Processo nº 1000410-67.2019.8.11.0107
ID: 332209783
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1000410-67.2019.8.11.0107
Data de Disponibilização:
23/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RENATO NEGRAO BARBOSA JUNIOR
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000410-67.2019.8.11.0107 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Rescisão do contrato e devolução do dinheiro, In…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000410-67.2019.8.11.0107 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Rescisão do contrato e devolução do dinheiro, Indenização por Dano Material] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [F. E. SETTER LTDA - CNPJ: 10.377.827/0001-72 (APELADO), RENATO NEGRAO BARBOSA JUNIOR - CPF: 404.896.138-10 (ADVOGADO), S J LOCACAO E COMERCIO DE EQUIPAMENTOS INDUSTRIAIS LTDA - CNPJ: 10.953.747/0001-18 (APELANTE), RODRIGO DA COSTA TEIXEIRA - CPF: 701.045.141-91 (ADVOGADO), FERNANDO APARECIDO DE SOUZA - CPF: 022.793.739-20 (ADVOGADO), ROBERTO CARLOS DAMBROS - CPF: 405.419.591-15 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE EMPREITADA. RESCISÃO CONTRATUAL. ABANDONO DE OBRA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL CARACTERIZADO. ESBULHO POSSESSÓRIO. PAGAMENTO DE VALORES ADICIONAIS E DANOS MATERIAIS COMPROVADOS. LAUDO TÉCNICO UNILATERAL VÁLIDO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta por empresa de construção contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos de rescisão contratual cumulada com indenização por danos materiais, condenando a apelante ao pagamento de R$ 174.960,83, correspondente aos valores pagos além do orçamento original do contrato de empreitada para ampliação de estabelecimento comercial. II. Questão em discussão 2. Há cinco questões em discussão: (i) saber se houve cerceamento de defesa pela ausência de produção de prova pericial; (ii) verificar se restou caracterizado o inadimplemento contratual por abandono da obra; (iii) verificar a validade e extensão dos pagamentos realizados além do valor originalmente contratado; (iv) analisar a força probante do laudo técnico unilateral elaborado para demonstrar o estado de incompletude da obra; e (v) examinar a caracterização e quantificação dos danos materiais decorrentes do inadimplemento contratual. III. Razões de decidir 3. Inexiste cerceamento de defesa quando as próprias partes manifestam desinteresse na produção de prova pericial durante a fase adequada do procedimento, aplicando-se a teoria dos atos próprios que veda comportamento contraditório em relação a ato anteriormente praticado. 4. O abandono unilateral da obra pelo empreiteiro, acompanhado da vedação de acesso ao imóvel pelo contratante, configura inadimplemento absoluto da obrigação contratual, caracterizando esbulho possessório e violação dos deveres de cooperação e lealdade inerentes à relação obrigacional. 5. O conjunto probatório evidencia que a obra se encontrava substancialmente incompleta no momento da paralisação, contrariando a alegação da apelante de conclusão de 99% dos trabalhos, conforme depoimentos das testemunhas que relataram a ausência de 60% da obra ainda por executar. 6. A documentação bancária comprova de forma cristalina os pagamentos realizados através do sistema de financiamento FCO no montante total de R$ 651.086,15, superando em R$ 165.091,66 o orçamento original de R$ 485.994,49, sendo irrelevante que alguns pagamentos tenham sido formalizados em nome de terceiros por questões operacionais. 7. O laudo técnico unilateral elaborado por profissional habilitado possui força probante quando suas conclusões se harmonizam com a prova testemunhal e demais elementos do conjunto probatório. 8. Os danos materiais encontram-se amplamente demonstrados pelo pagamento de valor superior ao originalmente contratado sem a correspondente contraprestação, independendo de especificação pormenorizada quando o prejuízo decorre diretamente do inadimplemento contratual. IV. Dispositivo e tese 9. Recurso de apelação conhecido e desprovido. Tese de julgamento: " 1. Não caracteriza cerceamento de defesa a ausência de prova pericial quando as próprias partes manifestam desinteresse em sua produção na fase adequada do procedimento. 