Processo nº 1000358-28.2025.8.11.0021
ID: 299221274
Tribunal: TJMT
Órgão: NÚCLEO DE JUSTIÇA DIGITAL DA SAÚDE PÚBLICA
Classe: TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE
Nº Processo: 1000358-28.2025.8.11.0021
Data de Disponibilização:
16/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GUSTAVO CIPULLO NESTERUK MOREIRA
OAB/SP XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO NÚCLEO DE JUSTIÇA DIGITAL DA SAÚDE PÚBLICA SENTENÇA PROCESSO N.: 1000358-28.2025.8.11.0021 REQUERENTE: EDUARDO GALVAO MESSIAS REQUERIDO: MUNICÍPIO DE ÁGUA BOA, …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO NÚCLEO DE JUSTIÇA DIGITAL DA SAÚDE PÚBLICA SENTENÇA PROCESSO N.: 1000358-28.2025.8.11.0021 REQUERENTE: EDUARDO GALVAO MESSIAS REQUERIDO: MUNICÍPIO DE ÁGUA BOA, ESTADO DE MATO GROSSO Vistos, etc. Trata-se de ação de obrigação de fazer ajuizada por EDUARDO GALVAO MESSIAS contra o ESTADO DE MATO GROSSO e do MUNICÍPIO DE ÁGUA BOA, objetivando a concessão da tutela provisória de urgência para compelir os requeridos ao fornecimento do medicamento Nintedanibe 150mg. A parte autora registra, em síntese, que é portador de fibrose pulmonar idiopática (CID J84.1), doença crônica, progressiva e incurável, caracterizada pela perda da capacidade pulmonar devido à fibrose dos alvéolos, e que diante de seu quadro clinico necessita do medicamento pleiteado. Com a inicial vieram os documentos. Determinação de emenda a inicial, id. 182683439. Novos documentos juntados pela parte autora, id. 182882517 a 182882511. Parecer do Núcleo de Apoio Técnico – NAT ao Id. 184594478. Tutela de urgência foi indeferida no ID. 184799961. O MUNICÍPIO DE ÁGUA BOA apresentou contestação (Id. 185551967), alegando a ausência de demonstração da imprescindibilidade do medicamento pela parte Autora, ainda, a competência do Estado no cumprimento da obrigação em fornecer medicamento de alto custo, nos termos das regras de repartição de competência, estabelecido pelo Tema 793 STF, ainda, que caso de eventual condenação sejam atribuídos obrigações menos acentuadas ao Município. Nesses termos, requereu o direcionamento da responsabilidade ao Estado de Mato Grosso e a improcedência dos pedidos autorais. Manifestações da parte autora aos IDS. 185685095 e 185880380. O ESTADO DE MATO GROSSO apresentou contestação (Id. 187194439), alegando preliminarmente: a)Ilegitimidade passiva – plano de saúde; b) Hipossuficiência não comprovada; c) Medicamento “Fora do SUS” - Competência Judicial em discussão. Necessidade de consulta constante da situação do Tema 1234 do STF; d) medicamento rejeitado pela CONITEC; e) incorreção do valor da causa; e) ausência de prévio requerimento administrativo – inépcia. No mérito, sustentou a responsabilidade primária da União, considerando tratar-se de medicamento não incorporado no SUS. Alega a ausência da comprovação da ineficácia dos medicamentos fornecidos pelo SUS, imprescindibilidade do medicamento e a incapacidade financeira de arcar com os custos do fármaco. Por fim, aponta a necessidade de renovação periódica da prescrição médica a cada 3 (três) meses bem assim, a liberação gradual dos valores eventualmente penhorados das contas publicas e a prestação de contas ao juízo, nos termos dos enunciados 2, 15, 32, 54 e 55 das Jornadas de Saúde do CNJ. Nesses termos, requereu direcionamento da responsabilidade à União e a improcedência dos pedidos e ainda a limitação do preço ao teto previsto pelo Tema 1.033 do Supremo Tribunal Federal (TABELA CMED). Impugnação a contestação apresentada ao ID. 188841622. Os autos vieram conclusos. É o relatório. Decido. No caso, estão preenchidos os pressupostos de constituição e inexiste pendência de questão processual, de modo que o feito se revela apto para julgamento, motivo pelo qual passo ao julgamento antecipado da lide, na forma do art. 355, I do CPC. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO – REQUERENTE BENEFICIÁRIO DE PLANO DE SAÚDE. Trata-se de preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelo Estado de Mato Grosso, sob o fundamento de que a parte autora possui plano de saúde privado (UNIMED – BARRA DO GARÇAS, ID 185685100), o que afastaria a responsabilidade do ente público pelo fornecimento do medicamento indicado. Contudo, a preliminar não merece acolhimento, pelos fundamentos que seguem: 1. Do Direito à Saúde e da Solidariedade dos Entes Federados (Art. 196 da CF/88) O direito à saúde é um direito fundamental social, garantido a todos os cidadãos pelo artigo 196 da Constituição Federal de 1988, que estabelece: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". A interpretação desse dispositivo constitucional leva à conclusão de que a responsabilidade pela prestação de serviços de saúde é solidária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Essa solidariedade implica que qualquer um dos entes federados pode ser demandado para garantir o acesso às ações e serviços de saúde, não havendo que se falar em ilegitimidade passiva de um deles. A finalidade precípua dessa solidariedade é assegurar o direito fundamental à saúde, permitindo que o cidadão obtenha o tratamento necessário sem entraves burocráticos ou discussões acerca da competência de cada ente. 2. Da Irrelevância da Titularidade de Plano de Saúde Privado e da Comprovação da Hipossuficiência Financeira A alegação de que a parte autora possui plano de saúde privado e, por isso, o Estado seria parte ilegítima, não se sustenta. A titularidade de um plano de saúde não é, por si só, indicativo de capacidade financeira para arcar com medicamentos de alto custo, especialmente em casos de tratamentos contínuos e de valores elevados, como o medicamento Nintedanibe 150mg, cujo custo mensal varia entre R$ 12.000,00 e R$ 15.000,00. A análise da hipossuficiência financeira para fins de concessão de medicamentos pelo Poder Público deve ser feita de forma individualizada, considerando a real capacidade do indivíduo de suportar os custos do tratamento. O fato de possuir plano de saúde não exime o Estado de sua responsabilidade constitucional de prover o tratamento, principalmente quando o plano se recusa a cobrir o medicamento ou quando o custo é manifestamente exorbitante para o orçamento familiar, mesmo para aqueles que possuem alguma cobertura suplementar. Nesse sentido, a Declaração de Imposto de Renda referente ao ano de 2024 (ID 185685100), acostada aos autos, comprova que o rendimento mensal da parte autora é incompatível com o valor do tratamento vindicado. Tal documento demonstra, de forma inequívoca, a hipossuficiência financeira da parte para custear o medicamento, reforçando a necessidade da intervenção estatal para garantir o acesso ao tratamento essencial à sua saúde e vida. Os Temas 1234 e 6 do STF, embora não tratem diretamente da solidariedade, reforçam a necessidade de análise da capacidade financeira do indivíduo e a primazia do direito à saúde em face de questões orçamentárias, quando comprovada a hipossuficiência. Diante do exposto, REJEITO a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelo Estado de Mato Grosso. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL – AUSENCIA DE PREVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO No que tange à preliminar de falta de interesse de agir, cumpre salientar que a ausência de requerimento administrativo ou esgotamento da via administrativa não constitui óbice ao ajuizamento de demanda judicial, à luz do artigo 5º, XXXV da Constituição Federal. Neste sentido: “MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NÃO INCORPORADO EM ATOS NORMATIVOS DO SUS. TEMA 106/STJ.MODULAÇÃO DOS EFEITOS. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR NÃO CONFIGURADO. DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA.PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA E ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA VERIFICADAS. CARÊNCIA DO DIREITO DE AÇÃO NÃO CONFIGURADA. PRELIMINARES AFASTADAS. DIREITO LÍQUIDO E CERTO DEMONSTRADO. FORNECIMENTO DEVIDO. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. NECESSIDADE DE RENOVAÇÃO DA PRESCRIÇÃO MÉDICA E DEVOLUÇÃO DE MEDICAMENTO NÃO UTILIZADO. IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA. INVIABILIDADE. BLOQUEIO DE VERBA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. (...) 