Processo nº 1000962-77.2019.4.01.3200
ID: 258944261
Tribunal: TRF1
Órgão: 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária da SJAM
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 1000962-77.2019.4.01.3200
Data de Disponibilização:
23/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Amazonas 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária da SJAM Projeto de Priorização da Jurisdição Ambiental - TRF1 SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1000962-77.2019.4.01.3200 CL…
JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Amazonas 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária da SJAM Projeto de Priorização da Jurisdição Ambiental - TRF1 SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1000962-77.2019.4.01.3200 CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLICA (65) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:ADALBERTO ARAUJO DA SILVA e outros SENTENÇA I – RELATÓRIO Trata-se de Ação Civil Pública por dano ambiental proposta pelo Ministério Público Federal em face de Adalberto Araujo da Silva e Maria Antonia Progenio Martins, objetivando a responsabilização civil dos réus pela supressão ilegal de vegetação nativa em área localizada no Município de Boca do Acre/AM, integrante do bioma Amazônia. Alegou o autor que os réus promoveram o desmatamento por corte raso de 84,15 hectares de floresta nativa entre os anos de 2014 e 2017, conforme detectado por imagens de satélite do projeto PRODES/INPE, sem qualquer autorização do órgão ambiental competente. A conduta teria causado degradação ambiental significativa, com violação aos deveres constitucionais de proteção ao meio ambiente. A delimitação da responsabilidade foi individualizada conforme os dados fundiários públicos, com a seguinte atribuição: Adalberto Araujo da Silva: 83,32 há; Maria Antonia Progenio Martins: 0,6 ha. A prova técnica foi produzida a partir do cruzamento georreferenciado de imagens PRODES com registros fundiários dos sistemas CAR, SIGEF, SNCI e Terra Legal, conforme Parecer Técnico MPF nº 885/2017 – SEAP/PGR e Relatório Amazônia Protege PRODES nº 75953 (ID 34360447). O Ministério Público Federal pleiteou: a) Indenização por dano material, no valor de R$ 895.023,44 (Adalberto) e R$ 6.445,20 (Maria Antonia); b) Indenização por dano moral coletivo, no valor de R$ 447.511,72 (Adalberto) e R$ 3.222,60 (Maria Antonia); c) Obrigação de fazer consistente na apresentação de PRAD – Plano de Recuperação de Área Degradada e execução da recomposição por regeneração natural das áreas degradadas; d) Reversão dos valores ao IBAMA e ICMBio; e) Autorização para remoção, apreensão ou destruição de bens que impeçam a regeneração. Os réus foram regularmente citados (IDs 1279002759 e 433368347), não apresentaram contestação e tiveram revelia decretada (ID 1416146753). Por decisão posterior (ID 2122859087), foi determinada a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, VIII do CDC c/c art. 21 da Lei 7.347/85, com base nos princípios da precaução, prevenção e no entendimento consolidado do STJ. Instado a se manifestar em alegações finais, o MPF reiterou os pedidos formulados na inicial, com detalhamento dos valores e da metodologia utilizada na apuração dos danos. Vieram os autos conclusos para julgamento. É o relatório. DECIDO II – FUNDAMENTAÇÃO As questões em debate neste processo dizem respeito à responsabilização civil por desmatamento ilegal de vegetação nativa em área da Amazônia Legal, sem prévia autorização do órgão ambiental competente, com base em provas técnicas geoespaciais oficiais, em consonância com os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) e os princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente. 1. PRELIMINARES PROCESSUAIS: CITAÇÃO, REVELIA E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA Ambos os réus foram regularmente citados (IDs 1279002759 e 433368347), e não apresentaram contestação no prazo legal, conforme certificado nos autos. A omissão ensejou a decretação da revelia (ID 1416146753), com base no art. 344 do CPC, produzindo efeitos materiais quanto aos fatos alegados pelo autor, salvo se o contrário resultar da convicção do juízo, como exige o art. 345, IV do mesmo código. A natureza difusa do direito ambiental, no entanto, exige que a presunção de veracidade seja analisada com temperamentos, o que não impede, no caso, a formação de um juízo positivo de procedência, especialmente diante do vasto e qualificado conjunto probatório produzido por órgão técnico isento. De outro lado, por decisão proferida em 18/04/2024 (ID 2122859087), foi acolhido o pleito de inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, inciso VIII, do CDC c/c art. 21 da Lei nº 7.347/85, com base no princípio da precaução. Este princípio, consagrado na jurisprudência ambiental do STJ (REsp 1.060.753/SP), impõe a adoção de medidas de proteção mesmo diante de incertezas científicas quanto à extensão do risco ambiental, deslocando o encargo probatório para o réu em situações de degradação evidente. Na ausência de contestação e de qualquer produção de prova exculpatória pelos demandados, as alegações do autor, lastreadas em prova técnica oficial, restam incontroversas. Esclarece-se que os direitos indisponíveis que impediriam a aplicação da revelia são aqueles inerentes ao patrimônio jurídico do réu, o que não é o caso aqui, onde se discute o direito indisponível da coletividade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme o art. 225 da Constituição Federal. Assim, aplica-se a presunção de veracidade dos fatos narrados pelo MPF, tendo o réu permanecido revel, conforme entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ, REsp 1544541/PE, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 17/11/2015). 2. MÉRITO 2.1. AD INITIO – DA NATUREZA ESTRUTURAL DESTE PROCESSO. Trata-se de ação civil pública de natureza estrutural, voltada à correção de irregularidades ambientais de caráter sistêmico, o que impõe uma análise diferenciada dos elementos processuais envolvidos. As demandas estruturais exigem do magistrado uma postura ativa e adaptativa, que flexibiliza o princípio da adstrição ou congruência, sem se limitar ao que foi formalmente solicitado pelas partes. Conforme os arts. 322, § 2º, e 489, § 3º, do CPC, o pedido e a decisão judicial devem ser interpretados à luz de todos os elementos do processo, em conformidade com o princípio da boa-fé processual, especialmente em litígios que demandam uma solução mais abrangente e sistêmica. Nesse contexto, conforme destacado por Bochenek: "Nesse sentido, a interpretação do pedido inicial, da contestação e das decisões judiciais precisa considerar o contexto e a boa-fé (arts. 322, § 2º, e 489, § 3º, ambos do CPC), ou seja, a decisão judicial interpretada (e aplicada) a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé. A peculiaridade está na não limitação do debate aos contornos da causa de pedir e na não vinculação ao exato pedido formulado pelas partes, isto é, na construção de um postulado mais genérico e abrangente. Logo, o disposto está em consonância com a complexidade das demandas estruturais e ocorre a flexibilidade da congruência objetiva e não se restringe aos postulados da interpretação inicial e da contestação, mas a todos os pontos que interferem, ainda que potencialmente, no litígio estrutural, ou seja, há uma constante adaptabilidade do objeto do litígio, como refere Marcella Ferraro (2015, p. 144, 153), ocorre uma certa plasticidade da demanda. Portanto, é necessária uma flexibilização procedimental a fim de tutelar o direito das partes e efetivar as políticas públicas que estão em desconformidade, por meio de um procedimento gerido e supervisionado na esfera judicial. Na medida em que os fatos são esclarecidos, os problemas e as soluções podem ser relidos e redescobertos ao longo do processo. O pedido e a decisão podem ser progressivamente adequados às alterações da realidade. Relativiza-se a estabilização da demanda (art. 329 do CPC) do processo estrutural. Nesta linha, o atual art. 493 do CPC estabelece que se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão. Em síntese performativa, para cada processo e conflito existe um tipo de procedimento adaptável para as suas peculiaridades e particularidades." (BOCHENEK, Antônio César, Demandas estruturais: flexibilidade e gestão, in ReJuB - Rev. Jud. Bras., Brasília, Ano 1, n. 1, p. 155-178, jul./dez. 2021, p. 163-164) Esse caráter dinâmico das demandas estruturais permite a flexibilização da congruência objetiva, abrangendo fatores que podem interferir na solução do litígio além do que foi inicialmente exposto pelas partes. O art. 493 do CPC reforça essa postura, ao determinar que o juiz considere fatos novos que venham a influenciar o julgamento do mérito após a propositura da ação. Assim, a estabilização da demanda (art. 329 do CPC) é relativizada, permitindo ajustes progressivos no pedido e na decisão, conforme a realidade do caso se desenvolve. Essa plasticidade é essencial em litígios ambientais, garantindo a efetividade da tutela dos direitos difusos e a proteção do meio ambiente, mediante uma atuação jurisdicional flexível e adaptável. 2.2. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL OBJETIVA E PROPTER REM A Constituição Federal de 1988 estabelece, no art. 225, caput, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo este de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. E no §3º do mesmo artigo, determina que os responsáveis por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente responderão penal e administrativamente, além da obrigação de reparar os danos causados. A norma de responsabilização civil por dano ambiental encontra-se expressamente prevista no art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/81, que consagra a teoria do risco integral, afastando qualquer possibilidade de excludente de responsabilidade por caso fortuito, força maior ou culpa de terceiro. Tal orientação foi consagrada no julgamento do REsp 1.089.968 (STJ, Rel. Min. Luiz Fux). No presente caso, o Ministério Público Federal demonstrou, com apoio técnico do parecer nº 885/2017 – SEAP/PGR e do relatório do projeto Amazônia Protege – PRODES nº 75953 (ID 34360447), que houve supressão ilegal de vegetação primária na Amazônia Legal entre 2014 e 2017, nas áreas delimitadas pelas coordenadas geográficas: Latitude -9,3885514577 / Longitude -67,410053641, totalizando 84,15 hectares, com a seguinte distribuição individualizada: Adalberto Araujo da Silva – 83,32 hectares Maria Antonia Progenio Martins – 0,6 hectare Os documentos indicam que a supressão de vegetação ocorreu sem licença ou autorização do órgão ambiental competente, o que caracteriza dano ambiental presumido. Além disso, a responsabilização dos réus decorre da responsabilidade ambiental propter rem, pois os réus figuram como possuidores ou titulares da área degradada, nos termos apurados por sobreposição georreferenciada com os registros do CAR, SIGEF e Terra Legal, vinculando-os juridicamente à área afetada. Como bem assentado pelo STJ: “A responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva e propter rem, podendo recair sobre o atual ou pretérito possuidor ou proprietário da área, independentemente de ter sido ou não o causador direto do dano.” (REsp 650728/SC, Rel. Min. Herman Benjamin) Portanto, havendo nexo técnico entre a conduta e o dano ambiental, e diante da titularidade da área à época do fato, resta configurada a responsabilidade dos réus. É inaplicável, ainda, o princípio da insignificância, porquanto não se questiona a ocorrência de impacto ambiental na extração, restando caracterizada a prática do ilícito administrativo, o dano ao meio ambiente e o nexo de causalidade, de forma que a reparação integral é medida que se impõe (ACP 1000375-10.2019.4.01.3603, PJe 08/11/2023). 2.3. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÕES DE FAZER E INDENIZAR O ordenamento jurídico nacional admite cumular obrigações voltadas à reparação do dano ambiental, com vistas a tornar efetivo o primado da reparação integral, com o pagamento de indenização (Súmula 629/STJ), com primazia à medida de recuperação, como necessária à restituição da qualidade, atributos e funcionalidades do ecossistema afetado pelo desmatamento ilegal. Destaco o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria: ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO DE VEGETAÇÃO NATIVA (CERRADO) SEM AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE AMBIENTAL. DANOS CAUSADOS À BIOTA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E DO ART. 3º DA LEI 7.347/85. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL, DO POLUIDOR-PAGADOR E DO USUÁRIO-PAGADOR. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). REDUCTION AD PRISTINUM STATUM. DANO AMBIENTAL INTERMEDIÁRIO, RESIDUAL E MORAL COLETIVO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA DA NORMA AMBIENTAL. 1. Cuidam os autos de ação civil pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados pelo desmatamento de vegetação nativa (Cerrado). O juiz de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais consideraram provado o dano ambiental e condenaram o réu a repará-lo; porém, julgaram improcedente o pedido indenizatório pelo dano ecológico pretérito e residual. 2. A legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma. A hermenêutica jurídico-ambiental rege-se pelo princípio in dubio pro natura. 3. Ao responsabilizar-se civilmente o infrator ambiental, não se deve confundir prioridade da recuperação in natura do bem degradado com impossibilidade de cumulação simultânea dos deveres de repristinação natural (obrigação de fazer), compensação ambiental e indenização em dinheiro (obrigação de dar), e abstenção de uso e de nova lesão (obrigação de não fazer). 4. De acordo com a tradição do Direito brasileiro, imputar responsabilidade civil ao agente causador de degradação ambiental difere de fazê-lo administrativa ou penalmente. Logo, eventual absolvição no processo criminal ou perante a Administração Pública não influi, como regra, na responsabilização civil, tirantes as exceções em numerus clausus do sistema legal, como a inequívoca negativa do fato ilícito (não ocorrência de degradação ambiental, p. ex.) ou da autoria (direta ou indireta), nos termos do art. 935 do Código Civil. 5. Nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação do réu, simultânea e agregadamente, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Aí se encontra típica obrigação cumulativa ou conjuntiva. Assim, na interpretação dos arts. 4º, VII, e 14, § 1º, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), e do art. 3º da Lei 7.347/85, a conjunção "ou" opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Essa posição jurisprudencial leva em conta que o dano ambiental é multifacetário (ética, temporal, ecológica e patrimonialmente falando, sensível ainda à diversidade do vasto universo de vítimas, que vão do indivíduo isolado à coletividade, às gerações futuras e aos próprios processos ecológicos em si mesmos considerados). 6. Se o bem ambiental lesado for imediata e completamente restaurado ao status quo ante (reductio ad pristinum statum, isto é, restabelecimento à condição original), não há falar, ordinariamente, em indenização. Contudo, a possibilidade técnica, no futuro (= prestação jurisdicional prospectiva), de restauração in natura nem sempre se mostra suficiente para reverter ou recompor integralmente, no terreno da responsabilidade civil, as várias dimensões do dano ambiental causado; por isso não exaure os deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum. 7. A recusa de aplicação ou aplicação parcial dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa. Daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável "risco ou custo do negócio", acarretando o enfraquecimento do caráter dissuasório da proteção legal, verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do infrator premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério. 8. A responsabilidade civil ambiental deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar - juízos retrospectivo e prospectivo. 9. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização, em vez de considerar lesão específica já ecologicamente restaurada ou a ser restaurada, põe o foco em parcela do dano que, embora causada pelo mesmo comportamento pretérito do agente, apresenta efeitos deletérios de cunho futuro, irreparável ou intangível. 10. Essa degradação transitória, remanescente ou reflexa do meio ambiente inclui: a) o prejuízo ecológico que medeia, temporalmente, o instante da ação ou omissão danosa e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, o hiato passadiço de deterioração, total ou parcial, na fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino ou intermediário), algo frequente na hipótese, p. ex., em que o comando judicial, restritivamente, se satisfaz com a exclusiva regeneração natural e a perder de vista da flora ilegalmente suprimida, b) a ruína ambiental que subsista ou perdure, não obstante todos os esforços de restauração (= dano residual ou permanente), e c) o dano moral coletivo. Também deve ser reembolsado ao patrimônio público e à coletividade o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica ilícita que auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados irregularmente da área degradada ou benefício com seu uso espúrio para fim agrossilvipastoril, turístico, comercial). 11. No âmbito específico da responsabilidade civil do agente por desmatamento ilegal, irrelevante se a vegetação nativa lesada integra, ou não, Área de Preservação Permanente, Reserva Legal ou Unidade de Conservação, porquanto, com o dever de reparar o dano causado, o que se salvaguarda não é a localização ou topografia do bem ambiental, mas a flora brasileira em si mesma, decorrência dos excepcionais e insubstituíveis serviços ecológicos que presta à vida planetária, em todos os seus matizes. 12. De acordo com o Código Florestal brasileiro (tanto o de 1965, como o atual, a Lei 12.651, de 25.5.2012) e a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), a flora nativa, no caso de supressão, encontra-se uniformemente protegida pela exigência de prévia e válida autorização do órgão ambiental competente, qualquer que seja o seu bioma, localização, tipologia ou estado de conservação (primária ou secundária). 13. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido da viabilidade, no âmbito da Lei 7.347/85 e da Lei 6.938/81, de cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar (REsp 1.145.083/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 4.9.2012; REsp 1.178.294/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 10.9.2010; AgRg nos EDcl no Ag 1.156.486/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 27.4.2011; REsp 1.120.117/AC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 19.11.2009; REsp 1.090.968/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 3.8.2010; REsp 605.323/MG, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 17.10.2005; REsp 625.249/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 31.8.2006, entre outros). 14. Recurso especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer e não fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur. (REsp n. 1.198.727/MG, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 14/8/2012, DJe de 9/5/2013). Assim, além da obrigação de recuperação ativa da área (elaboração de Plano de Recuperação de Áreas Degradadas – PRAD (83,32 hectares – Adalberto Araujo da Silva e 0,6 hectare – Maria Antonia Progenio Martins), cercamento da área, monitoramento, dentre outras medidas que compõem a pretensão de condenação em obrigação de fazer), deve o requerido interromper uso da área (obrigação de não fazer), inclusive com autorização para que as autoridades de fiscalização ambiental promovam a remoção de qualquer empecilho à regeneração natural (recuperação passiva). Nos termos da função reparadora da responsabilidade civil ambiental, cabe ao degradador compensar economicamente o dano, nos casos em que a recomposição integral da área não seja suficiente, ou como medida complementar à obrigação de fazer. O Ministério Público Federal estimou os valores dos danos materiais com base em metodologia interna de valoração de cobertura florestal nativa, resultando em: R$ 895.023,44 atribuídos a Adalberto Araujo da Silva R$ 6.445,20 atribuídos a Maria Antonia Progenio Martins Tais quantias não foram contestadas e encontram suporte técnico suficiente nos autos. Como reforça a jurisprudência (REsp 948.921/SP), o dano ambiental presume-se e, havendo nexo técnico com a titularidade fundiária, a obrigação reparatória é devida. 2.4. DO DANO MORAL COLETIVO AMBIENTAL O dano moral coletivo é espécie de reparação que busca compensar à sociedade em decorrência de condutas lesivas causadas ao meio ambiente. A degradação de uma extensa área de floresta nativa, inserida em terras públicas, configura violação aos direitos difusos e afeta não apenas o meio ambiente local, mas toda a coletividade, que depende da manutenção de um ecossistema equilibrado. Conforme o entendimento firmado pelo STJ no REsp n.º 1269494/MG, o dano moral coletivo é caracterizado pela violação de direitos de personalidade de uma coletividade. No caso dos danos ambientais, essa violação é evidente, pois a degradação da floresta amazônica afeta a todos, dada a natureza difusa dos bens ambientais Lado outro, o valor total de R$ 447.511,72 (quatrocentos e quarenta e sete mil e quinhentos e onze mil e setenta e dois centavos) atribuído ao requerido Adalberto Araújo da Silva e o valor de R$ 3.222,60 (três mil e duzentos e vinte e dois reais e sessenta centavos) atribuído à requerida Maria Antônia Progênio Martins, pleiteado pelo MPF, a título de indenização por danos morais coletivos, não encontra respaldo na jurisprudência da Corte Regional, de modo que a compensação deve ser fixada em 5% do valor atribuído ao dano material. Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. "PROJETO AMAZÔNIA PROTEGE". MPF E IBAMA. DEGRADAÇÃO AMBIENTAL. RECOMPOSIÇÃO DA ÁREA DEGRADADA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. POSSIBILIDADADE. FIXAÇÃO DE PERCENTUAL SOBRE OS MONTANTES EM DANOS MATERIAIS ATRIBUÍDOS PELA PARTE AUTORA NA PEÇA INICIAL, PROPORCIONALMENTE À PARTE QUE CABE A CADA UM DOS DEMANDADOS. CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 18 DA LEI Nº. 7.347/1985. APLICABILIDADE EM FAVOR DO RÉU. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Trata-se de apelação interposta em face de sentença que, em ação civil pública, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os requeridos em obrigação de fazer, consistente em apresentar PRAD, em face de desmatamento não autorizado em área de floresta nativa. 2. Na espécie, a ação civil pública teve por base levantamentos de fiscalização realizados no âmbito do Projeto Amazônia Protege, por meio da utilização de tecnologia de georreferenciamento e mapeamento por imagens de satélite, com capacidade para delimitar áreas e comprovar se houve supressão de vegetação nativa. O relatório e os laudos apresentados, bem como o cruzamento de dados públicos e a sobreposição de imagens, comprovam, de forma clara, o desmatamento de floresta primária, em área da Amazônia Legal, a caracterizar ilícito ambiental e a autorizar a responsabilização dos demandados por danos morais coletivos. 