2. A paralisação unilateral da obra pelo empreiteiro, acompanhada da vedação de acesso ao imóvel pelo contratante, configura inadimplemento contratual independentemente do percentual de conclusão da empreitada. 3. O laudo técnico unilateral elaborado por profissional habilitado possui força probante quando suas conclusões se harmonizam com outros elementos do conjunto probatório. 4. Os danos materiais decorrentes do inadimplemento contratual prescindem de especificação pormenorizada quando o prejuízo resulta diretamente do pagamento de valores sem a correspondente contraprestação." Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 357, § 4º, 370, 85, § 11º, 492; CC, art. 402; CDC, art. 14. Jurisprudência relevante citada: TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 00029913320148110015, Relator: Sebastião de Arruda Almeida, Data de Julgamento: 10/09/2024, Quinta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/09/2024; TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10508048220198110041, Relator: Serly Marcondes Alves, Data de Julgamento: 10/07/2024, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/07/2024; TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1025987-80.2021.8.11.0041, Relator: Sebastiao Barbosa Farias, Data de Julgamento: 12/03/2024, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/03/2024. R E L A T Ó R I O EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO O. SABOIA RIBEIRO (Relator) Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação cível interposto por S J LOCAÇÃO E COMÉRCIO DE EQUIPAMENTOS INDUSTRIAIS LTDA contra a sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Nova Ubiratã, nos autos da Ação de Rescisão Contratual c/c Perdas e Danos n. 1000410-67.2019.8.11.0107, movida por SETTER E SETTER JUNIOR LTDA. A parte autora, ora apelada, ajuizou a demanda pleiteando a rescisão do contrato de empreitada verbal firmado com a empresa apelante, bem como a sua condenação ao pagamento de danos materiais no valor de R$ 174.960,83 (cento e setenta e quatro mil e novecentos e sessenta reais e oitenta e três centavos), correspondentes à quantia paga além do valor original do contrato, sob a alegação de descumprimento contratual por parte da ré. Aduz que celebrou contrato com a apelante para ampliação de seu estabelecimento comercial, uma padaria denominada “Doce Dia”, tendo inclusive contratado financiamento junto ao Banco do Brasil para custeio da obra. Contudo, sustenta que, durante a execução, sobrevieram reiteradas exigências de pagamentos adicionais, sob ameaça de paralisação da obra. Alega que, mesmo arcando com valores além do orçamento previamente aprovado — que era de R$ 485.994,49 (quatrocentos e oitenta e cinco mil e novecentos e noventa e quatro reais e quarenta e nove centavos), num total de R$ 651.086,15 (seiscentos e cinquenta e um mil e oitenta e seis reais e quinze centavos), a empresa ré abandonou a obra, trancou o imóvel, impedindo o acesso da contratante, e não concluiu os serviços contratados. A situação resultou no registro de Boletim de Ocorrência e retomada unilateral da posse pela autora. Diante disso, pleiteou a rescisão do contrato, a condenação da ré à restituição do valor pago a maior e à indenização por lucros cessantes, a ser liquidada em fase própria. Regularmente citada, a parte ré, ora apelante, apresentou contestação com reconvenção (Id: 291144422), suscitando, preliminarmente, a inépcia da petição inicial e a incorreção do valor da causa. No mérito, alegou que a responsabilidade pelo inadimplemento é exclusiva da autora, que teria solicitado inúmeros aditivos contratuais, recusando-se posteriormente a pagá-los. A ré reconhece ter recebido o montante de R$ 436.886,35 (quatrocentos e trinta e seis mil e oitocentos e oitenta e seis reais e trinta e cinco centavos) e sustenta que restariam R$ 345.892,69 (trezentos e quarenta e cinco mil e oitocentos e noventa e dois reais e sessenta e nove centavos) a serem