2. Não há falar-se em ausência de interesse de agir da Substituída, sob o argumento de que ela não esperou o recebimento administrativo do medicamento pleiteado, posto que, o fato de haver processo licitatório aberto, para a aquisição do medicamento, não impede que o Poder Público seja compelido a cumprir o seu dever constitucional de promoção da saúde. Ademais, o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição impede que o prévio requerimento, na via administrativa, seja exigido como condição de procedibilidade do mandamus. (..). SEGURANÇA CONCEDIDA”. (TJGO, Mandado de Segurança (CF, Lei12016/2009) 5151725 32.2017.8.09.0000, Rel. MAURICIO PORFIRIO ROSA, 5ª Câmara Cível, julgado em 12/04/2019, DJe de 12/04/2019). Desta forma, o esgotamento da via administrativa não pode servir de empecilho para que o interessado solicite a prestação jurisdicional, mormente porque esta é uma garantia constitucional. Portanto, REJEITO a preliminar suscitada. MEDICAMENTO “FORA DO SUS” - COMPETÊNCIA JUDICIAL EM DISCUSSÃO. NECESSIDADE DE CONSULTA CONSTANTE DA SITUAÇÃO DO TEMA 1234 DO STF O Estado de Mato Grosso aduz a incompetência absoluta da justiça estadual e a necessidade de inclusão da União no polo passivo sob o argumento de que os medicamentos não assegurados no SUS são de sua responsabilidade. Aponta que se trata de medicamento não padronizado pelo Sistema Único de Saúde, mas registrado na ANVISA requerendo a análise da situação nos moldes do Tema 1234 do Supremo Tribunal Federal. Pois bem. Conforme decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento dos embargos de declaração relativos ao Tema 1234 (RE 1.366.243/SC), em 16/12/2024, foi expressamente modulada a aplicação dos efeitos da tese fixada quanto à competência, para restringi-la às ações ajuizadas após a publicação do resultado do julgamento de mérito no Diário de Justiça Eletrônico ocorrida em 11/10/2024, afastando sua incidência sobre os processos em tramitação até o referido marco. Vejamos: “[...] 2) rejeitou os embargos de declaração opostos pelo Estado de Santa Catarina, mas os acolheu a título de esclarecimentos e sem efeitos modificativos para constar do item 1, referente à Competência, a seguinte redação: 1) Para fins de fixação de competência, as demandas relativas a medicamentos não incorporados na política pública do SUS e medicamentos oncológicos, ambos com registro na ANVISA, tramitarão perante a Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal, quando o valor do tratamento anual específico do fármaco ou do princípio ativo, com base no Preço Máximo de Venda do Governo (PMVG situado na alíquota zero), divulgado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED - Lei 10.742/2003), for igual ou superior ao valor de 210 salários mínimos, na forma do art. 292 do CPC; 3) acolheu parcialmente os embargos opostos pela União, tão somente quanto à modulação dos efeitos da decisão no que se refere à competência, para abarcar também os medicamentos incorporados, devendo ser suprimido do Capítulo 5 do voto condutor do acórdão embargado a remissão ao "item 1 do acordo firmado na Comissão Especial", por referir-se unicamente aos medicamentos não incorporados. Consequentemente, os efeitos do tema 1234, quanto à competência, somente se aplicam às ações que forem ajuizadas após a publicação do resultado do julgamento de mérito no Diário de Justiça Eletrônico, afastando sua incidência sobre os processos em tramitação até o referido marco, sem possibilidade de suscitação de conflito negativo de competência a respeito dos processos anteriores ao referido marco jurídico. Tudo nos termos do voto do Relator. O Ministro Luiz Fux acompanhou o Relator com ressalvas. Plenário, Sessão Virtual de 6.12.2024 a 13.12.2024. [Grifo nosso]. No caso em análise, verifico que o custo anual do medicamento não excede 210 salários mínimos. Portanto, não há qualquer razão para o acolhimento da preliminar de inclusão obrigatória da União no polo passivo e de remessa do feito à Justiça Federal, razão pela qual rejeito a preliminar arguida. Passo a análise do mérito. Com relação ao mérito, o direito fundamental à saúde está inserido no conceito de dignidade humana, conforme delineado no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal, pois a dignidade não pode ser plenamente assegurada na ausência de condições mínimas para a preservação da saúde do indivíduo. De igual modo, a proteção do direito à saúde encontra-se expresso no caput do artigo 5º da Constituição, o qual resguarda o direito à vida, como o mais primordial dos direitos fundamentais. Além disso, o artigo 196 da Carta Magna de 1988 afirma que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Ademais, a tutela desse direito indisponível também é amparada pela Lei n. 8.080/90, que delimita os princípios do sistema de saúde nacional, reconhecendo referido direito como fundamental do individuo e impondo ao Estado (em sentido genérico) a obrigação