados para o oferecimento de sua resposta preliminar, nos termos do artigo 55 da Lei de Drogas, seguindo-se os ditames da legislação pátria até superveniente condenação...” DA PRELIMINAR DE NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS, ANTE A ILEGALIDADE DA AÇÃO POLICIAL Inicialmente os apelantes aduziram vício de legalidade da abordagem policial, pois não se encontra amparada em fundada suspeita, sendo inadmitidas abordagens genéricas e arbitrárias. Ainda, que não havia qualquer indício nos autos de que os acusados estivessem praticando ou estivesse prestes a praticar qualquer crime, justificando a abordagem. Entretanto, com a detida análise dos autos, não vejo como acolher a pretensão defensiva. Destaca-se que o ingresso regular em domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio. De fato, O ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial para busca e apreensão é legítimo se amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, especialmente nos crimes de natureza permanente, como são o tráfico de entorpecentes e a posse ilegal de arma de fogo (AgRg no HC n. 612.972/SP, Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Quinta Turma, julgado em 22/6/2021, DJe de 28/6/2021). Vale asseverar, por oportuno, que diversamente do que ocorre em relação aos demais direitos fundamentais, o direito à inviolabilidade de domicílio se destina a proteger não somente o alvo de eventual atuação policial abusiva, mas todo o grupo de pessoas residentes no local da diligência. O Supremo Tribunal Federal, no Julgamento do Recurso Extraordinário nº 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, em que apreciou o Tema nº 280 do regime da repercussão geral, firmou a tese de que “[…] a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que, dentro da casa, ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil, e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados [...]”, conforme se extrai do voto vogal do Ministro Teori Zavascki. Nesse sentido, tem-se o entendimento da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o AgRg no HC nº 630728/SC, de relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, em 23.11.2021, no sentido de que não haveria ilegalidade na invasão de domicílio, quando houvesse fundadas razões para o ingresso no imóvel. Veja-se: “PROCESSO PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E RECEPTAÇÃO. INGRESSO NA RESIDÊNCIA DO PACIENTE. SUSPEITAS CONCRETAS. POSSIBILIDADE. CADEIA DE CUSTÓDIA. ALEGAÇÃO DE INOBSERVÂNCIA. NÃO COMPROVAÇÃO. INDEVIDO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. NÃO CABIMENTO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. CONDUTA DELITUOSA. GRAVIDADE CONCRETA. INVIABILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O entendimento perfilhado na sentença condenatória está em harmonia com o decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 603.616/RO, Tema 280/STF, segundo o qual o ingresso dos policiais no domicílio do réu, sem autorização judicial ou consentimento do morador, será lícito quando houver fundadas razões da situação de flagrante delito naquela localidade. 2. Constata-se nos autos que o ingresso policial na residência do paciente não ocorreu de forma aleatória, sem fundadas suspeitas de que potencialmente estavam sendo cometidos os delitos de receptação e tráfico de entorpecentes no interior do imóvel. Desse modo, estão configuradas as fundadas razões que legitimam a entrada dos policiais no domicílio do paciente. Sob tal contexto, não há como acolher a tese defensiva de ilicitude da prova, uma vez que evidente a presença de justa causa para a adoção da medida de busca domiciliar. […]” [STJ - AgRg no HC nº 744.556/RO - 5ª Turma - Rel. Min. Ribeiro Dantas - J.: 06.09.2022] [sublinhou-se]. Portanto, a mitigação do direito fundamental à inviolabilidade de domicílio [art. 5º, XI, da Constituição Federal] só é admitida quando houver autorização judicial ou consentimento do morador ou quando a hipótese for de flagrante delito. In casu, narra o boletim de ocorrência n. 2023.115525: “NA PRESENTE DATA, A EQUIPE COMPOSTA PELO DELEGADO DR. JEAN ANDRADE, INVESTIGADORES AZAEL, CARLOS, BRUNO E ESCRIVÃO LIRA, DE POSSE DO MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO E MANDADO DE PRISÃO EM DESFAVOR DE RAFAEL FAUSTINO COSTA (MANDADO DE PRISÃO 1002157-36.2021.8.11.0025.01.0051-18 - EXPEDIDO PELA SÉTIMA VARA CRIMINAL DE CUIABÁMT), DILIGENCIAMOS ATÉ O ENDEREÇO CITADO NO REFERIDO MANDADO (RUA TORIXORÉU, Nº 56, MÓDULO 05), PORÉM O SUSPEITO NÃO SE ENCONTRAVA NO LOCAL. LOGO, INDAGAMOS SEUS FAMILIARES, E FOMOS INFORMADOS QUE RAFAEL TERIA PERNOITADO EM UMA KITNET,SITUADA NA RUA VIRGÍLIO DA SILVA, EM FRENTE A SUB ESTAÇÃO DE ENERGIA, BAIRRO MÓDULO 05. ASSIM, DILIGENCIAMOS ATÉ AO LOCAL, ONDE FOI DADO CUMPRIMENTO AO MANDADO DE PRISÃO PREVENTIVA EM DESFAVOR DE RAFAEL. O SUSPEITO ESTAVA SENDO MONITORADO HAJA VISTA SER ALVO EM OUTRAS INVESTIGAÇÕES EM ANDAMENTO RELACIONADAS A TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS, ALÉM DE ENVOLVIMENTO COM A ORCRIM COMANDO VERMELHO, FACÇÃO CRIMINOSA QUE TENTA IMPOR O MONOPÓLIO DO TRÁFICO DE DROGAS NA REGIÃO DE JUÍNA. ASSIM TÍNHAMOS INFORMAÇÕES QUE RAFAEL ESTAVA FREQUENTANDO ASSIDUAMENTE UM APARTAMENTO LOCALIZADO NA AVENIDA CUIABÁ, BAIRRO MÓDULO 05, EM FRENTE A IGREJA CATÓLICA. INDAGADO A RESPEITO DO FATO, RAFAEL INFORMOU QUE NESTE LOCAL, NO PRIMEIRO APARTAMENTO A DIREITA SUBINDO A ESCADA, ESTARIAM HOMIZIADOS DOIS COMPARSAS, SENDO QUE ESTES ESTARIAM EM POSSE DE GRANDE QUANTIDADE DE ENTORPECENTES, QUE SERIAM DISTRIBUÍDOS PARA AS "LOJINHAS" (PONTOS DE VENDA DE DROGAS QUE POSSUEM AUTORIZAÇÃO DA FACÇÃO