Processo nº 1001127-11.2023.8.11.0052
ID: 335431552
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1001127-11.2023.8.11.0052
Data de Disponibilização:
28/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
AMOS MEDEIROS DOS SANTOS
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1001127-11.2023.8.11.0052 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Homicídio Qualificado, Dano, Crime Tentado] Relator: D…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1001127-11.2023.8.11.0052 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Homicídio Qualificado, Dano, Crime Tentado] Relator: Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). PAULO SERGIO CARREIRA DE SOUZA] Parte(s): [VALDEMIR DUTRA FERREIRA - CPF: 786.419.421-49 (APELANTE), AMOS MEDEIROS DOS SANTOS - CPF: 957.717.271-72 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (RECORRIDO), ANA MARIA DA SILVA - CPF: 013.112.844-27 (TERCEIRO INTERESSADO), MARCIA REGINA ALVES LOPES - CPF: 887.524.701-30 (TERCEIRO INTERESSADO), RODINEI DE ALMEIDA - CPF: 893.403.961-20 (TERCEIRO INTERESSADO), RODRIGO DA SILVA OLIVEIRA - CPF: 046.053.721-05 (TERCEIRO INTERESSADO), VALDEMIR DA SILVA PEREIRA - CPF: 000.871.541-61 (TERCEIRO INTERESSADO), EUNICE BEZERRA DE PAULA - CPF: 925.595.301-04 (VÍTIMA), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A APELAÇÃO CRIMINAL – JÚRI - VEREDICTO CONDENATÓRIO – TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (MOTIVO TORPE, RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA E EM RAZÃO DO SEXO FEMININO) ART. 121, §2º, I, IV E VI, C/C ART. 14, II, AMBOS DO CÓDIDO PENAL – RECURSO DO SENTENCIADO - DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS – INOCORRÊNCIA – DECISÃO FUNDAMENTADA NO CONJUNTO PROBATÓRIO – SOBERANIA DOS VEREDICTOS – PENA – READEQUAÇÃO – CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME – AGRAVANTE ART. 61, II F – BIS IN IDEM – POSSIBILIDADE - VALORAÇÃO NEGATIVA INADEQUADA – PRECEDENTES STJ. HC N.520.681/RJ. REPRIMENDA READEQUADA. REINCIDÊNCIA – COMPROVAÇÃO POR MEIO DE REGISTRO DO SEEU – SÚMULA 636 DO STJ – AUMENTO DA FRAÇÃO DE REDUÇÃO PELA TENTATIVA – POSSIBILIDADE - ITER CRIMINIS – CONSUMAÇÃO DISTANTE – REDUÇÃO DE 3/7 ADEQUADA – PERDA DO CARGO PÚBLICO MANTIDA - FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA – VIOLAÇÃO DE DEVER INERENTE AO CARGO – TÉCNICO DE ENFERMAGEM – PENA SUPERIOR A 4 ANOS – DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE – IMPOSSIBILIDADE – CONCLUSÃO SOBRE O TEMA 1068 DO STF – SOBERANIA DOS VEREDICTOS AUTORIZA IMEDIATA EXECUÇÃO DA PENA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A decisão do Conselho de Sentença somente pode ser anulada quando manifestamente contrária à prova dos autos, ou seja, quando totalmente divorciada do conjunto probatório. Havendo elementos que respaldam a versão acolhida pelos jurados, deve-se prestigiar a soberania dos veredictos (art. 5º, XXXVIII, "c", CF). 2. Quanto às circunstâncias do crime: A valoração negativa baseada no fato de o crime ter sido cometido em posto de saúde municipal não constitui elemento idôneo para agravar a pena-base. O local do crime, por si só, não representa circunstância que extrapole aquelas já consideradas pelo legislador na tipificação penal. O "desrespeito à instituição pública" mencionado na sentença constitui valoração genérica que poderia ser aplicada a qualquer crime cometido em estabelecimento público, não demonstrando excepcionalidade que justifique o aumento da pena-base. 3. Quanto às consequências do crime: A fundamentação apresentada pelo magistrado, referente a "transtornos psicológicos e emocionais, medo e angústia", representa consequências naturais e ordinárias de crimes contra a vida na modalidade tentada, já contempladas pelo tipo penal. Para justificar valoração negativa, seria necessário demonstrar consequências extraordinárias, que extrapolassem o resultado típico da conduta, o que não ocorreu no caso em análise. 4. Deve ser afastada a agravante prevista no art. 61, II, "f", do Código Penal (crime cometido com violência contra a mulher por razões do sexo feminino), em razão de bis in idem, conforme entendimento do STJ no julgado HC n. 520.681/RJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 22/10/2019, DJe de 30/10/2019. Isso porque tal circunstância já foi considerada como qualificadora do crime de homicídio (feminicídio - art. 121, §2º, VI, do CP), não podendo ser novamente valorada como agravante genérica. 