Simone Lopes De Souza x Banco Santander (Brasil) S.A.
ID: 328102995
Tribunal: TJMT
Órgão: VARA ESPECIALIZADA EM DIREITO BANCÁRIO DE VÁRZEA GRANDE
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 1035033-25.2023.8.11.0041
Data de Disponibilização:
17/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CLEITON CARLOS KLASNER
OAB/MT XXXXXX
Desbloquear
HEBER AZIZ SABER
OAB/MT XXXXXX
Desbloquear
SUELLEN PONCELL DO NASCIMENTO DUARTE
OAB/PE XXXXXX
Desbloquear
MARIANNA BARROS SABER
OAB/MT XXXXXX
Desbloquear
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO NÚCLEO DE JUSTIÇA DIGITAL DE ATUAÇÃO ESTRATÉGICA - NAE PROCESSO: 1035033-25.2023.8.11.0041 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) POLO ATIVO: SIMONE LOPES DE SOUZ…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO NÚCLEO DE JUSTIÇA DIGITAL DE ATUAÇÃO ESTRATÉGICA - NAE PROCESSO: 1035033-25.2023.8.11.0041 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) POLO ATIVO: SIMONE LOPES DE SOUZA REPRESENTANTES POLO ATIVO: MARIANNA BARROS SABER - MT19452-O, Heber Aziz Saber - MT9825-O e CLEITON CARLOS KLASNER - MT25868/O POLO PASSIVO: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. REPRESENTANTES POLO PASSIVO: SUELLEN PONCELL DO NASCIMENTO DUARTE - PE28490-A SENTENÇA Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C NULIDADE CONTRATUAL E RESTITUIÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, ajuizada por SIMONE LOPES DE SOUZA em face do BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A., ambos devidamente qualificados. Narrou, na inicial, que constatou a realização de descontos em sua folha de pagamento de benefício previdenciário, oriundos de contrato firmado, ao que afirma, com origem em empréstimo consignado, mas formalizado, sem sua ciência, como operação de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC). A demandante alega que os descontos ocorreram no período de março de 2011 a agosto de 2022, totalizando 132 parcelas. Afirma que não teve ciência prévia sobre se tratar de contratação de cartão de crédito, tampouco recebeu faturas ou documentos esclarecedores, sendo surpreendida com cobrança abusiva de encargos, em violação ao Código de Defesa do Consumidor, às normas do Banco Central do Brasil e à boa-fé objetiva contratual. Afirmou, ainda, que não possui relação jurídica com o requerido, pugnando pela condenação do réu a restituir em dobro o montante, bem como indenizá-la a título de danos morais. A autora pleiteia: (i) concessão dos benefícios da justiça gratuita; (ii) inversão do ônus da prova; (iii) declaração de nulidade do contrato de cartão de crédito consignado e sua conversão para modalidade de empréstimo pessoal consignado; (iv) limitação dos juros à taxa média de mercado (1,28% a.m.); (v) restituição em dobro dos valores descontados; (vi) indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00; (vii) declaração de quitação da dívida e cancelamento dos descontos em folha; (viii) condenação do réu ao pagamento de custas e honorários. Juntou documentos. Decisão recebeu a inicial, concedeu os benefícios da justiça gratuita e deferiu a inversão do ônus da prova, ID 144189964. A contestação foi apresentada nos autos arguindo, em sede preliminar, inépcia da inicial, por comprovante de residência desatualizado; por procuração desatualizada; ausência de interesse de agir e prescrição. No mérito, alegou em suma, que a parte autora por livre e espontânea vontade, celebrou junto ao requerido o contrato em questão, bem como não ter perpetrado qualquer ato ilícito, ID 152697769. Impugnação à contestação, refutando todos os argumentos trazidos pela requerida ID 155384613. Vieram-me conclusos. Fundamento e decido. Inicialmente, chamo o feito à ordem para fins de REVOGAR o despacho de ID 196978857. Em consequência, determino o DESENTRANHAMENTO da referida minuta, com o devido registro nos autos e certificação pela serventia, para que seja promovido o adequado processamento do feito segundo os parâmetros legais e regimentais. No caso dos autos incide o disposto no artigo 355 do CPC, vez que se trata de matéria exclusivamente de direito. Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I - não houver necessidade de produção de outras provas; Passo a análise das teses preliminares. I - DO COMPROVANTE DE ENDEREÇO DESATUALIZADO. Sem delongas, o comprovante de endereço atualizado não é documento essencial à propositura da ação, não podendo servir de fundamento para a extinção do feito quando a parte informa onde reside e, ainda, ante a ausência de indícios de fraude. Nesse contexto, colaciono os seguintes julgados: TJ-MT - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL 1000381-72.2022.8.11.0087 GUARANTÃ DO NORTE - MT JurisprudênciaSentençapublicado em 20/03/2024 Inteiro teor: como documento indispensável à propositura da ação, ainda mais que entre os requisitos previstos no artigo 319 do CPC/15 , especificamente no inciso II, refere-se tão somente à indicação do endereço eletrônico... DA AUSÊNCIA DE COMPROVANTE DE RESIDÊNCIA ATUALIZADO A preliminar arguida não merece acolhimento, visto que a apresentação, com a inicial, de comprovante de endereço desatualizado, não pode ser interpretado... de admissibilidade para a propositura de ação em questão (...) TJ-GO - Publicação do processo nº 5575527-95.2022.8.09.0136 - Disponibilizado em 27/05/2024 – DJGO - Jurisprudência - Sentença - Publicado em 27/05/2024 - Inteiro Teor - A apresentação, com a inicial, de comprovante de endereço desatualizado, não pode ser interpretado como documento indispensável à propositura da ação, ainda mais que entre os requisitos previstos no artigo... Das preliminares Da ausência de comprovante de residência No tocante ao pedido de indeferimento da inicial pela apresentação de comprovante de endereço desatualizado, a meu ver, não merece prosperar... AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATO DE EMPRESTIMO BANCÁRIO. PRETENSÃO DE PORTABILIDADE DE DÍVIDAS Desse modo, REJEITO a tese preliminar. II - DA PROCURAÇÃO DESATUALIZADA Sustenta o réu, em sede preliminar, a inépcia da inicial, sob o argumento de que a procuração outorgada à parte autora seria “desatualizada”. Contudo, tal alegação não prospera. O art. 105 do Código de Processo Civil disciplina com clareza que: “Art. 105. A procuração geral para o foro, outorgada por instrumento público ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, exceto receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica, que devem constar de cláusula específica.” O § 4º do mesmo dispositivo estabelece que: “Salvo disposição expressa em sentido contrário constante do próprio instrumento, a procuração outorgada na fase de conhecimento é eficaz para todas as fases do processo, inclusive para o cumprimento de sentença.” Dessa forma, não há qualquer imposição legal quanto à data de emissão da procuração como fator de invalidade, desde que o mandato se mantenha hígido e não haja revogação, o que não se verificou no presente caso. Ademais, a peça inaugural veio instruída com instrumento de mandato que atende aos requisitos legais, contendo expressamente os poderes especiais exigidos para os atos previstos no caput do art. 105 do CPC. A jurisprudência, aliás, alinha-se à literalidade do texto legal: TJ-RN - PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL 802990-75.2022.8.20.5126 Santa Cruz - RN JurisprudênciaSentençapublicado em 31/01/2024 Inteiro teor: Assevere-se que a procuração geral para o foro, em regra, tem validade até que seja expressamente revogada pelo outorgante ou renunciada pelo outorgado... geral para o foro, em regra, tem validade até que seja expressamente revogada pelo outorgante ou renunciada pelo outorgado. 3- Inexistindo nos autos informações sobre a revogação do mandato outorgado... PROCURAÇÃO ANTIGA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 , II , DO CPC . REJEITADA. INEXISTÊNCIA DE PRAZO DE VALIDADE NO INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE REVOGAÇÃO DO MANDATO. Portanto, REJEITO a preliminar de inépcia da inicial fundada em suposta desatualização da procuração, uma vez que o mandato juntado é válido, eficaz e preenche os requisitos legais. III - DA FALTA DE INTERESSE DE AGIR Arguiu, ainda a parte ré, falta de interesse de agir, ante a ausência de pretensão resistida e prequestionamento sobre a regularidade do contrato. Esclarece-se a princípio que, a exigência de prévia negativa administrativa para se permitir o ingresso de demanda judicial afrontaria de forma evidente o princípio da inafastabilidade da jurisdição (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal). Além disso, ao contestar a ação, refutando as alegações de mérito, configura-se pretensão resistida, não carecendo de esgotar as vias administrativas para buscar o judiciário. Desse modo, REJEITO a preliminar suscitada. IV - DA PRESCRIÇÃO Afirma a parte demandada que a ação em voga esta atingida pela prescrição e decadência, uma vez que os descontos estão ocorrendo desde 2011 ao passo que trata de vício aparente, eis que a parte autora recebe mensalmente seu demonstrativo de pagamento do benefício com a descrição de todos os créditos e débitos ocorridos, sendo, portanto, plenamente aplicáveis às disposições do Código de Defesa do Consumidor, que em seu art. 26, do CDC, estabelece os prazos a serem observados pelo consumidor. Em que pese os argumentos trazidos a lume pela parte demandada, o fato é que na presente ação e aplica as regras ínsitas no art. 27, do Código de Defesa do Consumidor, portanto, imperioso esclarecer que a prescrição é quinquenal – 05 (cinco) anos, ao passo que a contagem do prazo se inicia na data do último desconto realizado. No caso em concreto, conforme se extrai da exordial junto ao extrato de Ficha Financeira da parte autora ID 117044948, em tese, indevidos, são de 2011 com o último desconto em agosto de 2022. Logo, diante dessas premissas e com base no artigo que disciplina a matéria, alhures grafada, a pretensão em voga não se encontra prescrita. TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: AC 10085485620218110041 - JurisprudênciaAcórdãopublicado em 02/05/2023 - Ementa - ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 1008548-56.2021.8.11.0041 APELAÇÃO - AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO C.C DANOS MORAIS – EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - PRESCRIÇÃO - PRAZO DE 5 ANOS - ART. 27 , DO CDC - TERMO INICIAL - DATA DO ÚLTIMO DESCONTO - ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO STJ - PRESCRIÇÃO NÃO VERIFICADA -DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO - LEGALIDADE DA CONTRATAÇÃO NÃO COMPROVADA - SUPOSTO MOTIVO SOMENTE SUSCITADO NAS RAZÕES RECURSAIS - MATÉRIA NÃO ARGUIDA EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO – INOVAÇÃO RECURSAL – IMPOSSIBILIDADE - COBRANÇA INDEVIDA - RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES - DANO MORAL CONFIGURADO - VALOR ADEQUADO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. A orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça determina que o prazo prescricional aplicável à pretensão de restituição de valores indevidamente descontados de benefício previdenciário é de cinco anos (art. 27 , do CDC ) e o termo inicial para contagem é a data do último desconto (STJ, AgInt no AREsp 1478001/MS , Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2019, DJe 21/08/2019). Não comprovada pela instituição financeira a legalidade da cobrança, torna-se inexistente o débito efetivado na folha de pagamento da parte, condição que enseja a restituição dos valores indevidamente pagos na forma simples, porquanto não demonstrada a má-fé do banco requerido. Demonstrados os requisitos da reparação civil, cabível a indenização a título de dano moral, máxime porque o desconto indevido se deu sobre verba de natureza alimentar. O valor arbitrado a título de danos morais deve levar em conta as circunstâncias do caso concreto, as condições das partes, o grau de culpa e, principalmente, a finalidade da reparação do dano moral, que é a de compensar o dano ocorrido, bem como inibir a conduta abusiva. Salienta-se, enquanto o contrato estiver vigente a relação o consumidor pode ajuizar a ação sem a incidência de quaisquer das preliminares suscitadas de prescrição ou decadência, bem como que se aplica a prescrição quinquenal, conforme disposto no art. 27 do CDC. Note-se: “1. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CIVIL. CONTRATO DE PLANO OU SEGURO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. PRETENSÃO DE NULIDADE DE CLÁUSULA DE REAJUSTE. ALEGADO CARÁTER ABUSIVO. CUMULAÇÃO COM PRETENSÃO DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. EFEITO FINANCEIRO DO PROVIMENTO JUDICIAL. AÇÃO AJUIZADA AINDA NA VIGÊNCIA DO CONTRATO. NATUREZA CONTINUATIVA DA RELAÇÃO JURÍDICA. DECADÊNCIA. AFASTAMENTO. PRAZO PRESCRICIONAL TRIENAL. ART. 206, § 3º, IV, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRETENSÃO FUNDADA NO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. (... ) 1. Em se tratando de ação em que o autor, ainda durante a vigência do contrato, pretende, no âmbito de relação de trato sucessivo, o reconhecimento do caráter abusivo de cláusula contratual com a consequente restituição dos valores pagos indevidamente, torna-se despicienda a discussão acerca de ser caso de nulidade absoluta do negócio jurídico - com provimento jurisdicional de natureza declaratória pura, o que levaria à imprescritibilidade da pretensão - ou de nulidade relativa - com provimento jurisdicional de natureza constitutiva negativa, o que atrairia os prazos de decadência, cujo início da contagem, contudo, dependeria da conclusão do contrato ( CC/2002, art. 179). Isso porque a pretensão última desse tipo de demanda, partindo-se da premissa de ser a cláusula contratual abusiva ou ilegal, é de natureza condenatória, fundada no ressarcimento de pagamento indevido, sendo, pois, alcançável pela prescrição. Então, estando o contrato ainda em curso, esta pretensão condenatória, prescritível, é que deve nortear a análise do prazo aplicável para a perseguição dos efeitos financeiros decorrentes da invalidade do contrato. TJ-BA - Apelação: APL 81177722920208050001 Jurisprudência • Acórdão • Data de publicação: 24/09/2021. (grifo nosso). Desta feita, quanto à prescrição para a pretensão de reparação civil alegada, cumpre ressaltar que a relação jurídica das partes é regida pelo Código de Defesa do Consumidor. Por isso, inaplicável a prescrição, prevista no art. 206, § 3º, IV do Código Civil para a pretensão de reparação civil. Do exposto, REJEITO a tese preliminar. Destarte, não havendo outras preliminares e questões prejudiciais a serem decididas no processo, mostra-se cabível a análise do mérito da demanda, expondo-se as razões do convencimento, nos termos do art. 93, IX, da CF/88, bem como do art. 371 do CPC. Passo à análise meritória. De proêmio, assiste razão à requerente quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista a incidência da Súmula 297, do Superior Tribunal de Justiça. Além disso, a jurisprudência dessa corte é uníssona nesse sentido: STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL: AgRg no AREsp 340520 SP 2013/0143370-0 Jurisprudência • Acórdão • Data de publicação: 20/11/2013 AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO (ART. 544 DO CPC )- AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA DO MINISTRO PRESIDENTE DO STJ QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO. INSURGÊNCIA DA CASA BANCÁRIA. 1. Incidência dos óbices das súmulas 282 e 356 do STF ante a ausência de prequestionamento de dispositivos legais apontados no recurso especial. 2. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às relações jurídicas estabelecidas entre instituição financeira e mutuário (Súmula nº 297 /STJ), sendo autorizada a revisão contratual a teor do enunciado 286/STJ. 3. Tribunal de origem que asseverou a não apresentação do contrato pela casa bancária. Entendimento desta Corte Superior no sentido de que os juros remuneratórios devem ser limitados à taxa média de mercado quando não há como apurar a taxa cobrada pela instituição financeira da contratada. Precedentes. 4. Impossibilidade de presumir a pactuação da capitalização mensal de juros ante a não apresentação do contrato pela casa bancária. 5. Agravo regimental não provido. (g.n). No caso em tela, a parte autora alegou que não firmou o contrato de empréstimo consignado na modalidade cartão de crédito pelo qual tem sido realizados descontos em seu provento, tampouco autorizou os referidos descontos. A demanda cinge-se se houve contrato de empréstimo consignado realizado entre as partes. Pois bem. Sendo a parte requerente beneficiada pela inversão do ônus da prova, decorrente da aplicação do CDC, recaía sobre o agente financeiro, enquanto prestador de serviços, o encargo de provar fato que ilidisse sua responsabilidade dentre as hipóteses previstas na lei. Importante salientar que, em sendo a instituição financeira a única detentora dos meios técnicos, deveria apresentar o detalhamento do negócio jurídico celebrado. Desse modo, em face da relação consumerista existente, caberia à requerida comprovar que a parte autora assinou o termo de adesão e expressamente anuiu à realização de descontos em seu benefício previdenciário. Passo, então, a decidir a causa. Conforme destacado no relatório da presente sentença, a parte autora objetiva alterar a modalidade de contratação de cartão de crédito consignado para empréstimo consignado pessoal, aduzindo, para tanto, que adquiriu empréstimo