pagos, valor este pleiteado em reconvenção. Impugnou, ainda, diversos comprovantes de pagamento anexados pela autora, especialmente recibos de R$ 90.960,90 (novena mil e novecentos e sessenta reais e noventa centavos) e R$ 14.308,88 (quatorze mil e trezentos e oito reais e oitenta e oito centavos), alegando que constam em duplicidade e envolvem terceiros estranhos à relação contratual. Alega, por fim, que o laudo de vistoria juntado pela autora não goza de confiabilidade por ser unilateral, elaborado sem a presença da ré. A parte autora apresentou impugnação à contestação e à reconvenção (Id: 291144465), refutando todas as alegações da ré, reiterando que os pagamentos foram documentados, que a obra não foi concluída e que o valor da causa reflete a extensão do prejuízo sofrido. Destacou que a paralisação da obra gerou inclusive danos colaterais, como infiltrações e perda de materiais internos, agravando o dano. O feito foi saneado. As partes manifestaram desinteresse na produção de prova pericial e foram colhidos depoimentos orais em audiência de instrução e julgamento. Na fase final, apresentaram memoriais escritos. Sobreveio sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos da ação principal, reconhecendo a ocorrência de inadimplemento contratual pela ré, e a condenou ao pagamento de R$ 174.960,83 (cento e setenta e quatro mil e novecentos e sessenta reais e oitenta e três centavos) a título de danos materiais, com correção monetária e juros legais. O pedido de lucros cessantes foi indeferido, por ausência de prova objetiva. A reconvenção foi julgada improcedente, por ausência de elementos robustos que comprovassem a contraprestação. Irresignada, a empresa S J CONSTRUÇÃO LOCAÇÃO E PAVIMENTAÇÃO LTDA – EPP interpôs o presente recurso de apelação, reafirmando os fundamentos da contestação e da reconvenção. Sustenta que os valores pagos não foram indevidos, que a responsabilidade pela paralisação da obra é da contratante, e que a sentença deve ser reformada para julgar improcedentes os pedidos da autora e, subsidiariamente, reconhecer o crédito da empresa reconvinte. A parte apelada apresentou contrarrazões (Id: 291144465), requerendo o desprovimento do recurso e a manutenção da sentença, defendendo a lisura dos documentos apresentados e a verossimilhança de suas alegações, corroboradas por prova testemunhal e técnica. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO O. SABOIA RIBEIRO (Relator) Egrégia Câmara: Conforme relatado anteriormente, trata-se de recurso de apelação cível interposto por S J LOCAÇÃO E COMÉRCIO DE EQUIPAMENTOS INDUSTRIAIS LTDA contra a sentença proferida nos autos da Ação de Rescisão Contratual c/c perdas e danos manejada por SETTER E SETTER JUNIOR LTDA. A parte autora, ora apelada, ajuizou a presente ação originária com pedido de rescisão contratual cumulada com indenização por danos materiais, os quais foram quantificados em R$ 174.960,83 (cento e setenta e quatro mil, novecentos e sessenta reais e oitenta e três centavos). Sustentou, em síntese, que contratou a empresa ré, ora apelante, para execução de obra de ampliação de seu estabelecimento comercial, tendo inclusive celebrado contrato de financiamento com o Banco do Brasil para custeio da empreitada. Ocorre que, no decorrer da execução do contrato, começaram a surgir divergências entre as partes. A apelada afirma que a empresa apelante passou a exigir pagamentos adicionais em desacordo com o cronograma e orçamento originalmente pactuados, sempre sob a ameaça de abandono da obra. A situação culminou com o efetivo abandono do canteiro e o trancamento do imóvel pela apelante, impedindo o livre acesso da contratante ao bem, condicionando a retomada da obra ao pagamento de valores adicionais. Diante do impasse e da recusa em liberar o imóvel, a autora registrou boletim de ocorrência e, posteriormente, retomou a posse da edificação. Diante dos prejuízos decorrentes da inexecução contratual, não restou alternativa à apelada senão o ajuizamento da demanda para pleitear a rescisão do contrato e o ressarcimento dos danos materiais experimentados. Por sua vez, a