Joao Luiz Tessarolo e outros x Joao Luiz Tessarolo
ID: 292890017
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1000086-69.2023.8.11.0032
Data de Disponibilização:
09/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LEANDRO ANDRADE DO CARMO
OAB/MT XXXXXX
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JOAO ANTONIO DA SILVA BALBINO
OAB/MT XXXXXX
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JORDANA GALLIO BALBINO
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000086-69.2023.8.11.0032 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Estupro de vulnerável] Relator: Des(a). ORLANDO DE AL…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000086-69.2023.8.11.0032 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Estupro de vulnerável] Relator: Des(a). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI Turma Julgadora: [DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). WESLEY SANCHEZ LACERDA] Parte(s): [JOAO LUIZ TESSAROLO - CPF: 404.619.399-91 (APELANTE), JORDANA GALLIO BALBINO - CPF: 056.806.841-60 (ADVOGADO), JOAO ANTONIO DA SILVA BALBINO - CPF: 823.357.531-34 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), LEANDRO ANDRADE DO CARMO - CPF: 003.222.791-43 (ADVOGADO), DIONEIA RIBEIRO DA SILVA LIMA - CPF: 022.286.841-47 (TERCEIRO INTERESSADO), EDSON DOS SANTOS CAVALHEIRO - CPF: 847.384.219-72 (TERCEIRO INTERESSADO), S. B. T. C. - CPF: 047.943.871-48 (VÍTIMA), VANDERLEI FERREIRA DA COSTA - CPF: 093.896.441-00 (ASSISTENTE), INGRID BRUNA TESSAROLO - CPF: 015.968.461-78 (ASSISTENTE), JACIRA FERREIRA TESSAROLO - CPF: 396.330.201-15 (ASSISTENTE), DIONEIA RIBEIRO DA SILVA LIMA - CPF: 022.286.841-47 (ASSISTENTE), RAFAEL LUIZ GARCIA TESSAROLO - CPF: 039.843.001-23 (ASSISTENTE), S. B. T. C. - CPF: 047.943.871-48 (APELANTE), LEANDRO ANDRADE DO CARMO - CPF: 003.222.791-43 (ADVOGADO), JOAO ANTONIO DA SILVA BALBINO - CPF: 823.357.531-34 (ADVOGADO), JOAO LUIZ TESSAROLO - CPF: 404.619.399-91 (APELADO), JORDANA GALLIO BALBINO - CPF: 056.806.841-60 (ADVOGADO), LEANDRO ANDRADE DO CARMO - CPF: 003.222.791-43 (ADVOGADO), S. B. T. C. - CPF: 047.943.871-48 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELANTE)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). Não encontrado, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 1000086-69.2023.8.11.0032 APELANTE: JOAO LUIZ TESSAROLO, S. B. T. C. APELADO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, JOAO LUIZ TESSAROLO EMENTA: DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ABSOLVIÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO PARA A TENTATIVA INVIÁVEL. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA REVISTA EM PARTE. INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE DO ART. 61, INCISO II, ALÍNEA F, DO CÓDIGO PENAL JUSTIFICADA. INDENIZAÇÃO MÍNIMA EM FAVOR DA VÍTIMA. REQUERIMENTO INCLUÍDO NA DENÚNCIA. RECURSO DA DEFESA DESPROVIDO E PARCIALMENTE PROVIDO O DA ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. I. Caso em exame Recursos de apelação interpostos contra sentença que condenou o réu à pena de 20 anos de reclusão por estupro de vulnerável, na forma continuada, e a 1 mês de detenção por ameaça. A defesa busca a absolvição por insuficiência de provas; subsidiariamente, o reconhecimento da tentativa e a aplicação do princípio da consunção quanto à ameaça. A assistente de acusação pleiteia majoração da pena-base, o reconhecimento de agravante da coabitação, o afastamento do crime continuado entre os delitos e a fixação de indenização mínima à vítima. II. Questão em discussão As questões em discussão consistem em saber se: (i) a condenação por estupro de vulnerável e ameaça deve ser mantida diante das provas produzidas; (ii) é possível o reconhecimento da tentativa em relação ao crime sexual; (iii) o crime de ameaça deve ser absorvido pelo estupro; (iv) existem elementos para exasperar a pena-base; (v) deve ser aplicada a agravante prevista no art. 61, II, "f", do Código Penal; (vi) é cabível a fixação de indenização mínima à vítima. III. Razões de decidir Os relatos da vítima, firmes e coerentes, prestados em ambiente protegido, foram corroborados por outras provas, evidenciando a materialidade e autoria do crime. A jurisprudência do STJ é pacífica ao reconhecer a suficiência da palavra da vítima em crimes sexuais, quando harmônica com o restante das provas, ainda que ausente laudo conclusivo. Não há falar em tentativa, pois a consumação do estupro de vulnerável independe de conjunção carnal, bastando a prática de ato libidinoso. A ameaça não constitui meio necessário à prática do crime sexual, mas instrumento para assegurar a impunidade do agente, sendo inviável a absorção. A agravante da alínea "f" do inciso II do art. 61 do CP, incide quando o réu se prevalece da relação doméstica de coabitação ou hospitalidade para cometer o crime e seu reconhecimento concomitante com causa de aumento do art. 226, II, não configura bis in idem. A indenização mínima é devida, nos termos do art. 387, IV, do CPP, quando expressamente requerida na denúncia e deve ser fixada com base na proporcionalidade e razoabilidade. IV. Dispositivo e tese Recurso da defesa desprovido. Recurso do assistente de acusação parcialmente provido, para incluir a agravante do art. 61, II, "f", do Código Penal e fixar indenização mínima no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Tese de julgamento: 1. É suficiente, para fins de condenação por estupro de vulnerável, a palavra firme e coerente da vítima, corroborada por outros elementos de prova. 2. A desclassificação para tentativa não é possível quando as provas demonstram que o crime foi consumado. 3. A ameaça dirigida à vítima, com o fim de garantir o silêncio, configura crime autônomo e não é absorvida pelo estupro. 4. É possível a aplicação conjunta da agravante do art. 61, II, 'f', com a causa de aumento do art. 226, II, ambos do CP. 5. A indenização mínima à vítima é devida quando expressamente requerida na denúncia, independentemente de instrução probatória específica." Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 217-A, 226, II, 61, II, "f", 71, 147, 76; CPP, art. 387, IV. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp n. 2.797.232/DF; STJ, AgRg no AREsp n. 2.814.103/GO; STJ, REsp n. 2.149.880/MG. ESTADO DE MATO GROSSO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 1000086-69.2023.8.11.0032 APELANTE: JOAO LUIZ TESSAROLO, S. B. T. C. APELADO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO, JOAO LUIZ TESSAROLO RELATÓRIO EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIRA PERRI Egrégia Câmara: Trata-se de recursos de apelação interpostos contra sentença que condenou João Luiz Tessarolo à pena de 20 (vinte) anos de reclusão, em regime fechado, por infração ao art. 217-A, c/c o art. 226, inciso II e o art. 71 do Código Penal (estupro de vulnerável cometido contra descendente) e de 1 (um) mês de detenção, por infração ao art. 147 do Código Penal (ameaça). Em suas razões, a defesa assevera que: 1) “não há nos autos conjunto probatório harmônico, tampouco certo no que toca a autoria e mesmo a existência do delito”; 2) “em momento algum a suposta vítima relata que teria praticado conjunção carnal com o acusado conforme se extrai do depoimento transcrito pelo Parquet (ID 170801876 - Pág. 8)”; 3) “o depoimento do pai da vítima, que por motivos óbvios não possui o condão de ser valorado juridicamente como se testemunha fosse, destoa e muito do depoimento de sua filha”; 4) o pai protege a filha e denigre o réu; 5) “Sara que atualmente possui 15 anos, mas que na época possuía apenas 7 (sete) anos, já tinha um comportamento agressivo e diante do contexto fático revelado, já sabia se defender, visto que desafiou uma pessoa adulta, hierarquicamente superior a ela”; 6) “no processo penal quando o único meio de prova obtido é o testemunho prestado, é possível que no momento a criança ou adolescente acabe descrevendo uma falsa memória que fora implantada pela figura parental (pai)”; 7) “o laudo pericial de ID 108078234 mesmo, concluiu que não foi possível avaliar roturas himenais, que não era capaz de afirmar se houve ou não atos libidinosos praticados pelo denunciado”; 8) “não há razoabilidade em se acreditar que as outras pessoas que conviviam na residência de ambos, não teriam notado qualquer sinal da violência sexual alegada da mesma”; 9) “a única solução possível é a absolvição por insuficiência de provas, aplicando-se o princípio humanitário in dubio pro reo, em consonância com a presunção de não culpabilidade que milita em favor do acusado”; 10) caso mantida a condenação, o reconhecimento da tentativa, “no patamar máximo de dois terços”, é impositivo; 11) a ameaça constituiu meio para a prática do crime sexual, de modo que incide no caso o princípio da consunção (Id. 269812883 - Pág. 1-20). A assistente de acusação também insurge e sustenta que é caso de: 1)“aumentar a pena-base, com a negativação das circunstâncias judiciais acima mencionadas(circunstâncias do crime, consequências do crime, culpabilidade)”; 2) “incidir a causa de aumento de pena prevista no artigo 61, inciso II, alínea “f”, do Código Penal”; 3) “afastar o crime continuado entre os delitos de estupro de vulnerável e ameaça, somando-se as penas”; e 4) “impor ao apelado o dever de indenizar a vítima pelos danos morais decorrente da infração penal” (Id. 269812882 - pág. 1-8). Contrarrazões no Id. 269812884 - pág. 1-9 e 269812889 - pág. 1-17. A Procuradoria-Geral de Justiça opina “pelo conhecimento e provimento parcial do recurso do assistente de acusação (reconhecendo a circunstância negativa das consequências do crime e a incidência da circunstância agravante do art. 61, II, alínea 'f', do Código Penal), e pelo desprovimento do recurso do apelante” (Id. 271329361 - pág. 1-13). É o relatório. PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 1000086-69.2023.8.11.0032 VOTO EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI (RELATOR) Egrégia Câmara: A denúncia imputou ao réu os crimes de estupro de vulnerável e de ameaça e encontra-se vazada nos seguintes termos: Consta dos autos do incluso inquérito policial que, em datas e horários incertos, mas certo deque