consignado, mas que ao passar dos anos percebeu que os referidos descontos não se encerravam e, a despeito dos inúmeros pagamentos já realizados, o valor do débito só aumentava. Com efeito, verifica-se que a autora recebeu valores em sua conta que foram disponibilizados pelo banco demandado em operação de TED no valor de R$ 678,48 (seiscentos e setenta e oito reais e quarenta e oito centavos), creditada na conta da parte autora em data bastante posterior — especificamente em 23/02/2017, conforme documento ID 152697784. Essa divergência temporal substancial — mais de seis anos após a suposta contratação — compromete a verossimilhança da tese defensiva, porquanto, para além da ausência de demonstração da continuidade contratual, não foi comprovado qualquer nexo causal direto entre o termo de adesão firmado em 2011 e o TED de 2017, demonstrando que não se tratou de efetiva utilização de cartão de crédito na modalidade comum em que são realizadas compras das mais variadas espécies, o que acaba por comprovar que a natureza da operação possui inequívoca feição de empréstimo pessoal. Nessa perspectiva, dispõe o art. 52 do Código de Defesa do Consumidor. Vejamos: Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre: I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional; II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros; III - acréscimos legalmente previstos; IV - número e periodicidade das prestações; V - soma total a pagar, com e sem financiamento. [...]” É nesse ponto em específico que a questão toma contornos de abusividade, já que não há a devida informação ao consumidor de como os descontos dessa modalidade de contratação se dão (na prática) em relação ao valor emprestado, pois ninguém, em sã consciência, se proporia a celebrar um contrato que, pela forma de amortização é, a bem da verdade, uma dívida interminável porque o desconto se dá, apenas, em relação ao valor mínimo da fatura (ainda que haja dinheiro em conta para o pagamento de todo o montante devido ou saldo positivo frente à fonte pagadora), sendo, em relação ao remanescente, aplicada correção por meio de taxas de juros muito altas que acabam por aumentar, e não diminuir o montante devido, caracterizando, assim, verdadeira cláusula leonina de dificílima compreensão. Ora, é consabido que nas relações de consumo, as cláusulas contratuais precisam ser claras, assertivas e de fácil compreensão a todo e qualquer contratante – sobretudo aqueles considerados leigos no assunto – o que não se verifica no caso aqui tratado em que informações essenciais, como é o caso da forma de amortização do débito, se revelam dúbias a ponto de induzir em erro o consumidor, violando assim os princípios da informação e da transparência insculpidos no art. 46 do CDC. Vejamos: Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. Aplica-se, ademais, o disposto no art. 47 do mesmo código no sentido de que “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”, não se olvidando, ainda, que o consumidor é reconhecido pelo referido código, como a parte vulnerável na relação de consumo (art. 4º, inciso I). Logo, diante do quadro fático aqui delineado, afigura-se manifesta a abusividade no contrato celebrado entre as partes, pois além de se tratar de contrato de adesão em que a parte não consegue se insurgir em face de qualquer elemento da negociação, é nítido que o consumidor foi ludibriado pela instituição financeira a realizar contratação diversa daquela que efetivamente pretendia, incidindo aí, além de todo o arcabouçou protetor previsto no Código de Defesa do Consumidor, as disposições previstas no Código Civil acerca dos defeitos do negócio jurídico (erro e ignorância), mesmo porque a ideia central dos contratos de empréstimo é no sentido de que o devedor possa, por meio de um número de parcelas pré-definidas, efetuar o pagamento gradativo da obrigação até que se chegue ao adimplemento integral do débito. Mas o que se vê, na prática, é uma dívida infindável que só aumentou ao longo do tempo porque a forma de amortização então utilizada é deveras prejudicial ao consumidor em razão da incidência de exorbitantes juros ao remanescente, típicos dessa espécie de operação. Portanto, o que se pode concluir é que o contrato em questão caracteriza não apenas dificuldade na compreensão de certas cláusulas, mas também deficiência em relação a questões obrigatórias, como é o caso da quantidade de parcelas que devem ser pagas pelo contratante para o adimplemento integral da obrigação, tal como expressamente previsto no art. 52, IV, do código consumerista acima citado. Em acréscimo ao quanto afirmado acima, trago à colação interessante lição extraída do voto condutor proferido nos autos da apelação nº 0712789-31.2022.8.07.0007, recentemente julgada pelo E.TJDFT. Vejamos: “[...] 4.1. A relação estabelecida entre as partes guarda natureza consumerista e o contrato aludido nos autos caracteriza-se como contrato de adesão, considerado pela lei como aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo (art. 54 do CDC). 4.2. Nos contratos de outorga de crédito é assegurado ao consumidor o direito de ser informado prévia e adequadamente sobre: preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional (valor contratado); montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros; acréscimos legalmente previstos; número e periodicidade das prestações; soma total a pagar, com e sem financiamento (art. 52 do CDC), dentre outros. 4.3. Dessa forma, a exibição das cláusulas contratuais e a forma de execução dos contratos se insere no dever de informação em decorrência da relação jurídica mantida entre as partes. 4.4. O CDC estabeleceu a responsabilidade objetiva para o fornecedor de serviços, em decorrência do dever de segurança, de informação, de transparência e de boa-fé objetiva (art. 4º do CDC). Tratam-se de princípios que estão intrinsecamente vinculados ao princípio do in dubio pro consumidor que permeia a vulnerabilidade dos consumidores diante de fornecedores. 