5. Em consulta ao sistema SEEU, verifico que houve trânsito em julgado da sentença condenatória nos autos nº 1000857-55.2021.8.11.0052 no dia 10/01/2022 – data anterior aos fatos tratados neste processo. Assim preconiza o art. 63 do Código Penal: “Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”. 6. Conforme se depreende do exame de corpo de delito acostado aos autos (ID 131192169 - Pág. 15/20), as lesões sofridas pela vítima foram de natureza superficial, não tendo havido perfurações profundas que pudessem colocar em risco iminente sua vida. Este fato foi corroborado pelo depoimento prestado em plenário pelo médico, que realizou o primeiro atendimento à vítima, afirmando categoricamente que houve apenas escoriações e três perfurações superficiais, as quais necessitaram de apenas três pontos de sutura. É significativo observar que, segundo o laudo pericial, a vítima não correu risco de vida em decorrência das lesões sofridas, tanto que não houve necessidade de afastamento de suas atividades laborais. Tal circunstância evidencia que, apesar da pluralidade de golpes desferidos, o resultado morte estava distante de se concretizar. 7. A perda do cargo público é fundamentada quando o agente, servidor público na área da saúde (técnico de enfermagem), comete crime contra a vida em seu local de trabalho, violando dever inerente ao cargo, e recebe pena privativa de liberdade superior a quatro anos, nos termos do art. 92, I, "b", do Código Penal. 8. De acordo com o Tema 1068 do STF, "a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada", não havendo ilegalidade na determinação de imediata execução da pena. R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação criminal interposta por Valdemir Dutra Ferreira contra a sentença proferida pelo Juízo da Comarca de Rio Branco, que, com base na decisão do Tribunal do Júri, condenou-o pela prática de homicídio qualificado na modalidade tentada (art. 121, §2º, incisos I, IV e VI, c/c artigo 14, inciso II, todos do Código Penal), à pena de 16 (dezesseis) anos, 11 (onze) meses e 8 (oito) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e o absolveu do crime de dano qualificado. (ID 264784843). Em suas razões recursais, o apelante requer: a) a anulação do julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, sob o argumento de que a decisão foi manifestamente contrária às provas dos autos; b) subsidiariamente, a revisão da dosimetria da pena, especialmente a exclusão da negativação das circunstâncias do crime e das consequências do crime, bem como o decote da reincidência e aplicação da fração máxima de 2/3 pela tentativa; c) a exclusão da perda do cargo público; d) a concessão do direito de recorrer em liberdade. (ID 264784886). O Ministério Público apresentou contrarrazões pelo desprovimento do recurso. (ID 264785259). A Douta Procuradoria Geral de Justiça através do eminente procurador, José de Medeiros, opinou pelo desprovimento do recurso sintetizando a seguinte ementa: Sumário: Apelação criminal – Recurso da Defesa – 1. Da decisão manifestamente contrária à prova dos autos – Requer a anulação do julgamento – Impossibilidade – Decisão que encontra respaldo nas provas – Soberania dos veredictos –– 2. Da dosimetria da pena – 2.1. Primeira Fase – Afastamento da negativação das circunstâncias e consequências do crime por inidoneidade dos fundamentos – Readequação da fração de exasperação – Improcedência – Fundamentos idôneos – Manutenção das negativações – Fração de exasperação razoável – 2.2. Segunda Fase – Afastamento da reincidência – Ausência de certidão cartorária que comprove o trânsito em julgado de condenação anterior – Impossibilidade – Presença de folha de antecedentes criminais – Desnecessidade de juntada de certidão cartorária quando presentes outros elementos aptos a indicar reincidência – 2.3. Terceira Fase – Requer aplicação da fração de 2/3 (dois terços) de redução de pena pela tentativa – Impossibilidade – Réu que se aproximou muito da consumação do crime – Fração de 1/3 adequadamente fixada – 3. Da perda do cargo público – Busca o afastamento da condenação a perda do cargo público – Improcedência – Perda do cargo público motivada – 4. Direito de recorrer em liberdade – Requer a concessão da liberdade – Impossibilidade – Aplicação do disposto no Tema 1068-STF: “A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada” – Pelo desprovimento do recurso. É o relatório. V O T O R E L A T O R 1. DA ALEGAÇÃO DE DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS O apelante argumenta que a conclusão do Conselho de Sentença foi manifestamente contrária às provas dos autos, sustentando que os depoimentos das testemunhas oculares, especialmente Valdemir da Silva Pereira e Márcia Regina Alves Lopes, não corroboraram a intenção de matar, mas sim reforçaram a tese de que o recorrente desistiu voluntariamente de continuar as agressões. Como cediço, em respeito à soberania dos veredictos, consagrada no art. 