entre 2018 e 2022, no Assentamento Raizama, Lote 24, Zona Rural, município de Rosário Oeste/MT, JOÃO LUIZ TESSAROLO, qualificado às fls. 68/70, consciente e voluntariamente, prevalecendo-se das relações domésticas e familiares, a fim de satisfazer seu desejo sexual, manteve conjunção carnal e praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal, por diversas vezes, com sua neta S. B. T. C., nascida em 30.09.2009 (menor de 14 anos na época dos fatos). Consta ainda que, no mesmo período e local supramencionados, JOÃO LUIZ TESSAROLO, qualificado às fls. 68/70, em contexto de violência de gênero doméstica e familiar, ameaçou a vítima S. B. T. C., por palavras, de causar-lhe mal injusto e grave, bem como aos seus genitores. Segundo se apurou, o denunciado, valendo-se do seu cargo e confiança, iniciou os abusos sexuais desde que a vítima tinha apenas 9 anos de idade, quando esta ia até a sua residência passar as férias, aproveitando-se dos momentos em que ficava sozinho com ela para submetê-la a prática de conjunção carnal e atos libidinosos, de forma reiterada, consistentes em introduzir o dedo na vagina dela e tentar penetrar o seu pênis, ocasião em que lesionou e sangrou a parte íntima da vítima, bem como a passar as mãos nos seios e nas partes íntimas dela. No ano de 2021, a vítima tomou coragem e contou os abusos sofridos para sua genitora, a senhora Ingrid Bruna Tessarolo. Em 02.11.2022, a vítima e seu genitor, o senhor Edson dos Santos Cavalheiro, foram até a residência da senhora Dioneia Ribeiro da Silva Lima, sendo que em um determinado momento está contou que havia acontecido um estupro na família, momento em que a vítima, ao ouvir a conversa, chegou até a senhora Dioneia pedindo ajuda, relatando que estava sendo abusada sexualmente pelo seu avô materno, tendo o abuso acontecido por diversas vezes. Em seguida, a senhora Dioneia e a vítima foram até o senhor Edson, momento em que, chorando, a adolescente contou os abusos sofridos pelo avô, ora denunciado, relatando, inclusive, que ele ameaçava de matar ela e seus genitores caso contasse para alguém o que estava acontecendo, sendo que o último abusou aconteceu nas férias de julho/2022, não tendo mais a vítima ido até a residência dos seus avôs. Diante disso, o senhor Edson dos Santos Cavalheiro, se deslocou até a Delegacia de Polícia Civil de Rosário Oeste e registrou o boletim de ocorrência n. 2022.304173, solicitando medidas protetivas de urgência em favor da vítima. Posteriormente, ao saber da denúncia feita pelo genitor da vítima, o denunciado e sua esposa, senhora Jacira Ferreira Tessarolo, se deslocaram até o município de Tapurah pedindo explicações e para a vítima dizer que era mentira, tendo esta confrontado o avô e afirmado ter sido abusada sexualmente por ele. [...] 269812774 - pág. 1-2). Esquadrinho as provas produzidas. Ao efetuar a denúncia, Edson dos Santos Cavalheiro – pai da ofendida – assim descreveu o ocorrido: Que é genitor da vítima S. B. T. C., com idade de 13 anos, a qual reside na cidade de Tapurah/MT com a genitora INGRIDY TESSAROLO; Que conviveu aproximadamente 10 anos com a mãe da vítima no Assentamento Raizama, Lote 55, neste município, sendo que eram vizinhos de sítios do suspeito JOÃO LUIZ TESSAROLO, o qual é marido da senhora JACIRA, sendo então o suspeito avô materno da vítima; Que no mês de novembro de 2022, o depoente, que é caminhoneiro, veio para Rosário Oeste e trouxe da cidade de Tapurah/MT seus filhos, entre eles a vítima SARA BRENDHA; Que na data de 02/11/2022, estava o depoente na residência de um vizinho de lote para almoçar na companhia de seus filhos, onde também estava a senhora DIONÉIA, conhecida como 'NÉIA", a qual narrou sobre um estupro ocorrido com um filho, sendo que ali estava a vítima SARA ouvindo a conversa do estupro; Que então a vítima chamou NÉIA para que a acompanhasse até o banheiro e lá a vítima teve uma conversa com a testemunha; Que estando o depoente na casa do vizinho, já viu sua filha SARA voltar do banheiro chorando e nisso NÉIA já disse que era para a vítima contar ao depoente que estava acontecendo, sendo que a menor apenas chorava e dizia que não ia contar porque ia matar a mesma, sua mãe e o depoente; Que nisso o depoente já ficou preocupado, pois, estava sem entender o que estava acontecendo e a menor não tinha dito quem os mataria, até que por muita insistência a vítima disse: "o vô João mexe comigo pai. ele já me estuprou por 08 vezes"; Que em seguida a menor disse que desde o ano de 2021 o suspeito JOÃO LUIZ TESSAROLO vinha abusando sexualmente da mesma, quando está vinha passar as férias na casa da avó JACIRA, sendo que a menor dizia que ficava gelada, esquecia de respirar quando o suspeito colocava seu pênis na vagina da vítima e que por duas vezes chegou inclusive de sangrar, a qual levantava e ia tomar banho; Que a vítima ainda relatou que o suspeito havia ameaçado a mesma se caso contasse para alguém iria matá-la, bem como também mataria o depoente e a genitora da mesma; Que a vítima relatou que sua genitora já sabia do estupro, porém, não disse nada para o depoente por temer a reação desde contra o suspeito; Que a vítima disse que a última vez que foi estuprada pelo suspeito teria sido nas férias de julho de 2022 e depois dessa data a menor não quis mais vir para Rosário Oeste; Que relata o depoente que após saber dos fatos tomou as devidas providências em registrar ocorrência policial, bem como procurou o Conselho Tutelar local, sendo a menor encaminhada para realizar exame de conjunção carnal; Que o depoente relata que mandou uma mensagem de áudio, via whatsapp, para sua ex-sogra alegando que a mesma saberia do estupro contra a vítima SARA, bem como do estupro de sua filha INGRYD e que a mesma nunca fez nada, entretanto, JACIRA apenas visualizou e não respondeu ao depoente; Que declara o depoente que após saber do delito ocorrido com sua filha veio a conversar com sua esposa e então a mesma disse que SARA havia lhe contado o ocorrido, mas por medo da reação do depoente foi que a genitora não falou nada para o declarante sobre a vítima; Que INGRYD [...] ainda disse que quando estava com idade entre 11 para 12 anos havia sido vítima de estupro de seu genitor/suspeito JOÃO LUIZ TESSAROLO, sendo que a mesma enjoou de acordar durante a noite com o suspeito sobre a mesma chupando seus seios e passando a mão na vagina da mesma, mas que a mesma não havia feito denúncia contra seu genitor por medo dele; Que o depoente relata que a mãe da vítima é uma excelente genitora, sempre cuidou muito bem dos filhos e que se não fez a denúncia foi realmente por medo da reação maléfica do suspeito JOÃO LUIZ TESSAROLO; Que o depoente relata que o suspeito JOÃO LUIZ só anda com arma de fogo no caminhão em que o mesmo dirigi pelas estradas; Que o depoente relata que não conversou com o suspeito depois que ficou sabendo que este havia estuprado a vítima SARA e que nega que tenha proferido ameaças contra o mesmo; [...] Que relata o depoente que no domingo seguinte após este ter registrado boletim de ocorrência policial contra o suspeito JOÃO LUIZ, o mesmo e sua esposa JACIRA foram até a casa da vítima na cidade de Tapurah pressionar a menor a dizer que era mentira o que a mesma havia relatado para o depoente, que estava sendo manipulada pelo depoente e que era para INGRID levar a filha caçula do depoente para fazer exame de conjunção carnal, pois, segundo JOÃO e JACIRA, o depoente teria "mexido" com a filha caçula de nome BRUNA; Que o depoente neste ato requer as medidas protetivas em favor da vítima SARA BRUNA TESSAROLO CAVALHEIRO. [...] (Id. 269812336 - pág. 1-3). Dioneia Ribeiro da Silva Lima confirmou o relato dele: Que na data de ontem (02/11/2022) estava na casa de amigos no Assentamento Raizama, neste município, onde também chegou no local o genitor e da vítima e a vítima S. B. T. C.; Que em dado momento a depoente estava conversando com outra pessoa a respeito de um estupro ocorrido em sua família e por perto estava SARA, ouvindo a conversa; Que estava a depoente no banheiro quando ali também chegou SARA e disse que precisava de ajuda, pois, estava passando pela mesma situação, a qual a depoente tinha acabado de conversar; Que então a depoente disse que ajudaria a vítima e perguntou o que estava acontecendo, tendo a vítima SARA dito que o pai de sua mãe estava mexendo com a mesma e que tinha estuprado a mesma várias vezes; Que a depoente então perguntou se a vítima tinha falado para o pai, tendo a mesma respondido que não, pois, tinha medo de contar ao seu genitor, foi quando a depoente se propôs a relatar ao pai da vítima o ocorrido; Que então estavam reunidos quando o pai da vítima passou a dizer que a vítima era muito jovem para namorar, tendo então a depoente a oportunidade de falar ao mesmo que deveria ter cuidado com as pessoas próximas da vítima e ali então disse que a vítima havia sido abusada sexualmente; Que assim que a depoente falou sobre o abuso o genitor da vítima ficou transtornado, porém, a vítima pediu que a depoente não citasse quem era o abusador e naquele momento a vítima também não falou para o pai quem era, vindo a mesma a cair no choro; Que em seguida a depoente saiu do local; Que hoje (03/11/2022), a depoente recebeu mensagem, via celular, do genitor da vítima, relatando que havia registrado boletim de ocorrência e que a depoente precisava vir na delegacia para ser ouvida; Que diz a depoente que não sabe informar o nome do avô materno da vítima SARA, pois, não o conhece e que também não tem amizade com a família da vítima [...] (Id. 269812303 - pág. 8-9). Ingrid Bruna Tessarolo declarou o que ouviu da filha a respeito dos abusos: A declarante INGRID BRUNA TESSAROLO é mãe da vítima e filha do investigado; Que a filha S. B. T. C. lhe relatou que o avô materno JOÃO TESSAROLO passou as mãos nos seios na vagina, chegou a introduzir e tentou penetrar algumas, fato que ocorria sempre que o avô tinha a oportunidade, desde seus 9 anos; Que o fato veio a tona no final do ano de 2021; Que a irmã NAIARA presenciou a filha lhe contato; Que após isso, resolveu ir embora de Rosário Oeste para Tapurah e se afastou dos pais; Que não denunciou naquele momento, pois trata de seu pai