PARA VENDER ENTORPECENTES), OU SEJA, SERIAM OS RESPONSÁVEIS PELA GUARDA DE ENTORPECENTES DA FACÇÃO CV-MT EM JUÍNA. COMO O LOCAL JÁ ESTAVA SENDO MONITORADO POR ESTA EQUIPE, E DE POSSE DAS INFORMAÇÕES REPASSADAS POR RAFAEL, ALÉM DO PRINCIPIO DA OPORTUNIDADE, DILIGENCIAMOS ATÉ AO LOCAL, ONDE AO CHEGARMOS EM FRENTE A PORTA DE GRADE QUE DÁ ACESSO AOS APARTAMENTOS QUE FICAM NO SEGUNDO ANDAR, VISUALIZAMOS UM SUSPEITO QUE POSTERIORMENTE FOI IDENTIFICADO COMO LUCAS EDUARDO DOS SANTOS (ALCUNHA PAIZÃO), QUE ESTAVA DESCENDO A ESCADA DE POSSE DE DUAS MOCHILAS, SENDO QUE AO VISUALIZAR A EQUIPE POLICIAL RETORNOU CORRENDO EM DIREÇÃO CONTRÁRIA E DEIXOU CAIR UMA DAS MOCHILAS (A DE COR VERDE), SENDO QUE A EQUIPE CONSTATOU QUE ESTA MOCHILA CONTINHA EM SEU INTERIOR VARIAS PORÇÕES GRANDES DE SUBSTÂNCIA ANÁLOGA A MACONHA (APROXIMADAMENTE QUATRO KILOS), ALÉM DE TRÊS BALANÇAS DE PRECISÃO. EM CONTINUIDADE, O SUSPEITO ENTROU DENTRO DO APARTAMENTO NÚMERO 01, ONDE FOI VERBALIZADO DURANTE VÁRIAS VEZES PARA QUE ABRISSE A PORTA, PORÉM ELE SE NEGOU, E DIANTE DO FLAGRANTE DELITO, FOI NECESSÁRIO REALIZAR O ARROMBAMENTO DA PORTA, SENDO QUE AO ADENTRARMOS AO LOCAL, O SUSPEITO LUCAS EDUARDO, JUNTAMENTE COM O SUSPEITO CAUÃ DE SOUZA GONÇALVES FORAM LOCALIZADOS DENTRO DO BANHEIRO DE POSSE DA OUTRA MOCHILA (COR ROSA/FLORADA), E AMBOS ESTAVAM TENTANDO DESCARTAR OS ENTORPECENTES DO TIPO PASTA BASE DE COCAÍNA E COCAÍNA PURA, ARREMESSANDO-OS DENTRO DO VASO SANITÁRIO, PORÉM FORAM IMPEDIDOS PELA EQUIPE POLICIAL. DENTRO DESTA SEGUNDA MOCHILA, FORAM LOCALIZADAS VARIAS PORÇÕES DE SUBSTANCIAS ANÁLOGAS A PASTA BASE, VARIAS PORÇOES DE SUBSTANCIA ANÁLOGA A COCAÍNA, PINOS PARA ACONDICIONAMENTO DE ENTORPECENTES, UMA MUNIÇÃO CALIBRE 22 INTACTA, ALÉM DE VALORES EM ESPÉCIE. EM CONVERSA COM AMBOS, RELATARAM QUE VIERAM RECENTEMENTE DE BRASNORTE PARA CIDADE DE JUÍNA POR ORDENS DA FACÇÃO COMANDO VERMELHO, E SERIAM OS RESPONSÁVEIS PELA GUARDA DOS ENTORPECENTES QUE SERIAM POSTERIORMENTE REPASSADOS PARA OUTROS TRAFICANTES. RELATARAM QUE AO FICAREM SABENDO DA OPERAÇÃO POLICIAL QUE ESTAVA ACONTECENDO NA CIDADE DE JUÍNA (OPERAÇÃO DENOMINADA CONEXÃO 15) IRIAM RETIRAR OS ENTORPECENTES DAQUELE LOCAL E ESCONDERIAM OS ILÍCITOS EM UMA REGIÃO DE MATO, ATÉ QUE ACABASSEM A REFERIDA OPERAÇÃO POLICIAL. OBS: RAFAEL JA RESPONDEU PROCEDIMENTO POR LESÃO CORPORAL DOLOSA (VIOLÊNCIA DOMÉSTICA), LUCAS EDUARDO JA CUMPRIU PENA POR HOMICIDIO CONSUMADO...” A autoridade judicial ao rejeitar a mencionada preliminar destacou que: “1. DA PRELIMINAR DE NULIDADE Arguiu a Defesa a nulidade do processo por ingresso domiciliar irregular, justificando ausência de denúncias que teriam configurado a fundada suspeita e/ou as diligências preliminares. Não merece prosperar a ilegalidade arguida pela Defesa quanto o ingresso na residência pelos policiais, questão já objeto de decisão anterior no APF n. 1001241-31.2023.8.11.0025. É que no caso, o ingresso na residência dos acusados foi pautado na melhor oportunidade fática já que a delação levada a cabo por RAFAEL FAUSTINO COSTA se deu no curso do cumprimento de um mandado de busca e apreensão e mandado de prisão expedido em desfavor dele, ocasião em que ele indica o local onde a droga estaria guardada na posse dos seus comparsas, tratando-se de crime permanente, cuja consumação avança no tempo, permanecendo sempre em um estado de flagrante. Naquela ocasião, a equipe policial deslocou-se até as imediações do apartamento e quando se aproximaram da escada avistam o acusado LUCAS já correndo e deixando para trás uma mochila, vindo a se trancar no banheiro do apartamento, conformem narram os policiais Azael, como se verá no momento da análise do mérito. Do ponto de vista das inter-relações entre o indivíduo e o Estado, e é disso que o tema trata, a discussão perpassa necessariamente pela compreensão de um dos três principais dualismos apontados por DALMO DE ABREU DALLARI, a saber: necessidade versus possibilidade; indivíduos versus coletividade; liberdade versus autoridade: "(...) para que a dinâmica social se oriente no sentido de um fim determinado, será preciso coordenar a atuação dos indivíduos e dos grupos sociais, sendo indispensável, portanto, o estabelecimento e a preservação de uma ordem, o que implica a possibilidade de coagir. Este é um dos mais difíceis problemas das decisões políticas: o encontro do equilíbrio entre a liberdade e a autoridade. Mantendo-se a liberdade ilimitada, como um valor supremo que não pode ser restringido por qualquer outro, uma vez que nenhum lhe é superior, será bem difícil a preservação da ordem e, consequentemente, da coordenação em função de fins. Entretanto, se essa consideração levar ao excesso de restrições à liberdade, para que seja assegurada com a máxima eficácia a preservação da ordem, esta acaba perdendo o caráter de meio para se converter em fim. E então será uma ordem maléfica, por se constituir um empecilho à consecução dos valores fundamentais da pessoa humana, entre os quais se inscreve a liberdade". (Elementos de Teoria Geral do Estado. 