parte ré, ora apelante, apresentou contestação com reconvenção, na qual arguiu preliminares de inépcia da petição inicial e impugnou o valor atribuído à causa. No mérito, alegou que a autora deu causa à ruptura contratual ao deixar de quitar os aditivos contratuais por ela solicitados e executados durante a obra. Sustentou, ainda, a inexistência de prova hábil do suposto pagamento indevido, negando o recebimento dos valores apontados pela autora, inclusive impugnando os recibos de R$ 90.960,90 (noventa mil e novecentos e sessenta reais e noventa centavos) e R$ 14.308,88 (quatorze mil trezentos e oito reais e oitenta e oito centavos), sob alegação de duplicidade. Ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos formulados pela autora e, na reconvenção, pleiteou a condenação da autora ao pagamento da quantia de R$ 345.892,69 (trezentos e quarenta e cinco mil e oitocentos e noventa e dois reais e sessenta e nove centavos), correspondente, segundo sua tese, aos serviços prestados e não remunerados até a data da rescisão contratual. Sem mais delongas, passo à análise das questões suscitadas no recurso, observando a necessária ordem lógica de exame das matérias processuais antes do mérito da controvérsia. · DO ALEGADO CERCEAMENTO DE DEFESA PELA AUSÊNCIA DE PROVA PERICIAL A apelante sustenta que a sentença seria nula por ausência de prova pericial, alegando cerceamento de defesa. Tal questão, por ostentar natureza preliminar e potencial para ensejar a nulidade da decisão recorrida, demanda análise prioritária antes do exame do mérito da controvérsia. O cerceamento de defesa constitui vício processual de natureza absoluta que atenta contra os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV, CF/88), bem como do devido processo legal. Sua eventual configuração independe de prejuízo efetivo, bastando a limitação indevida e injustificada do direito de defesa da parte. Conforme consignado no relatório da sentença, as partes expressamente manifestaram desinteresse na produção de prova pericial durante a fase de instrução processual. Não se pode alegar cerceamento de defesa quando a própria parte declina da produção da prova. O ordenamento jurídico processual civil, em observância ao princípio dispositivo e à economia processual, impõe às partes o ônus de especificar tempestivamente as provas que pretendem produzir, conforme estabelece o art. 357, § 4º, do CPC. A análise detida dos autos revela que ambas as partes foram devidamente intimadas para especificação probatória na fase adequada do procedimento, ocasião em que manifestaram expressamente desinteresse na realização de perícia técnica. Ademais, a teoria dos atos próprios (venire contra factum proprium), incorporada ao ordenamento jurídico pátrio como corolário do princípio da boa-fé objetiva, veda que a parte adote comportamento contraditório em relação a ato anteriormente praticado por sua própria vontade. No presente caso, a apelante, quando instada a especificar as provas que pretendia produzir, manifestou desinteresse na realização de perícia técnica, postura que gera preclusão e impede alegação posterior de cerceamento. Nesse sentido, vejamos: “RECURSO DE APELAÇÃO – REVOGAÇÃO DA JUSTIÇA GRATUITA – INVIABILIDADE – PARTE AUTORA QUE PUGNOU PELO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO CARATERIZADO – RECIBOS APTOS A COMPROVAR O PAGAMENTO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. 1. “A revogação da justiça gratuita deferida na origem exige a prova de que houve mudança na condição de hipossuficiência. [ ...].” (TJMT - N.U 1000288-49.2021 .8.11.0086, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 22/05/2024, Publicado no DJE 24/05/2024). 2. Quando intimado para especificar as provas que pretendia produzir, o autor/apelante manifestou nos autos pugnando pelo julgamento antecipado da lide. 3. Logo, ao assim agir, o autor/apelante mitigou o seu prejuízo, atitude que, segundo o nosso ordenamento jurídico, viola o princípio da boa-fé, pois, constitui deslealdade processual alegar a nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, quando ele mesmo manifestou desinteresse na dilação probatória, por entender que os autos estavam aptos ao julgamento. 