e é uma questão delicada, então resolver apenas se afastar; Que recentemente a filha SARA visitou o pai e chegou a passar na casa dos avós e a filha lhe relatou que o suspeito JOÃO disse que estava com saudades das coisas que fazia com a filha; Que a filha entrou em pânico e a questão acabou vindo à tona para o pai; Que o pai registrou a ocorrência na Delegacia e pediu a medida protetiva; Que após isso, o pai e a mãe apareceram de surpresa na sua casa em Tapurah para pedir explicações; Que a filha SARA teve coragem o contou os fatos na frente de sua mãe, do seu pai/investigado JOÃO e de seu filho BRUNO (17 anos); Que seu pai dizia que era mentira e a filha confrontava afirmando que era verdade; Que sua mãe infelizmente não acredita; Que quando a declarante tinha cerca de 9 anos por duas vezes seu pai passou a mão em seus seios, mas não praticou outros abusos; Que apesar do pai e a mãe terem vindo saber dos fatos, não sentiu como uma coação e nem foram diretamente coagidos ou ameaçados após os fatos; Que a filha não tem mais contato com os avós e também já possui medida protetiva; Que mesmo o pais tendo praticado tais atos, não gostaria de vê-lo preso, pois sempre foi um ótimo pai (Id. 269812355 - Pág. 1-2). A sua vez, Jacira Ferreira Tessarolo alegou que o réu não ficava sozinho com a neta que “nunca presenciou seu marido João Luiz tratando a vítima de forma diferente aos demais netos” e “que ficou em choque quando soube da denúncia contra seu marido por estupro de vulnerável” (Id. 269812351 - pág. 1-3). Na delegacia de polícia, o réu “negou qualquer tipo de abuso cometido contra sua neta Sara Grendha” (Id. 269812345 - pág. 1-4). A vítima foi ouvida na cautelar de produção antecipada de provas n. 1001561-94.2022.8.11.0032, e nela descreveu minuciosamente os abusos e atribuiu ao réu a autoria: Psicóloga: Ah, tudo bem com você, Sara? V: Tudo bem. Psicóloga: Quantos anos você tem? V: Treze. Psicóloga: Treze anos? V: Hanram. Psicóloga: Você sabe o motivo de você estar aqui hoje? V: Sim. Psicóloga: Então, eu queria que você me contasse, me relatasse o que aconteceu, o que você recorda, como que foi, quando que foi. V: Olha, tudo começou, se eu não me engano, no final... no começo de 2022, era no passado, tipo, tudo começou quando o meu avô mexeu comigo [...], primeiro ele começou falando, né?, aí depois, depois que ele começou [...], estava na casa da minha avó, eu sempre empurrava quando ele vinha mexer [...] no peito, com tudo isso [...], até então, eu não falei pra minha mãe e para o meu pai, porque eu tinha medo da minha mãe se afastar, igual o que aconteceu, medo da reação do meu pai, aí eu fui lá, contei tudo para minha mãe, pedi pelo amor de Deus para não contar para ninguém, porque eu não queria que ninguém soubesse, isso é vergonhoso [...], minha mãe, minha avó, porque eu já sabia que minha avó não ia acreditar, porque ele mexeu com a minha mãe também, minha mãe nunca falou para a minha avó, porque minha avó não ia acreditar, mas no dia que eu falei para minha avó que ele não mexeu comigo, minha mãe falou, e ela não acreditou; ele mexeu bastante comigo quando eu estava na sala, a gente sempre brincava lá à noite, ele começou com o dedo, depois foi... Psicóloga: Você disse que primeiro ele começou a falar com você, o que ele falava, o que você recorda? V: Ah, ele falava que queria [...]. Psicóloga: Pode falar o que ele te falava. V: Que queria transar comigo, que queria ter um filho comigo [...], aí tá, aí eu fui crescendo assim um pouquinho, aí ele começou a mexer comigo assim, mexer realmente. Psicóloga: Nisso você tinha quantos anos? V: Ah, lá pelos oito, nove anos por aí. Psicóloga: Quando ele começou a falar? V: Hanram. Psicóloga: Ele falava essas coisas? V: Sim, desde os nove anos ele começou a mexer comigo. Psicóloga: Quando você fala mexer com você, o que que você recorda, o que que vem na sua memória, como que era esse momento que aconteceu? V: Como o dedo. Psicóloga: Ele fazia o que, pode contar? V: Enfiava [a vítima faz gesto como se estivesse colocando o dedo]. Psicóloga: Enfiava o dedo na sua vagina? V: Hanram. Psicóloga: Isso com dez anos? V: Sim. Psicóloga: E geralmente acontecia, você disse, na sala? V: Sim, na sala da minha avó, porque geralmente eu passava todas as minhas férias na minha avó, quando tinha algum feriado, a gente ia para lá, quando contei para minha mãe, a gente se afastou de lá, a gente foi nas férias, no meio do ano, basicamente minha mãe, minha mãe levava. Psicóloga: Sua mãe não deixava mais você ficar de próxima dele? V: Sim. Psicóloga: Mas até então, quando você vinha, você vinha sozinha para a passar as férias? V: Não, eu vinha com a minha mãe também, só que aí, minha mãe ficava na cozinha com a minha avó, porque sempre quando a gente ia lá para minha avó, a gente... eles ‘inventava’ de fazer alguma coisa, pamonha demora para fazer bastante, aí eles ‘ficava’ lá. Psicóloga: Onde vocês moravam antes Sara? V: Lá em Tapurah. Psicóloga: Você mora em Tapurah hoje? V: Hanram. Psicóloga: Aí, o que mais que você recorda? V: Ele falava bastante coisa, ele ficava me ameaçando também. que se eu falasse com ele, meu pai... iria me matar, aí, logo em seguida, quando... foi um domingo... nos votos das eleições, eu estava com meu pai, a minha mãe não estava aqui, né?, porque minha mãe tinha recém feito a cirurgia [...], passar as férias com meu pai, acho que era as férias [...], eu queria ver a minha avó, que fazia tempo que eu não via a minha avó, só que eu não sabia que ele estava lá, e nisso quando eu estava lá [...], ele chegou atrás de mim e falou no meu ouvido: “estou com vontade de fazer aquilo que eu fazia com você”. Psicóloga: Para você? V: Hanram, aí tá, a gente estava lá, depois, a gente foi para um almoço lá com os amigos do meu pai, aí, a gente ficou lá, tinha uma mulher lá falando sobre isso e eu comecei a chorar, aí eu contei para ela e ela perguntou para o meu pai, mas eu não queria que ela contasse para o meu pai, eu não queria que ele ficasse sabendo disso, meu pai foi lá e denunciou, aí quando meu pai denunciou, no outro dia ele apareceu lá em casa lá em Tapurah perguntando que eu estou inventando. Psicóloga: O seu avô? V: Harnam. Psicóloga: Qual que é o nome dele? V João. [...] Psicóloga: Ele foi até Tapurah para perguntar o que? V: Ele apareceu lá em casa perguntando que história é essa, que eu estava mentindo, aí tá, entrou eu, minha avó, minha mãe [...], aí a gente foi lá, entrou lá, tudo certo, aí quando eu comecei a contar tudo para ele; na verdade, primeiro foi só minha avó, eu e minha mãe, aí depois meu avô entrou, quando entrou minha avó, falou que não tinha mais o que fazer, porque já aconteceu, aí ela falou na cara de pau isso daí, aí eu falei: “tá bom então, você sabe do seu marido e da sua vida”. Psicóloga: Sua avó falou que não adiantaria denunciar? V: Sim, porque já aconteceu; aí tá, meu avô depois foi lá, entrou no quarto, a gente começou a conversar lá [...], ficou aqui na cama, de costas para a minha mãe, ele ficou olhando a minha cara, tudo que eu falava, ele fechava a cara, ficava balançando a cabeça assim, bem de devagarzinho, falando para mim que não era para mim, tipo... querendo dizer para mim não falar, entendeu?, aí tipo, eu abaixei a cabeça para ele e falei: “tudo é verdade”, né?, realmente aconteceu, e minha avó ficou bem quieta [...], não fez nada, depois se eu falasse iria matar eu, meu pai ou para quem eu contasse. Psicóloga: E essas ameaças ele fazia quando você estava sozinha? V: Hanram, quando ele ia fazer isso comigo. Psicóloga: Todas as vezes que ele... V: Sim, ele falou que se eu contasse, por exemplo, para você, ele iria matar você e eu. Psicóloga: Ele te ameaçava todas as vezes? V: Sim, todas às vezes. Psicóloga: Sara, você recorda quantas vezes você passou por essa situação? V: Sete, oito vezes. Psicóloga: [...] e sempre era dessa maneira, de ele colocar o dedo na sua vagina? V: Sim. Psicóloga: Mas alguma vez ele também tirar a roupa? V: Não, ele não tirou a roupa, ele só tirou para fora e colocou ali, foi a vez que sangrou, minha calcinha ficou toda manchada de sangue. Psicóloga: E quando foi, você recorda? V: Não, eu só sei que foi no quarto da minha avó isso daí. Psicóloga: E nesses dias faltavam vocês na casa? V: Não. Psicóloga: Quem mais estava? V: Tipo, eu dormindo lá no quarto da minha avó, que eu sempre dormia com avó, aí ele chegou lá e ficou deitado lá, só que eu estava dormindo, aí eu acordei e ele tirando a minha calcinha [...], aí logo que aconteceu tudo isso, minha avó entrou no quarto, ele foi lá e fez tipo, foi tirando a mão bem devagarzinho, tentando tirar devagar, minha avó deitou lá e fingiu que nada acontecesse, só que ele levantou e saiu. Psicóloga: Tentando tirar o que? V: [a vítima fica envergonhada] Psicóloga: Pode falar, ele estava tentando penetrar em você com o órgão genital dele dentro da sua vagina e aí a sua avó entrou? V: Hanram, ele ficou tirando [...], para minha avó não ver que estava mexendo debaixo da coberta. Psicóloga: E aí nem assim você não conseguiu contar para sua avó? V: Não, porque não conseguia gritar, acho que ficara paralisada assim, não conseguia gritar, não conseguia falar, não conseguia fazer nada. Psicóloga: Entendi, aí você disse que você sangrou bastante? V: Hanram, doeu bastante, até que me enfiava o dedo todas as vezes, que eu ia... eu nunca tive relação assim, com nenhum menino [...], está acontecendo isso comigo, que nunca... depois disso, que eu percebi que começou a acontecer, tenho desmaios, tenho crise, sabe?, eu sentia ansiedade, eu desmaio, estou tomando até... acho que é a tarja preta que fala. Psicóloga: Você está indo? V: Hanram. Psicóloga: [...] acompanhamento? V: Hanram. Psicóloga: Tomando medicação? V: Sim. Psicóloga: E depois de toda essa situação, que teve a denúncia que o seu pai denunciou [...], como que tem sido essa relação, você tem contato com a sua mãe? V: Não, porque a minha mãe e a minha avó se afastaram, minha avó falando da minha mãe por aí, falou mal, que eu não moro aqui, mas tem bastante gente aqui que eu já estudei [...], eu conheço bastante gente [...] falando deles, de nós aqui, vem em e fala, aí meu irmão se afastou totalmente, toda a minha família se afastou, só tá a minha tia por parte de mãe, minha mãe e meu pai só e meus irmãos, porque o resto todo mundo correu. Psicóloga: E você disse que você não tinha coragem de contar por conta das ameaças? V: Sim e por causa desse afastamento, que eu sabia que isso ia rolar. Psicóloga: E aí, você não gostaria de ficar afastada? V: Porque eu via o tanto que minha mãe gostava da minha avó, que era apegada, e gostava também da minha avó, mas se ela realmente tivesse a consideração que eu tinha por mim... não, como ela tinha por mim, igual eu tinha por ela, ela não teria se afastado, ela teria entendido o meu lado. Psicóloga: Ele é pai da sua mãe? V: Isso. Psicóloga: E aí, você relatou que também já teve situações quando sua mãe também era adolescente? V: Só que minha mãe, ele nunca fez nada com minha mãe, só chupava o peito da minha mãe. Psicóloga: E ela também chegou a contar para sua avó na época? V: Não, contou o dia que eu contei, porque a minha mãe só queria tocar no assunto disso e minha avó não falou nada, aí minha outra avó via... que é mãe da mãe da minha mãe. Psicóloga: Sua bisavó. V: Ela via também o meu avô fazer isso com a minha mãe e não falava nada para minha avó então, minha mãe desistiu de contar para ela, contou bem o dia que eu contei, que foi o dia que eles foram lá em casa, aí, por isso... acho que é medida protetiva que fala. Psicóloga: A sua mãe tinha? V: Não, meu pai fez. Psicóloga: [...]