20 ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 130) Voltando os olhos ao vertente caso, não seria mesmo razoável parar uma diligência que estava em pleno desenvolvimento, com o alvo Rafael apontando a residência onde estaria armazenada a droga e os demais comparsas, e exigir que a Autoridade Policial representasse por uma nova ordem judicial para só então seguir no encalço dos novos suspeitos, os quais já poderiam ter conhecimento da operação em curso e desfazerem-se da droga, com risco de completa perda de objeto da operação. É preciso fixar a premissa de que essa discussão "NÃO SE TRADUZ, OBVIAMENTE, EM TRANSFORMAR O DOMICÍLIO EM SALVAGUARDA DE CRIMINOSOS, TAMPOUCO UM ESPAÇO DE CRIMINALIDADE” (Resp n. 1.574.681 – RS), cujo âmbito de proteção da norma é a garantia de direitos fundamentais, tanto mais quando os policiais mencionaram que encontraram CAUÃ já dentro do banheiro dispersando drogas. Na visão do juízo, é aqui que se encontra o ponto de equilíbrio lembrado por DALLARI, exigindo um olhar panorâmico para todo o quadro concreto, distinguindo-se, de um lado, a discricionariedade da polícia com ingresso domiciliar baseado em mera intuição ou subjetividades e, de outro lado, as fundadas razões, esta última pautada em circunstâncias concretas. Ainda que não se aplicasse a recente decisão do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no RE 1.447.374, em que o Min. Relator ALEXANDRE DE MORAES considerou uma inovação em matéria constitucional pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA exigir diligência investigatória prévia para legitimar o ingresso policial, fato é que mesmo aplicando a jurisprudência do Corte Cidadã vislumbro acerto na conduta dos policiais. Afinal, o caso concreto não só havia uma investigação prévia como estava em pleno desenvolvimento, momento em que cumpria mandado oriundo da Vara do Crime Organizado da Capital em face do alvo Rafael, este que apontou a residência, levando a apreensão de drogas e balança, de modo que esse conjunto de circunstâncias que antecederam a violação do domicílio evidenciam, "de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões" (HC n. 598.051/SP, da relatoria do Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ). Por fim, o alvo dos mandados de prisão e de busca e apreensão pela Vara Especializada em Crime Organizado da Capital, a pessoa de RAFAEL, arrolado como testemunha defensiva,disse que não delatou Lucas e Cauã, sugerindo que o relato policial foi um meio de forjar o ingresso na residência daqueles. Ocorre que para emprestar credibilidade a tal relato é preciso imaginar como factível que a Autoridade Policial já sabia previamente do local e dos comparsas, mas não formula uma representação como fizera em face daquele alvo (Rafael). Ante o exposto, REJEITO a preliminar e passo a análise do mérito...” (id. 238591826). Nesse cenário, verifica-se que os policiais agiram no estrito cumprimento do dever legal, sem violar quaisquer garantias constitucionais. Conforme bem relatado pelo juízo sentenciante, os agentes de segurança tiveram fundadas razões para ingressar na residência dos apelantes, uma vez que, durante cumprimento de mandado de busca e apreensão, o investigado Rafael Faustino Costa delatou que os recorrentes estariam guardando grande quantidade de drogas naquele mesmo endereço para distribuição. Demais disso, o ingresso dos policiais foi precedido e justificado posteriormente pela observação de elementos concretos que reforçaram as suspeitas, como o fato de um dos apelantes ter sido visto descendo as escadas com duas mochilas e, ao perceber a presença dos agentes, correr em direção contrária deixando cair uma das mochilas contendo considerável quantidade de droga. Naquilo que concerne à revista pessoal, é importante registrar que de acordo com o artigo 240, §2º, do Código de Processo Penal, “proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior”. Assim sendo, a busca pessoal poderá ser realizada para, dentre outros objetivos, descoberta de objetos necessários à comprovação de prática delitiva ou de qualquer elemento de convicção. Acrescente-se a este ponto a disposição do artigo 244 da Lei Processual Penal: “A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar”. Atentos aos vários pontos trazidos neste recurso entendem necessário destacar brilhante posicionamento doutrinário acerca das motivações aptas a autorizarem a busca pessoal, pois “há que se pontuar, também, a necessidade de se conter atuações seletivas (escolhas arbitrárias de determinadas pessoas) do aparelho estatal, muitas vezes acobertadas por juízos discriminatórios e inconfessáveis. É dizer: deve a autoridade policial se encontrar apta a justificar a sua atuação, no âmbito de sua corporação, e ao nível do estrito cumprimento do dever legal” (FISCHER, Douglas; PACELLI, Eugênio. Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. Disponível em: Grupo GEN, (12th edição). Grupo GEN, 2020, p. 611). Assim, demonstra a existência de fundadas razões (justa causa) que indicavam estar ocorrendo, no interior do imóvel, situação de flagrante delito, confirmada com o ingresso no local, motivo pelo qual descabe a alegação de nulidade do ato, diante da demonstração da justa causa para o ingresso no domicílio sem autorização judicial. Portanto, os policiais realizaram a busca domiciliar por terem fundadas razões para suspeitar de situação de flagrante do crime de tráfico de drogas, após um dos apelantes ter empreendido fuga para o interior da residência para se furtar à operação policial, deixando para trás uma mochila com determinada quantidade de substância entorpecente. Neste sentido: “EMENTA Agravo regimental em habeas corpus. Tráfico de drogas. Alegação de violação de domicílio. Existência de fundada suspeita. Fuga para o interior da residência ao perceber a presença da polícia. Conclusão das instâncias ordinárias. Reexame de fatos e provas. Não cabimento de habeas corpus. Ausência de ilegalidade ou de teratologia. Decisão agravada em harmonia com entendimento consolidado pela Suprema Corte. Reiteração dos argumentos expostos na inicial, os quais não infirmam os fundamentos da decisão agravada. Manutenção da decisão por seus próprios fundamentos. Agravo ao qual se nega provimento. 