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal, somente é possível anular a decisão do Tribunal do Júri quando esta for manifestamente contrária à prova dos autos. Para tanto, é necessário que a decisão do Conselho de Sentença esteja completamente dissociada do conjunto probatório, o que não ocorre no presente caso. Analisando os elementos probatórios colhidos durante a instrução processual, verifico que há farto material que sustenta a decisão dos jurados pela condenação do apelante pelo crime de tentativa de homicídio qualificado. A vítima, Eunice Bezerra de Paula, relatou com riqueza de detalhes, tanto na fase policial quanto em juízo e no plenário do júri, que o apelante não aceitava o término do relacionamento de mais de 30 anos e, no dia dos fatos, após ter ligado insistentemente para ela, foi até seu local de trabalho, munido de armas brancas (faca e chave de fenda), e a atacou de repente, desferindo diversos golpes. Narrou que entrou em luta corporal com o agressor e que ele só cessou a agressão após a testemunha Márcia Regina pedir socorro. O laudo de exame de corpo de delito corrobora a versão da vítima, indicando múltiplas lesões em regiões vitais do corpo: 02 lesões tipo perfuração no braço direito, 02 lesões cortantes na região esternal, 01 lesão tipo perfuração no braço esquerdo, 01 lesão cortante de 03 cm com sutura simples (03 pontos) na região mentoniana (queixo), 01 lesão contusa na região torácica, 01 lesão contusa na região carotidiana (pescoço) e 01 lesão na região dorsal (costas). Ainda que a testemunha Valdemir da Silva Pereira (vulgo "Miro") tenha afirmado não ter presenciado as agressões, ele relatou que encontrou o acusado saindo da sala onde a vítima estava, portando uma chave de fenda, e viu a vítima ferida, com sangue próximo ao pescoço, no cotovelo e na blusa. Já a testemunha Márcia Regina Alves Lopes, embora tenha saído para pedir socorro no início das agressões, presenciou o momento em que o apelante sacou uma faca de mesa tipo "de serra" e partiu para cima da vítima, desferindo-lhe golpes que a atingiram em várias regiões do corpo. Os policiais militares que atenderam à ocorrência confirmaram a gravidade das lesões sofridas pela vítima, bem como o contexto de violência doméstica e familiar motivado pela não aceitação do término do relacionamento pelo apelante. A versão do réu de que teria havido desistência voluntária não encontra respaldo nas provas produzidas. Pelo contrário, os elementos indicam que ele só cessou as agressões após o pedido de socorro feito por Márcia Regina, o que caracteriza a tentativa por circunstâncias alheias à sua vontade. Desta forma, a decisão dos jurados encontra amplo respaldo probatório, não havendo manifesta contrariedade às provas dos autos. Os jurados optaram por uma das versões apresentadas em plenário, que possui base nos elementos probatórios colhidos na instrução processual. Respeitando a soberania dos veredictos, não há razão para anular o julgamento. 2. DA DOSIMETRIA DA PENA 2.1. FRAÇÃO 1/8 (UM OITAVO) De início, a fração a ser utilizada na pena-base por ocasião de circunstância judicial desfavorável não é direito subjetivo do réu em escolhe-la , assim entende o STJ: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. DOSIMETRIA DAS PENAS. ALEGADA DESPROPORCIONALIDADE DO QUANTUM INCREMENTADO À PENA-BASE. NÃO CONFIGURADA. CRITÉRIO VÁLIDO. REGIME PRISIONAL. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NEGATIVAS. ABRANDAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 5. É assente na jurisprudência desta Corte Superior que o réu não tem direito subjetivo à utilização das referidas frações, não sendo tais parâmetros obrigatórios, porque o que se exige das instâncias ordinárias é a fundamentação adequada e a proporcionalidade na exasperação da pena. (AgRg no AREsp n. 2.853.309/PR, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 20/5/2025, DJEN de 28/5/2025.) A utilização da fração de 1/8 (um oitavo), de acordo com o Superior Tribunal de Justiça, deve ser aplicada no intervalo entre as penas mínima e máxima abstratamente