4.5. O contrato objeto dos autos não externaliza, de forma clara e transparente, as principais características do produto; não distingue o serviço de saque de outras modalidades menos dispendiosas de crédito; além de faltar com objetividade quanto à necessidade de complementar os consignados em folha para efetivamente quitar o débito e evitar a incidência cumulada de encargos. 4.6. Inexiste detalhamento de prazos, valores de parcelas ou de outras especificidades capazes de evitar que um consumidor comum, imbuído do desejo de obter crédito consignado ordinariamente oferecido, assinta, por erro ou desinformação, com contratação abertamente desvantajosa (dados os fins perseguidos) de crédito mediante saque com lançamento em fatura de cartão e depósito em conta corrente. É o que se observa, principalmente, dos tópicos 8 a 10 do Termo firmado. 4.7. Compreensível, nesse sentido, a percepção equivocada do consumidor de que estaria quitando progressivamente o débito mediante os descontos em sua folha de pagamento quando, em verdade, estava diante de um incremento e prolongamento indefinido do saldo devedor - tomando a dívida amplas proporções. 4.8. A assimetria informativa acerca da perenização da dívida por meio dos encargos é evidenciada nos autos considerando que o autor já pagou, até o momento da propositura da inicial, o montante de R$ 54.967,57, e ainda possui um débito de R$ 18.702,42, conforme fatura de julho de 2022, valores que, somados, são muito superiores ao contratado como empréstimo, através de saques no cartão, (R$ 23.750,40), o que caracteriza vantagem desproporcional para a instituição bancária. 4.9. Precedente da Casa: "[...] O contrato não esclarece devidamente as condições da operação de crédito pessoal realizada por meio do cartão emitido pelo banco, especialmente a forma em que os encargos seriam aplicados ao saldo devedor e a quantidade de parcelas a serem pagas. 5. Constatada a onerosidade excessiva imposta contra o consumidor, em decorrência do aumento substancial do valor da dívida e a incerteza quanto ao período necessário para saldar o débito, deve ser aplicado o artigo 51, inciso IV, do CDC, de modo a reconhecer a nulidade das cláusulas contratuais abusivas e excessivamente desvantajosas à parte vulnerável da relação jurídica. [...] (Acórdão 1787898, 07127893120228070007, Relator: JOÃO EGMONT, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 16/11/2023, publicado no PJe: 1/12/2023)”. Daí dizer-se que, pelos elementos probatórios produzidos nos autos, que instruem a presente ação, é inequívoco que a parte autora pretendia contratar modalidade diversa daquela que lhe foi disponibilizada, já que foi induzida em erro em razão da dificuldade de compreensão de determinadas cláusulas (efetiva compreensão acerca de como se daria a amortização da dívida ao longo do tempo), e também pela falta de informações indispensáveis à correta contratação (ausência de especificação do número de parcelas para a liquidação do débito), levando o consumidor a crer que havia contratado empréstimo consignado que seria quitado mensalmente mediante descontos em sua folha de pagamento, quando, na verdade, o valor da dívida se perpetuava no tempo e jamais seria saldada em razão da incidência de encargos excessivos aplicados em razão do pagamento mínimo que só faziam aumentar o valor devido. Assim, demonstrada a conduta abusiva do banco demandado, que impôs onerosidade excessiva ao consumidor, aliado ao fato de que houve vício de consentimento capaz de invalidar a avença, a solução que cabe ao caso é a conversão da contratação para empréstimo consignado comum. A propósito, eis a jurisprudência pátria: TJRS – APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL CUMULADA COM PEDIDO INDENIZATÓRIO. CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. RMC. IRDR Nº 28. IRDR nº 28. Afetação da matéria atinente à nulidade da contratação de cartão de crédito consignado. Teses firmadas em sede de IRDR, que devem ser aplicadas aos processos que versem sobre questão idêntica. Art. 985 do CPC. Nulidade da contratação. É anulável o contrato de cartão de crédito consignado quando celebrado pelo consumidor mediante erro substancial quanto à sua natureza por inobservância ao dever de informação. Conversão em empréstimo consignado. Evidenciada a abusividade, é cabível a conversão do cartão de crédito com reserva de margem consignável em empréstimo consignado, com recálculo das parcelas mediante utilização da taxa média do mercado, garantida a repetição simples de valores cobrados a maior. Dano moral. O reconhecimento da abusividade da contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável não enseja, por si só, a caracterização de dano moral indenizável. Caso concreto. Evidenciada a abusividade, deve ser convertido o contrato em empréstimo consignado. Compensação/repetição de valores autorizada na forma simples. Dano moral não comprovado. APELO PROVIDO EM PARTE. (Apelação Cível, Nº 50020423220228210057, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Bayard Ney de Freitas Barcellos, Julgado em: 27-02-2024). Não diferente é o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Veja-se: AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E NULIDADE CONTRATUAL C/C DEVOLUÇÃO EM DOBRO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO EM BENEFICIO PREVIDENCIÁRIO – ONEROSIDADE EXCESSIVA – AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA INFORMAÇÃO E TRANSPARÊNCIA – CONVERSÃO PARA EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO EM FOLHA DE PAGAMENTO – COMPENSAÇÃO DE VALORES DEPOSITADOS NA CONTA BANCÁRIA DA PARTE AUTORA - REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Conforme o disposto no art. 39, inciso V, do