de assegurar a sua efetivação, nos termos precisos do art. 2º, conforme segue: Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. Assim, evidente que incumbe ao Poder Público zelar pela integridade deste direito público subjetivo garantido pela Constituição, providenciando os meios necessários para assegurar a plena realização dos propósitos delineados no artigo 196 da Constituição Federal de 1988. Nessa toada, conforme orientação jurisprudencial dominante sobre a disciplina do direito fundamental de saúde, insculpido pela Constituição Federal ao estabelecer no artigo 196 que esse é um dever do Estado, entendo que, se esse Estado foi constituído sobre a forma federativa (art. 60, § 4º, I, da CR/88), todos os entes (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) detêm a obrigação de promovê-lo à população de forma solidária. Esse é inclusive o exposto no artigo 23, II da Constituição Federal in verbis: “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;”. Seguindo esta linha de raciocínio, a competência para a promoção da saúde deve ser repartida pelos Entes, conforme o estabelecido nos artigos 16 a 19 da Lei nº 8.080/90, que estabelece normas gerais sobre o Sistema Único de Saúde (SUS). Destaco, ademais, que este assunto foi tratado no Recurso Extraordinário n. 855.178 RG, Rel. Min. Luiz Fux, j. 5-3-2015, P, DJE de 16-3-2015, Tema 793, com reafirmação de jurisprudência em 06/03/2015, sendo fixada a seguinte tese: “Tema 793/STF. Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro”. Não obstante a isso, é certo que na II Jornada de Direito da Saúde realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foram aprovados novos enunciados, dentre eles o Enunciado 60 que dispõe: ENUNCIADO N° 60 A responsabilidade solidária dos entes da Federação não impede que o Juízo, ao deferir medida liminar ou definitiva, direcione inicialmente o seu cumprimento a um determinado ente, conforme as regras administrativas de repartição de competências, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento. Ademais, os enunciados n. 08 e 67 da III Jornada de Direito da Saúde realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ): ENUNCIADO Nº 08 Nas apreciações judiciais sobre ações e serviços de saúde devem ser observadas as regras administrativas de repartição de competência entre os entes federados. (Redação dada pela III Jornada de Direito da Saúde – 18.03.2019). ENUNCIADO Nº 87 Nas decisões que determinem o fornecimento de medicamento ou de serviço por mais de um ente da federação, deve-se buscar, em sendo possível, individualizar os atos que serão de responsabilidade de cada ente. Feitas tais considerações, é possível concluir que os entes da federação em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais de saúde, sendo possível ainda, o direcionamento do cumprimento da medida liminar ou definitiva a determinado ente, conforme as regras administrativas de repartição de competências. Destaco ainda que considerando a pretensão inicial (fornecimento de medicamento), bem assim a notícia de risco de vida do paciente o Enunciado n. 8 do Comitê Estadual de Saúde do Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso[1] dispõe: ENUNCIADO N. 8 Define-se urgência, no âmbito da saúde, como a ocorrência imprevista de agravo a saúde com ou sem risco potencial a vida, cujo portador necessita de assistência médica imediata [Anexo, item 2.2, da Portaria n. 354, de 10 de março de 2014, do Ministério da Saúde]. Ademais, o Enunciado n. 9 do Comitê Estadual de Saúde do Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso define a emergência no âmbito da saúde “como a constatação médica de condições de agravo a saúde que impliquem sofrimento intenso ou risco iminente de morte, exigindo, portanto, tratamento médico imediato [Anexo, item 2.1, da Portaria n.354, de 10 de março de 2014, do Ministério da Saúde]”. Negritei. No caso dos autos, a pretensão posta na inicial consiste no fornecimento do medicamento NINTEDANIBE em razão do diagnóstico de Fibrose Pulmonar Idiopática (CID J84.9). Com efeito, denota-se que o pedido está pautado em relatório médico acostado no ID. 185880381, na qual relata que “Paciente EDUARDO GALVÃO MESSIAS é portador de Fibrose Pulmonar Idiopática (CID J84.9), com diagnóstico em 2019, com seguimento regular e uso prévio de medicamentos que não impediram a progressão da doença, como o corticosteroide. Desde