1. A decisão ora atacada não merece reforma, uma vez que seus fundamentos se harmonizam estritamente com o entendimento consolidado pela Suprema Corte. 2. O presente recurso mostra-se inviável, na medida em que contém apenas a reiteração dos argumentos de defesa anteriormente expostos, sem, no entanto, revelar quaisquer elementos capazes de afastar as razões expressas na decisão agravada, a qual deve ser mantida por seus próprios fundamentos. 3. Agravo ao qual se nega provimento.” (HC 250150 AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 22-02-2025, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 25-02-2025 PUBLIC 26-02-2025). Assim, a tentativa de fuga para dentro de casa ao avistar os agentes públicos constitui justa causa para que os agentes ingressem no domicílio mesmo à noite, sem mandado judicial ou autorização expressa do suspeito ou do proprietário da residência (STF – AgReg no RE nº 1.466.339 – 1ª Turma – Relator Ministro Alexandre de Moraes – Julgamento em 08.01.2024 – Publicação em 09.01.2024). Neste contexto, sendo permanente o crime de tráfico e havendo fundadas razões para ingresso na residência dos apelantes, a busca domiciliar no imóvel, na espécie, não configura contrariedade ao inciso XI do artigo 5º da Constituição da República. Como ressaltado pelo Ministro Alexandre de Moraes no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo n. 1.430.436, “o entendimento adotado pelo STF impõe que os agentes estatais devem nortear suas ações, em tais casos, motivadamente e com base em elementos probatórios mínimos que indiquem a ocorrência de situação flagrante. A justa causa, portanto, não exige a certeza da ocorrência de delito, mas, sim, fundadas razões a respeito” (DJe 6.6.2023). Em casos análogos, o Supremo Tribunal tem afastado a alegação de ilicitude de provas nos casos de crime permanente quando há justa causa para o ingresso na residência. Assim, por exemplo: “PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA (ART. 16, § 1º, IV, DA LEI 10.826/2003). BUSCA DOMICILIAR. FUNDADAS RAZÕES PARA O INGRESSO NO IMÓVEL DEVIDAMENTE COMPROVADAS A POSTERIORI. OBSERVÂNCIA DAS DIRETRIZES FIXADAS POR ESTA SUPREMA CORTE NO JULGAMENTO DO TEMA 280 DA REPERCUSSÃO GERAL. ACÓRDÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM DESCONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO. 1. O alcance interpretativo do inciso XI, do artigo 5º da Constituição Federal foi definido pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, na análise do RE 603.616/RO (Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 10/5/2016, Tema 280 de Repercussão Geral), a partir, exatamente, das premissas da excepcionalidade e necessidade de eficácia total da garantia fundamental; tendo sido estabelecida a seguinte TESE: ‘A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados.’ 2. A atitude suspeita do acusado e a fuga para o interior de sua residência ao perceber a presença dos policiais, que se deslocaram até a região após o recebimento de denúncia anônima acerca da prática delituosa, evidenciam a existência de justa causa para o ingresso domiciliar, que resultou na apreensão de ‘um revólver, marca Rossi, calibre 38, com numeração suprimida, e duas munições calibre 38 intactos’. 3. O entendimento adotado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL “PENAL. PROCESSO impõe que os agentes estatais devem nortear suas ações, em tais casos, motivadamente e com base em elementos probatórios mínimos que indiquem a ocorrência de situação flagrante. A justa causa, portanto, não exige a certeza da ocorrência de delito, mas, sim, fundadas razões a respeito. Precedentes. 4. Agravo Regimental a que se nega provimento” (RE n. 1.459.386-AgR, Relator o Ministro Cristiano Zanin, Redator para o acórdão o Ministro Alexandre de Moraes, Primeira Turma, DJe 9.5.2024). Ademais, não há nos autos qualquer motivo para se duvidar do depoimento dos policiais, haja vista que não há qualquer indício que possa indicar que tivessem interesse em alterar a verdade dos fatos, ausente razão para que buscassem deliberadamente prejudicar os apelantes. Portanto, não há que se falar, em ilegalidade na busca pessoal e domiciliar realizada na residência, conquanto existiam fundadas suspeitas que autorizavam o ingresso no imóvel. Não se pode olvidar, ademais, que o tráfico ilícito de entorpecentes é crime de natureza permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, nos termos do art. 303 do Código de Processo Penal. Vejamos jurisprudências aplicáveis em casos tais: “APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE DROGA – TRÊS ACUSADOS – DOIS ACUSADOS CONDENADOS E OUTRO ABSOLVIDO – IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL E DEFENSIVA –1. PRELIMINAR DEFENSIVA DE UM APELANTE – NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS ATRAVÉS DE BUSCA DOMICILIAR – INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO – DESCABIMENTO – DILIGÊNCIA POLICIAL – PRESENÇA DE JUSTA CAUSA – ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS – SERENDIPICIDADE – INEXISTÊNCIA DE VÍCIO – 2. (...) CONDENAÇÃO MANTIDA – PRELIMINAR REJEITADA E, NO MÉRITO, RECURSO MINISTERIAL PROVIDO E RECURSO DEFENSIVO DESPROVIDO, DE ACORDO COM O PARECER DA D. PGJ. 1. Válida a busca domiciliar, ante a existência de justa causa advinda de perseguição de pessoa em fuga, o qual estava se homiziado na residência da Apelante, não podendo ser em casos tais, consideradas ilícitas as provas do crime de tráfico de drogas no local encontradas fortuitamente, em respeito ao fenômeno da serendipicidade. 