3. Viabilidade da condenação por dano moral coletivo ambiental, uma vez que afeta tanto os indivíduos que habitam e/ou retiram seu sustento da Região Amazônica, como também todos os indivíduos que fazem jus a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadio, não havendo qualquer necessidade de vinculação, a esse título, da comprovação do sentimento de dor, de repulsa ou de constrangimento a uma comunidade específica. Precedente do STJ. 4. Não tendo havido condenação por danos materiais, quanto ao valor correspondente ao dano moral coletivo, em face da ausência de critério legal estabelecido, e tendo em vista os critérios de razoabilidade e de proporcionalidade, levando-se em consideração a gravidade da infração ambiental, deve ser fixado em 5% dos valores atribuídos a título de danos materiais pelo MPF na peça inicial. 5. Em relação aos honorários advocatícios, deve-se aplicar, por simetria, o art. 18 da Lei 7.347/1985. Descabimento da condenação em honorários advocatícios nas ações civis públicas. 6. Apelação parcialmente provida. (AC 1000011-93.2019.4.01.4102, DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE JORGE FONTES LARANJEIRA, TRF1 - DÉCIMA-SEGUNDA TURMA, PJe 10/07/2024 PAG.) Portanto, o valor da indenização razoável é de 5% do valor dos danos materiais, conforme parâmetros jurisprudenciais. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, nos termos do art. 487, I, do CPC, para: 1. Condenar os réus: 1.1. Adalberto Araujo da Silva, solidariamente: Ao pagamento de R$ 895.023,44 (oitocentos e noventa e cinco mil, vinte e três reais e quarenta e quatro centavos), a título de indenização por dano material ambiental, acrescido de 5% a título de indenização por dano moral coletivo; À obrigação de fazer consistente na apresentação, no prazo de 60 (sessenta) dias, de Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD), referente à área de 83,32 hectares, devidamente georreferenciada, visando à recomposição da vegetação por regeneração natural assistida, a ser executado às suas expensas e acompanhado pelo órgão ambiental competente, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 1.2. Maria Antonia Progenio Martins, solidariamente: Ao pagamento de R$ 6.445,20 (seis mil, quatrocentos e quarenta e cinco reais e vinte centavos), a título de indenização por dano material ambiental, acrescido de 5% (cinco por cento), a título de indenização por dano moral coletivo; À obrigação de fazer consistente na apresentação, no mesmo prazo de 120 (cento e vinte) dias, de PRAD referente à área de 0,6 hectare, nos mesmos moldes do item anterior, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 2. Juros e correção monetária: Os valores devidos a título de indenização deverão ser corrigidos monetariamente pelo IPCA-E e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos contados da data do evento danoso (data base: agosto de 2017), conforme entendimento do STJ para danos extracontratuais ambientais. Em caso de descumprimento da obrigação de “não desmatar”, acarretará em pagamento de multa diária por descumprimento da obrigação de no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Suspenda-se ou mantenha-se a suspensão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) da área até a aprovação do plano de recuperação integral do dano pelo órgão competente. Oficie-se aos Órgãos competentes para que procedam com a suspensão ou retirada do réu da participação em linhas de financiamento oferecidas aos estabelecimentos oficiais de crédito e a perda ou restrição de acesso a incentivos e benefícios fiscais oferecidos pelo Poder Público. Sem condenação em honorários e custas (art. 18 da Lei n. 7.347/1985, aplicável por simetria - AgInt no REsp 1.531.578). Tendo em vista o disposto no artigo 1.010, § 3º, do Código de Processo Civil, em havendo interposição de recurso, intime-se a parte adversa para ciência da sentença, se ainda não o fez, bem como para apresentar contrarrazões, caso queira, no prazo legal. Decorrido o referido prazo, com ou sem manifestação, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, independentemente de novo despacho. Sentença registrada eletronicamente. Publique-se. Intimem-se. Brasília, data e hora registradas no sistema. Laís Durval Leite Juíza Federal em Auxílio [assinado eletronicamente]
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