então, tem apresentado sintomas como dispneia progressiva, tosse seca e fadiga. Os sintomas têm piorado gradualmente, impactando significativamente a qualidade de vida do paciente ”. Ainda, “1. Existe tratamento alternativo para o quadro atual disponibilizado pelo SUS? Não, não existe tratamento alternativo ao proposto disponibilizado pelo SUS. A compreensão da FPI como uma doença principalmente fibrótica com inflamação mínima ou inexistente inaugurou a era antifibrótica, com duas drogas atualmente aprovadas: pirfenidona e nintedanibe. Nenhuma das duas medicações estão disponíveis no SUS. 2) Qual a consequência caso o paciente não seja submetido ao tratamento? Inexoravelmente haverá a progressão da doença, com piora da insuficiência respiratória e necessidade de transplante pulmonar o que sabidamente apresenta altas taxas de mortalidade no pós-operatório [além de ser um evento extremamente mais oneroso para o sistema público de saúde]. 4) Há risco de vida ou de agravamento do quadro clínico atual? Justifique Sim, o paciente encontra-se sintomático, com dispneia aos moderados esforços, podendo progredir com piora da disfunção pulmonar/respiratória, caso não inicie imediatamente a medicação (nintendanibe 150mg 1 comprimido, via oral, de 12 em 12 horas). O uso desta medicação” Além disso, os autos foram encaminhados ao Núcleo de Apoio Técnico – NAT, que emitiu o seguinte parecer: “Conclusão Justificada: Não favorável Conclusão: Considerando o dignóstico como Fibrose Pulmonar Idiopática (CID J84.1), de acordo com relatório médico (fl. 19) acostados nos autos. O medicamento Esilato de Nintedanibe não pertence à Relação Nacional de Medicamentos Essenciais– RENAME 2024 e não faz parte de nenhum Componente de Assistência Farmacêutica no SUS, portanto não está disponível no SUS. Considerando os estudos apresentados com o tempo de acompanhamento dos pacientes, por se tratarem de estudos de curto prazo, geram incertezas em relação a real eficácia do medicamento no retardo da progressão da doença, em especial com relação ao benefício trazido ao paciente em termos de resultados de sobrevida e melhora da qualidade de vida. O medicamentos ( nintedanibe) possui registro ativo na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e consta em bula indicação é indicado para o tratamento e retardo da progressão da fibrose pulmonar idiopática (FPI). Ressalta-se que, no momento não foi publicado pelo Ministério da Saúde Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para o manejo da Fibrose Pulmonar Idiopática (FPI), portanto não há lista oficial e específica de medicamentos que possam ser implementados nestas circunstâncias. Considerando a recomendação da CONITEC pela não padronização do nintedanibe para fibrose pulmonar idiopática e que após consulta pública reafirmou sua decisão pela não incorporação no SUS o medicamento nintedanibe para o tratamento da fibrose pulmonar idiopática (FPI). Conclui NÃO FAVORÁVEL a demanda judicial” (Id. 184594478). Ocorre que o medicamento pleiteado NÃO está previsto na RENAME ou na RESME e não faz parte de nenhum componente da assistência farmacêutica do SUS para a patologia da paciente. Nessa toada, com relação aos medicamentos que não estão incorporados pelo Sistema Único de Saúde – SUS, em relação à obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, o Superior Tribunal Federal fixou a seguinte tese (Tema 6): Tese de julgamento: “1. A ausência de inclusão de medicamento nas listas de dispensação do Sistema Único de Saúde - SUS (RENAME, RESME, REMUME, entre outras) impede, como regra geral, o fornecimento do fármaco por decisão judicial, independentemente do custo. 2. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado às listas de dispensação do Sistema Único de Saúde, desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos, cujo ônus probatório incumbe ao autor da ação: (a) negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa, nos termos do item ‘4’ do Tema 1.234 da repercussão geral; (b) ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Conitec, ausência de pedido de incorporação ou da mora na sua apreciação, tendo em vista os prazos e critérios previstos nos artigos 19-Q e 19-R da Lei nº 8.080/1990 e no Decreto nº 7.646/2011; (c) impossibilidade de substituição por outro medicamento constante das listas do SUS e dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas; (d) comprovação, à