. V: Ele começou... ele mandou uma solicitação no Facebook para mim, aí eu bloqueei ele, eu removi minha avó do Facebook. Psicóloga: E ele mandou solicitação para você? V: Hanram. Psicóloga: Mesmo depois de toda essa situação? V: Só que aí não tinha ainda a medida protetiva, sabe? Psicóloga: Você disse que aconteceu mais ou menos sete vezes? V: Sete ou oito vezes. Psicóloga: E a penetração, que ele chegou a colocar o pênis dele em você foi uma vez ou foi mais? V: Foi uma... Psicóloga: Uma? V: [...] porque não tinha bastante tempo, então, ele ia com o dedo porque acho que era mais rápido, sabe?, tirar. Psicóloga: Mas sem ser com o dedo, que ele chegou a penetrar em você mesmo, a colocar o órgão genital dele em você? V: De uma a três vezes. Psicóloga: De uma a três vezes, mas você não recorda certinho? V: Não, porque depois que contei isso para a minha mãe, passei na psicóloga, a gente fez bastante coisa [...], tento não lembrar para não chorar tanto, primeiro, quando contei isso para mim mãe chorei tanto... Psicóloga: E você está em acompanhamento tem quanto tempo? V: Ah, desde o começo do ano. Psicóloga: Desse ano? V: Hanram. Psicóloga: E aí, você tem sentido melhor? V: Sim, ela não está muito ligando para o medicamento, não estou ligando muito para ir, mas tipo.... porque agora eu estou bastante aliviada, fui no psicólogo, no psiquiatra [...], me distraio. Psicóloga: E bom, e como que você se sentia [...]? V: [...] vou ser bem sincera com você [...]. Psicóloga: Você chegou a tentar? V: Não tentar, pensamentos assim, eu querer fazer alguma coisa, eu não tinha coragem. Psicóloga: E o que que você pensava? V De me matar assim, de sumir, porque eu deixei isso acontecer, não era, acontecia, eu não conseguia evitar, não conseguia falar, não conseguia ter uma reação, não conseguia me mexer, ficava paralisada, depois que eu saí, a minha cabeça começava a raciocinar tudo, só que mesmo assim... Psicóloga: Você não conseguia contar? V: Eu contei para minha mãe quando estava lá nas férias, que eu falei que ele estava meio estranho, eu pedi para minha mãe não contar isso para ninguém, porque querendo ou não, todo mundo daqui ia ficar sabendo [...]. Psicóloga: Mas você disse que você chegou a contar para uma pessoa, uma pessoa conhecida da família? V: É conhecida do meu pai. Psicóloga: Mas ela estava, onde que foi? V: Foi no mesmo lugar que eu te falei que o meu avô mandou, falou comigo, entendeu?, eu estava na casa da minha avó, fui para a minha... Psicóloga: Mas foi na casa da sua avó? V: Sim, essa mulher estava lá [...], amiga do meu pai, que foi onde ela começou a falar sobre isso, e eu comecei a chorar, porque foi no banheiro e eu contei para ela, e ela falou para o meu pai, mas eu me arrependi de ter falado para ela, porque não queria que ela falasse para o meu pai. Psicóloga: Mas por que você não queria falar para o seu pai? V: Porque eu me sentia culpada da minha mãe não ter mais uma rede de apoio, mesmo que minha avó não ajudava a minha mãe com nada, então eu me sinto culpada, porque agora, às vezes eu sei que minha mãe fala, igual, tipo assim, minha mãe passe o dia das mães, dos pais, vai passar [...], meu tio, que é o irmão dela, eles conversavam direto todos os dias, agora eles não se falam mais, a única pessoa que minha mãe fala é minha tia. Psicóloga: Entendi, mas você, depois que você conseguiu contar o que o seu pai fez, você sentiu algum alívio, como você sentiu? V: Ei tenho medo dele. Psicóloga: Você tem medo dele? V: Do meu pai fazer alguma coisa ou ele fazer alguma coisa com meu pai. Psicóloga: Tem medo da reação do seu pai? V: É e da reação dele, dos dois se encontraram, porque os dois é caminhoneiro. Psicóloga: Eles nunca mais se encontraram? V: Não. Psicóloga: E como que era a relação familiar de vocês antes dessa descoberta, a relação do seu pai com ele? V: Era boa. Psicóloga: Como era a sua relação, tinha um conflito? V: Tinha [...], só que meu pai sempre falou para mim que meu pai não gostava dele, uns trem que aconteceu aí, que ele devia para o cara e ele tinha suspeita do meu pai. Psicóloga: Como, não entendi? V: Porque falou que ele tinha dormido com o cara, e ele tinha suspeita do meu pai. Psicóloga: Quem tinha dormido com o cara? V: O meu avô, e meu pai falou que isso é estranho, para mim ficar esperta, se isso acontecesse comigo, era para falar pare ele, não era para esconder [...]. Psicóloga: Entendi, mas os dois tinham uma boa relação, tinham algum conflito? V: Eles eram ‘de boa’. Psicóloga: Nunca teve nenhuma briga entre eles? V: Que eu saiba não. Psicóloga: O que mais que você recorda, que você gostaria de estar falando? V: Ah, acho que é só isso. Psicóloga: Você já sofreu algum tipo de agressão por algum familiar, na escola, algum problema? V: Não, na escola eu já briguei já [a vítima dá uma risadinha], normal né?, normal, todo mundo já brigou na escola... Psicóloga: As brigas geralmente eram relacionadas a que? V: Ah, era por causa de fofoquinha [...], uma vez bati tanto nela que minha mãe teve que ir na escola, mas não deu nada. Psicóloga: Meu Deus Sarah, e você geralmente... você tinha o hábito de ficar sozinha com o seu avô ou não? V Assim, sempre tinha alguém na casa, mas aí eu ficava na sala [...], quando ele via que eu ia para sala, ele ia na sala, quando eu estava no quarto, ele ia no quarto, quando eu estava no banheiro, ele ficava até na porta do banheiro, ele falava que queria fazer xixi, uma vez eu estava no banheiro, ele fez xixi comigo do outro lado, sabia? Psicóloga: Mas aí nesse dia ele chegou a fazer alguma coisa? V: Não, nesse dia não, porque logo minha mãe entrou no banheiro e brigou com ele. Psicóloga: E teve... você disse que foi seu pai que fez a denúncia? V: Sim. Psicóloga: Mas ele fez a denúncia e ele ficou sabendo pela essa pessoa que você tinha contado ou foi você que conseguiu contar para ele? V: Por essa pessoa. Psicóloga: No mesmo dia que você contou para ela? V: Ela já contou para ele no mesmo instante [...], ela contou, aí no dia seguinte, o meu pai já veio aqui na delegacia fazer o boletim, aí depois saiu a maior fofoca quando eu fui embora para Tapurah, eu estava aqui com ele, aí eu fui embora lá para minha mãe, e ele já foi lá no dia seguinte [...]. Psicóloga: E nesse dia seu pai estava em casa? V: Sim [...], meu estava aqui no sítio e eu lá em Tapurah. Psicóloga: Então, mas no dia que o seu avô foi lá em Tapurah para perguntar o porquê que você estava inventando toda essa situação, o seu pai não estava em casa? V: Não. Psicóloga: Ah, entendi, seus pais não moram juntos então? V: Não. Psicóloga: Seu pai mora aqui? V: Sim. Psicóloga: E sua mãe, você mora com sua mãe e seu padrasto? V: Em Tapurah. Psicóloga: Entendi, e quando você vinha passar as férias na casa da sua avó, você dormia com quem? V: Com a minha mãe. Psicóloga: Sua mãe sempre vinha junto? V: Sim. Psicóloga: Não teve nenhuma situação que você veio sozinha? V: Sim. Psicóloga: Para dormir? V: Mas eu dormia assim, eu dormia com a minha avó às vezes, porque juntava eu e meus primos tudo, eu e meus primos tudo no quarto da minha avó, colocava o colchão no chão no chão e dormia [...]. Psicóloga: Ele também dormia no mesmo quarto. V: Sim, como os primos era pequeno, não entendia, eu acho. Psicóloga: Mas ele fazia alguma coisa com os seus primos também? V: Não, acho que não, só comigo, eu tinha medo porque ele batia muito na bunda da minha prima, minha prima é pequena ainda, tinha uns cinco, seis anos, ele ia bater na bunda dela, sempre colocava a mão, tinha medo dele mexer com ela, era menor [...], não é a prima de sangue, né?, mas eu considerava ela como minha prima [...]. Psicóloga: Hoje você está com treze? V: Hanram. Psicóloga: [...] tem mais alguma coisa Sara que você recorde, que você lembre de toda essa situação que você passou, que te incomoda, você disse que você ainda tem medo, né? V: Não, hoje eu não me incomodo mais pela psicóloga, que está me ajudando bastante, porque eu garanto que se não estivesse passando, acho que eu estaria sofrendo ainda [...], agora eu estou sofrendo um pouquinho, mas de vez em quando me dá bastante crise. Psicóloga: E essas crises, elas são constantes? V: É. Psicóloga: Sim? V: Mas não é tão constante assim, mas pelo menos alguma vez na semana eu desmaio, aí eu vou para o hospital, me dá falta de ar, tremedeira, choro, tudo junto. Psicóloga: Geralmente ocorre, tem algum horário específico? V: Não, ou é quando eu estou, em casa assim, esses dias foi três horas da manhã, eu acho, se não me engano, e eu acordei de madrugada com falta de ar, minha mãe deu remédio, aí eu me acalmei e dormi, porque tem remédio para tomar, né?, mas quando eu me desmaio, eu tenho que ir para o hospital [...]. Psicóloga: E o seu desenvolvimento na escola, você acha que prejudicou? V: Antes eu tinha muita facilidade em aprender, que eu até fui um ano adiantada, agora, assim, eu estou me sentindo muito burra, porque eu não estou conseguindo pegar as coisas fácil, antes eu pegava muito fácil, agora eu estou demorando [...], não estou entendendo bem. Psicóloga: Você não consegue se concentrar? V: É, isso tá me prejudicando bastante, porque eu estou tirando só B, que é o básico, quando eu tirava A, B, eu não tirei nenhuma vez, mas B é o que estou mais tirando, não sei tirar nenhuma A nesse bimestre ainda [...] (Id. 286241350 - pág. 1 – relatório de mídias). Ingrid Bruna Tessarolo descreveu a ocorrência dos crimes, nos termos transcritos: MP: [...] o que a senhora sabe sobre isso e o que a senhora pode relatar aqui no processo? I: Então, há três anos atrás foi quando descobri, né?, quando ela veio me contar e ela tinha falado para mim que ele molestava ela e fazia um tempo já que isso vinha acontecendo, né?, eu realmente não tinha percebido nada, ninguém, até ela vir me contar, quando soube a minha, assim, na hora a gente estava tudo reunido lá na minha mãe, como a gente sempre fazia todo fim de ano, a gente se reunia todos lá, porque eu moro aqui em Tapurah e a minha outra irmã mora em Rondonópolis, então, sempre dezembro nós nos reuníamos todos e ela chegou e falou: “mãe, tá acontecendo isso, o vô mexe comigo”, aí minha irmã estava junto também, que eu chamei minha irmã para escutar, assim, eu não... na hora, assim, a minha atitude na hora foi de pegar todo mundo lá e vir embora para Tapurah, foi logo depois do Natal, mais ou menos, acho foi dia 27 de dezembro, se eu não me engano, aí eu não denunciei, por quê, a princípio, assim, o que eu pensei na hora, eu vou afastar deles todos lá, tanto é que depois disso a gente não voltou mais lá, só voltei lá em julho do ano seguinte, porque foi meu aniversário, tal, minha avó estava em tratamento de câncer, mas em nenhum momento deixei ela sozinha, eu ia contar para minha mãe, eu ia contar para o meu irmão, para a gente ver o que a gente podia fazer e até porque eu queria, na minha cabeça, isso iria poupar a minha filha de comentários, poupar a minha mãe, que é uma pessoa bem conhecida no município. MP: Eu sei que é difícil o depoimento, principalmente para a senhora que é mãe, mas a senhora pode nos relatar, por gentileza, o que a sua filha contou que aconteceu e como que foi esse abuso que a senhora comentou? I: Então, ela falou para mim que não era quando eles ficavam assim, tipo, ficaram sozinhos, não, eram momentos que dava de acontecer, acontecia alguma coisa, mesmo com a gente lá dentro de casa; aí ela falou para mim que ele passava a mão nela... então, tem coisas assim que eu não dei conta de escutar dela ainda, entende? MP: [...] eu sei que é difícil para a senhora, a senhora relata o que a senhora lembrar nesse momento, mas para nós o processo aqui é muito importante, ela chegou a comentar para a senhora se houve penetração pênis-vagina? I: Ela falou para mim que o dedo, com o dedo. MP: [...] ela chegou a falar para a senhora algum tipo de dor, algum outro ato, sexo oral, sexo anal, alguma coisa que aconteceu? I: Não, não. MP: Certo, a senhora lembra mais ou menos quantas vezes ela falou que isso aconteceu? I: Foram várias vezes. MP: Tá. I: Entre passar a mão, alisar, essas coisas assim. MP: Certo, alguma vez ela reclamou, assim, de dor, alguma coisa assim para a senhora? I: Então, teve uma vez que eu vim da minha mãe e ela chegou reclamando que estava ardendo a vagina, eu olhei, eu para mim estava normal, e ela falou para mim, ela falou: “ah, mãe, está ardendo” e tal, mas assim, ela mudou o comportamento de um tempo para cá, só que eu não tinha percebido, entende? MP: Entendo. I: Ainda comprei remédio, levei na farmácia, passaram lá como se fosse como, tipo, tomou banho, ficou muito tempo molhada no tanque que tem lá e ficou por isso mesmo. MP: Ela teve algum tipo de discussão, alguma briga, às vezes o avô brigou, alguma coisa assim com ela, ela possa ter nutrido, assim, um ressentimento para inventar uma história dessa? I: Não, não. MP: A senhora conhecendo sua filha? I: Não, não para mim, para mim, doutor, não é história, porque ela sempre fala a mesma versão. MP: Certo. I: Muito convicta do que ela fala. [...] Defesa: [...] como era o relacionamento seu com seu pai? I: Então, meu pai foi um homem que toda vida trabalhou fora, nunca nos deixou faltar nada. tivemos uma criação muito boa inclusive. Defesa: Ele foi um bom pai? I: Foi, foi um bom pai. Defesa: Ele ficava sozinho com a Sara? I: Assim, doutor, sozinho, sozinho não, porque sempre tinha gente lá na minha mãe e as coisas aconteciam eram momentâneos, era no momento, tipo, se sentasse no sofá, se a gente às vezes estava lá para fora, se ele entrasse dentro do quarto. E como era o relacionamento do João com o pai da Sara, o Edson? I: Então, desde quando a gente casou, desde que nós éramos casados, era bem tranquilo. Defesa: Nunca tiveram nenhum tipo de desentendimento? I: Não. [...] (Id. 269812868 - pág. 1-2 – relatório de mídias). Jaciara Ferreira Tessarolo – esposa do réu – mais uma vez refutou a existência da agressão sexual: MP: [...] a senhora sabe alguma coisa sobre esses crimes, o que a senhora pode nos relatar? I: Meritíssimo, excelência, o que eu posso relatar disso, isso tudo começou há mais ou menos uns dez anos atrás, como assim começou há uns dez anos atrás, alguns anos atrás, assim, no começo do relacionamento entre Bruna Tessarolo e o senhor Edson Luiz Santos Cavalheiro, eles juntos, quando ela teve o primeiro filho, com dois meses, eles tiveram um atrito, ela se separou dele, ela foi para casa, o João nessa época, toda a vida foi caminhoneiro e estava trabalhando em um destino de Rondonópolis para Tocantins, com mais ou menos uns quarenta dias, o Edson dos Santos Cavalheiro começou a ser inconveniente dentro da minha casa junto com a minha filha, chamei o João, pedi para que o João viesse para solucionar o problema, o João, então, o padrão do João pôs um outro motorista no caminhão e o João veio, o João conversou com ela e disse que era a primeira vez que estava acontecendo esse atrito, que ele merecia uma segunda chance de estarem juntos; tá, Bruna voltou com ele, mesmo que ela voltou, ela fez faculdade, estudou, depois de um tempo, quando aí já teve a Sarah, quando ela estava gestante da Barbara, ela terminou a faculdade, no dia de um ano da Barbara, que a Barbara completou um aninho, e eu sempre meritíssimo, vendo a minha filha sempre meio triste nesse período, mas ela não se abria comigo, por isso que é assim, sabe?, porque elas tinham mais afinidade com o pai... MP: [...] desculpa interromper, mas esse caso aqui é um crime contra a Sara. I: Isso, eu vou chegar lá onde o senhor quer MP: Ah tá, ok. I: Me desculpe, aí meritíssimo, o que aconteceu, quando nesse dia desse aniversário, nós fomos todos para a casa da Bruna, almoçamos, antes do almoço, o senhor Edson, era genro na época, pegou e falou assim: “vou ali”, pegou a moto e saiu, chegou com uma latinha de cerveja, minha filha virou para ele e falou, ah, Ingrid Bruna: “com tanta cerveja em casa, você foi no bar”, ele falou: “os incomodados que se retire, fui e vou, o incomodado que se retire”, nisso, eu vi que o pai não gostou, o João, mas calma porque ele está na casa dele, fomos embora; quando foi de tardezinha, o Edson pegou o caminhão e foi trabalhar, a Bruna, passou um pouco, barulho de moto em casa, chega a Bruna, quando a Bruna chegou, os dois meninos pequenos dela entraram para dentro, a Sara e o Bruno, e ela já estava com a Bárbara, quando eu saí lá fora, que eu olhei na porta, que ela não entrou, ela estava lá na rede chupando o dedo, com a Bárbara, mamando, e ela chorando, fui no sofá, o João estava assistindo o Faustão: “João vai lá conversar com sua filha”, ele foi lá; meritíssimo, com uma meia, vinte minutos, o João falou: “oh, desocupa esse quarto aí que a Bruna está indo embora”, daí para cá começou esses atritos, sabe?, assim, ele não aceitava a... a separação, foi quando eu comecei a conhecer a delegacia de Rosário Oeste, fórum de Rosário Oeste, Ministério Público, Defensoria Pública e Conselho Tutelar, que até então eu não sabia, porque foi polêmico, é polêmico, doutor, é polêmico, e ele jurou de vingar doutor, entendeu?, só que não tem... eu como avó, como avó, como esposa há trinta e oito anos eu não tenho que falar nada dele, porque ele nunca foi de pegar nem uma neta no colo, nenhuma neta no colo, ele nunca foi pegar. MP: A senhora está falando do João, no caso, não é? I: O João é o meu esposo. MP: Certo. I: Por isso, doutor, que eu acho muito estranho, se o senhor tivesse a oportunidade de conhecer a minha residência, o senhor veria que isso é impossível de acontecer, quando eles passavam esse período em casa, de férias, não era só eles, aí estava o outro sobrinho, estavam os outros netos, a casa era cheia, doutor; então é que eu como avó, como avó materna, sou impossível isso acontecer. MP: Sobre essa denúncia aqui contra a Sara, a senhora sabe sobre essa relação sexual que ele está sendo acusado de ter praticado com ela? I: O senhor sabe como eu fiquei sabendo? MP: A senhora sabe alguma coisa? I: O senhor sabe como eu fiquei sabendo disso, eu estava em cima de uma cama, tinha feito uma cirurgia, porque se não fosse [...], nem chegar e falar: “estou acusando seu pai de estupro”, foi por outras bocas que eu ouvi, doutor, então eu não sei disso aí, eu desconheço, isso não tem um fundamento. MP: A senhora não chegou a conversar com a Sara depois que a senhora soube desse crime? I: Cheguei. MP: Dessa denúncia. I: Saí da cama, eu saí da cama meritíssimo, e fui para lá no Tapurah para saber dessa história, fui eu que fui lá no Tapurah para saber da história. [...] MP: E o que ela falou para a senhora? I:Ela disse que tinha acontecido, que o avô tinha mexido, papapá, papapá, mas doutor, meritíssimo, a gente sabe quando a pessoa fala a verdade, principalmente quando é adolescente, porque eu trabalho com adolescente, eu sou professora. MP: A senhora acredita que ela está inventando essa história, então? I: Eu creio que sim, porque ela inventou uma história na escola e negou para a justiça, ela fez na escola e negou para a justiça, que ela agrediu uma professora, ela agrediu uma professora a mando do pai e negou, esse documento tem no Conselho, tem na escola, eu até encaminhei para o meritíssimo. MP: E a senhora sabe dizer alguma briga que ela teve com o Sr. João Luiz, alguma discussão, algum ressentimento que leve ela a fazer uma acusação tão grave assim contra ele? I: Nunca houve doutor, nunca houve. MP: Nenhuma briga assim [...]