2. (...) (N.U 1002234-72.2022.8.11.0037, Câmaras Isoladas Criminais, Rondon Bassil Dower Filho, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 15/02/2023, Publicado no DJE 07/03/2023). Assim, não há que se falar em nulidade da busca e apreensão realizada na residência dos apelantes. Portanto, considerando que no caso concreto havia justa causa para a entrada dos milicianos na residência, deve-se levar em consideração a perpetuidade do estado de flagrância do delito de tráfico de entorpecentes, bem como a desnecessidade de mandado de busca e apreensão ou consentimento dos moradores para ingresso na residência. Por tais fundamentos, REJEITO a preliminar suscitada, por não vislumbrar situação de ilegalidade apta a tornar ilícitas as provas obtidas com a busca domiciliar realizada pelos agentes. VOTO MÉRITO. DA ABSOLVIÇÃO DOS DELITOS DE TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE ENTORPECENTES A materialidade do crime de tráfico ilícito de entorpecente está demonstrada através do auto de prisão em flagrante delito, boletins de ocorrência, auto circunstanciado, termos de depoimentos, termo de exibição e apreensão, fotos, laudo de constatação de entorpecente, devidamente assinado por perito oficial criminal, bem como relatório policial, relatório de degravação e termos de interrogatórios. No tocante a autoria também é incontroversa em relação aos acusados. Ainda, o conjunto probatório é farto de provas desfavor dos denunciados. Isto porque, o depoimento da testemunha policial em Juízo, bem como em sede policial, encontra-se em harmonia com o arcabouço probatório coligido aos autos e são suficientes para ensejar o decreto condenatório. Vejamos: O apelante Lucas Eduardo dos Santos, na fase judicial, CONFESSOU o crime relatando em resumo, que foi preso com droga, balança e munições, alegando que o coacusado Cauã não teria envolvimento com o crime e que ele não teria sequer conhecimento de que na residência havia drogas, o qual estava apenas passando uns dias na residência à procura de emprego. Ainda, afirmou que as drogas e a balança de precisão eram de sua responsabilidade, rememorando que recebeu a droga de uma terceira pessoa, dizendo que a droga estava em mochilas num canto embaixo da cama e não espalhadas na residência como teriam relatado os policiais, enfatizando que em uma mochila havia mais de 04 (quatro) kg de maconha e na outra as balanças de precisão, uma munição de calibre .22 e os entorpecentes químicos, acrescentando que estava com as drogas há 03 (três) dias, negando que estivessem trancados dentro banheiro. Também afirmou que estava em Juína porque recebeu uma proposta de receber o valor de R$ 3.000,00 mil reais para receber uma bolsa, guardar alguns dias e resolver uma “situação”, cuja “situação” foi entregue por uma pessoa desconhecida em uma moto vermelha, ocasião em que lhe entregou o dinheiro e informou onde estavam escondidas as mochilas, ressaltando que era apenas um intermediário das drogas. Sobre as conversas e mídias degravadas, o acusado LUCAS afirmou que os dois telefones apreendidos eram seus e não do CAUÃ, o qual assumiu em razão de pressão psicológica, justificando que emprestou um aparelho para Cauã falar com a mãe dele, cujas conversas relacionadas à droga estavam arquivadas para ele não ver e eram enviadas de uma aparelho para o outro como uma espécie de Backup, sustentando que havia fotos do entorpecente com embalagens e sem embalagens para fins de acerto com o fornecedor de drogas. Entretanto, a testemunha AZAEL NOGUEIRA, Policial Civil, relatou em juízo, que investigava um grupo criminoso que atuava em Juína, culminando em relatórios investigativos, de modo que quando deflagrou a operação tinha como alvo a pessoa de Rafael, mas durante o cumprimento do mandado de prisão em desfavor dele obtiveram informação de que os entorpecentes da OrCrim estavam em outro local, em uma kitinet próximo ao CISC, no módulo 5, com as pessoas de Lucas e Cauã, ambos de Brasnorte, e que teriam vindo para Juína a mando da OrCrim. Assim, de posse das informações foram até o local. Ainda, destacou que a Kitinet ficava no segundo andar e quando estavam se aproximando da escada avistaram uma pessoa descendo com uma mochila, identificando posteriormente por LUCAS, este que correu e deixou cair uma mochila, sendo localizado no seu interior aproximadamente 04 QUILOS DE MACONHA. Em continuidade, relatou que LUCAS entrou no apartamento e fechou a porta, sendo necessário proceder ao arrombamento, e já no interior da residência encontraram vasto entorpecente (“maconha, cocaína, cocaína pura”), bem como munição calibre .22, encontrando mais uma mochila contendo balanças de precisão, ocasião em que LUCAS assumiu ser o responsável por distribuir a droga para as “lojinhas” (boca de fumo). O Policial Civil relatou que havia uma terceira pessoa que seria superior aos acusados, cujo contato dela estava salvo com “CR” no celular do Lucas, cujos acusados eram subordinados a ela passava as ordens para eles, tais como onde deveriam distribuir a droga, o nome das pessoas, valores que tinham que receber, afirmando que os acusados vieram para Juína para distribuir entorpecentes. No apartamento onde Lucas e Cauã estavam eles tentaram descartar entorpecente no vaso sanitário, além disso, havia entorpecente no quarto e outros objetos espalhados. Por fim, ressaltou que ambos tentaram dispersar o entorpecente, acrescentando que havia entorpecente embalado em embalagem grande e outras pequenas. Nesse contexto apesar do apelante CAUÃ ter negado a traficância, destaca-se que além da droga ter sido encontrada na residência de ambos (maconha, cocaína pura e balança de precisão), o Relatório de Degravação evidencia que no dia 24 de abril de 2023 CAUÃ envia 16 fotos de entorpecentes para Lucas Eduardo (maconha e pasta base de cocaína), pesadas em balanças de precisão. Nada obstante, a tentativa de afastar o apelante Cauã da autoria delitiva, observa-se que Cauã estava na posse do aparelho celular, inclusive, desbloqueando-o para a Autoridade Policial espontaneamente. Sobre esse ponto, confira-se o trecho do relato de CAUÃ na fase extrajudicial (Id. 118709335): “(...) QUE o interrogando entregou aos policiais civis SEU aparelho de celular, sendo um Redimi de cor vermelha, e forneceu a senha aos investigadores; QUE o outro aparelho de cor azul Sansung é do Lucas, assim como o dinheiro encontrado e a balança de precisão.” Nesse contexto, o Relatório de Degravação n. 033/2023 que os diálogos revelam nitidamente a traficância e associação para o tráfico entre os apelantes, peço vênia para transcrever em parte os diálogos mencionados no aludido relatório: “No diálogo 01 é verificado uma associação criminosa nítida entre Lucas Eduardo e Cauã para prática do tráfico ilícito de drogas. No dia 24/04/2023, entre 12:53:27 e 12:53:32, Cauã envia para Lucas Eduardo dezesseis (16) imagens contendo substâncias entorpecentes, maconha e pasta base de cocaína, pesadas em balanças de precisão, ambas das marcas Tomate e Casita, cores branca. A quantidade de droga pesada salta aos olhos quando comparado a pesagem que somada chega ao total de 10,5 quilos de maconha e 894 gramas de pasta base de cocaína. Entre as 14:48:23 e 15:57:05, CAUÃ entermedia uma aquisição de entorpecentes, “mercadoria”, feita por Nayara Karoline Ribeiro Baranoski, e determinando que Lucas Eduardo entregue a droga para ela. No áudio AUD-20230424-WA0024.opus ouvese claramente Nayara Karoline demandando que fosse entregue 20 gramas pasta base de cocaína, “rai” e 200 gramas de maconha, “braw”, em um local no fundo de uma distribuidora de botijão de gás, no bairro módulo 06, cidade de Juína. Desse modo, a resta confirmado que a droga seria entregue para Nayara quando Lucas Eduardo afirma por meio áudio 6dec673c7b90445aa35dc217057f92ac.opus: "Já vo lá soltá o dela agora!". No aúdio 80ba75615b3846bc896ba8e25b4b4654.opus, 24/04/2023 às 17:43:18, observa mais uma comercialização de entorpecente realizada para outro comprador, quando Lucas Eduardo diz “E aí velho, oh, o cara aqui pegô... falô que era só cem pra ele, não era duzento não! ". No dia 25/04/2023, às 11:49:32, Lucas Eduardo afirma para Cauâ que um comprador denominado “Cuiabano” queria adquirir 100 gramas de “chá”, termo este usado para se referir ao entorpecente de maconha. Por fim, às 12:57:00, por meio de comprovante de PIX no valor de 300 reais restou comprovado que Nayara Karoline Ribeiro Baranoski, vulgo “MANA GG” pagou a droga adquirida com Lucas Eduardo e Cauã”. (Id. 120646679) Destarte, não há nos autos nenhum motivo para desacreditar nos depoimentos dos agentes de segurança, uma vez que foram ouvidos sob compromisso de dizerem a verdade e sob o crivo do contraditório, além do que não há nos autos nenhum elemento concreto que deponha contra a lisura das ações praticadas pela força de segurança (precedentes do STJ). A palavra dos agentes públicos, quando coerente com as demais provas produzidas nos autos, é apta a embasar o decreto condenatório, consoante tem decidido esta Corte: "Os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal." (Enunciado Criminal 8 do TJMT) Nessas hipóteses, é certo que “a palavra dos policiais, séria, coerente e convincente, é prova idônea a embasar o juízo condenatório, mormente inexistindo qualquer elemento probatório indicativo de que tivessem motivos ou justificativas para prejudicar indevidamente o réu” (TJMT; APL 83559/2018; Rel. Des. Paulo da Cunha; Julg. 04/12/2018; DJMT 07/12/2018; Pág. 133). No mesmo sentido: TJMT – APL 55246/2018. Portanto, os elementos de convicção são firmes e seguros quanto à existência dos delitos e suas autorias, estando devidamente fundamentada a condenação dos apelantes nos termos da exordial acusatória. DA ABSOLVIÇÃO PELO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO Improcede, ainda, o pleito de absolvição exclusivamente em relação ao delito de associação para o tráfico de drogas (art. 35 da Lei nº 11.343/2006). Com efeito, para a configuração deste tipo penal, faz-se necessária a demonstração concreta do vínculo permanente e estável entre duas ou mais pessoas para a prática reiterada do tráfico ilícito, com divisão de tarefas e atuação coordenada. No presente caso, o conjunto probatório produzido deixa evidenciado o vínculo associativo entre Lucas Eduardo dos Santos e Cauã de Souza Gonçalves com fins de realizar o comércio de entorpecentes de forma contínua e habitual. A associação entre LUCAS e CAUÃ está devidamente caracterizada por toda droga apreendida no interior do imóvel em que estavam e pela quantidade de substância entorpecente apreendida na residência, o que demonstra estarem devidamente associados para comercializarem e distribuírem drogas por toda cidade de Juína. Conforme destacado pelo juízo sentenciante, os depoimentos dos policiais civis e militares, em consonância com o relatório de extração e degravação de dados, atestam que os apelantes estavam associados com uma terceira pessoa hierarquicamente superior, tendo inclusive divisão de tarefas inerentes ao tráfico de drogas. Some-se a isso o fato de os recorrentes serem naturais de cidade diversa (Brasnorte) e terem se deslocado exclusivamente para Juína a fim de promover a distribuição de drogas por determinação de organização criminosa. Ademais, a grande quantidade de entorpecentes apreendida no interior do apartamento onde foram presos