luz da medicina baseada em evidências, da eficácia, acurácia, efetividade e segurança do fármaco, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados e revisão sistemática ou meta-análise; (e) imprescindibilidade clínica do tratamento, comprovada mediante laudo médico fundamentado, descrevendo inclusive qual o tratamento já realizado; e (f) incapacidade financeira de arcar com o custeio do medicamento. Insta ressaltar que os requisitos do Tema 6 do Superior Tribunal Federal são cumulativos, sendo necessária a comprovação destes para que o requerente faça jus ao recebimento de medicamento não previsto pelo Sistema Único de Saúde. Em que pese a urgência e a necessidade constatada na utilização do fármaco para o tratamento da patologia do autor, o julgamento da questão exige a observância das balizas fixadas pelo Supremo Tribunal Federal. No caso concreto, verifica-se que a parte autora não demonstrou o cumprimento cumulativo dos requisitos exigidos para a concessão judicial de medicamentos não incorporados ao SUS, conforme consolidado no Tema 6 da Repercussão Geral. Especificamente, não restou comprovado: (b) ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Conitec, ausência de pedido de incorporação ou da mora na sua apreciação, tendo em vista os prazos e critérios previstos nos artigos 19-Q e 19-R da Lei nº 8.080/1990 e no Decreto nº 7.646/2011;e Conforme se extrai dos documentos acostados aos Ids 185880381 e 185685100, o laudo médico juntado aos autos atesta a inviabilidade de substituição do fármaco pleiteado por outro constante das listas do SUS ou dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs), tendo em vista que, segundo o relato técnico, não há alternativa terapêutica equivalente disponível na rede pública. Ademais, o referido documento destaca a imprescindibilidade do tratamento, advertindo que a ausência da medicação poderá acarretar progressão da doença, agravamento da insuficiência respiratória e consequente necessidade de transplante pulmonar — procedimento este que, sabidamente, apresenta elevadas taxas de mortalidade no pós-operatório. Adicionalmente, restou comprovada a hipossuficiência do autor por meio do documento acostado ao Id. 185685100, evidenciando sua incapacidade financeira para arcar com os custos do tratamento com o medicamento nintedanibe. Embora o laudo médico esteja adequadamente fundamentado quanto à indicação clínica, atendendo aos requisitos previstos nos itens 'E' e 'F', verifica-se que não foi observado o requisito constante do item 'B'. Isso porque não foi apresentada qualquer prova nos autos acerca da existência de ilegalidade ou mora no processo de incorporação do medicamento pela CONITEC, tampouco houve demonstração de pedido formal de incorporação ou negativa administrativa devidamente motivada. Dessa forma, em razão da ausência de comprovação de tais requisitos, conclui-se que a pretensão não encontra respaldo nos parâmetros estabelecidos pelo STF para o deferimento de medicamentos de alto custo fora da lista do SUS, sendo certo que a judicialização de demandas de saúde deve observar critérios técnicos e legais de modo a garantir a sustentabilidade do sistema e evitar a concessão de benefícios que não atendam aos requisitos mínimos de necessidade e viabilidade. Dessa forma, não há como acolher o pedido formulado, porquanto sua procedência implicaria afronta às diretrizes fixadas pelo Supremo Tribunal Federal e aos princípios que regem o Sistema Único de Saúde. Diante do exposto, com fulcro no artigo 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL. Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais, mas suspendo a exigibilidade dessas custas em razão da gratuidade de justiça concedida nos autos. Desde já, e havendo valores depositados em conta judicial vinculado ao presente feito, caso não seja utilizado para o cumprimento desta decisum, autorizo a expedição do necessário alvará de levantamento em favor do ente público, para tanto deve informar nos autos os dados bancários de sua titularidade (Banco, Agência, Conta Corrente e Titularidade). Preclusa a via recursal e nada sendo requerido, arquivem-se os autos com as baixas e anotações de estilo. Intime-se. Cumpra-se. AGAMENON ALCÂNTARA MORENO JÚNIOR Juiz de Direito [1] Disponível em: https://comitedesaude.tjmt.jus.br/pagina/16 - acesso 27/05/2024.
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