cominadas ao crime, no caso dos autos, esse intervalo é de 18 (dezoito) anos, ou seja, aplicando a fração de 1/8 sobre este quantum acarretaria um aumento de 02 (dois) anos e 03 (três) meses para cada circunstância judicial desfavorável. Assim entende o Superior Tribunal de Justiça: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICIDIO QUALIFICADO TENTADO. INSURGÊNCIA CONTRA A PENA-BASE. DESVALOR DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS JUSTIFICADO. QUANTUM DE AUMENTO DA BASILAR. INEXISTÊNCIA DE DESPROPORCIONALIDADE. GRAU DE DIMINUIÇÃO DECORRENTE DA TENTATIVA. ITER CRIMINIS PERCORRIDO. MODIFICAÇÃO A DEMANDAR REEXAME DE PROVAS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I - É assente nesta Corte Superior de Justiça que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos. II - Com efeito, a revisão da dosimetria da pena somente é possível em situações excepcionais de manifesta ilegalidade ou abuso de poder, cujo reconhecimento ocorra de plano, sem maiores incursões em aspectos circunstanciais ou fáticos e probatórios (HC n. 304.083/PR, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJe de 12/3/2015). III - No caso, observa-se que as instâncias ordinárias valoraram negativamente a culpabilidade, as circunstâncias e as consequências do crime, ressaltando a gravidade concreta da conduta, em razão dos modus operandi, inexistindo o constrangimento ilegal apontado na inicial, pois há fundamentação concreta na aplicação da basilar acima do mínimo legal. IV - No que se refere ao quantum de aumento adotada, a jurisprudência desta Corte Superior não impõe ao magistrado a adoção de uma fração específica, aplicável a todos os casos, a ser utilizada na valoração negativa de circunstâncias judiciais. Em outro termos, o estabelecimento da basilar não se limita a critério matemático, sendo possível a adoção de fração para cada circunstância judicial no patamar de 1/6 (um sexto) sobre a pena-base, 1/8 (um oitavo) sobre o intervalo entre as penas mínima e máxima e, até mesmo, outra fração. Os referidos parâmetros não se revestem de caráter obrigatório, exigindo-se, tão somente, que o critério utilizado pelas instâncias ordinárias seja proporcional e justificado. In casu, não se verifica desproporcionalidade no aumento da basilar. V - O Código Penal, em seu art. 14, II, adotou a teoria objetiva quanto à punibilidade da tentativa, pois, malgrado semelhança subjetiva com o crime consumado, diferencia a pena aplicável ao agente doloso de acordo com o perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. Nessa perspectiva, a jurisprudência desta Corte adota critério de diminuição do crime tentado de forma inversamente proporcional à aproximação do resultado representado: quanto maior o iter criminis percorrido pelo agente, menor será a fração da causa de diminuição. VI - No caso em apreço, a Corte local aplicou a redução pela tentativa em 1/3 (um terço), tendo em vista o iter criminis percorrido pelo agente. Assim, o acolhimento do inconformismo, segundo as alegações vertidas nas razões da impetração, demanda o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, situação vedada no âmbito do habeas corpus. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 891.932/ES, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 13/5/2024, DJe de 16/5/2024.) Portanto, a pena do apelante ficaria mais grave do que aquela fixada na sentença. Conforme o entendimento dos Tribunais Superiores, não se pode realizar reformatio in pejus, ainda mais se tratando de recurso exclusivo da defesa. Nesse sentido: DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL INADMITIDO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto contra decisão monocrática que não conheceu do agravo em recurso especial, o qual foi interposto contra decisão do Tribunal de Justiça que inadmitiu o recurso especial. 2. O agravante foi condenado pelo crime de descumprimento de medida protetiva, previsto no artigo 24-A da Lei nº 11.340/06. O Tribunal de Justiça, em recurso exclusivo da defesa, alterou a pena de prestação pecuniária para limitação de final de semana. 