demonstra serem os apelantes responsáveis por abastecer diversas "bocas de fumo" na região. Nesse contexto, não pairam dúvidas acerca do vínculo estável e permanente visando à prática reiterada do tráfico ilícito, conforme jurisprudência consolidada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça: "PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO E PROBATÓRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA CONFIGURADAS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] 3. No tocante ao delito do art. 35, caput, da Lei de Drogas, para a caracterização do crime de associação criminosa, é imprescindível a demonstração concreta do vínculo permanente e estável entre duas ou mais pessoas, com a finalidade de praticarem os delitos de tráfico, o que ocorreu na presente hipótese com a descrição da divisão de tarefas entre os corréus." (AgRg no HC 886.490/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 23/05/2024, DJe 23/05/2024) Além disso, também ficou evidenciado o liame associativo dos apelantes, mediante verdadeiro compartilhamento de tarefas. Destarte, ante a robustez da prova, não merece acolhida a pretensão absolutória no que concerne ao delito previsto no artigo 35 da Lei de Drogas. DA DOSIMETRIA DA PENA E DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO Quanto à dosimetria da pena, compulsando detidamente a sentença objurgada, verifica-se que o magistrado sentenciante procedeu a minuciosa análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, fundamentando adequadamente as frações de aumento aplicadas na primeira fase da dosimetria. Peço vênia para transcrever a dosimetria da pena realizada pela autoridade judicial: “Passo a dosimetria de pena 1. LUCAS EDUARDO DOS SANTOS 1.1) TRÁFICO DE DROGAS Dosimetria da pena de reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. 1ª FASE Circunstâncias graves, isso porque foram apreendidas na residência 47 porções totalizando 3.923g de maconha e 54 porções totalizando 504g de cocaína (Laudo Pericial acostado em id. 118893224), apresentando além da quantidade de drogas apreendida variedade, resultando grande dano à coletividade (TEMA 712, STJ). Nesse ponto, NUCCI ressalta que “a natureza e quantidade da substância (entendendo-se o material utilizado no preparo da droga) ou do produto (a droga produzida de algum modo) fazem parte das circunstâncias e das conseqüências do crime, elementos também constantes do art. 59 do Código Penal.”[2] Por fim, e considerando que as demais circunstâncias do art. 59 são inerentes ao tipo penal, APLICO a fração de 1/6 para agravar a pena[3] e FIXO uma pena base de 5 anos e 10 meses de reclusão e 583 dias-multa. 2ª FASE Reconheço a atenuante da CONFISSÃO, bem como reconheço a atenuante da MENORIDADE RELATIVA, mantendo a pena no mínimo legal, ante a vedação da Súmula 231 do STJ, FIXANDO uma pena intermediária em 5 anos de reclusão e 500 dias-multa 3ª FASE Inexiste causa de aumento. Por outro lado, resta comprovado ser o acusado primário, de bons antecedentes e que não se dedicava às atividades criminosas ou integrava organização criminosa, fazendo jus à concessão do beneficio elencado no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, razão por que DIMINUO a reprimenda em 1/6, alcançando uma pena provisória de 4 anos e 2 meses de reclusão e 416 dias-multa. Nesse ponto, importante frisar que a margem de diminuição de 1/6 a 2/3 transita por várias frações possíveis de serem levados em conta pelo juiz, quais sejam, exemplificativamente: 2/3, 3/5, 1/2, 2/5, 1/3, 1/4, 1/5 e 1/6. No caso dos autos, utilizando-se o critério da quantidade razoável de entorpecente e variedade, afigura-se razoável a fração de 1/6. No sentido tem entendido o STJ. Confira-se: ... Portanto, TORNO DEFINITIVA a pena de 4 anos e 2 meses de reclusão e 416 dias-multa, como necessária e suficiente para a prevenção e repressão do crime. 1.2) ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO Dosimetria da pena de reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa. As circunstâncias do art. 59 são inerentes ao tipo penal, razão pela qual FIXO a pena base em 3 (três) anos de reclusão e 700 dias-multa e, à míngua de causas modificadoras na segunda e terceira fase, FIXO a PENA DEFINITIVA em 3 (três) anos de reclusão e 700 dias-multa. FIXO o valor do dia-multa em 1/30 do salário mínimo vigente, como sendo medida necessária e suficiente para a prevenção e repressão dos crimes. 1.3) CONCURSO MATERIAL Tendo havido concurso material, somam-se as penas de todos os crimes, excetuando-se as que são puníveis com detenção. Assim, encontro uma pena total DEFINITIVA de 7 anos e 2 meses de reclusão e 1116 dias-multa, considerando-a como medida necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. 2. CAUA DE SOUZA GONCALVES 2.1) TRÁFICO DE DROGAS - Dosimetria da pena de reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. 1ª FASE Circunstâncias graves, isso porque foram apreendidas na residência 47 porções totalizando 3.923g de maconha e 54 porções totalizando 504g de cocaína (Laudo Pericial acostado em id. 118893224), apresentando além da quantidade de drogas apreendida variedade, resultando grande dano à coletividade (TEMA 712, STJ). Nesse ponto, NUCCI ressalta que “a natureza e quantidade da substância (entendendo-se o material utilizado no preparo da droga) ou do produto (a droga produzida de algum modo) fazem parte das circunstâncias e das conseqüências do crime, elementos também constantes do art. 59 do Código Penal.”[4] Por fim, e considerando que as demais circunstâncias do art. 59 são inerentes ao tipo penal, APLICO a fração de 1/6 para agravar a pena[5] e FIXO uma pena base de 5 anos e 10 meses de reclusão e 583 dias-multa. 