? I: Não, os encontros com o João eram assim, benção avô. benção avô, o avô nunca foi de pôr uma neta no colo, ele nunca foi de pôr uma neta no colo, ele nunca foi ficar de brincadeira também; a questão do sofá como foi falado, em casa tem dois sofás mesmo, mas a minha cozinha é conjugada com a sala, geralmente, no final de tempo desse período, a minha casa está cheia, meus filhos estão em casa, meus sobrinhos estão em casa [...], isso é impossível, o curral é próximo de casa é tudo aberto. MP: Entendi. I: Agora que o Edson falou que ia vingar do João, ele falou. [...] Defesa: Como era o relacionamento do João com o Edson? I: Doutor João, o João sempre foi de passar a mão na cabeça do Edson, porque era parte do genro dele, mas o Edson sempre ameaça, toda vida ameaçou de morte tanto o João, quanto o Rafael, quanto a mim, que ele falava que foi o João que tirou a Bruna dele, ele nunca assume os erros dele [...], a relação do João com o Edson era sempre apaziguar porque tinha os netos, que tinha a filha, entendeu?, então era assim, mão tinha atrito. Defesa: E como que era a Sara na escola e no dia a dia? I: Pois é, doutor João, como estou falando, quando eles separaram teve alienação parietal, rolou um monte de coisa, eu falei a princípio, foi quando eu comecei a conhecer o fórum, a ter contato com o fórum, com o Justiça, certo?, por quê?, porque ele usava os meninos para atacar a Bruna, a Ingrid, toda a vida ele fez isso; na escola, um dia, nós estávamos lá na escola, a Bruna trabalhava na escola, ela veio fazer a terceira série, eu estou lá na minha sala, eu como diretora da escola, chega meu neto Bruno.: “vô, [...] a Sara virou, estava com o bichinho no couro”, falei: “o que aconteceu”, “bateu na Dalmina, estava chutando a minha mãe”, chega eu lá embaixo, cheguei lá, quando eu vi aquela cena, eu catei o cabelo dela por trás, assim, e saí puxando ela [...], esqueci que era diretora, professora, fiz o meu papel de vó, tirei da agressão, levei lá para cima, primeiro passo que eu fiz, primeiro momento, doutor João, chamei o Conselho Tutelar para tomar providência, porque na escola ela era aluna da escola, não era só minha neta, era aluna, então tinha que tomar providência, foi isso que eu fiz, quando eu chamei o Conselho, que a Bruna veio, a professora Dalmina veio, que ela chutou a Dalmina, ela deu murro na Dalmina, jogou carteira na Dalmina, ela veio, ela, pelo amor... a mãe não queria mais, a mãe não queria ficar com ela, queria entregar para o pai, pediu para que o conselho levasse ela, e eu: “não, pelo amor, não leva não”, mas foi o João Maria, a outra eu não lembro, sei que o João Maria estava junto, falei: “não, a Bruna vai acalmar. Não vai entregar a menina para o pai, eu levo para casa, deixo que a Bruna acalme e volta”, até no final ela pediu perdão para a mãe e falou, fez tudo aquilo porque o pai tinha mandado, o pai que mandou ela bater na professora, bater em mim, bater na mãe, ele é dissimulado. [...] (Id. 269812868 - pág. 1-2 – relatório de mídias). O relato de Rafael Luiz Garcia Tessarolo – filho do réu – foi no mesmo sentido: Defesa: Senhor Rafael, como era o relacionamento do senhor João com os filhos? I: [...] sempre foi um bom pai, sempre foi um bom pai, apesar de estar meio distante pelo trabalho, sempre teve que trabalhar bastante, mas sempre foi um bom pai, um exemplo de pessoa, assim. Defesa: E com os netos? I: Então, não teve muita convivência pelo trabalho, né?, ficava bastante ausente, mas é isso, sempre ficava meio ausente, não teve muita convivência com os netos, sempre com respeito, nunca... Defesa: Você ficou sabendo da acusação que o senhor João está sofrendo, do abuso da Sara, o que você ficou sabendo em relação a isso? I: Eu fiquei sabendo pelo Edson mesmo que falou para mim, né?, que tinha falado para mim depois do problema que teve lá, que o meu pai foi buscar a minha irmã lá, que eles foram se separar e tal, desse modelo que eu fiquei sabendo Defesa: E por que o seu pai foi buscar a sua irmã na casa do Edson? I: Ah, porque teve um... se não me engano, foi num Natal, eu não me recordo bem a data, a gente estava lá, ele começou a beber, ele falou que ‘se incomodava que se mude’, daí a gente foi para casa, voltamos paro sítio, aí logo minha irmã chegou lá chorando, que não estava mais bem com ele, que ele estava maltratando ela, maltratando as crianças, e daí meu pai resolveu ir lá buscar ela. Defesa: E depois disso, como que ficou a relação do Edson com o seu pai? I: Ah, andou aprontando bastante coisa, o rapaz inclusive colocou fogo no pasto lá em casa, e bastante conversa fiada ao redor aí, ficou complicado, não só com o meu pai, mas comigo também, né? Defesa: E que conversa que era essa? I: Ah, que não prestava, que... vixi, um monte de coisa, difamando bastante mesmo, que o sítio que a gente tinha lá, inclusive foi ele que tinha dado pra nós, bastante... bastante conversa fiada, você entende? Defesa: Em algum momento o seu Edson falou que ia matar o seu João? I: Sim, falou, falou que ia bater no caminhão de frente, que ia dar tiro nele, inclusive aqui no fórum, ameaçou minha mãe também. [...] (Id. 269812868 - pág. 1-2 – relatório de mídias). Aldo da Silva Marques, Roberto Batista da Cruz e Vanderlei Ferreira da Silva – testemunhas arroladas pela defesa – nada sabiam quanto aos fatos propriamente ditos (Id. 269812868 - pág. 1-2 – relatório de mídias). Em juízo, o réu negou ter cometido os abusos, aduzindo que: 1) tudo não passa de “uma vingança de Edson”; 2) foi à casa de Ingrid, junto com sua esposa, para ‘tirar satisfação, para ver o que estava acontecendo, porque não deve”; 3) a primeira vez que questionou, Sara confirmou os abusos, contudo, perguntou novamente, sendo que ela começou a chorar e não disse mais nada’; 4) sua neta foi ‘bem instruída’; 5) nunca ficava sozinho com a vítima, pois não tinha intimidade com ela; 6) Edson lhe ameaçava de morte (Id. 269812868 - pág. 1-2 – relatório de mídias). Como se vê, o conjunto probatório demonstra que o réu molestou sexualmente a vítima, introduzindo o dedo ou o pênis na vagina dela e que as condutas ocorreram por sete ou oito vezes, na residência familiar. A respeito do acontecido, Sara explicou que os abusos iniciaram com o réu dizendo “Que queria transar comigo, que queria ter um filho comigo [...], aí tá, aí eu fui crescendo assim um pouquinho, aí ele começou a mexer comigo assim, mexer realmente”. Segundo ela, “depois que ele começou [...], estava na casa da minha avó, eu sempre empurrava quando ele vinha mexer [...], ele mexeu bastante comigo; quando eu estava na sala, a gente sempre brincava lá à noite, ele começou com o dedo”. Quando a psicóloga a indagou sobre o lugar em que o réu colocava o dedo, a menor confirmou que era em sua vagina. Quanto à relação sexual, ela declarou: “ele não tirou a roupa, ele só tirou para fora e colocou ali, foi a vez que sangrou, minha calcinha ficou toda manchada de sangue”. Além disso, acrescentou: “foi no quarto da minha avó isso daí”. De acordo com a ofendida, “sempre tinha alguém na casa, mas aí eu ficava na sala [...], quando ele via que eu ia para sala, ele ia na sala, quando eu estava no quarto, ele ia no quarto, quando eu estava no banheiro, ele ficava até na porta do banheiro, ele falava que queria fazer xixi, uma vez eu estava no banheiro, ele fez xixi comigo do outro lado”. A menor também assegurou que o réu lhe ameaçava para que não revelasse os abusos, que aconteceram “sete, oito vezes”. O depoimento de Igrid Bruna confere credibilidade ao relato dela. Segundo a informante, “há três anos atrás foi quando descobriu, né?, quando ela veio me contar e ela tinha falado para mim que ele molestava ela e fazia um tempo já que isso vinha acontecendo”. Fez questão de frisar: “ela falou para mim que não era quando eles ficavam assim, tipo, ficavam sozinhos, não, eram momentos que dava de acontecer, acontecia alguma coisa, mesmo com a gente lá dentro de casa; aí ela falou para mim que ele passava a mão nela [...], ela falou para mim que o dedo, com o dedo”. Disse ainda que, naquela época, não denunciou o acontecido, porque “na sua cabeça, isso iria poupar a minha filha de comentários, poupar a minha mãe, que é uma pessoa bem conhecida no município”. A prova documental produzida se agrega aos elementos de convicção angariado. Após o depoimento sem dano, a profissional designada para o caso apresentou as seguintes considerações: Mediante solicitação para que esta técnica credenciada através da Comarca de Nobres-MT, para que pudesse conduzir a entrevista com a adolescente em tela e na oportunidade transcreva a oitiva e responda aos quesitos estabelecidos através do Juízo, Ministério Público, bem como dos advogados, portanto passo a relatar os seguintes fatos: Primeiramente está técnica realizou o acolhimento inicial da adolescente objetivando estabelecer o rapport entre a profissional e a vítima para na hora da audiência tornar-se um clima mais ameno e agradável, e logo em seguida, se deslocou para na sala de depoimento sem dano, onde seria realizada a oitiva, juntamente com a adolescente Sara Brendha. Antes de iniciar a audiência da oitiva da mesma, através do depoimento sem dano realizou se o processo de aproximação, o qual foram abordados diversos assuntos referentes à vida da adolescente, para deixa lá bem à vontade, de maneira leve, para que assim pudesse dar início aos fatos. Em relatos a adolescente Sara Brendha, contou como os fatos ocorreram, mencionou que seu avô materno, João Luiz, teria abusado sexualmente dela, e que em uma das vezes chegou a ter penetração, “nesse dia eu estava passando férias na casa da minha avó, e ele entrou no quarto e começou a abusar de mim, eu senti muita dor, e sangrou bastante, sujou minha calcinha, eu