CDC, é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas, exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva. In casu, o banco induziu o consumidor a erro, tendo em vista que este celebrou contrato de cartão de crédito consignado acreditando tratar-se de empréstimo pessoal, em flagrante afronta aos princípios da informação e transparência, notadamente em razão de não informar a cliente acerca do valor efetivo da operação, da quantidade de parcelas a pagar e da taxa de juros praticada. Embora a declaração de inexistência do débito não encontre amparo, mormente pelo fato de que o valor foi disponibilizado ao consumidor, a operação realizada entre as partes deve ser convertida para a modalidade de crédito pessoal consignado em folha, com a incidência de juros remuneratórios de acordo com a taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central à época da contratação. Reconhecido o vício na contratação, resta evidente o dever da instituição financeira em restituir os valores descontados em excesso, contudo, de forma simples e não em dobro, ante a falta de comprovação da má-fé. O simples questionamento da validade do negócio jurídico não configura, por si só, a prática de ato ilícito pelo banco. (N.U 1007734-27.2022.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 13/03/2024, Publicado no DJE 16/03/2024). RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA C/C NULIDADE E INDENIZATÓRIA – CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO – VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO - ILEGALIDADE CONSTATADA - CONSUMIDOR QUE, ACREDITANDO ESTAR CONTRATANDO MÚTUO CONSIGNADO, ADERIU A NEGÓCIO JURÍDICO DIVERSO – SAQUE DE LIMITE DE CARTÃO DE CRÉDITO – CONVERSÃO DA MODALIDADE DA OPERAÇÃO PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – VIABILIDADE – FIXAÇÃO JUROS REMUNERATÓRIOS À TAXA MÉDIA DE MERCADO – DEVOLUÇÃO NA FORMA SIMPLES – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – MÁ FÉ NÃO VERIFICADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Necessária a conversão do contrato de cartão de crédito para crédito pessoal consignado para servidor público, ante comprovação de que o consumidor foi induzido a erro, configurando a prática abusiva e violação do dever de informação de boa-fé pela Instituição Financeira. Consequentemente deve-se incidir juros remuneratórios nas operações de saque realizadas, diante da conversão para a modalidade de crédito pessoal consignado para servidor público, fixadas dentro da taxa média praticada no mercado à época para empréstimos consignados (AREsp 1099613/MG) (https://www.bcb.gov.br/estatisticas/txjuros). Não se verifica a intenção dolosa do apelado, portanto a devolução deve ser na forma simples (art. 42 do CDC). (N.U 1017446-24.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 23/08/2023, Publicado no DJE 29/08/2023). Com a clareza que lhe é peculiar, a Ilustre Relatora aprofundou o tema nos seguintes termos: “[...] Conforme se infere dos documentos colacionados pela própria instituição financeira, a operação que inaugurou a “utilização” do cartão de crédito foi, exatamente, o dito “saque”, seguido por outras operações, cujos valores, aliás, foram todos disponibilizados por meio de TED realizadas diretamente na conta da autora, indicando o desvirtuamento da natureza das operações de cartão de crédito por parte da instituição financeira, com o manifesto intuito de impingir ao consumidor operação mais onerosa e, por conseguinte, mais vantajosa para o banco; sem a devida informação. Nessa perspectiva, tem-se que a conduta do banco viola o dever de informação, maculando a relação jurídica questionada, nos moldes do que disciplina o art. 6º inciso III, do Código de Defesa do Consumidor. Visto por outro ângulo, a conduta do banco se revela incompatível com o dever de lealdade que deve nortear as relações contratuais, circunstância que impõe o reconhecimento da abusividade contratual e a consequente declaração de nulidade da cláusula que estipula taxa de juros para operação de cartão de crédito, nos termos do artigo 51, IV, do CDC. Diante disso, não se pode deixar de reconhecer que o negócio jurídico impugnado padece de legalidade, pela abusividade exteriorizada pela conduta lamentável perpetrada pela instituição financeira, no sentido de promover, à míngua de informação clara e correta, a cooptação de mutuários, a fim de fomentar sua carteira de cartões de crédito, valendo-se de engodo empregado sobre consumidores que buscam a contratação de empréstimo pessoal. Ora, considerando que a parte autora, na qualidade de servidora pública, tinha ao seu alcance modalidade de empréstimo (consignado, com desconto em folha) com juros bem mais baratos do que os praticados por cartões de crédito, que, como cediço, é o mais caro do mercado, não haveria motivo sóbrio, capaz de justificar sua opção pela realização de saque no crédito rotativo do cartão de crédito, como quer fazer crer o banco requerido. [...] Além disso, como não há o pagamento de prestações fixas, mas apenas o refinanciamento automático da diferença entre o valor da fatura e aquele debitado no holerite, a quantia retirada do salário nunca é suficiente para quitar o “saque”, o que causa a perpetuação da dívida, com onerosidade excessiva para o consumidor. Portanto, é clara a violação aos princípios da transparência e informação, bem como ao art. 46 do CDC, já que se trata de conduta comercial abusiva, vedada pelos incisos III e V do art. 39 do CDC. A situação ora em análise é corriqueira e, após ser objeto de diversas Ações individuais, foram propostas algumas Ações Civis Públicas, entre elas a de n. 0010064-91.2015.8.10.0001 pela Defensoria Pública do Estado do Maranhão, recentemente julgada pelo STJ (REsp 1722322/MA ), tendo o Min. Marco Aurélio Belizze consignado o seguinte: Na hipótese em apreço, era ofertado pelas instituições financeiras aos servidores/aposentados/pensionistas cartão de crédito com reserva de margem consignável, em substituição ao usual empréstimo consignado, sem a devida informação aos clientes - sobre o efetivo valor da operação de mútuo, da quantidade de parcelas a pagar, da taxa de juros, da possibilidade de pagamento antecipado e do valor líquido para quitação -, infringindo, assim, o direito de informação dos consumidores, a boa-fé, a segurança jurídica e a transparência. Logo, é inviável a continuidade do contrato na forma realizada (art. 170 do CC) [...]”