4 . Ademais, o artigo 370 do CPC dispõe acerca da faculdade do Juiz em dispensar ou indeferir a produção de provas que considerar desnecessárias, tal faculdade não configura cerceamento de defesa. 5. Assim, a antecipação do julgamento (com dispensa de dilação probatória), não representa causa de cerceamento de defesa, mormente quando, o próprio autor/apelante não pugnou pela produção de provas, dispensando a indigitada perícia grafotécnica, que agora alega ser necessária ao deslinde do feito. 6 . Outrossim, não havendo provas de que os recibos apresentados foram fraudados, são eles aptos a demonstrarem a validade da quitação neles informada, sobretudo porque os documentos carreados ao caderno processual encontram-se assinados tanto por extenso quanto com a digital do autor/apelante.” (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10508048220198110041, Relator.: SERLY MARCONDES ALVES, Data de Julgamento: 10/07/2024, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/07/2024) (destaquei) Ademais, o conjunto probatório formado pela documentação acostada aos autos e pela prova testemunhal mostrou-se suficiente para o deslinde da controvérsia, não se justificando a anulação da sentença para determinação de perícia desnecessária. O artigo 370 do Código de Processo Civil ainda que: “Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito. Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.” Assim sendo, é evidente a faculdade de o magistrado dispensar a produção de provas que considerar desnecessárias ao julgamento do mérito, prerrogativa esta que visa à economia processual e à celeridade na entrega da prestação jurisdicional, sem comprometimento da qualidade da cognição judicial. No caso vertente, a dispensa da prova pericial encontra-se plenamente justificada pela robustez dos demais elementos probatórios e pela manifestação expressa de desinteresse das próprias partes. Destarte, REJEITO a preliminar de cerceamento de defesa, por inexistir qualquer violação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. · MÉRITO Superada a análise das questões preliminares, passo ao exame do mérito recursal, que envolve fundamentalmente a caracterização do inadimplemento contratual, a comprovação dos pagamentos excedentes, a validade do laudo técnico e a quantificação dos danos materiais. o Do abandono unilateral da obra: caracterização fático-jurídica A apelante sustenta que não houve abandono da obra de sua parte, alegando que esta encontrava-se 99% (noventa e nove por cento) concluída e que a responsabilidade pela rescisão seria exclusivamente da autora, que teria se recusado a pagar os aditivos contratuais supostamente solicitados. Tal argumentação não merece prosperar. A análise detida dos elementos probatórios carreados aos autos, mormente a prova testemunhal colhida em audiência de instrução e julgamento, demonstra de forma inequívoca que a empresa apelante efetivamente paralisou a obra e impediu o acesso da contratante ao imóvel, condicionando a retomada dos trabalhos ao pagamento de valores adicionais. No direito contratual, o abandono de obra configura-se quando o empreiteiro, unilateralmente e sem justificativa legal, paralisa definitivamente os serviços contratados, especialmente quando tal conduta vem acompanhada de atos que impedem o contratante de dar continuidade aos trabalhos por outros meios. Tal comportamento constitui inadimplemento absoluto da obrigação. Importante ressaltar que, a testemunha Jair Petri, contratado para a execução da móveis planejados, afirmou que os móveis planejados são instalados no final da obra, quando tudo está pronto, e, relatou que a obra estava “inacabada”. Além disso, a testemunha Johnny Henrique dos Santos Fenedo, o pintor, relatou que trabalhou até o momento em que Valdoberto "fechou a obra" e não permitiu que ninguém mais trabalhasse. Ele afirmou que não conseguiu concluir a pintura e que a obra estava "totalmente parada". Quando questionado sobre o que faltava, Johnny estimou que "faltavam 60% da obra ainda", detalhando a falta de pintura, problemas hidráulicos (encanamentos estourados) e a ausência de fechaduras em portas e janelas. Tal contradição entre o alegado e o comprovado nos autos demonstra a tentativa da apelante de minimizar sua responsabilidade pelo abandono injustificado da empreitada. Ademais, o próprio representante da apelante, em seu depoimento pessoal, confirmou ter trancado a obra, declarando que "desde quando eu comecei a obra, quem abria e quem fechava a obra era eu. A obra tava na minha responsabilidade", evidenciando a prática do esbulho possessório que motivou o registro do Boletim de Ocorrência pela autora. O esbulho possessório, caracterizado pela privação injusta da posse, constitui não apenas ilícito civil mas também conduta que agrava o inadimplemento contratual, pois impede que o contratante busque soluções alternativas para a conclusão da obra. Tal comportamento revela manifesta má-fé contratual e violação dos deveres laterais de cooperação e lealdade inerentes a qualquer relação obrigacional. A jurisprudência desta Corte orienta-se no sentido de que a paralisação unilateral da obra pelo empreiteiro, especialmente quando acompanhada da vedação de acesso ao imóvel pelo contratante, configura inadimplemento contratual, independentemente do percentual de conclusão da empreitada. Nesse sentido, já decidiu este e. Tribunal de Justiça: “APELANTE (S): TADEU KAMINSKI. APELADO (S): MARIA EDILANIA NOGUEIRA DE LIMA. EMENTA. DIREITO CIVIL. RECURSO DE APELAÇÃO. CONTRATO DE EMPREITADA. ABANDONO DA OBRA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. SENTENÇA ULTRA PETITA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso de Apelação interposto contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, condenando o apelante ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 13.147,00 e danos morais de R$ 8 .000,00, além do ressarcimento pelos valores pagos por barras de ferro não restituídas. A condenação decorreu do abandono da obra pela parte apelante, causando a rescisão contratual. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em verificar se a sentença ultrapassou os limites do pedido inicial (ultra petita), se o valor dos danos morais deve ser ajustado conforme o pedido original e se houve comprovação de falha na prestação do serviço, bem como dos danos materiais e morais decorrentes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O juiz deve decidir nos limites do pedido, conforme o art. 492 do CPC. Verificou-se que a sentença fixou valor superior ao pleiteado pela parte autora para os danos morais, devendo ser ajustado para R$ 5.000,00, conforme requerido na inicial. 4. A falha na prestação do serviço ficou comprovada pelo abandono da obra, justificando a condenação por danos materiais e morais, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Recurso parcialmente provido para ajustar o valor da indenização por danos morais ao limite pleiteado na inicial, mantendo-se a condenação por danos materiais e o ressarcimento. Tese de julgamento: "O abandono de obra contratada, caracterizando falha na prestação de serviço, justifica a condenação por danos materiais e morais, com adequação da indenização aos limites do pedido inicial." Dispositivos relevantes citados: · Código de Defesa do Consumidor, art. 14 (responsabilidade objetiva). · Código Civil, art. 402 (perdas e danos). · Código de Processo Civil, art. 492 (limites da sentença). · Código de Processo Civil, art. 85, § 11 (honorários sucumbenciais). Jurisprudência relevante citada: · TJ-MT, N.U 1044665-12 .2022.8.11.0041, Rel. Sebastião de Arruda Almeida, Quinta Câmara de Direito Privado, j. 28/05/2024, pub. 30/05/2024.” (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 00029913320148110015, Relator.: SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, Data de Julgamento: 10/09/2024, Quinta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/09/2024) (destaquei) · DA COMPROVAÇÃO DOS PAGAMENTOS REALIZADOS ALÉM DO ORÇAMENTO ORIGINAL Por outro lado, a apelante contesta vigorosamente os valores alegadamente pagos pela autora, sustentando que recebeu apenas R$ 436.886,35 (quatrocentos e trinta e seis mil e oitocentos e oitenta e seis reais e trinta e cinco centavos) dos R$ 485.994,49 (quatrocentos e oitenta e cinco mil e novecentos e noventa e quatro reais e quarenta e nove centavos) contratados inicialmente, negando ter recebido a quantia adicional de R$ 174.960,83 (cento e cinquenta e quatro mil e novecentos e sessenta reais e oitenta e três centavos) ora pleiteada. Entretanto, tal insurgência não encontra respaldo no conjunto probatório dos autos. A documentação apresentada pela apelada comprova de forma cristalina os pagamentos realizados através do sistema de liberação do financiamento FCO junto ao Banco do Brasil. A planilha de liberação (Id: 2911438841) demonstra que foram efetivados repasses no montante total de R$ 651.086,15 (seiscentos e cinquenta e um mil e oitenta e seis reais e quinze centavos), valor este que supera em R$ 165.091,66 (cento e sessenta e cinco mil e noventa e um reais e sessenta e seis centavos) o orçamento original de R$ 485.994,49 (quatrocentos e trinta e seis mil e oitocentos e oitenta e seis reais e trinta e cinco centavos). A prova documental bancária goza de especial credibilidade no sistema probatório brasileiro, por ser produzida por instituição financeira sujeita a rigoroso controle estatal e por documentar operações submetidas a múltiplos sistemas de verificação e auditoria. A planilha de liberação do financiamento FCO constitui, portanto, elemento probatório de máxima confiabilidade para demonstração dos valores efetivamente repassados à apelante. É certo que a apelante questiona a origem e destinação de alguns dos valores constantes da referida planilha, alegando que parte dos pagamentos teria sido direcionada a terceiros estranhos à relação contratual. Todavia, tal argumentação não se sustenta diante da prova testemunhal produzida. O depoimento da testemunha Fran Carlos Mota, fornecedor de materiais de construção, foi esclarecedor ao confirmar que "todo o material que era entregado lá era destinado pro Oberto [Valdeberto], porque na época ele não comprou porque ele não tinha cadastro na loja, né? Daí foi feito no nome da Fernanda". Tal narrativa encontra corroboração no depoimento da própria representante da autora, que confirmou: "eu passava um dinheiro pro Valdoberto e Rodberto autorizou pagar alguns fornecedores". A prova testemunhal revela que os pagamentos realizados a terceiros constituíram mera estratégia operacional para viabilizar a aquisição de materiais necessários à obra, diante da ausência de cadastro da apelante junto aos fornecedores locais. Tal circunstância, longe de caracterizar irregularidade, demonstra a boa-fé da contratante em facilitar a execução dos serviços, assumindo responsabilidades que originalmente caberiam à empreiteira. Destarte, a circunstância de alguns pagamentos terem sido formalizados em nome de terceiros não descaracteriza sua destinação à obra contratada, tratando-se de mera questão operacional decorrente da ausência de cadastro da apelante junto aos fornecedores locais. · DA VALIDADE PROBATÓRIA DO LAUDO TÉCNICO UNILATERAL A apelante impugna o laudo técnico (Id: 291143873 e 291143874) elaborado pela empresa Personnalité, alegando que seria unilateral e destituído de força probante por ter sido confeccionado sem sua participação. Igualmente, tal argumentação não procede. O laudo em questão foi elaborado por profissional habilitado, engenheira civil devidamente inscrita no CREA, que prestou esclarecimentos em audiência confirmando a veracidade das informações ali constantes. A testemunha técnica Simone Clevite, responsável pela elaboração do documento, confirmou em juízo que "o laudo tá assinado e tá confirmado, né, com as fotos e o que tá escrito lá". É certo que se trata de laudo unilateral, porém isso não lhe retira a força probante, especialmente quando suas conclusões encontram respaldo em outros elementos do conjunto probatório. O ordenamento jurídico processual não exige que o laudo técnico seja necessariamente bilateral ou produzido sob o crivo do