tinha medo de contar, pois ele me ameaça”. (sic). Ainda em relatos disse que conseguiu contar para uma pessoa um dia que estavam na casa dos familiares, que vinha sofrendo abuso por parte de seu avô, desde o ano de 2021, mas pediu para que não contasse para ninguém, pois tinha medo da reação de seu genitor, mas a mulher no mesmo dia contou para o genitor da adolescente, que então realizou a denúncia. [...] A adolescente em tela apresenta desenvolvimento psicomotor, afetivo, cognitivo e de linguagem de acordo com sua faixa etária, bem como dentro dos padrões esperados, sem nenhuma alteração significativa até o presente momento. Notou-se ainda que a adolescente possui idade cronológica de acordo com seu desenvolvimento físico e mental, facilidade ao se expressar e coerência em suas falas, demonstraram ser muito inteligentes e boa participação durante todo processo da oitiva do depoimento especial. Demonstraram lucidez, facilidade de comunicação, empatia e bom nível de raciocínio lógico abstrato e concreto. Durante a oitiva observou-se que a adolescente possui coerência em suas colocações, e revelou que hoje consegue lidar com mais facilidade com os fatos ocorridos, pois está em acompanhamento psicológico desde o início do ano de 2023, porém faz se necessário pontuar que a adolescente, mesmo com todo respaldo dos acompanhamentos, ainda demonstra fragilidade emocional com toda situação vivenciada. Não foi possível notar nenhum sinal e ou sintomas de transtorno mental da vítima. Em relação à memória da adolescente, notou-se que todos relembraram e relataram os fatos de maneira clara e precisa, contribuindo com os autos do processo. Assim sendo pontou que a continuidade do apoio psicológico para a vítima após a ocorrência de uma violência sexual passa a ser imprescindível para evitar a vitimização e ajudar a lidar com esse trauma e amenizar as inúmeras consequências e marcas no comportamento e nas relações interpessoais deixadas a longo prazo. [...] (Id. 269812813 - pág. 57-60). Saliento que a narrativa de Sara é coerente e descreve, com precisão, os abusos sexuais sofridos, Em todas as oportunidades em que foi indagada, ela manteve-se coerente, sem tergiversações. Ademais, o depoimento da mãe dela acerca do caso e as considerações da psicóloga do juízo emprestam segurança e confiabilidade ao relato. Em contraponto, os argumentos exculpatórios são incapazes de ilidir a ocorrência do fato criminoso e sua autoria. O laudo pericial inconcluso – no qual se apegou a defesa – não descarta a ocorrência dos ilícitos. Primeiro porque o médico perito constatou que a vítima “Apresenta genitália de conformação atípica não sendo possível avaliar roturas himenais clássicas. Assim não há elementos que permitam afirmar se houve conjunção carnal e, com essas características locais, aventa-se a possibilidade de malformação local de genitália, o que prejudica a avaliação himenal” (Id. 269812319 - pág. 5 – LAUDO PERICIAL N.º 1.1.02.2022.029670-01). Depois, porque ainda que fosse desconsiderada a existência de penetração, os demais atos libidinosos praticados – passar a mão ou colocar o dedo na vagina – permanecem hígidos. Em casos tais, a falta de vestígios torna o laudo despiciendo. Nesse sentido: [...] A ausência de vestígios de prática sexual no laudo pericial não afasta a materialidade do crime de estupro de vulnerável, pois a consumação pode ocorrer com atos libidinosos diversos da conjunção carnal. [...] (STJ, AgRg no AREsp n. 2.803.005/PA, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/3/2025, DJEN de 26/3/2025). [...] Na linha dos precedentes desta Corte, "'não é possível afastar a materialidade do crime de estupro de vulnerável na hipótese de o laudo pericial concluir pela ausência de vestígios de prática sexual ou, mesmo diante da ausência de exame de corpo de delito. Primeiro, porque a consumação do referido crime pode ocorrer com a prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal. Segundo, nos crimes contra a dignidade sexual, a jurisprudência desta Corte Superior entende ser possível atestar a materialidade e a autoria delitiva por outros meios de prova, a despeito da inexistência de prova pericial” [...] (STJ, AgRg no HC n. 943.945/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 23/10/2024, DJe de 28/10/2024). A história de que os abusos ‘não passam de uma vingança arquitetada pelo pai da menor”, que culpava o réu pelo fim de seu casamento com Ingrid, mostra-se deveras frágil. É verdade que foi Edson quem procurou a polícia e denunciou o crime. Contudo, o conjunto probatório revela que a mãe da menor tinha conhecimento da agressão sexual contra Sara muito antes disso. Na oitiva judicial, Ingrid Bruna Tessarolo asseverou: “Então, há três anos atrás foi quando descobri, né?, quando ela veio me contar e ela tinha falado para mim que ele molestava ela e fazia um tempo já que isso vinha acontecendo”, sendo que “não denunciou, por quê, a princípio, assim, pensou na hora, eu vou afastar deles todos lá [...], na sua cabeça, isso iria poupar a sua filha de comentários, poupar a sua mãe, que é uma pessoa bem conhecida no município”. Se não bastasse, as provas demonstram que Edson só ficou sabendo do caso porque Sara confidenciou o que lhe acontecia para uma conhecida dele. Conforme a menor declarou, “a gente foi para um almoço lá com os amigos do meu pai, aí [...] tinha uma mulher lá falando sobre isso e eu comecei a chorar, aí eu contei para ela”. Por diversas vezes assegurou que “não queria que ela contasse para o seu pai, eu não queria que ele ficasse sabendo disso”; contudo, apesar de suas súplicas, ela acabou revelando seu segredo. O depoimento do Dioneia Ribeiro da Silva Lima confirma o modo como Edson descobriu os abusos. A testemunha contou para o delegado de polícia “que estava no banheiro quando ali também chegou SARA e disse que precisava de ajuda, pois, estava passando pela mesma situação, a qual a depoente tinha acabado de conversar, que [...] então perguntou se a vítima tinha falado para o pai, tendo a mesma respondido que não, pois, tinha medo de contar ao seu genitor, foi quando a depoente se propôs a relatar ao pai da vítima o ocorrido”. Registro que nem mesmo as testemunhas arroladas pela defesa tinham conhecimento da animosidade entre Edson e o réu, sendo certo que Aldo da Silva Marques e Roberto Batista da Cruz se limitaram a dizer que ele não era bem-visto na comunidade. Além do mais, o depoimento de Ingrid Bruna desacredita a versão de que o estupro foi criado por uma suposta vingança perpetrada por Edson, pois assegurou que, mesmo na época de casada, não havia desentendimentos entre ele e seu pai. Por mais significativas que sejam as declarações do réu e de seus familiares mais próximos – esposa e filho Rafael –, quanto a tese de vingança, isoladamente, não se revestem da força probante necessária para desconstituir a ocorrência do ilícito, que, como se viu, foi relatado com segurança e coesão pela ofendida. De fato, não existem provas de que a vítima foi levada a mentir a respeito dos abusos. O episódio em que ela agrediu uma professora, ocorrido em maio de 2017, não interfere no caso em exame. Na advertência n. 02/17 constou a seguinte informação: No dia da avaliação, aluna do 5ª ano S. B. T. C. estava mexendo no celular, a professora pediu para que ela guardasse o mesmo, mas ela disse que ia ligar para o pai dela, então a professora pediu para ela guardar o celular, senão ia chamar a diretora, a Sara foi e deu um murro na costa da professora Dalmira Moser Santos, a professora disse a ela que é feio bater nos mais velhos, então foi chamar a mãe dela, foi quando a Sara a enfrentou com uma cadeira e ela estava muito agressiva com todos. A Sara também queria que a professora passasse as palavras da atividade de 6ª feira. Diante desse fato ficou registrada a advertência (Id. 269812883 - pág. 6). No documento, nada indica que a agressão aconteceu a mando ou por influência de Edson, tampouco comprova que ele manipulava a filha ou que a tenha induzido a acusar falsamente o réu. Não se pode olvidar que predomina largamente nos Tribunais o entendimento de que, em crimes de natureza sexual, normalmente cometidos longe dos olhares de terceiros, a palavra da vítima, quando firme e corrente, é sobrelevada, sendo bastante para enervar a presunção de inocência. Neste tribunal, a questão está consolidada no Enunciado n. 10 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas, verbis: Cuidando-se de crime contra a dignidade sexual, a palavra firme e coerente da vítima assume especial relevo no contexto probatório, uma vez que delitos dessa natureza são comumente praticados às ocultas. Da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça colaciono os seguintes arestos: [...] A palavra da vítima tem especial relevância em delitos sexuais, desde que esteja em consonância com as demais provas acostadas aos autos, como ocorreu na espécie, uma vez que os depoimentos prestados deram respaldo à prolação do desate condenatório. [...] (AgRg no AREsp n. 2.797.232/DF, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 22/4/2025, DJEN de 30/4/2025). [...] A decisão está em conformidade com a jurisprudência do STJ, que reconhece a suficiência da palavra da vítima em casos de estupro de vulnerável, não havendo necessidade de revisão fático-probatória. [...] (AgRg no AREsp n. 2.814.103/GO, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 22/4/2025, DJEN de 29/4/2025). Destarte, por não existirem provas capazes de infirmar as provas em que se amparam a condenação, deve ela ser mantida. Confira-se: [...] A materialidade e autoria do estupro de vulnerável foram robustamente comprovadas nos autos por depoimentos firmes e coerentes da vítima nas duas fases da persecução penal, corroborados pelos relatos judiciais de testemunhas, elementos probatórios estes que devem prevalecer sobre a inverossímil e isolada versão exculpatória do réu. [...] (TJ/MT, N.U 1000275-89.2023.8.11.0018, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 29/01/2025, Publicado no DJE 31/01/2025). [...] No tocante a absolvição por insuficiência probatória, não merece prosperar. Isso porque a materialidade e autoria estão plenamente