. Grifos nosso Portanto, diante da abusividade verificada, a fim de evitar maiores prejuízos à parte autora, necessário se faz a conversão da modalidade contratada (cartão de crédito consignado) para empréstimo pessoal consignado, tal como requerido na petição inicial. DOS JUROS REMUNERATÓRIOS Diante da conversão do contrato para empréstimo consignado comum, a fim de dar efetividade ao comando da presente sentença, necessário se faz estabelecer a taxa de juros a ser aplicada a cada operação, sendo pacífica a jurisprudência no sentido de ser utilizada a taxa média de juros disponibilizada pelo Banco Central. A propósito: TJMT – RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA C/C NULIDADE E INDENIZATÓRIA – CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO – VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO - ILEGALIDADE CONSTATADA - CONSUMIDOR QUE, ACREDITANDO ESTAR CONTRATANDO MÚTUO CONSIGNADO, ADERIU A NEGÓCIO JURÍDICO DIVERSO – SAQUE DE LIMITE DE CARTÃO DE CRÉDITO – CONVERSÃO DA MODALIDADE DA OPERAÇÃO PARA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – VIABILIDADE – FIXAÇÃO JUROS REMUNERATÓRIOS À TAXA MÉDIA DE MERCADO – DEVOLUÇÃO NA FORMA SIMPLES – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – MÁ FÉ NÃO VERIFICADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Necessária a conversão do contrato de cartão de crédito para crédito pessoal consignado para servidor público, ante comprovação de que o consumidor foi induzido a erro, configurando a prática abusiva e violação do dever de informação de boa-fé pela Instituição Financeira. Consequentemente deve-se incidir juros remuneratórios nas operações de saque realizadas, diante da conversão para a modalidade de crédito pessoal consignado para servidor público, fixadas dentro da taxa média praticada no mercado à época para empréstimos consignados (AREsp 1099613/MG) (https://www.bcb.gov.br/estatisticas/txjuros). Não se verifica a intenção dolosa do apelado, portanto a devolução deve ser na forma simples (art. 42 do CDC). (N.U 1017446-24.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 23/08/2023, Publicado no DJE 29/08/2023). Assim, reconheço que a taxa de juros deverá ser adequada à média praticada pelo mercado nos percentuais disponibilizados Banco Central, levando-se em consideração a data de cada depósito, a ser apurado em sede de liquidação de sentença. DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO A parte autora requer a repetição do indébito em dobro, mas não comprovou minimamente que o banco demandado agiu com inequívoca má-fé a ponto de caracterizar conduta indevida. Nesse sentido: TJMT – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E NULIDADE CONTRATUAL C/C DEVOLUÇÃO EM DOBRO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO EM BENEFICIO PREVIDENCIÁRIO – ONEROSIDADE EXCESSIVA – AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA INFORMAÇÃO E TRANSPARÊNCIA – CONVERSÃO PARA EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO EM FOLHA DE PAGAMENTO – COMPENSAÇÃO DE VALORES DEPOSITADOS NA CONTA BANCÁRIA DA PARTE AUTORA - REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Conforme o disposto no art. 39, inciso V, do CDC, é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas, exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva. In casu, o banco induziu o consumidor a erro, tendo em vista que este celebrou contrato de cartão de crédito consignado acreditando tratar-se de empréstimo pessoal, em flagrante afronta aos princípios da informação e transparência, notadamente em razão de não informar a cliente acerca do valor efetivo da operação, da quantidade de parcelas a pagar e da taxa de juros praticada. Embora a declaração de inexistência do débito não encontre amparo, mormente pelo fato de que o valor foi disponibilizado ao consumidor, a operação realizada entre as partes deve ser convertida para a modalidade de crédito pessoal consignado em folha, com a incidência de juros remuneratórios de acordo com a taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central à época da contratação. Reconhecido o vício na contratação, resta evidente o dever da instituição financeira em restituir os valores descontados em excesso, contudo, de forma simples e não em dobro, ante a falta de comprovação da má-fé. O simples questionamento da validade do negócio jurídico não configura, por si só, a prática de ato ilícito pelo banco. (N.U 1007734-27.2022.