contraditório para que possua eficácia probatória. O que se exige é que seja elaborado por profissional habilitado, contenha fundamentação técnica adequada e suas conclusões se harmonizem com os demais elementos de convicção carreados aos autos. Todos esses requisitos encontram-se preenchidos no caso em análise. No caso em tela, as conclusões do laudo técnico harmonizam-se perfeitamente com a prova testemunhal, que confirmou o estado incompleto da obra no momento de sua paralisação. A convergência entre as conclusões do laudo técnico e os depoimentos testemunhais confere especial robustez ao conjunto probatório, evidenciando que as informações técnicas não se basearam em meras impressões subjetivas, mas em dados objetivos verificáveis por qualquer profissional da área. · DA CARACTERIZAÇÃO E QUANTIFICAÇÃO DOS DANOS MATERIAIS A apelante contesta a condenação por danos materiais, sustentando que não há comprovação do efetivo prejuízo experimentado pela autora. Contudo, a irresignação, a exemplo das demais, não pode ser acolhida. Os danos materiais encontram-se amplamente demonstrados pela documentação carreada aos autos, consistindo no pagamento de valor superior ao originalmente contratado sem a correspondente contraprestação. Conforme bem consignado na sentença objurgada, "a documentação apresentada pela requerente comprova os pagamentos realizados à Ré e os prejuízos decorrentes do abandono da obra". O dano material configura-se pela diminuição efetiva do patrimônio da vítima em razão do ato ilícito. No presente caso, o dano materializa-se pelo desembolso de R$ 165.091,66 além do valor originalmente contratado, sem que a apelante tenha executado os serviços correspondentes a tal valor adicional. A caracterização do dano material independe de especificação pormenorizada quando o prejuízo decorre diretamente do inadimplemento contratual. O nexo de causalidade entre o inadimplemento da apelante e o prejuízo experimentado pela apelada é direto e inequívoco: os valores adicionais foram pagos mediante promessa de execução de serviços que não foram realizados em razão do abandono da obra. Não se exige, em tal hipótese, demonstração de danos específicos, pois o próprio inadimplemento constitui fonte imediata do prejuízo. Aliás, vejamos: “RECURDO DE APELAÇÃO CÍVEL - Ação de Indenização por Descumprimento Contratual c/c Danos Morais e Materiais – CONTRATO DE EMPREITADA – SERVIÇOS DE MÃO DE OBRA – MÁ QUALIDADE NA PRESTAÇÃO – DANO MATERIAL CONFIGURADO – SENTENÇA MANTIDA –RECURSO DESPROVIDO. O contrato de empreitada não é uma simples obrigação de fazer imposta ao empreiteiro, mas sim uma obrigação de fazer qualificada pelo resultado, em que daquele se exige aptidões técnicas, para entrega de um produto final que atenda as legítimas expectativas do dono da obra quanto à qualidade almejada. Assim, a prestação de serviços de má qualidade pelo empreiteiro importam em descumprimento dos deveres contratuais, apto a ensejar a resolução contratual. Restando comprovado nos autos que os serviços efetivamente prestados pelo empreiteiro são de má qualidade, reconhecer sua culpa pela inexecução da obrigação.” (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1025987-80.2021.8.11 .0041, Relator.: Des. SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Data de Julgamento: 12/03/2024, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/03/2024) (destaquei) Destarte, a análise sistemática das questões suscitadas no recurso demonstra que a decisão de primeiro grau encontra-se plenamente alinhada com o ordenamento jurídico vigente e com a jurisprudência desta Corte, não merecendo qualquer reparo. Ante ao exposto, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação, mantendo incólume a sentença objurgada. Ademais, DETERMINO a majoração da verba sucumbencial em favor da parte apelada em 5% (dois por cento), totalizando o percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da causa, com fulcro no artigo 85, §11º, do Código de Processo Civil. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 22/07/2025
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