demonstradas por meio dos laudos psicológicos, boletim de ocorrência, sobretudo pelas declarações das vítimas em juízo. Em suma, embora o apelante negue a autoria, dizendo que não praticou os fatos a ele imputados, por si só, não afasta o cometimento do delito, inclusive porque sua comprovação se deu por outros elementos probatórios acostados aos autos, considerando ainda que crimes desta natureza costumam ocorrer clandestinamente, além de sua versão não encontrar respaldo nas demais provas, tendo em vista o que foi narrado pelas vítimas e testemunha, em harmonia e coesão, servindo para fundamentar a condenação, demonstrando de forma inconteste que o apelante praticou estupro de vulnerável. [...] (TJ/MT, N.U 1007878-55.2020.8.11.0040, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 10/12/2024, Publicado no DJE 13/12/2024). O reconhecimento da tentativa não é viável. In casu, a agressão sexual consistiu em colocar o dedo e o pênis na vagina de vítima. Tais condutas não podem ser interpretadas como toques superficiais, que possibilitam o reconhecimento da modalidade tentada do ilícito. De toda sorte, a jurisprudência firmou-se no sentido de que “A desclassificação para tentativa não é possível, pois a consumação do crime de estupro de vulnerável ocorre com a prática de qualquer ato libidinoso, sendo irrelevante a ausência de conjunção carnal ou penetração” (STJ, EDcl no REsp n. 2.100.429/PR, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 26/2/2025, DJEN de 5/3/2025). Invoco jurisprudência: [...] Incontroversa a conduta do réu, pelo exame do material cognitivo realizado pelas instâncias ordinárias, consistente em tocar lascivamente o corpo da menina e beijá-la na boca, tem-se por consumado o crime de estupro de vulnerável, sendo de rigor o afastamento da tentativa, mormente porque a proporcionalidade não é critério de aferição da consumação do delito. Precedentes. [...] (STJ, AgRg no REsp n. 1.996.065/RS, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 4/11/2024, DJe de 7/11/2024). [...] Conforme fato assentado nas instâncias ordinárias, o agravante passou a sua mão sobre a genitália da vítima, à época contando 12 anos de idade, conduta que, por si só, configura o crime previsto no art. 217-A do Código Penal - CP (estupro de vulnerável), não se admitindo a tentativa. Conforme tese firmada pela Terceira Seção desta Corte, no julgamento do Recurso Especial Repetitivo n. 1.954.997/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, julgado em 8/6/2022, DJe de 1/7/2022, Tema 1121, "[p]resente o dolo específico de satisfazer à lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta [...] (STJ, AgRg no AREsp n. 2.321.236/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 5/12/2023, DJe de 12/12/2023). Também não é possível absolver o réu do crime tipificado no art. 147 do Código Penal, aplicando o princípio da consunção. Nada indica que a ameaça constituiu meio para o estupro de vulnerável. Pelo contrário, as provas demonstram que o réu ameaçava a vítima para assegurar a impunidade de seu crime. Assim sendo, não há falar em absorção: [...] Incabível a aplicação do princípio da consunção em relação ao delito de ameaça, na medida em que este não constitui meio necessário para a prática do delito de estupro de vulnerável. A ameaça, consoante prova oral, fora proferida como forma de assegurar a impunidade do crime antecedente estupro de vulnerável colocando temor na vítima em contar o quanto vivenciado a outras pessoas, em especial seus familiares. Verifica-se, portanto, a responsabilidade do sentenciado em relação aos fatos praticados, sendo de rigor a manutenção da procedência da ação penal. [...] (STJ, HC n. 988.599, Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), DJEN de 14/05/2025). [...] No caso, a Corte Estadual foi clara e direta ao apontar que "embora algumas ameaças fossem dirigidas durante às execuções do delito, o caso dos autos alcança a peculiaridade de que às ameaças dirigidas à vítima consistiam na promessa do réu de que mataria sua genitora, sendo certo que, em momentos distintos, o réu proferia ameaças diretamente para a mãe da vítima, na frente desta" (e-STJ, fl. 295). Vale destacar o seguinte trecho da sentença que igualmente esclarece o respectivo ponto: "A propósito, não merece guarida a pretensa absorção do crime de ameaça pelo crime de estupro de vulnerável, muito embora tenham sido praticados no mesmo contexto. Isso porque as ameaças dirigidas à vítima e, de forma indireta, à mãe dela/ex companheira do réu, não foram perpetradas apenas como meio para a consumação do crime contra a dignidade sexual, pois praticadas, também, em momentos completamente diversos, com objetivos diferentes, notadamente o de manter impune o ofensor e garantir que a vítima não levasse os fatos ao conhecimento de outras pessoas" (e-STJ, fl. 190). [...] (STJ, AREsp n. 2.474.166, Ministro Ribeiro Dantas, DJe de 16/02/2024). O recrudescimento da pena-base, pretendido pela assistente de acusação, não comporta acolhimento. A culpabilidade não extrapolou a que é própria do tipo penal infringido. As circunstâncias do crime também são regulares, especialmente porque o réu foi punido pela ameaça de forma autônoma. Ademais, a vetorial das consequências deve permanecer neutra, pois, embora a vítima tenha afirmado que faz uso de medição e que ainda encontra-se sob acompanhamento de psicólogo/psiquiatra, não há outros elementos ratificando o alegado. De outro giro, o conjunto probatório demonstra que o réu se prevaleceu das relações domésticas e de coabitação para cometer os delitos. De se consignar que “A jurisprudência do STJ entende que não há bis in idem na aplicação simultânea da agravante do art. 61, II, "f" (prevalência de relações domésticas) e da causa de aumento do art. 226, II, do Código Penal, pois as circunstâncias evidenciam aspectos distintos do crime. A agravante refere-se ao vínculo de autoridade, enquanto a majorante trata da relação familiar ou doméstica (AgRg no AREsp 2.509.143/DF)” (STJ, REsp n. 2.100.429/PR, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 10/12/2024, DJEN de 16/12/2024). Ademais, o Superior Tribunal de Justiça “[...] considera proporcional a aplicação da fração de aumento de 1/6 para cada circunstância judicial desfavorável e/ou atenuante e agravante reconhecida” (REsp n. 2.127.096/MS, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 1/4/2025, DJEN de 11/4/2025). Destarte, deve ela ser incluída no cômputo da pena. Anoto que, ao reverso do alegado, o juiz sentenciante não aplicou a regra do “crime continuado entre os delitos de estupro de vulnerável e ameaça”, de modo que a assistente de acusação carece de interesse recursal no ponto. Além disso, conforme reiteradamente tenho sustentado, “Não é possível a somatória das penas de reclusão e detenção por se tratar de espécies distintas, devendo ser executada primeiramente a mais grave [CP, art. 76]” (TJ/MT¨, N.U 1003147-11.2023.8.11.0040, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 02/07/2024, Publicado no DJE 05/07/2024). Passo à dosimetria. Mantenho a pena-base em 8 (oito) anos de reclusão. Pelas razões alhures expostas, aplico a agravante do art. 61, inciso II, alínea "f", do Código Penal, na fração de 1/6 (um sexto). Assim, estabeleço a pena intermediária de 9 (nove) anos e 4 (quatro) meses de reclusão. Ante a incidência do disposto no art. 226, inciso II, aumento a pena na ½ (metade), e pela continuidade delitiva reconhecida, acrescento 2/3 (dois terços) a ela, que resulta em 23 (vinte e três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão. Mantenho o regime fechado para o cumprimento da pena de reclusão e a condenação pelo crime de ameaça em 1 (um) mês de detenção. As penas de reclusão e detenção deverão ser cumpridas sucessivamente, nos termos do art. 76 do Código Penal. Por fim, a existência de pedido expresso na denúncia (Id. 269812774 - pág. 2), autoriza a condenação do réu ao pagamento de indenização mínima em favor da vítima: [...] A fixação de indenização mínima por danos morais em sentença penal condenatória visa proporcionar reparação imediata à vítima, dispensando a liquidação prévia na esfera cível e garantindo maior celeridade e efetividade à tutela dos direitos da vítima. No caso em análise, a denúncia formulada pelo Ministério Público incluiu pedido expresso de indenização por danos morais, e a negativa de fixação com base na ausência de prova específica para quantificação do dano contraria o entendimento consolidado desta Corte Superior. A avaliação do dano moral pode ser realizada com base nos elementos fáticos do crime e nos impactos causados à vítima, dispensando prova pericial específica. A ausência de indicação do valor exato na denúncia não impede a fixação de indenização mínima, desde que garantido o contraditório e a ampla defesa, conforme entendimento reiterado do STJ. [...] (STJ, REsp n. 2.149.880/MG, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 27/11/2024, DJEN de 6/12/2024). [...] A indenização de valor mínimo como indenização pelos prejuízos sofridos pela vítima de abuso sexual é possível quando há pedido expresso na denúncia, ainda que não especificada a quantia, nem debatida a matéria em instrução probatória. [...] (TJ/MT, N.U 1000849-32.2020.8.11.0014, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 18/06/2024, Publicado no DJE 27/06/2024). Assim, atento aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como por não encontrar justificativa para adotar patamar diverso, estabeleço a indenização no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Com essas considerações, em parte com o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, desprovejo o recurso interposto por João Luiz Tessarolo e provejo parcialmente o interposto pelo assistente de acusação para incluir a agravante do art. 61,inciso II, alínea f, do Código Penal na dosimetria da pena do estupro de vulnerável, redimensioná-la para 23 (vinte e três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e condenar o réu ao pagamento de indenização mínima a vítima, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 03/06/2025
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