3. O recurso especial foi inadmitido com base na ausência de omissão ou negativa de prestação jurisdicional, incidência da Súmula 7 do STJ e da Súmula 283 do STF. II. Questão em discussão 4. A questão em discussão consiste em saber se houve reformatio in pejus na alteração da pena restritiva de direitos em recurso exclusivo da defesa, e se a decisão monocrática que não conheceu do agravo em recurso especial foi correta. III. Razões de decidir 5. A decisão monocrática foi mantida, pois o agravante não afastou adequadamente os fundamentos da decisão que inadmitiu o recurso especial, limitando-se a reiterar argumentos sem demonstrar a inaplicabilidade das Súmulas 7 do STJ e 283 do STF. 6. Constatou-se flagrante ilegalidade na substituição da pena de prestação pecuniária por limitação de final de semana, em recurso exclusivo da defesa, violando o princípio da non reformatio in pejus. 7. A substituição da pena representou um agravamento qualitativo, pois a limitação de fim de semana impõe restrição à liberdade de locomoção, ao contrário da prestação pecuniária. IV. Dispositivo e tese 8. Agravo regimental não provido. Habeas corpus concedido de ofício para restabelecer a pena de prestação pecuniária. Tese de julgamento: "1. Em recurso exclusivo da defesa, não se pode agravar a situação do réu, sob pena de violação ao princípio da non reformatio in pejus. 2. A substituição de pena restritiva de direitos por outra mais gravosa em recurso exclusivo da defesa é vedada." Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 619; Lei nº 11.340/2006, art. 17; CP, art. 43; CP, art. 48; LEP, art. 181.Jurisprudência relevante citada: Não há jurisprudência relevante citada. (AgRg no AREsp n. 2.646.232/MG, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 10/6/2025, DJEN de 18/6/2025.) 2.2. SEGUNDA FASE – Reincidência No que tange à reincidência, não assiste razão ao apelante. Conforme consta na sentença, havia nos autos documentação comprovando que o réu respondia pelo executivo de pena nº 2000014-39.2022.8.11.0052 à época dos fatos, conforme relatório da situação processual executória extraído do SEEU. Indo além, em consulta ao sistema SEEU, verifico que houve trânsito em julgado da sentença condenatória nos autos nº 1000857-55.2021.8.11.0052 no dia 10/01/2022 – data anterior aos fatos tratados neste processo. Assim preconiza o art. 63 do Código Penal: “Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”. Ainda, há nos autos as respectivas sentenças judiciais, bem como, a certidão de antecedentes criminais juntada desde antes do oferecimento da denúncia, com referência expressa ao executivo de pena mencionado na sentença. (ID 207821846). Ademais, conforme entendimento consolidado pelo TJMT no Enunciado n. 18 IUJ/TJMT, "a falta de certidão cartorária de trânsito em julgado de condenação anterior não impede o reconhecimento de maus antecedentes ou da reincidência desde que tais registros estejam disponibilizados em sítios eletrônicos do Poder Judiciário ou ainda constem de documentos oficiais de órgãos públicos que integram a atividade de persecução penal". Corrobora esse entendimento a Súmula 636 do STJ, que estabelece: "A folha de antecedentes criminais é documento suficiente a comprovar os maus antecedentes e a reincidência." Portanto, a valoração da reincidência na segunda fase da dosimetria foi devidamente fundamentada e comprovada, não merecendo qualquer reparo. 2.3. TERCEIRA FASE - Fração de Redução pela Tentativa No que concerne à aplicação da causa de diminuição de pena prevista no artigo 14, inciso II, do Código Penal, referente à tentativa, entendo que a dosimetria realizada pelo juízo de primeiro grau merece reparo. A sentença aplicou a redução mínima de 1/3 (um terço) da pena, sob o fundamento de que "a conduta praticada expôs o bem jurídico tutelado a perigo máximo de lesão" e que o delito "chegou muito próximo da consumação". Contudo, tal conclusão não encontra respaldo nos elementos probatórios constantes dos autos. Conforme se depreende do exame de corpo de delito acostado aos autos (ID 131192169 - Pág. 15/20), as lesões sofridas pela vítima foram de natureza superficial, não tendo havido perfurações profundas que pudessem colocar em risco iminente sua vida. Este fato foi corroborado pelo depoimento prestado em plenário pelo médico Victor Felipe Ferreira Machado, que realizou o primeiro atendimento à vítima, afirmando categoricamente que houve apenas escoriações e três perfurações superficiais, as quais necessitaram de apenas três pontos de sutura. É significativo observar que, segundo o laudo pericial, a vítima não correu risco de vida em decorrência das lesões sofridas, tanto que não houve necessidade de afastamento de suas atividades laborais. Tal circunstância evidencia que, apesar da pluralidade de golpes desferidos, o resultado morte estava distante de se concretizar. A jurisprudência dos tribunais superiores tem adotado o critério do iter criminis percorrido pelo agente para determinar a fração de diminuição da pena na tentativa. Quanto mais próximo da consumação, menor a redução; quanto mais distante, maior deve ser a fração redutora. No caso em análise, embora tenha havido agressão com instrumentos potencialmente letais, as lesões resultantes foram superficiais e não colocaram a vítima em risco iminente de morte. Considerando que o resultado morte não se apresentou como consequência imediata ou provável das lesões causadas, conforme atestado pelo laudo médico, entendo que a redução da pena deveria ter sido aplicada em patamar superior ao mínimo legal. A aplicação da fração mínima de 1/3 mostra-se desproporcional diante das circunstâncias concretas do caso, onde as lesões, embora múltiplas, foram superficiais e não representaram perigo concreto à vida da vítima. Assim, a dosimetria da pena merece reparo neste ponto específico, devendo ser aplicada uma fração maior de redução pela tentativa, mais condizente com o iter criminis efetivamente percorrido pelo agente e com o perigo real a que foi exposto o bem jurídico tutelado. 2.4. READEQUAÇÃO DOSIMÉTRICA 1ª FASE: FIXAÇÃO DA PENA BASE Analisando as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, verifico que a fundamentação utilizada pelo magistrado para valorar negativamente as circunstâncias e consequências do crime não se mostra adequada pelos seguintes motivos: 1. Quanto às circunstâncias do crime: A sentença considerou desfavorável as circunstâncias do crime sob o argumento de que "o crime foi cometido dentro do posto de saúde municipal, de modo que o réu, ao cometer o crime no local, demonstrou desrespeito à instituição pública, às pessoas que buscam socorro naquele local e à vida", aplicando um aumento de 1/6 (um sexto) na pena-base, correspondente a 2 (dois) anos. Existe, de fato, orientação jurisprudencial no Superior Tribunal de Justiça, conforme julgado no AgRg no AREsp n. 1.361.583/MS, relatado pelo Ministro Nefi Cordeiro, da Sexta Turma, julgado em 14/5/2019 e publicado no DJe de 21/5/2019, que admite a valoração negativa das circunstâncias do crime quando o delito é praticado em local público, como posto de saúde, especialmente quando envolve arma de fogo, colocando em risco a incolumidade física das pessoas que ali se encontravam. Contudo, tal orientação não se aplica adequadamente ao caso em análise. Conforme se depreende dos autos, o crime ocorreu dentro de uma sala específica do posto de saúde, em ambiente restrito, e não em área comum com circulação de pacientes. Além disso, o instrumento utilizado pelo réu foi arma branca (faca e chave de fenda), e não arma de fogo, o que reduz significativamente o potencial de dano colateral a terceiros que não estivessem diretamente envolvidos na cena delituosa. A utilização de arma branca, por sua própria natureza, tem alcance limitado e exige proximidade física entre agressor e vítima, diferentemente de uma arma de fogo, que pode atingir pessoas a distância e atravessar barreiras físicas. Esta distinção é fundamental para avaliar o risco concreto imposto a outras pessoas presentes no estabelecimento de saúde. Ademais, não há nos autos elementos probatórios concretos que demonstrem que a conduta do réu efetivamente colocou em risco a vida ou a integridade física de outras pessoas que estivessem no posto de saúde naquele momento. Há, portanto, razoável dúvida acerca da extensão do perigo gerado pela conduta do agente para além da vítima diretamente atingida. O princípio do in dubio pro reo, basilar no direito penal, determina que, na ausência de prova inequívoca, a interpretação deve favorecer o réu. Assim, não havendo comprovação cabal de que o crime, da forma como foi executado, representou perigo concreto para terceiros ou comprometeu o funcionamento da unidade de saúde como um todo, não se justifica a valoração negativa das circunstâncias do crime com base nesse fundamento. 2. Quanto às consequências do crime: A fundamentação apresentada pelo magistrado, referente a "transtornos psicológicos e emocionais, medo e angústia", representa consequências naturais e ordinárias de crimes contra a vida na modalidade tentada, já contempladas pelo tipo penal. Para justificar valoração negativa, seria necessário demonstrar consequências extraordinárias, que extrapolassem o resultado típico da conduta, o que não ocorreu no caso em análise. Portanto, afastando-se as valorações negativas indevidamente aplicadas, e considerando que as demais circunstâncias judiciais foram consideradas neutras ou favoráveis ao réu, fixo a pena-base no mínimo legal de 12 (doze) anos de reclusão. 2ª FASE: AGRAVANTES E ATENUANTES Na segunda fase, mantenho a compensação entre a agravante da reincidência e a atenuante da confissão espontânea, conforme estabelecido na sentença. Contudo, deve ser afastada a agravante prevista no art. 61, II, "f", do Código Penal (crime cometido com violência contra a mulher por razões do sexo feminino), em razão de bis in idem, conforme entendimento do STJ no julgado HC n. 520.681/RJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 22/10/2019, DJe de 30/10/2019. Isso porque tal circunstância já foi considerada como qualificadora do crime de homicídio (feminicídio - art. 121, §2º, VI, do CP), não podendo ser novamente valorada como agravante genérica. Permanecem, portanto, as agravantes do art. 61, II, "a" (motivo torpe) e art. 61, II, "g" (violação de dever inerente ao cargo, ofício, ministério ou profissão), elevando a pena em 2/6 (1/6 para cada agravante). Assim, a pena intermediária passa a ser de 16 (dezesseis) anos de reclusão. 3ª FASE: CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO DA PENA Na terceira fase, considerando a causa de diminuição da tentativa (art. 14, II, do CP), e considerando que o resultado morte não se apresentou como consequência imediata ou provável das lesões causadas, conforme atestado pelo laudo médico, entendo que a redução da pena deve ser aplicada em patamar superior ao mínimo legal. Assim, aplico a redução na fração de 3/7 (três sétimos), resultando na pena final de 09 (nove) anos de reclusão. Considerando o quantum da pena aplicada e a reincidência do réu, fixo o regime inicial FECHADO para cumprimento da pena, nos termos do art. 33, §2º, "a", do Código Penal. 3. DA PERDA DO CARGO PÚBLICO O apelante pleiteia o afastamento da perda do cargo público, argumentando que o crime não foi praticado com abuso de poder ou violação de dever inerente ao cargo e que não houve fundamentação adequada para o decreto. Contudo, a perda do cargo foi devidamente fundamentada na sentença. A magistrada considerou que o réu, na condição de técnico de enfermagem (profissional da saúde pública), "violou dever inerente ao cargo, ofício, ministério ou profissão ao cometer os fatos", uma vez que, enquanto servidor, "deveria se dedicar a salvar a vida e não agir de maneira contrária, incompatível não só com suas obrigações enquanto servidor público, mas em especial com os deveres inerentes àqueles que atuam na área da saúde." O artigo 92, inciso I, alínea "b", do Código Penal prevê que a imposição de pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos pode determinar, como efeito da condenação, a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo, desde que devidamente motivada. No caso em tela, além da pena superior a quatro anos, a magistrada fundamentou adequadamente que o crime foi cometido com violação ao dever inerente ao cargo, destacando inclusive que, conforme o artigo 177, VII, da Lei Complementar Municipal de Lambari D'Oeste, é punível com pena de demissão o servidor que cometer ofensa física em serviço a servidor ou a particular. Portanto, a perda do cargo público foi devidamente motivada e encontra respaldo legal, não merecendo reforma nesse ponto. 4. DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE A negativa do direito de recorrer em liberdade está em conformidade com a decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida em 12/09/2024, nos autos do RE 1235340 (Tema 1068), que reconheceu a constitucionalidade da execução imediata da pena aplicada pelo Tribunal do Júri, em razão da soberania dos veredictos, à luz do art. 5º, inciso XXXVIII, alínea c, da Constituição Federal: "A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada." Considerando o referido entendimento, bem como o regime inicial fechado fixado na sentença e a gravidade concreta do crime, não há ilegalidade na determinação de imediata execução da pena. Ante o exposto, conheço da apelação interposta e, no mérito, provejo parcialmente, tão somente para readequar a dosimetria tornando a pena definitiva em 09 (nove) anos de reclusão a ser cumprida no regime inicial fechado. Via de consequência, mantenho incólumes os demais termos da sentença combatida por seus próprios fundamentos. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 22/07/2025
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