2ª FASE Reconheço atenuante da MENORIDADE RELATIVA, mantendo a pena no mínimo legal, ante a vedação da Súmula 231 do STJ, FIXANDO uma pena intermediária em 5 anos de reclusão e 500 dias-multa 3ª FASE Inexiste causa de aumento. Por outro lado, resta comprovado ser o acusado primário, de bons antecedentes e que não se dedicava às atividades criminosas ou integrava organização criminosa, fazendo jus à concessão do beneficio elencado no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, razão por que DIMINUO a reprimenda em 1/6, alcançando uma pena provisória de 4 anos e 2 meses de reclusão e 416 dias-multa. Nesse ponto, importante frisar que a margem de diminuição de 1/6 a 2/3 transita por várias frações possíveis de serem levados em conta pelo juiz, quais sejam, exemplificativamente: 2/3, 3/5, 1/2, 2/5, 1/3, 1/4, 1/5 e 1/6. No caso dos autos, utilizando-se o critério da quantidade razoável de entorpecente e variedade, afigura-se razoável a fração de 1/6. No sentido tem entendido o STJ. Confira-se: ... Portanto, TORNO DEFINITIVA a pena de 4 anos e 2 meses de reclusão e 416 dias-multa, como necessária e suficiente para a prevenção e repressão do crime. 2.2) ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO Dosimetria da pena de reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa. As circunstâncias do art. 59 são inerentes ao tipo penal, razão pela qual FIXO a pena base em 3 (três) anos de reclusão e 700 dias-multa e, à míngua de causas modificadoras na segunda e terceira fase, FIXO a PENA DEFINITIVA em 3 (três) anos de reclusão e 700 dias-multa. FIXO o valor do dia-multa em 1/30 do salário mínimo vigente, como sendo medida necessária e suficiente para a prevenção e repressão dos crimes. 2.3) CONCURSO MATERIAL Tendo havido concurso material, somam-se as penas de todos os crimes, excetuando-se as que são puníveis com detenção. Assim, encontro uma pena total DEFINITIVA de 7 anos e 2 meses de reclusão e 1116 dias-multa, considerando-a como medida necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. FIXO o valor do dia-multa em 1/30 do salário mínimo, tendo em vista a situação econômica dos réus, nos termos do artigo 60 do CP, como necessária e suficiente para a prevenção e repressão do crime. A pena de ambos deverá ser cumprida em regime inicialmente SEMIABERTO, nos termos do art. 33, § 2º, “b”, do CP, devendo estes serem colocados imediatamente em liberdade uma vez que o regime de pena é incompatível com a prisão, EXPEDINDO-SE o competente ALVARÁ DE SOLTURA para os acusados. Por conta do quantum da pena, não é o caso de substituição por restritiva de direito ou de aplicação do sursis, conforme os arts. 44 e 77, do Código Penal...” (id. 238591826). De fato, em razão da grande quantidade e variedade de entorpecentes apreendidos (47 porções de maconha, 54 porções de cocaína, conforme laudo pericial), caracterizadoras de grave dano à coletividade, o juízo a quo aumentou a pena-base em 1/6 (um sexto), observando os parâmetros do artigo 42 da Lei nº 11.343/2006 e os precedentes oriundos da Corte Superior, que admitem a valoração negativa das "circunstâncias e consequências do crime" para este fim1. Na segunda fase, foi corretamente aplicada a atenuante da menoridade relativa (preservando o mínimo legal), nos termos da Súmula 231, do Superior Tribunal de Justiça. Entretanto, na terceira fase da dosimetria da pena foi reconhecida a causa especial de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006 (tráfico privilegiado), na fração de 1/6, dado o elevado quantitativo de drogas apreendido. Neste ponto, tenho que a aplicação do tráfico privilegiado resta condicionado ao preenchimento cumulativo dos quatro requisitos estipulados pelo artigo 33, §4º, da Lei n.º 11.343/2006, os quais não estão satisfeitos in casu, haja vista a condenação simultânea pelo delito do artigo 35 da mesma Lei, o que demonstra dedicação a atividades criminosas e obsta a incidência da minorante. Salienta-se, ainda, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a configuração do crime de associação para o tráfico (art. 35 da Lei 11.343/2006) é suficiente para afastar a aplicação da causa especial de diminuição de pena contida no § 4º do artigo 33, na medida em que evidencia a dedicação do agente à atividade criminosa (AgRg no AR Esp n. 1.035.945/RJ, Relator Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 15/3/2018, D Je 27/3/2018). Precedentes: AgRg no HC 710.060/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 14/12/2021, D Je 17/12/2021; AgRg no HC 677.049/SP, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), Sexta Turma, julgado em 7/12/2021, D Je 13/12/2021; AgRg no HC 626.513/RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Quinta Turma, julgado em 9/11/2021, D Je 16/11/2021; AgRg no R Esp 1.906.277/SC, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 21/9/2021, D Je 27/9/2021; AgRg no HC 550.917/SP, Relator Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 28/4/2020, D Je 8/5/2020. Contudo, tratando de recurso defensivo, mantenho a pena aplicada. Portanto, diante da observância dos critérios legais e jurisprudenciais aplicáveis à espécie, não prosperam as irresignações defensivas quanto à dosimetria da pena e ao quantum da causa de diminuição aplicada. Por todo o exposto, em consonância com o parecer, NEGO PROVIMENTO aos recursos de apelação interposto por Cauã de Souza Goncalves e Lucas Eduardo dos Santos mantendo-se intacta a r. sentença condenatória. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 24/06/2025
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