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 13/03/2024, Publicado no DJE 16/03/2024). Nesse viés, houve a modulação de tal entendimento, com base no art. 927, § 3º, do CPC: "29. Impõe-se MODULAR OS EFEITOS da presente decisão para que o entendimento aqui fixado - quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público - se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão", ou seja, após 30/03/2021. No caso, como os descontos foram antes da publicação do referido acórdão, em janeiro de 2011 (ID 152697775), portanto, não é caso de repetição dobrada, mas simples, ressaltando-se, ainda, não evidenciada a má-fé ou conduta contrária à boa-fé objetiva da instituição financeira. Tratando-se de responsabilidade extracontratual, decorrente de tarifa de serviços não contratos, a correção monetária incide a partir de cada desconto indevido em seu benefício previdenciário a título de RMC (Súmula 43 do STJ). Por outro lado, o requerido comprovou por meio do documento ID 152697784, que efetuou o depósito da quantia de R$ 678,48 (seiscentos e setenta e oito reais e quarenta e oito centavos), em conta-corrente de titularidade da requerente, fato este que não foi impugnado pelo demandante. Assim, a fim de evitar enriquecimento ilícito por parte do demandante, deverá ser restituído ao réu a quantia de R$ 678,48 (seiscentos e setenta e oito reais e quarenta e oito centavos), restando autorizada a compensação de valores com a indenização a ser paga pelo réu ao demandante. DO DANO MORAL O dano moral, considerado à luz da legislação pátria, se verifica quando violados valores que compreendem a dignidade e personalidade humana, decorrente de lesão de caráter extrapatrimonial consubstanciado em evento extraordinário que desborde as raias do mero aborrecimento, impingindo ao consumidor grave sofrimento ou angústia. Nesse particular, é importante destacar que a vida em sociedade é caracterizada por uma infinidade de situações e dissabores que somente são superadas mediante exercício de tolerância e compreensão, independentemente do espectro social em que esteja inserido. Assim, não obstante ao comportamento abusivo do banco demandado e do prejuízo experimentado pela parte autora, entendo que a situação não caracteriza, necessariamente, violação aos direitos da sua personalidade ou mesmo ofensa à honra subjetiva, permanecendo, portanto, a situação, na esfera do mero aborrecimento à afastar, portanto, a possibilidade de reparação, mesmo porque, sob a ótica do demandado, apenas estava cumprindo o que fora pactuado. A propósito: TJMT – APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO POR CARTÃO DE CRÉDITO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DO CONSUMIDOR. INDUÇÃO A ERRO NA CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO DO VALOR MÍNIMO DA FATURA. ABUSIVIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE UTILIZAÇÃO E DO ENVIO DO CARTÃO. AUSÊNCIA DE RESPEITO AO DEVER DE INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR. VIOLAÇÃO AO ART. 6º E AO INCISO IV, DO ART. 51, DO CDC. AUTORA QUE PRETENDIA CONTRATAR EMPRÉSTIMO CONSIGNADO PARA PAGAMENTO EM PARCELAS FIXAS. VALOR DISPONIBILIZADO MEDIANTE TED. CONVERSÃO DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO EM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. RESTITUIÇÃO DAS QUANTIAS DE FORMA SIMPLES. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DO BANCO RECORRIDO. DANO MORAL. INEXISTÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Configura prática abusiva ao consumidor o induzimento de contratação de empréstimo mediante cartão de credito consignado com aparência de mútuo comum com desconto na folha de pagamento, violando o dever de informação de boa-fé que devem nortear os contratos consumeristas. 2. Comprovado que o consumidor foi induzido a erro, o contrato deve ser convertido para a modalidade de empréstimo consignado, devendo ser adequada a taxa de juros à média de mercado para essa modalidade de empréstimo. 3. A simples constatação de encargos abusivos e a consequente revisão contratual não ensejam danos morais. 4. No caso dos autos, muito embora incida o Código de Defesa do Consumidor, não há nenhuma hipótese de dano “in re ipsa”, posto que sequer houve inscrição do nome do autor nos órgãos de proteção ao crédito, cabia a parte autora/recorrente comprovar que sofreu os danos morais. 5. Sentença reformada. 6. Recurso parcialmente provido.” (TJMT 10018288320198110028 MT, Relator: SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Data de Julgamento: 23/08/2022, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/08/2022). Logo, não é o caso de condenação em dano moral na forma pretendida pela parte autora. Deixo de enfrentar os demais argumentos deduzidos no processo, porque desnecessários para diminuir a autoridade desta sentença, conforme art. 489, § 1º, IV do CPC, agindo, este Juízo, em obediência também ao comando Constitucional do art. 5º, LXXVIII. Posto isto, com base no que dos autos constam, nos termos do art. 487, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente demanda para: a) Converter o contrato de cartão de crédito consignado para empréstimo comum; b) Fixar os juros remuneratórios a serem aplicados ao referido contrato, conforme a taxa média do Banco Central, a ser verificada na data de cada depósito c) Condenar a parte requerida, a restituir os valores pagos a maior, que deverá se dar na forma simples, corrigida com juros de mora no percentual de 1% ao mês, a ser computado a partir da citação, e correção monetária pelo INPC, a ser contabilizado da data de cada pagamento realizado a maior, com abatimento de eventual débito em aberto, sendo que a apuração se dará por liquidação de sentença; d) Restituir ao réu da quantia de R$ 678,48 (seiscentos e setenta e oito reais e quarenta e oito centavos), ficando autorizada a compensação de valores com a indenização fixada na presente decisão. e) Condenar a parte requerida, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º do CPC. Tratando-se de acolhimento parcial dos pedidos (sucumbência recíproca), condeno as partes ao pagamento das custas processuais, calculadas à fração de 80% sobre o valor da causa, ao banco demandado, e 20% à parte autora, cuja cobrança, em relação a esta, fica suspensa em razão da gratuidade da justiça anteriormente concedida. Transitado em julgado, não havendo outros requerimentos, arquivem-se os autos com as baixas e comunicações de estilo. Cumpra-se, expedindo o necessário. Às providências. Rio Branco/MT, datado e assinado digitalmente. LUCIANA SITTINIERI LEON Juíza de Direito Substituta Designada pela Portaria n. 866/2025-TJMT/PRES
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear