Usiel Carneiro De Souza x Alzira Nilze Lucas Barcelos e outros
ID: 294517869
Tribunal: TJES
Órgão: 025 - Gabinete Des. SÉRGIO RICARDO DE SOUZA
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5013182-66.2023.8.08.0000
Data de Disponibilização:
10/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ALZIRA NILZE LUCAS BARCELOS
AMARINO FRANCISCO DO NASCIMENTO
ELAINE BELLO NEVES NETTO
ELIAS FERREIRA DA CRUZ
ELIZABETH MACHADO PEREIRA
FRANCIS CAZELLI THOMPSON
GERUZA FERRARI MEDICI
IDENIR MENDES ANDRADE
JAIRO MENDES PECANHA
JOELSON CORDEIRO THOMPSON
JOSE RIBEIRO DE MORAES
LEDA CAZELLI THOMPSON
LEILA FREIRE CRUZ
LILIA DE ALMEIDA CARVALHO
LUIZ ANTONIO TERRA
MARCIA DE JESUS ROCHA PEREIRA BASTOS
MARCIO DE SOUZA BASTOS
MARILENA FERNANDO DUARTE
MARLENE RODRIGUES DE DEUS CORDEIRO
MARLENE ROSA DE ALMEIDA CAVALCANTE E SILVA
MARLI VIEIRA MENDES GODOY
PAOLA DE AQUINO BRETTAS SANTOS
ROSEMERY FERREIRA MAIA
Advogados:
NELSON MOREIRA JUNIOR
OAB/ES XXXXXX
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RUTILIO TORRES AUGUSTO JUNIOR
OAB/DF XXXXXX
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FABIO LUCIANNO FERREIRA DE MORAES
OAB/ES XXXXXX
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JOSE CARLOS RIZK FILHO
OAB/ES XXXXXX
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ALICE CARDOSO DE MENEZES
OAB/ES XXXXXX
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ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO 3ª CÂMARA CÍVEL PROCESSO Nº 5013182-66.2023.8.08.0000 AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) AGRAVANTE: USIEL CARNEIRO DE SOUZA AGRAVADO: JAIRO MENDES PECANHA e outros …
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO 3ª CÂMARA CÍVEL PROCESSO Nº 5013182-66.2023.8.08.0000 AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) AGRAVANTE: USIEL CARNEIRO DE SOUZA AGRAVADO: JAIRO MENDES PECANHA e outros (22) RELATOR(A):SERGIO RICARDO DE SOUZA ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ EMENTA Ementa: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSOCIAÇÃO RELIGIOSA. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPADA. ATECNIA DECISÓRIA. ANÁLISE DA TUTELA DE URGÊNCIA COM BASE NOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA TUTELA DE EVIDÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. DECISÃO ADMINISTRATIVA PROFERIDA EM SEDE DE CONCÍLIO DECISÓRIO INSTAURADO POR MEMBROS INATIVOS. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE ESTATUTÁRIA PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCEDIMENTO. PROBABILIDADE DO DIREITO NÃO EVIDENCIADA. IMPOSSIBILIDADE DE ALIENAÇÃO OU ONERAÇÃO DO PATRIMÔNIO DA IGREJA DE FORMA ISOLADA PELO PASTOR PRESIDENTE. VEDAÇÃO ESTATUTÁRIA PARA A REALIZAÇÃO DE TRANSAÇÕES FINANCEIRAS SEM A ASSINATURA DE PELO MENOS DOIS MEMBROS DA EQUIPE ADMINISTRATIVA. PERIGO DE DANO NÃO CARACTERIZADO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. ANÁLISE QUE SE LIMITA À CONSTATAÇÃO DA PRESENÇA OU NÃO DOS PRESSUPOSTOS PARA A CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA. INTERFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO EM ATOS INTERNA CORPORIS NÃO CARACTERIZADA. MERO CONTROLE DE JURIDICIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA. DECISÃO REFORMADA PARA INDEFERIR A TUTELA DE URGÊNCIA. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão do juízo da 3ª Vara Cível de Vitória/ES que, em sede de “ação de obrigação de fazer”, deferiu tutela provisória de urgência antecipada. A decisão determinou ao agravante, Pastor Presidente da Igreja Batista da Praia do Canto (IBPC), a abstenção de atos envolvendo alienação de bens, alterações estatutárias, mudança de sede, e restrições a membros, bem como a entrega de chaves, documentos e senhas da igreja, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) determinar se a decisão recorrida incorreu em atecnia procedimental ao tratar a tutela como de evidência, mas fundamentá-la sob os requisitos da tutela de urgência; e (ii) examinar se estão preenchidos os requisitos do art. 300 do CPC, relativos à probabilidade do direito e ao perigo de dano. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A decisão recorrida não incorre em atecnia procedimental, pois, embora tenha se referido, inicialmente, à tutela de evidência, a análise realizada pelo juízo se deu com base nos pressupostos essenciais para a concessão da tutela de urgência, previstos no art. 300 do CPC. 4. A probabilidade do direito não restou demonstrada pelos agravados na postulação inicial, pois: (i) os elementos ora existentes nos autos indicam que os agravados já haviam sido desligados da Igreja Batista da Praia do Canto quando requereram a instauração do Concílio Decisório perante a Convenção Batista Brasileira, o que denota a ausência de legitimidade destes para deflagrar o referido procedimento, haja vista que o estatuto da instituição religiosa exige que o pedido seja formulado por membros ativos. Nessa linha, ao menos nesta fase da tramitação processual na origem, denota-se que o procedimento que culminou com a decisão administrativa de afastamento do Pastor agravante potencialmente possui vício em sua instauração, circunstância que merece aprofundamento cognitivo no primeiro grau; (ii) por ora, não há indícios de que o procedimento de desligamento dos agravados tenha violado o devido processo legal, situação também a ser aprofundada pelo juízo de primeiro grau em sede de instrução probatória. 5. Quanto ao perigo de dano, os agravados apontam atos supostamente praticados pelo requerido/agravante que, no seu entendimento, caracterizam tentativa de asfixiar o caixa da entidade e criar justificativa para a venda do patrimônio da igreja. Contudo, não se verifica o alegado perigo de dano, pois o Estatuto da Igreja Batista da Praia do Canto impede a alienação ou oneração, total ou parcial do imóvel em que se encontra instalada a Igreja sem que haja autorização assemblear (art. 10, inciso V), bem como a realização de transações financeiras de forma isolada pelo pastor, exigindo-se a assinatura de, pelo menos, dois membros da equipe administrativa (art. 34, parágrafo único). 6. Não há supressão de instância na análise do agravo de instrumento, pois a cognição recursal limitou-se à verificação dos pressupostos da tutela de urgência, nos exatos termos da decisão de primeiro grau. 7. O controle de juridicidade realizado pelo Judiciário não caracteriza interferência em atos interna corporis, sendo assegurado pelo princípio do acesso à justiça, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso provido. 1.Tese de julgamento: 1. A concessão da tutela provisória de urgência depende da comprovação da probabilidade do direito e do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. 2. O estatuto da Igreja Batista da Praia do Canto assegura a legitimidade para a deflagração de concílio decisório com o fim de dirimir divergências doutrinárias apenas a grupos de membros ativos da instituição. Probabilidade do direito não evidenciada no pedido de tutela de urgência formulado na inicial. 3. A impossibilidade estatutária de alienação ou oneração, total ou parcial, do imóvel em que se encontra instalada a Igreja, bem como a vedação de realização de transações financeiras sem a assinatura de, pelo menos, dois membros da equipe administrativa afasta o perigo de dano afirmado na inicial. 4. O Poder Judiciário pode exercer controle de juridicidade sobre atos administrativos de associações religiosas, desde que limitados à verificação de conformidade constitucional, legal e estatutária. _________________________________________________________________________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 5º, XVII, XXXV; CC, arts. 44, IV, §1º, 53, 54; CPC, arts. 300, 311, 1.019, I. Jurisprudência relevante citada: TJMG, AI nº 1.0000.19.029553-5/001, Rel. Des. Cabral da Silva, j. 15.09.2020; TJPE, AI nº 00019865320228179480, Rel. Des. Luiz Gustavo Mendonça de Araújo, j. 03.04.2023; STJ, REsp nº 1713426/PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 04.06.2019. ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ ACÓRDÃO Decisão: Por maioria, conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Órgão julgador vencedor: 025 - Gabinete Des. SÉRGIO RICARDO DE SOUZA Composição de julgamento: 025 - Gabinete Des. SÉRGIO RICARDO DE SOUZA - SERGIO RICARDO DE SOUZA - Relator / 023 - Gabinete Desª. MARIANNE JUDICE DE MATTOS - ALDARY NUNES JUNIOR - Vogal / 028 - Gabinete Des. FABIO BRASIL NERY - FABIO BRASIL NERY - Vogal VOTOS VOGAIS 023 - Gabinete Desª. MARIANNE JUDICE DE MATTOS - ALDARY NUNES JUNIOR (Vogal) Proferir voto escrito para acompanhar 028 - Gabinete Des. FABIO BRASIL NERY - FABIO BRASIL NERY (Vogal) Proferir voto escrito divergente DESEMBARGADOR(RES) IMPEDIDO(S) 027 - Gabinete Desª. DEBORA MARIA AMBOS CORREA DA SILVA - DEBORA MARIA AMBOS CORREA DA SILVA (Vogal) Impedido ou Suspeito 005 - Gabinete Des. CARLOS SIMÕES FONSECA - CARLOS SIMOES FONSECA (Vogal) Impedido ou Suspeito 013 - Gabinete Des. FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY - FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY (Vogal) Impedido ou Suspeito ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ RELATÓRIO _______________________________________________________________________________________________________________________________________________ NOTAS TAQUIGRÁFICAS DATA DA SESSÃO: 20/05/2025 R E L A T Ó R I O O SR. DESEMBARGADOR SÉRGIO RICARDO DE SOUZA (RELATOR):- Trata-se de agravo de instrumento interposto por USIEL CARNEIRO DE SOUZA contra a r. decisão de evento ID. n.º 32003966 dos autos originários, proferida pelo douto juízo da 3ª Vara Cível de Vitória, Comarca da Capital, que, nos autos da “ação de obrigação de fazer” ajuizada por JAIRO MENDES PEÇANHA e outros, deferiu o pedido de tutela provisória de urgência antecipada para determinar ao réu que se abstenha de praticar quaisquer atos que visem a) a alienação, permuta ou instituição de qualquer ônus sobre o patrimônio da igreja; b) o desligamento de membros ou quaisquer restrições aos seus direitos individuais na igreja; c) a reforma do Estatuto ou qualquer outro documento normativo; d) a mudança de sede; e) a alteração do nome da igreja. Determinou, ainda, que no prazo de 48h, fossem entregues as chaves da Igreja, mantendo-se no local todos os documentos de gestão e contábeis, além da entrega das senhas das contas bancárias da Igreja, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por ato praticado em descumprimento da decisão. Nas razões recursais de evento ID. nº 6520734, o agravante alega, em síntese, que: (I) houve atecnia procedimental, na medida em que o magistrado de primeiro grau reconheceu se tratar de tutela de evidência, porém a pretensão não encontra amparo nas hipóteses previstas no art. 311 do CPC e, além disso, de modo contraditório, o dispositivo da decisão recorrida alude à concessão de tutela de urgência, técnica que possui pressupostos diversos daqueles elencados para a tutela de evidência; (II) em todo caso, ainda que se adote como premissa a análise do caso sob o viés da tutela de urgência, não se encontram preenchidos os requisitos do art. 300 do CPC; (III) a Convenção Batista Brasileira é ilegítima para decidir, em sede de Concílio Decisório, acerca da administração da Igreja Batista da Praia do Canto, pessoa jurídica de direito privado; (IV) os autores/agravados carecem de legitimidade para requerer à Convenção Batista Brasileira a instauração do Concílio Decisório, uma vez que foram excluídos da Igreja Batista da Praia do Canto, por ato administrativo; (V) é falsa a alegação dos autores/agravados a respeito da necessidade de filiação do agravante na Ordem dos Pastores Batistas do Brasil, dado que a adesão à organização é facultativa; (VI) a maioria dos membros da Igreja Batista da Praia do Canto apoia a permanência do agravante à frente da Igreja; (VII) há impedimento estatutário para a prática de ato isolado pelo agravante que implique em disponibilidade financeira da igreja, cabendo à Equipe Administrativa a tomada de decisões desta natureza, consoante arts. 31 a 35 do Estatuto da Igreja. Com amparo nesses fundamentos e no art. 1.019, inciso I, do CPC, requereu a concessão de efeito suspensivo ao recurso, de modo a obstar a eficácia da decisão recorrida até o julgamento de mérito do presente recurso. No evento ID. n.º 6527443 o Desembargador Jorge Henrique Valle dos Santos declarou o seu impedimento para atuar no feito, com base no art. 144, inciso IV, do CPC. Em seguida, após a redistribuição do feito à Desembargadora Débora Maria Ambos Correa da Silva, proferiu-se despacho determinando ao agravante a apresentação de documentos aptos a comprovar a necessidade de deferimento do benefício de gratuidade da justiça. Em atendimento ao r. despacho, o agravante optou por quitar o preparo recursal, conforme comprovante juntado ao evento ID. n.º 6615292. Na sequência, a eminente Desembargadora Débora Maria Ambos Correa da Silva se declarou suspeita para atuar na demanda, com amparo no art. 145, § 1º, do CPC, o que ensejou a redistribuição dos autos a este julgador. Recebidos os autos no Gabinete deste Relator, proferiu-se a decisão de evento ID. n.º 6638324, atribuindo efeito suspensivo ao recurso. Designou-se audiência de conciliação para a data de 04/12/2023, oportunidade em que as partes celebraram acordo parcial sobre questões laterais, que não envolvem propriamente o mérito recursal (ID. 6830479). Adiante, os agravados interpuseram recurso de agravo interno (ID. 7342114) sustentando, em suma, que: (I) a decisão recorrida incorreu em supressão de instância ao tratar da ilegitimidade dos recorrentes para requerer a instauração de concílio decisório; (II) o pronunciamento judicial impugnado interferiu em ato interna corporis e adentrou ao mérito da decisão administrativa proferida pelo Concílio Decisório; (III) o requerimento de instauração do Concílio Decisório foi enviado em 06/08/2021, quando os recorrentes ainda eram membros da IBPC; (IV) a audiência de conciliação designada neste recurso configura reconhecimento tácito da legitimidade dos recorrentes para requerer a instauração do Concílio Decisório; (V) ao menos a legitimidade do agravante Luiz Antônio Terra deve ser reconhecida, pois não há comprovação nos autos de que este tenha sido desligado da IBPC. Contrarrazões no evento ID. n.º 7342117, pugnando pelo desprovimento do recurso, em suma, pelas razões já expostas no agravo interno. Decisão proferida no evento ID. n.º 8299906 revogando o benefício de gratuidade da justiça de 8 (oito) dos agravantes (do agravo interno), determinando-se, assim, o recolhimento do preparo de forma proporcional. Novo agravo interno interposto pelos recorridos do recurso principal, contra a decisão supramencionada (ID. 8919574). Contrarrazões do recorrido (do agravo interno de 8919574) no ID. 9899634. É o relatório. Inclua-se em pauta de julgamento. Vitória/ES, na data da assinatura digital. * O SR. DESEMBARGADOR CARLOS SIMÕES FONSECA (PRESIDENTE):- Transfiro a Presidência ao Desembargador Sérgio Ricardo. * O SR. DESEMBARGADOR SÉRGIO RICARDO DE SOUZA (NO EXERCÍCIO DA PRESIDÊNCIA):- Com a palavra a douta advogada Alice Cardoso de Menezes. * A SRA. ADVOGADA ALICE CARDOSO DE MENEZES:- Boa tarde, Desembargador Presidente, Desembargador Relator e demais membros dessa egrégia Câmara, ao douto Representante do Ministério Público, meus colegas advogados, partes aqui presentes e serventuários da Justiça. Acreditando que já estará superada as questões referentes à assistência judiciária gratuita, e a preliminar de supressão de instância agregada pelos Agravados. Eu gostaria aqui nessa tribuna trazer apenas quatro pontos que julgamos importantes de serem ressaltados na nossa sustentação, que diz respeito a atecnia da decisão agravada, a ausência dos requisitos para concessão de tutela de urgência, a ilegitimidade dos Agravados, e a autonomia da Igreja Batista da Praia do Canto. Começando a falar da atecnia dessa decisão, Excelências, a decisão da Terceira Câmara Cível da Vara de Vitória, ora Agravada, ela foi proferida através da concessão de uma liminar em Tutela de Evidência. Justamente porque o douto julgador, quando verificou a ausência dos requisitos da Tutela de Urgência, aplicando possivelmente uma fungibilidade entre os pedidos, acatou o pedido dos Agravados com uma Tutela de Evidência. E ele não deixou nenhum tipo de imagem para dúvida para isso. Peço licença para ler o trecho da decisão em que ele fala que; no caso dos autos, verifica-se que o pedido dos autores, apesar de nominado diversamente, não tem natureza incidental. E ele continua mais à frente dizendo que trata-se de medida inibitória, a qual, em sede antecedente, deve ser classificada como verdadeira Tutela de Evidência. E foi justamente a Tutela de Evidência que ele julgou, neste caso, para proferir a decisão liminar. Só que acontece, Excelências, que a decisão ela viola o parágrafo único do artigo 311 do CPC. Uma vez em que só é permitida a concessão ou a apreciação do pedido liminar, ou seja, sem que seja aberto o contraditório, se nos casos previstos nos incisos II e III desse artigo 311, se nós estivéssemos diante de teses repetitivas, ou dos contratos de depósito, que nós sabemos não é o caso dos autos. Porém, o julgador não abriu o contraditório, não permitiu que o ora Agravante se manifestasse naqueles autos, e decidiu pelo afastamento do Agravado das suas condições perante a Igreja Batista da Praia do Canto. Ocorre, que além da atecnia, que por si só seria já suficiente para caçar essa decisão em definitivo, nós também não teríamos sequer os requisitos da Tutela de Urgência, que foi o pedido então feito pelos então Agravados, perante ao Juízo da Terceira Vara Cível de Vitória, não teríamos então os requisitos. Por quê? Ausente a verossimilhança, uma vez que o pedido que eles apresentam de obrigação, ele é baseado numa decisão que não tem nem sequer condição de existir, porque ela é viciada na sua essência, no seu nascedouro. Uma vez que os agora Agravados, eles não detinham legitimidade para requerer o que foi requerido perante o Conselho Decisório da Convenção Batista Brasileira. E por outro lado, o perigo do dano irreversível também é inexistente, uma vez que o Pastor ora Agravante, ele não detém autonomia, ele não pode individualmente sequer tomar qualquer tipo de decisão acerca da gestão ou das finanças da Igreja Batista da Praia do Canto. Porque isso? Por força do próprio Estatuto, em seus artigos 31 a 35, existe a previsão de que somente diretorias e o Conselho podem deliberar a respeito dos rumos da Igreja. Então, não existe dano possível de ser praticado por aquele que não tem poder para praticar nenhum tipo de ato de gestão. Além disso, Excelências, é importante a gente refletir que, nesse caso, o dano, se a gente quiser encontrar, um dano aqui, ele é um dano inverso. Por quê? Além do Pastor não ter esse poder de causar nenhum tipo de dano, quem está correndo risco de dano é toda a Comunidade. E eu digo isso Excelência, porque nós estamos diante de uma Assembleia Religiosa onde pessoas já demonstraram seu apoio total à liderança atual, e também refutaram veementemente a decisão do Concílio Decisório da Igreja da Convenção Batista Brasileira, além de clamar nas declarações que anexamos aos autos, pelo respeito à sua liberdade religiosa, e à sua liberdade constitucional de organização. E é por isso, que nós não podemos ver então um dano em relação aos Agravados, mas em si a toda essa comunidade de fé, esse dano inverso, porque quando colapsarmos então, porque se manter essa decisão da ora Agravada, da Terceira Vara de Vitória, vamos colapsar toda aquela comunidade; e que também isso atingirá frontalmente, diretamente, as entidades que são assistidas por esta Igreja. E eu posso citar como exemplo aqui a Fundação Batista da Praia do Canto, que tantos de nós conhecemos. É uma fundação que cuida de crianças carentes, muito carentes no Bairro de São Pedro, e que necessitam de tudo que é providenciado a eles através da Igreja Batista da Praia do Canto. Então, com todo respeito, eu faço aqui, deixo uma reflexão. Será que o risco maior de dano é entregar a direção de uma Igreja, uma organização que tem quase 50 anos a pessoas que não são seus membros, uma vez que quando eles requereram ao Concílio Decisório que a Igreja fosse a eles entregues, eles nem mesmo eram membros da Igreja naquela época; eles fizeram o pedido em junho de 2022, eles tinham sido membros excluídos em janeiro daquele ano. Além disso, isso é também um dos pontos importantes a gente ressaltar aqui. O senhor Luiz Terra, que eles trazem então como requerente deste processo original, ele sequer foi requerente na época do Concílio Decisório, e também ele não detém também a legitimidade, uma vez que ele é membro inativo da Igreja Batista da Praia do Canto desde 2023. Ou seja, nem mesmo ele detém legitimidade para receber a Igreja, se fosse o caso. Então, para finalizar, eu gostaria de ressaltar a existência desses documentos, essa ata, inclusive, que comprova a ilegitimidade do senhor Luiz Antônio Terra, ela foi lavrada nesse ano, porém não existe previsão legal no nosso ordenamento jurídico a respeito de prazo para que se lavem atas de reunião, e muito menos previsão no próprio estatuto da Igreja, de como seria feito a inativação de membros que não comparecem aos cultos, não comparecem à Comunidade Religiosa. É o que mostra, inclusive, que o senhor Luiz Antônio Terra não tem nem interesse na Igreja Batista da Praia do Canto. E por essa razão, mais uma vez, pontuando a importância da manifestação dos mais de 370 membros, hoje ativos na Igreja Batista da Praia do Canto, que pedem por respeito a sua liberdade Religiosa e de organização, é que trago esses pontos aqui para esclarecer o nosso agravo. E agradecer muito pela atenção. Obrigada. * O SR. ADVOGADO MARLILSON MACHADO SUEIRO DE CARVALHO:- Eminente Presidente, demais egrégios julgadores, doutíssimo representante do parquet estadual, senhores e senhoras servidores, meus distintos colegas, inclusive a nobre advogada que me antecedeu, neta do meu saudoso e querido Professor de Direito do Trabalho, doutor Durval Cardoso. Eu começaria esclarecendo como é criada uma nova Igreja Batista. Existe uma Igreja Mãe, no caso concreto aqui, a Igreja Batista da Praia do Suá. Nessa Igreja Mãe, é criada uma congregação; no caso foi criada a Congregação da Praia do Canto. Essa Congregação é porque a Igreja Mãe passa alguns membros para lá, e lhes dá apoio financeiro etc. Quando essa Congregação cresce um pouco, a Convenção Batista doa o terreno, e é fundada a Igreja. Toda e qualquer Igreja Batista filiada à convenção (e por isso recebe o terreno da convenção) faz constar em seu estatuto que, havendo desvio doutrinário ou eclesiástico, o grupo que não concordar pode suscitar Concílio Decisório. E que esse Concílio Decisório vai se suscitar, ou na Convenção Batista (algumas Igrejas escolhem a Convenção Batista Estadual) ou na Convenção Batista Brasileira, que é a que abrange todo o Brasil. No caso concreto, basta ler o Estatuto Social da Igreja, que no artigo 45 e seguintes - se eu não me engano, 45 a 49 - consta expressamente (ou seja, é norma interna da própria Igreja) a possibilidade da Convenção Batista Brasileira suscitar e decidir esse conflito. Aliás, consta no artigo 49 desse estatuto que: Uma vez instaurado o Concílio, não é possível mais desligar qualquer membro, até que haja o julgamento do Concílio. Esclarecido esse ponto, o que aconteceu aqui? Houve realmente conflito. Podemos ver o seguinte: no início de 2001, houve o ajuizamento de uma ação por parte dos meus constituintes, ação essa inicialmente distribuída para a 8ª Vara Cível de Vitória e que hoje se encontra na 11ª Vara Cível de Vitória, em que foi deferida uma liminar. Como mesmo foi dito, a exclusão aconteceu em 2002. Um ano antes, foi deferida uma liminar, em favor dessas pessoas ora Agravadas, para que tivessem o direito de participar de Assembleia. Deferida a liminar, a Assembleia foi adiada "sine die" e depois realizada via virtual, sem dar participação aos Agravantes. Então estamos vendo que, um ano antes dos afastamentos, já havia uma Ação Judicial. Acontece que, poucos dias depois disso, houve também uma reclamação por parte dessas pessoas junto da Convenção Batista Estadual. A comissão de ética da Convenção Batista Estadual, ainda no início de 2001, notificou o Presidente da Igreja e o Presidente do Conselho, para que não afastassem qualquer membro, haja vista o artigo 49 do estatuto da própria Igreja. Posteriormente, a primeira reclamação apresentada junto à Convenção Nacional, essa reclamação foi apresentada em 06-08-2021. Isso consta, inclusive, expresso na ata do Conselho Decisório, ata esta que se encontra no ID 27.25.0046 da ação de origem. Então, na pior das hipóteses, a partir de 06-08-2021, data do primeiro pedido de Concílio Decisório, não mais poderia ter afastamento de qualquer membro. O afastamento, confessadamente aqui na tribuna, aconteceu quando? Em 2002. E os processos para começarem esse afastamento aconteceram quando? Depois de dezembro de 2021, e tiveram decisão em 2002. Basicamente as decisões são o quê? Eles são afastados por críticas veementes à liderança, à diretoria. Seria a mesma coisa no caso dessas críticas? Era o quê? Era o objeto do Concílio Decisório. Então, é a mesma coisa que o empregado tomar uma justa causa simplesmente e, civilizadamente, dentro do ordenamento jurídico, apresentou uma reclamação trabalhista. Isso aí, da falta de legitimidade, foi examinado exaustivamente pelo Concílio Decisório. O Concílio Decisório, motivadamente, em algumas laudas, deixou claro que era um meio para evitar o próprio Concílio Decisório, por isso declarou nulo e sem qualquer efeito. Em relação ao Terra. Terra é um dos autores dessa ação; Terra é um dos que requereu as medidas junto à Convenção. E, além disso, como que alguém vai dizer que o desligamento aplicado em 2023 pode tornar ilegítimo alguém que requereu a instauração em 2021, e que o Conselho encerrou-se em 2022? Onde que uma legitimidade pode ser retirada após encerrado o processo? Também, quinze Pastores, à unanimidade, entenderam que houve desvio doutrinário, e citaram onde estaria esse desvio doutrinário. Como é de correntia sabença, a Autonomia da Igreja, sim, quem decidiu foi um órgão, que a própria Igreja erigiu para tanto no seu ato de formação e que continua em vigor até hoje. Houve realmente essa eleição de onde seria sanada a hipótese, e foi sanada à unanimidade. Então, em nome da autonomia religiosa, em nome da autonomia das personalidades, das pessoas jurídicas de direito privado, PIAS religiosas, não há como o Judiciário intervir nisso, exceto em casos extremos. Qual foi a imputação feita aqui em relação a erro da Convenção? Basicamente nenhum. Que diz a ilegitimidade. Como ilegítima? Se foi a própria Igreja, através de seus fundadores. Falaram aqui que a Igreja tem 50 anos; a igreja é de 76. Então seus fundadores estabeleceram que o Concílio poderia ser criado pela Convenção Batista Brasileira. E o foi. Que legitimidade das partes? Agora, maior número ou menor número, isso é irrelevante, até mesmo porque, vamos e venhamos, foi muito mais fácil, como as pessoas descontentes fizeram, deixaram a igreja da Praia Do Canto e ir para a Igreja Batista. Foi muito mais fácil. Esses daqui estão querendo, estão brigando, estão se desgastando para colocar as coisas onde eles entendem que devem estar, nos seus devidos lugares. Mas a grande maioria, qual a diferença que fez? Foi para a Igreja Batista da Mata da Praia, que ganhou muitos e muitos membros, que aumentou significativamente a sua arrecadação com dízimos e ofertas. Agora, não precisa acreditar em mim; se alguém tiver dúvida, vá à Igreja Batista da Praia do Canto, sem avisar, para ver quantas pessoas estão lá hoje. Isso estou falando porque foi comentado, mas, para o processo, é irrelevante. Consta, inclusive, do estatuto da Igreja, no artigo 45 e seguintes, que pouco importa o número do grupo dissidente; o que interessa é que o grupo dissidente siga a doutrina Batista, que é a Igreja Batista. Ninguém é obrigado a ficar na Igreja Batista; todo mundo que quiser pode fundar uma nova Igreja, agora, não querer alterar a doutrina de uma Igreja Batista filiada à Convenção Batista Estadual, à Convenção Batista Nacional e que, ao se filiar, obrigou-se a seguir as regras e a doutrina dessa Igreja. Senão, daqui a pouco, uma Igreja Presbiteriana não vai ter um Culto Presbiteriano, uma Igreja Batista não vai ter um Culto Batista. Também, cabe ressaltar que o senhor Oziel pediu para sair da Igreja Batista. Tem uma declaração nesse sentido, nos autos, do Presidente da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil, Seção do Espírito Santo, datada de junho de 2023, atestando que o agravante foi desligado de tal ordem. A declaração se encontra no ID 13-42-80-61 do agravo. Quer continuar à frente da Igreja Batista, mas sem ser membro. Também tem declaração no Agravo de Instrumento 536-58-11-2024. 8.080000, no ID 89.570.57, que é um Agravo de Instrumento conexo a esse, entre as mesmas partes e sob a mesma relatoria, do Presidente da Convenção Batista Brasileira, que diz que esse grupo dissidente, para a convenção, é o legítimo representante da Igreja local. Quanto à decisão, pouco importa o rótulo, porque temos que ver o seguinte: ela seguiu o artigo 300 do CPC? Sim. Todos os requisitos estavam presentes? Sim. O que já dá a ela um fortíssimo juízo de probabilidade de seu direito? Uma decisão unânime de quinze Pastores do Conselho Decisório. E o periculum in mora? O periculum in mora é que alguém que foi reconhecido como tendo praticado desvio da Doutrina Batista continue por anos à frente de tal Igreja. Quem é que pode dizer que não há um fortíssimo juízo de probabilidade no Concílio Decisório realizado no Rio de Janeiro pela Convenção Batista Brasileira, que é de âmbito Nacional, com quinze Pastores, onde houve decisão unânime a favor dos suscitantes. Diante de todo o exposto, esperamos e rogamos o improvimento do recurso. Era o que tínhamos a dizer. * V O T O O SR. DESEMBARGADOR SÉRGIO RICARDO DE SOUZA (RELATOR):- Conforme relatado, trata-se de agravo de instrumento interposto por USIEL CARNEIRO DE SOUZA contra a r. decisão de evento ID. n.º 32003966 dos autos originários, proferida pelo douto juízo da 3ª Vara Cível de Vitória, Comarca da Capital, que, nos autos da “ação de obrigação de fazer” ajuizada por JAIRO MENDES PEÇANHA e outros, deferiu o pedido de tutela provisória de urgência antecipada para determinar ao réu que se abstenha de praticar quaisquer atos que visem a) a alienação, permuta ou instituição de qualquer ônus sobre o patrimônio da igreja; b) o desligamento de membros ou quaisquer restrições aos seus direitos individuais na igreja; c) a reforma do Estatuto ou qualquer outro documento normativo; d) a mudança de sede; e) a alteração do nome da igreja. Determinou, ainda, que no prazo de 48h, fossem entregues as chaves da Igreja, mantendo-se no local todos os documentos de gestão e contábeis, além da entrega das senhas das contas bancárias da instituição religiosa, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por ato praticado em descumprimento da decisão. Preenchidos os requisitos de admissibilidade recursal, conheço do recurso e passo a analisar suas razões, realizando, entretanto, uma breve contextualização da controvérsia submetida ao crivo desta Egrégia Câmara. Extrai-se dos autos que, na origem, os agravados ajuizaram “ação de obrigação de fazer” objetivando o cumprimento de decisão administrativa proferida no bojo do Concílio Decisório nº 01/2022, da Convenção Batista Brasileira, instaurado com base no art. 45 do Estatuto da Igreja Batista da Praia do Canto – IBPC. Os autores afirmam, na inicial, que são integrantes de um grupo de 40 (quarenta) membros da Igreja Batista da Praia do Canto, vinculada à Convenção Batista Brasileira – CBB, que seria o órgão máximo da denominação Batista no Brasil, com atribuição para dirimir conflitos de ordem doutrinária no seio da IBPC, por meio de Concílio Decisório formado nos termos dos artigos 45 a 49 do Estatuto da Igreja. Alegam, ainda, que obtiveram, em procedimento administrativo eclesiástico, o reconhecimento do direito de posse dos bens e administração da IBPC, decorrente de Representação encaminhada à Convenção Batista Brasileira, através da qual noticia a existência de um conflito de ordem doutrinária entre os membros da organização religiosa. No documento, os autores afirmam que o conflito decorre de supostas tentativas do pastor da igreja, Usiel Carneiro de Souza, de introduzir, no âmbito da instituição, doutrina divergente dos princípios, e das práticas eclesiásticas da Convenção Batista Brasileira, adotadas pela IBPC. Prosseguem narrando que, após recebida a representação na CBB, o Presidente da Convenção notificou a IBPC, bem como o Pastor Usiel Carneiro de Souza, no dia 28 de junho de 2022, para que indicasse 05 (cinco) pastores para compor o concílio Decisório, nos termos do parágrafo único do artigo 46 do Estatuto da Igreja. Segundo afirmam, o Pastor, ora agravante, não reconheceu o Concílio Decisório, embora tenha redigido resposta à época e, uma vez notificado da decisão do Concílio, não cumpriu imediatamente a decisão, conforme dispõem as regras estatutárias da IBPC, o que motivou a propositura da ação, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada. O pleito antecipatório restou deferido pelo juízo de primeiro grau, em suma, sob os seguintes fundamentos: “[…] Com efeito, existe decisão proferida pelo órgão competente da instituição, nos moldes de seu Estatuto próprio, que determinou acerca da administração da referida Igreja, ato nitidamente descumprido pelo réu, que permanece na atividade e vem realizando atos indevidos, contrários à referida decisão, tais como desligamento de pessoas e venda de bens (bancos). Merece registro que o art. 44, parágrafo 1º, do Código Civil, dispõe, ainda, que são livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, portanto, deve ser observada a prescrição dos arts. 4º e 49 do Estatuto da Igreja Batista da Praia do Canto”. Irresignado, o Pastor da IBPC interpôs o presente agravo de instrumento alegando, em síntese, que: (I) houve atecnia procedimental, na medida em que o magistrado de primeiro grau reconheceu se tratar de tutela de evidência, porém a pretensão não encontra amparo nas hipóteses previstas no art. 311 do CPC e, além disso, de modo contraditório, o dispositivo da decisão recorrida alude à concessão de tutela de urgência, técnica que possui pressupostos diversos daqueles elencados para a tutela de evidência; (II) em todo caso, ainda que se adote como premissa a análise do caso sob o viés da tutela de urgência, não se encontram preenchidos os requisitos do art. 300 do CPC; (III) a Convenção Batista Brasileira é ilegítima para decidir, em sede de Concílio Decisório, acerca da administração da Igreja Batista da Praia do Canto, pessoa jurídica de direito privado; (IV) os autores/agravados carecem de legitimidade para requerer à Convenção Batista Brasileira a instauração do Concílio Decisório, uma vez que foram excluídos da Igreja Batista da Praia do Canto, por ato administrativo; (V) é falsa a alegação dos autores/agravados a respeito da necessidade de filiação do agravante na Ordem dos Pastores Batistas do Brasil, dado que a adesão à organização é facultativa; (VI) a maioria dos membros da Igreja Batista da Praia do Canto apoia a permanência do agravante à frente da Igreja; (VII) há impedimento estatutário para a prática de ato isolado pelo agravante que implique em disponibilidade financeira da igreja, cabendo à Equipe Administrativa a tomada de decisões desta natureza, consoante arts. 31 a 35 do Estatuto da Igreja. Com amparo nesses fundamentos e no art. 1.019, inciso I, do CPC, o agravante requereu, liminarmente, a concessão de efeito suspensivo ao recurso, o que restou deferido pela decisão de evento ID. n.º 6638324. Ulteriormente, os agravados interpuseram recurso de agravo interno (ID. 7342114) sustentando, em suma, que: (I) a decisão recorrida incorreu em supressão de instância ao tratar da ilegitimidade dos recorrentes para requerer a instauração de concílio decisório; (II) o pronunciamento judicial impugnado interferiu em ato interna corporis e adentrou no mérito da decisão administrativa proferida pelo Concílio Decisório; (III) o requerimento de instauração do Concílio Decisório foi enviado em 06/08/2021, quando os recorrentes ainda eram membros da IBPC; (IV) a audiência de conciliação designada neste recurso configura reconhecimento tácito da legitimidade dos recorrentes para requerer a instauração do Concílio Decisório; (V) ao menos a legitimidade do agravante Luiz Antônio Terra deve ser reconhecida, pois não há comprovação nos autos de que este tenha sido desligado da IBPC. Feitos esses esclarecimentos, passa-se ao exame dos temas controvertidos: 1) TESE DO AGRAVANTE: atecnia da decisão recorrida – enfrentamento do pedido de tutela de urgência sob o viés da tutela de evidência Nos termos do que apregoa o recorrente, a decisão recorrida incorreu em atecnia procedimental ao ter considerado a hipótese como de tutela de evidência, sendo que, ao final, o dispositivo menciona o preenchimento dos pressupostos da tutela de urgência. Destaca-se que, embora o magistrado de primeiro grau tenha atribuído ao pedido antecipatório, em um primeiro momento, a natureza de tutela da evidência, a análise do pleito ocorreu, efetivamente, sob o viés dos pressupostos necessários para a concessão da tutela de urgência, nos termos do art. 300 do CPC. Cabe ressaltar que a consagrada fungibilidade entre as tutelas de urgência (antecipada cautelar) pode ser ampliada para que se reconheça, também, a fungibilidade entre as tutelas de urgência e a tutela de evidência, desde que presentes os pressupostos da medida que se visa deferir em lugar da pleiteada. Nesse sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRELIMINAR. FUNGIBILIDADE. TUTELA DE EVIDÊNCIA. TUTELA DE URGÊNCIA. POSSIBILIDADE. REQUISITOS. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO. LOTEAMENTO. ATRASO. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DAS PARCELAS VINCENDAS. IMPEDIMENTO DA INSCRIÇÃO DO NOME DO PROMISSÁRIO COMPRADOR NOS CADASTROS DE INADIMPLENTES. POSSIBILIDADE. É possível a fungibilidade entre as tutelas de urgência e de evidência, desde que presentes os requisitos elencados no art. 300, do CPC. Presentes os requisitos necessários ao deferimento da tutela de urgência previstos no artigo 300, do CPC, infere-se que a manutenção do seu deferimento é medida que se impõe. (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.19.029553-5/001, Relator(a): Des.(a) Cabral da Silva, 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 15/09/2020, publicação da súmula em 25/09/2020) Desse modo, não obstante ter o juízo de primeiro grau iniciado o enfrentamento do pedido liminar tratando a hipótese como de tutela de evidência, na prática, não houve prejuízo para a apreciação do pedido nos termos requeridos na inicial (tutela de urgência), não havendo mácula a ser reparada. 2) TESES DO AGRAVANTE: (2.1) ilegitimidade da Convenção Batista Brasileira para decidir acerca da administração da IBPC; (2.2) ilegitimidade dos agravados para requerer a instauração de Concílio Decisório, e (2.3) ausência de perigo de dano/urgência – impossibilidade de disposição do patrimônio por ato isolado do agravante Quanto às questões meritórias principais, aglutinadas neste tópico, cabe realizar alguns apontamentos relevantes como ponto de partida. A Constituição Federal de 1988, inspirada pelo movimento de “constitucionalização do Direito Privado”, estabelece a liberdade associativa com uma ampla abrangência, tratando-a como um componente essencial para a realização de seu projeto democrático (art. 5º, incisos XVII a XXI, CRFB/1988). As associações representam entidades constituídas por pessoas físicas ou jurídicas que se unem voluntariamente para a consecução de objetivos comuns, sem fins lucrativos (art. 53, CC). Reguladas principalmente pelo Código Civil de 2002, tais entidades possuem autonomia administrativa e patrimonial, devendo observar, dentre outros, os princípios da legalidade e da função social. A constituição de uma associação demanda a elaboração de um estatuto social (art. 54, CC), documento que estabelece as normas internas da entidade, tais como os fins, a forma de organização, os direitos e deveres dos associados, as formas de ingresso e exclusão, além de outros aspectos relevantes. No que tange à administração, as associações são regidas por órgãos designados no estatuto, com o destaque para a assembleia geral, responsável pelas decisões de maior relevância1, e a diretoria, encarregada da gestão cotidiana da entidade. Esses órgãos devem atuar em conformidade com as disposições constitucionais, legais e estatutárias. As associações de cunho religioso, embora possam se fundamentar em preceitos e normas estabelecidas pelo direito canônico ou eclesiástico, não estão isentas de observar as disposições da Constituição da República e do Código Civil Brasileiro, conforme Enunciado doutrinário n. 143, aprovado na III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, segundo o qual “a liberdade de funcionamento das organizações religiosas não afasta o controle de legalidade e legitimidade constitucional de seu registro, nem a possibilidade de reexame pelo Judiciário da compatibilidade de seus atos com a lei e com seus estatutos”. Mesmo inseridas em contextos religiosos, essas entidades devem respeitar os princípios e normas do ordenamento jurídico nacional. Nesse sentido, a lição de Anderson Schreiber: “Em que pese ao legislador ter optado por elencar separadamente as organizações religiosas e os partidos políticos, atentando para as peculiaridades destas modalidades de pessoa jurídica, cabe pontuar que ‘os partidos políticos, os sindicados e as associações religiosas possuem natureza associativa, aplicando-se-lhes o Código Civil’, além de, eventualmente, sua próprias leis de regência”2. No mesmo sentido, a jurisprudência: PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO. AUTONOMIA ORGANIZACIONAL. ATOS DOS MEMBROS. CONTROLE DE LEGALIDADE. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO-FAZER. PEDIDO DE REFORMA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS CONTRÁRIOS. IMPROVIMENTO DO RECURSO. As instituições religiosas são consideradas pessoas jurídicas de direito privado e possuem autonomia organizacional para os fins a que se destinam. Inteligência do art. 44, IV, do Código Civil. Cabe ao Poder Judiciário, com base no princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal) analisar a legalidade dos atos dos membros das instituições religiosas quando atingem direitos dos demais membros ou, ainda, de terceiros. Agravo de Instrumento interposto objetivando a reforma da decisão interlocutória que acolheu o pedido de tutela provisória de urgência e determinou o afastamento cautelar provisório do pastor das funções administrativas da Igreja, atribuiu as funções ao Conselho Administrativo e determinou a entrega das chaves. Não há fundamentos relevantes arguidos no recurso que evidenciem disparidade da situação jurídica oriunda da decisão proferida com as provas já produzidas nos autos. Questões sérias e reais relacionadas à gestão da pessoa jurídica que recomendam a manutenção da decisão. Recurso improvido. (TJ-PE – AI: 00019865320228179480, Relator: LUIZ GUSTAVO MENDONÇA DE ARAÚJO, Data de Julgamento: 03/04/2023, Gabinete do Des. Luiz Gustavo Mendonça de Araújo (1ª TCRC)) Apelação cível. Registro das pessoas jurídicas e de títulos e documentos. Autonomia. Requisito indispensável à constituição da pessoa jurídica. Mantida a sentença de parcial procedência. 1. Devem-se sopesar as garantias constitucionais de liberdade de culto religioso, estatuídas nos arts. 5.º, inciso VII, e 19, inciso I, ambos da Magna Carta, vedando as pessoas jurídicas de direito público a intervenção nas associações religiosas. 2. O legislador constitucional pretendeu dar garantia à liberdade de culto religioso, vedando toda e qualquer discriminação ou proibição ao exercício de qualquer fé ou religião. 3. Foi com esse espírito, de proteção às entidades religiosas, que a Lei Federal 10.825, de 2003, alterou o art. 44 do Código Civil, a fim de incluir as organizações religiosas e os partidos políticos como pessoas jurídicas de direito privado e, ao mesmo tempo, acrescentar o parágrafo primeiro, o qual veda ao poder público a negativa do reconhecimento, ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento. 4. A vedação presente em tal artigo não pode ser considerada como absoluta, cabendo ao Judiciário tutelar interesses a fim de certificar-se, precipuamente, do cumprimento da legislação pátria, vale dizer, há que se averiguar se a organização religiosa atende os requisitos necessários ao registro do ato constitutivo. 5. Deve haver respeito ao nomen juris de cada entidade e, sendo a Associação Espírita Cristo e Caridade uma organização religiosa, não pode ostentar em seu nome a menção ‘sociedade’, nomenclatura que se destina a outras entidades que comunguem de interesses de finalidade diversa da suscitada. Negado provimento ao apelo” (TJRS, Acórdão 70027034164, Canoas, 5.ª Câmara Cível, Rel. Des. Jorge Luiz Lopes do Canto, j. 21.01.2009, DOERS 29.01.2009, p. 24). Conflito de competência – Ação para nomeação de administrador provisório de igreja evangélica – Remessa do feito à Vara especializada empresarial – Descabimento – Igreja evangélica assemelhada à associação civil e normatizada pela Parte Geral, Livro I, Título II, Capítulo II do CC em seu artigo 44, IV – Matéria que não compõe o rol taxativo do art. 2º da Res. nº 763/16 do c. Órgão Especial – Escopo da especialização da Justiça que não se coaduna com indiscriminada ampliação de seu espectro de competência – Necessidade de se observar a simetria da matéria afeta às Varas Empresariais com as atribuições das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial, previstas no art. 6º da Res. 623/13 desta c. Corte – Precedentes – Conflito acolhido – Competência do suscitado (4ª Vara Cível da Comarca do Foro Regional de São Miguel Paulista). (TJ-SP - CC: 00203455520218260000 SP 0020345-55.2021.8.26.0000, Relator: Renato Genzani Filho, Data de Julgamento: 06/07/2021, Câmara Especial, Data de Publicação: 06/07/2021) Também as relações entre os associados e, entre estes e os órgãos estatutários, são marcadas pela necessidade de observância dos preceitos legais e constitucionais, notadamente pela incidência dos direitos fundamentais “também na esfera jurídica privada, isto é, no âmbito das relações jurídicas entre particulares”3. (eficácia horizontal dos direitos fundamentais). A propósito, confira-se: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. CLUBE SOCIAL. PROIBIÇÃO DE FREQUÊNCIA. EX-COMPANHEIRO. ISONOMIA. VIOLAÇÃO. UNIÃO ESTÁVEL. COMPROVAÇÃO. EQUIPARAÇÃO A EX-CÔNJUGE. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE MATERIAL. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados e de terceiros (RE nº 201.819-8). 3. A recusa de associação, no caso um clube esportivo, baseada exclusivamente em cláusula protetiva apenas a ex-cônjuge de sócio proprietário de título, excluindo o benefício a ex-companheiro, viola a isonomia e a proteção constitucional de todas as entidades familiares, tais como o casamento, a união estável e as famílias monoparentais. 4. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 1713426 PR 2017/0307936-5, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 04/06/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/06/2019) Fixadas essas premissas, passa-se à análise das teses conjugadas neste tópico. 2.1) ilegitimidade da Convenção Batista Brasileira para decidir acerca da administração da IBPC Ao se analisar o Estatuto Social da IBPC, vislumbra-se que o documento, ao tratar das “divergências doutrinárias”, em seu Capítulo XIV, prescreve: Art. 45 – Ocorrendo divergências que causem divisão entre os membros da IBPC, no tocante às práticas eclesiásticas e às doutrinas batistas, como expostas na Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, os bens patrimoniais ficarão na posse, domínio e administração do grupo de membros ativos que permanecer fiel às mencionadas práticas e doutrinas, mesmo que seja constituído pela minoria. Parágrafo Único – De igual modo, o nome “Igreja Batista da Praia do Canto” será de uso exclusivo do grupo que permanecer fiel, na forma acima exposta, cabendo a ele, também, as seguintes prerrogativas: I – manter a posse e domínio do templo e demais imóveis, neles continuando a exercer as suas atividades espirituais, eclesiásticas e administrativas; II – eleger outra Diretoria, inclusive nova Equipe Ministerial, se as circunstâncias o exigirem; III – exercer todos os direitos e prerrogativas previstos neste Estatuto e na Lei. Art. 46 – Configurada qualquer das hipóteses previstas no artigo 45, o julgamento do litígio será feito por um Concílio Decisório, constituído por 15 pastores que estejam no exercício de ministério em igrejas filiadas à Convenção Batista Brasileira, sendo 1/3 indicados por cada parte em litígio e 1/3 indicados pela referida Convenção, que não poderá proferir decisão em desacordo com o presente Estatuto, em especial com o disposto nos artigos 2º. e seu parágrafo único, 3º, 5º, 45 e seu parágrafo. Art. 47 – O processo de instrução e julgamento terá início no prazo de 30 dias a contar da data em que a representação chegar à Convenção Batista Brasileira. […] § 3º – As decisões do Concílio serão tomadas após ouvir ambas as partes em litígio e são irrecorríveis, entrando em vigor imediatamente. 4º – O grupo que, de qualquer maneira, se opuser ao processo aqui estabelecido, será considerado vencido, ficando sujeito às sanções previstas neste Estatuto. [...] Art. 49 – Enquanto o Concílio Decisório julga o mérito da divergência, a IBPC não poderá decidir assuntos de natureza patrimonial, desligar ou causar impedimentos a membros, ministros e Conselheiros pelo motivo da divergência, reformar o Estatuto, Manual Eclesiástico ou qualquer norma interna, nem mudança de sede, de razão social ou de nome da Igreja. Segundo o agravante, a Convenção Batista Brasileira é ilegítima para, em sede de Concílio Decisório, decidir a respeito da administração da IBPC, em função do art. 2º do Estatuto da associação, o qual dispõe: “Art. 2º. A IBPC é autônoma e soberana em suas decisões e não está subordinada a qualquer outra igreja ou instituição”. Analisando o referido art. 2º, em cotejo com o capítulo estatutário que trata das “divergências doutrinárias”, constata-se que os dispositivos, de fato, possuem comandos relativamente antagônicos, a revelar certa antinomia. Com efeito, as normas em questão revelam um grau de incompatibilidade, pois, em um primeiro momento, estabelece-se que a associação é soberana e não se submete a outras instituições, sendo que mais à frente, o mesmo estatuto, paradoxalmente, atribui a instituição diversa a responsabilidade por julgar conflitos doutrinários ou eclesiásticos e indicar qual será o grupo responsável pela posse e administração dos bens, podendo, inclusive, destituir a diretoria para eleição de uma nova. Trata-se de questão que ainda será objeto de cognição exauriente pelo juízo de primeiro grau, após a devida instrução probatória, não tendo sequer sido objeto de decisão proferida por aquele, razão pela qual inviável o pronunciamento desta instância recursal sobre o tema, especialmente porque, como se verá adiante, há outras teses que, isoladamente, podem levar ao provimento ou desprovimento do recurso. Passo a enfrentá-las nos tópicos seguintes. 2.2) ilegitimidade dos agravados para requerer a instauração de Concílio Decisório Extrai-se do art. 45, caput, do Estatuto da IBPC, que o Concílio definirá os membros ativos que ficarão na posse, domínio e administração da entidade e, pelo que consta dos autos, os membros que requisitaram a instauração do Concílio decisório já haviam sido desligados por decisão do Conselho da Igreja, na forma do art. 7º, inciso I, do mesmo Estatuto, vide notificações de evento ID. n.º 6520736. Com efeito, as notificações de desligamento datam de 03 de fevereiro de 2022, ao passo que a instauração do Concílio fora requerida em 21 de junho de 2022, consoante se depreende do relatório da decisão proferida pela Convenção Batista Brasileira (ID. 27250046 dos autos originários), sendo instaurado, efetivamente, em 20 de julho de 2022, segundo os próprios autores afirmam na inicial. Ademais, ao menos em sede de cognição superficial, não há nos autos evidências concretas – apenas afirmações dos recorridos – de que o procedimento de desligamento dos agravados tenha se dado com inobservância do devido processo legal, garantia constitucional, como já adiantado, aplicável às relações privadas. O Estatuto prevê que o desligamento se dará depois de emitido parecer, devidamente fundamentado, de Comissão criada para tal fim, após ofertada a ampla defesa ao membro (art. 7º, §§ 1ºe 2º do Estatuto da IBPC). No conteúdo das notificações de desligamento, consta que fora assegurado aos então membros o exercício do contraditório e da ampla defesa, e que os membros desligados teriam permanecido inertes, optando por apresentar apenas uma contra notificação coletiva. Embora se trate de questão que ainda poderá ser melhor elucidada durante a instrução processual, e até mesmo revista em ação própria, em juízo sumário, repita-se, não se vislumbram indícios de violação do estatuto e do devido processo legal, de maneira que os agravados, ao efetivarem o pedido de instauração do Concílio, não ostentavam mais a condição de membros da IBPC. Dessa forma, não tendo sido legitimados a requerer a instauração do procedimento administrativo que deu ensejo à decisão administrativa que os agravados buscam cumprimento, na demanda de origem, resta não atendido o requisito da probabilidade do direito (art. 300, CPC), sendo o suficiente para concluir que a tutela de urgência deferida em primeiro grau deve ser revogada. 2.3) ausência de perigo de dano/urgência – impossibilidade de disposição do patrimônio por ato isolado do agravante Também não se verifica caracterizado o pressuposto do perigo de dano, previsto no art. 300 do CPC, senão vejamos. Depreende-se da inicial da demanda de origem que os agravados sustentam a configuração do perigo de dano arguindo que o réu “excluiu da igreja membros ativos, diáconos e mantenedores” e “acabou por asfixiar o caixa da entidade, criando justificativa para a venda do patrimônio, inclusive”. Argumentam, também, que o agravado estaria tentando alienar ou permutar o imóvel da igreja e teria realizado a venda de bancos do templo e de um órgão adquirido com o sacrifício dos requerentes. Entretanto, ao se analisar o estatuto da IBPC, constata-se que as disposições lá existentes impedem que o demandado, ora agravante, realize a alienação do patrimônio imóvel da entidade de forma isolada, dada a necessidade de autorização da assembleia geral, órgão máximo e soberano de deliberação, nestes termos: Art. 10 – A Assembleia Geral da IBPC, constituída de seus membros, é o órgão máximo e soberano de deliberação, cabendo-lhe as seguintes atribuições: […] V – adquirir, alienar por venda ou de outra forma, bem como onerar total ou parcialmente o patrimônio imóvel da IBPC; As transações financeiras também não podem ser praticadas isoladamente pelo agravante, eis que afetas à equipe administrativa, responsável por todos os aspectos ligados às questões administrativas, financeiras, jurídicas e de planejamento da IBPC, nos termos do art. 31 do Estatuto, sendo relevante destacar, outrossim, que todas as transações financeiras deverão contar com assinatura de pelo menos dois membros da equipe administrativa. Adicionalmente, não há nos autos de origem, para além da mera alegação dos agravados a respeito da suposta intenção de alienação do imóvel da IBPC, prova ou mesmo indícios de que o agravado tenha submetido tal matéria à Assembleia Geral, para deliberação, o que reforça a conclusão pela ausência de demonstração do perigo de dano. Firme nessas razões, não tendo sido atendidos os pressupostos do art. 300 do CPC, impõe-se a reforma da decisão recorrida, para o fim de indeferir a tutela de urgência antecipada pleiteada na inicial. Apenas para corroborar, aborda-se, a seguir, os argumentos deduzidos pelos agravados em sede de contrarrazões, em tese, capazes de infirmar a conclusão ora alcançada. 3) TESE DOS AGRAVADOS: Supressão de instância pelo fato de, supostamente, ter sido abordado tema não apreciado em primeiro grau Em que pese a alegação de que a decisão de atribuição de efeito suspensivo ao recurso incorreu em supressão de instância, por tratar de tema não apreciado e decidido em primeiro grau, destaca-se que, de fato, a cognição exercida em sede de agravo de instrumento tem seus efeitos limitados àquela realizada pelo juízo primevo na decisão impugnada. Nesse sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA – REQUISITOS DO ART. 300 DO CPC/15 – NÃO PREENCHIMENTO – NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1) A cognição exercida em sede de agravo de instrumento tem seus efeitos limitados àquela realizada pelo juízo primevo na decisão impugnada. 2) A concessão da tutela de urgência pressupõe a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (art. 300, caput, do CPC). 3) A aferição da culpabilidade das partes para a ocorrência de suposta fraude realizada por terceiro reclama uma maior dilação probatória, já que a situação fático-jurídica é controvertida, necessitando, assim, de uma cognição exauriente da lide, o que inviável em sede desta via recursal. 4) Recurso conhecido e desprovido. (TJES – Agravo de Instrumento n.º 5001286-31.2020.8.08.0000 – Res. Des. Telemaco Antunes de Abreu Filho – j. 23/09/2020) Neste caso, o que se apreciou em primeiro grau foi a presença ou não dos requisitos para a concessão da tutela de urgência, concluindo o juízo de primeiro grau pelo atendimento aos pressupostos do art. 300 do CPC. A decisão inaugural, assim como este voto de relatoria, realiza análise de mesma extensão, exclusivamente em relação ao atendimento aos pressupostos do art. 300 do CPC, para concluir, com amparo no acervo probatório e nas teses recursais, pelo não preenchimento do requisito da probabilidade do direito, não havendo que se falar em extrapolação da cognição realizada em primeiro grau. Notoriamente, a decisão recorrida não adentrou o tema da legitimidade dos agravados por se tratar de pronunciamento proferido liminarmente, antes da triangularização da relação jurídica processual, sendo que o tema consiste em matéria de defesa submetida inicialmente a esta instância revisora e, posteriormente, deduzida em contestação pelo réu. Em todo caso, a cognição que ora se realiza, como dito, não vai além daquela efetivada em primeiro grau, eis que restrita à análise dos pressupostos para a concessão da tutela de urgência. 4) TESE DOS AGRAVADOS: interferência estatal em ato interna corporis e invasão do mérito do ato administrativo Ainda segundo os agravados, a decisão liminar proferida neste recurso promove a interferência em ato interna corporis e adentra no mérito administrativo. Como já destacado anteriormente, as associações – mesmo as de cunho religioso – estão sujeitas à observância do ordenamento jurídico e das disposições estatutárias, sendo relevante destacar, quanto à hipótese dos autos, que o procedimento instaurado perante a Convenção Batista Brasileira, pelo que consta nos autos até o momento, não atendeu ao disposto no art. 45 do Estatuto da IBPC, eis que requerido por ex-membros da associação. Conquanto a decisão proferida pelo Concílio Decisório tenha abordado o tema relativo à legitimidade dos requerentes, tal circunstância não impede o controle de legalidade do ato em sede judicial, por força do art. 5º, inciso XXXV, da CRFB/1988. Trata-se, aliás, de entendimento consolidado na jurisprudência, vejamos: Ação Anulatória c.c. Indenização por Danos Morais – Sentença de procedência para declarar a nulidade da decisão administrativa de exclusão do autor do quadro social do clube réu, bem como condenar este último a pagar ao autor a quantia de R$ 5.500,00 a título de danos morais – Inconformismo de ambas as partes – Descabimento - Intervenção do Poder Judiciário unicamente para controle do processo administrativo quanto à regularidade do procedimento, bem como controle da legalidade do ato disciplinar - Exclusão de associado do clube réu, sem o respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa - Não observância do devido processo legal - Declaração de nulidade mantida - Danos morais – Ocorridos – Penalidade sumária de exclusão que decerto causou constrangimento ao autor perante os demais associados, além de ficar impedido de usufruiu das dependências do clube – Montante arbitrado (R$5.500,00) que se mostra razoável - Descabida a majoração pretendida pelo autor -– Sentença mantida - Recursos não providos (TJSP; Apelação Cível 1000891-97.2019.8.26.0079; Relator (a): Salles Rossi; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de Botucatu - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/05/2022; Data de Registro: 05/05/2022) A prevalecer o entendimento defendido pelos agravados, nenhuma questão já analisada em sede administrativa poderia ser revista no âmbito judicial, o que não procede, pois, como cediço, o Poder Judiciário, se provocado, pode realizar o controle de juridicidade de procedimento administrativo. Por tais razões, também se afasta a tese ora enfrentada. 5) TESES DOS AGRAVADOS: requerimento da instauração de Concílio Decisório quando ainda ostentavam a condição de membros da IPBC e legitimidade subsidiária do agravado Luiz Antonio Terra Prosseguindo, os agravados asseveram, outrossim, que o requerimento de instauração do Concílio Decisório teria sido encaminhado em 06/08/2021, quando ainda se encontravam na condição de membros da IPBC. Quanto a esta questão, importa destacar, inicialmente, que não se vislumbra nos autos (de origem e recursais) cópia do suposto requerimento enviado à Convenção Batista Brasileira em 06/08/2021, havendo apenas o pedido subscrito em 21/06/2022 (pp. 19/25 do ID. 27250051 e 01/18 do ID. 27250052 – autos de origem). Ademais, verifica-se que os próprios agravados, na inicial da demanda de origem, apenas aludem ao requerimento formulado em 21/06/2022, silenciando a respeito de suposto pedido anterior. Salienta-se, em adição, que o número do procedimento administrativo (001/2022) indica ter sido este deflagrado em 2022 e, além disso, consta expressamente no relatório da decisão proferida pelo Concílio que este fora iniciado em função de requerimento encaminhado à CBB em 21/06/2022, data em que os requerentes não mais integravam a IBPC. Em arremate da questão ora enfrentada, resta verificar a procedência da tese subsidiária de que, ao menos em relação ao agravado Luiz Antonio Terra, deveria ser reconhecida a legitimidade para requerer a instauração do Concílio, eis que não há prova nos autos de que este tenha sido desligado pelo Conselho da IBPC. Embora os autos não contenham documentos que comprovem, de forma inequívoca, o desligamento do agravado Luiz Antonio Terra pela IBPC, em exame superficial, próprio deste momento, verifica-se que a sua legitimidade para, isoladamente, requerer a instauração do concílio, é no mínimo questionável. A conclusão se fundamenta na análise do Estatuto Social da IBPC, em especial do seu art. 45, que estabelece de maneira clara que a instauração de um Concílio Decisório pressupõe a existência de divergências doutrinárias ou eclesiásticas entre grupos de membros da instituição. Da interpretação do dispositivo estatutário, em cotejo com as demais regras inseridas no Capítulo XIV do Estatuto Social, denominado “Das Divergências Doutrinárias”, não se extrai a conclusão de que determinado membro, isoladamente, possa suscitar divergência em relação a outros membros para requerer a decisão por órgão externo. Ao que parece, a ratio do dispositivo é disciplinar as hipóteses em que há verdadeira divisão ideológica entre conjuntos de integrantes da IBPC, formando duas ou mais correntes antagônicas, e não a insatisfação de um membro isolado quanto ao posicionamento doutrinário dos demais. Para corroborar, reitere-se o teor do dispositivo: Art. 45 – Ocorrendo divergências que causem divisão entre os membros da IBPC, no tocante às práticas eclesiásticas e às doutrinas batistas, como expostas na Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, os bens patrimoniais ficarão na posse, domínio e administração do grupo de membros ativos que permanecer fiel às mencionadas práticas e doutrinas, mesmo que seja constituído pela minoria. Sendo assim, ainda que o agravante não tenha demonstrado, por ora, o efetivo desligamento do agravado Luiz Antonio Terra, circunstância que inclusive poderá ser elucidada pela instrução em primeiro grau, pelo teor da norma estatutária que disciplina a instauração de Concílio Decisório, a sua legitimidade para figurar como requerente, de forma isolada, mostra-se, no mínimo, questionável. Pondero, em arremate, que os próprios agravados, ao terem suscitado a tese de que Luiz Antonio Terra não se encontrava desligado da IBPC quando da instauração do Concílio, não comprovaram que este se encontra no rol de requerentes do procedimento administrativo que tramitou perante a Convenção Batista Brasileira. 6) TESE DOS AGRAVADOS: reconhecimento tácito da legitimidade dos agravados para requerer a instauração de concílio decisório Alegam os recorridos, por fim, que a designação de audiência de conciliação entre as partes do litígio, por este Relator, consistiria em reconhecimento tácito legitimidade destes para requerer a instauração do Concílio Decisório. Apesar do esforço retórico promovido pelos patronos dos agravados, o argumento não convence. Isso porque, evidentemente, a legitimidade ad causam e a legitimidade para recorrer não se confundem com a legitimidade dos agravados no âmbito administrativo. Enquanto as duas primeiras são inerentes ao exercício da garantia de acesso à justiça, a legitimidade dos agravados para requerer a instauração do Concílio Decisório diz respeito ao atendimento das condições estatutárias para que se autorize a medida excepcional em questão. Para além, nada impede a realização de audiência de conciliação sem que se tome em consideração aspectos materiais ou processuais, questões estas reservadas à decisão de mérito, em sendo frustrado o acordo. Em verdade, por força do art. 3º, § 3º, do CPC, a autocomposição deve ser estimulada por todos os sujeitos processuais, em atenção à concepção científica atual de que o acesso à justiça não se dá apenas pela via da jurisdição estatal, agregando ainda as justiças consensual e arbitral4. Portanto, não há que se falar em reconhecimento tácito da legitimidade dos agravados, em sede administrativa. 7) CONCLUSÃO Pelo exposto, CONHEÇO do presente recurso de agravo de instrumento e, no mérito, DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a decisão recorrida, indeferindo o pedido de tutela de urgência antecipada formulado na inicial. Julgo prejudicados os recursos de agravo interno de IDs. n.º 7342114 e 8919574. É como voto. _______________________________________________________________ 1 Como bem elucida Fabio Ulhoa Coelho, “A assembleia dos associados é o órgão de deliberação máximo da associação. Trata-se de uma reunião sujeita a diversas formalidades, para se considerarem válidos os trabalhos e deliberações havidas. A competência da assembleia dos associados é estabelecida no estatuto, que costuma reservar-lhe a apreciação das matérias mais relevantes”. (grifo nosso) COELHO, Fabio Ullhoa. Curso de Direito Civil – parte geral. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020, v. 1., p. 165 [e-book] 2 SCHREIBER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 249 [e-book] 3 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais - uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10º ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 374. 4 A respeito, a lição da saudosa Prof.ª Ada Pellegrini Grinover: “jurisdição, na atualidade, não é mais poder, mas apenas função, atividade e garantia. E, sobretudo, seu principal indicador é o de garantia do acesso à justiça, estatal ou não, e seu objetivo, o de pacificar com justiça”. Ensaio sobre a processualidade: fundamentos para uma nova teoria geral do processo. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016, p. 20. * O SR. DESEMBARGADOR SÉRGIO RICARDO DE SOUZA (NO EXERCÍCIO DA PRESIDÊNCIA):- Como vota o eminente Desembargador Aldary? * V O T O O SR. DESEMBARGADOR ALDARY NUNES JUNIOR:- Eminente Presidente, primeiramente saúdo a doutora Alice e o doutor Marlilson. Estou acompanhando o voto lançado pela douta Relatoria. * V I S T A O SR. DESEMBARGADOR FÁBIO BRASIL NERY:- Respeitosamente, peço vista dos autos. * swa* CONTINUAÇÃO DO JULGAMENTO:03/06/2025 V O T O (PEDIDO DE VISTA) O SR. DESEMBARGADOR FÁBIO BRASIL NERY:- Apenas para rememorar, trata-se de agravo de instrumento interposto por USIEL CARNEIRO DE SOUZA contra a decisão que, nos autos da “ação de obrigação de fazer” ajuizada por JAIRO MENDES PEÇANHA e outros, deferiu pedido de tutela provisória de urgência, determinando que o recorrente, entre outros pontos, se abstenha de praticar atos de alienação patrimonial, desligamento de membros, reforma estatutária e que entregue chaves e documentos da Igreja Batista da Praia do Canto (IBPC), sob pena de multa. O pleito originário visa ao cumprimento de decisão administrativa do Concílio Decisório nº 01/2022 da Convenção Batista Brasileira (CBB), instaurado com base nos artigos 45 a 49 do Estatuto da IBPC. O eminente Relator, em seu voto, o qual foi acompanhado pelo preclaro Desembargador Substituto Aldary Nunes Junior, deu provimento ao recurso, para reformar a decisão agravada, indeferindo a referida tutela de urgência. Para tanto, fundamenta Sua Excelência, em síntese, (i) na ilegitimidade ativa dos agravados para postular a instauração do Concílio Decisório que gerou a decisão administrativa discutida na demanda, ao argumento de que já haviam sido desligados da IBPC quando do requerimento; (ii) na ausência de perigo de dano que justifique a medida. Pois bem. Inicialmente, comungo do entendimento externado no voto de relatoria quando supera a alegação de atecnia procedimental da decisão de primeiro grau, reconhecendo a fungibilidade entre as tutelas de urgência e evidência, e que a análise do pleito ocorreu, efetivamente, sob o viés dos pressupostos da tutela de urgência (art. 300 do CPC). Assim, não há vício, neste particular, que ampare a reforma do ato aqui impugnado. No tocante às demais questões, concluo, respeitosamente, após detida análise dos autos, por inaugurar divergência. Conforme registrado pelo douto Relator, “extrai-se dos autos que, na origem, os agravados ajuizaram ‘ação de obrigação de fazer’ objetivando o cumprimento de decisão administrativa proferida no bojo do Concílio Decisório nº 01/2022, da Convenção Batista Brasileira, instaurado com base no art. 45 do Estatuto da Igreja Batista da Praia do Canto – IBPC”. Consta, ainda, que “os autores afirmam, na inicial, que são integrantes de um grupo de 40 (quarenta) membros da Igreja Batista da Praia do Canto, vinculada à Convenção Batista Brasileira – CBB, que seria o órgão máximo da denominação Batista no Brasil, com atribuição para dirimir conflitos de ordem doutrinária no seio da IBPC, por meio de Concílio Decisório formado nos termos dos artigos 45 a 49 do Estatuto da Igreja”. Relata, também, que os recorridos afirmam ter obtido “em procedimento administrativo eclesiástico, o reconhecimento do direito de posse dos bens e administração da IBPC, decorrente de Representação encaminhada à Convenção Batista Brasileira, através da qual noticia a existência de um conflito de ordem doutrinária entre os membros da organização religiosa. No documento, os autores afirmam que o conflito decorre de supostas tentativas do pastor da igreja, Usiel Carneiro de Souza, de introduzir, no âmbito da instituição, doutrina divergente dos princípios, e das práticas eclesiásticas da Convenção Batista Brasileira, adotadas pela IBPC”. Diante deste cenário, considero relevante, num primeiro momento, sem muito me aprofundar, pois, conforme bem apontou o Relator, o tema será objeto de ampla cognição no juízo primevo, analisar o questionamento acerca da validade da incidência da conclusão alcançada pelo Concílio Decisório sobre a IBPC, o que exige uma interpretação sistemática do seu respectivo Estatuto, o qual rege o funcionamento da instituição e vincula seus membros. O Art. 2º do mencionado instrumento dispõe que "A IBPC é autônoma e soberana em suas decisões e não está subordinada a qualquer outra igreja ou instituição". Noutro ponto, o mesmo Estatuto, em seu Capítulo XIV – "Das Divergências Doutrinárias", estabelece um procedimento específico para a solução de cismas internos: Art. 45: "Ocorrendo divergências que causem divisão entre os membros da IBPC, no tocante às práticas eclesiásticas e às doutrinas batistas, como expostas na Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, os bens patrimoniais ficarão na posse, domínio e administração do grupo de membros ativos que permanecer fiel às mencionadas práticas e doutrinas, mesmo que seja constituído pela minoria". [não existe grifo no original] Art. 46: "Configurada qualquer das hipóteses previstas no artigo 45, o julgamento do litígio será feito por um Concílio Decisório, constituído por 15 pastores que estejam no exercício de ministério em igrejas filiadas à Convenção Batista Brasileira, sendo 1/3 indicados por cada parte em litígio e 1/3 indicados pela referida Convenção [...]".[não existe grifo no original] Art. 47, §3º: "As decisões do Concílio serão tomadas após ouvir ambas as partes em litígio e são irrecorríveis, entrando em vigor imediatamente". O culto Relator reconhece a existência de uma aparente antinomia entre os artigos citados. Todavia, com a devida vênia, considero que não há qualquer contradição entre os dispositivos, mas sim, conforme adiantado, a necessidade de uma interpretação sistemática do instrumento. A autonomia e soberania do art. 2º se manifestam, justamente, na liberdade da IBPC de, estatutariamente, definir os mecanismos para sua própria governança e resolução de conflitos, incluindo a previsão de recorrer à Convenção Batista Brasileira – entidade a qual é filiada (conforme art. 3º, V) – para a formação de um Concílio Decisório em casos de divergência doutrinária. Trata-se de uma autolimitação voluntária e estatutariamente prevista, comum em organizações que se vinculam a entidades maiores em aspectos específicos. Logo, não há se falar, numa abordagem sumária, inerente a esta via recursal, que a Convenção Batista Brasileira não teria autorização para, mediante instauração de Concílio Decisório, deliberar sobre questões envolvendo conflitos internos da IBPC. Noutro ponto, quanto ao questionamento envolvendo a legitimidade dos agravados, o insigne Relator consignou que “não tendo sido legitimados a requerer a instauração do procedimento administrativo que deu ensejo à decisão administrativa que os agravados buscam cumprimento, na demanda de origem, resta não atendido o requisito da probabilidade do direito (art. 300, CPC), sendo o suficiente para concluir que a tutela de urgência deferida em primeiro grau deve ser revogada”. Para tanto, Sua Excelência considerou que os recorridos foram desligados em 03/02/2022, antes do requerimento de instauração do Concílio à CBB em 21/06/2022, o que os tornaria ilegítimos. No entanto, o art. 49 do Estatuto da IBPC estabelece uma garantia aos membros durante a apuração de divergências: "Art. 49 Enquanto o Concilio Decisório julga o mérito da divergência, a IBPC não poderá decidir assuntos de natureza patrimonial, desligar ou causar impedimentos a membros, ministros e Conselheiros pelo motivo da divergência, reformar o Estatuto, Manual Eclesiástico ou qualquer norma interna, nem mudança de sede, de razão social ou de nome da Igreja." [não existe grifo no original] Neste ponto, a cronologia dos fatos, comprovada documentalmente, demonstra a violação deste dispositivo: ·Em janeiro de 2021, membros da IBPC formalizaram "Notificação Extrajudicial" dirigida ao Conselho da IBPC, tratando de “práticas reiteradas de desvios doutrinários”, conforme relatado à pg. 20 do id. 27250051, denotando a origem do conflito. ·Em 26 de fevereiro de 2021, o Juízo da 8ª Vara Cível de Vitória, nos autos do Processo nº 0003806-40.2021.8.08.0024, deferiu tutela de urgência para "resguardar os direitos dos membros Requerentes em participar da AGE que se realizará no próximo dia 28/02/2021" (id. 27250556). Esta decisão judicial, anterior ao desligamento formal, já reconhecia a litigiosidade e a condição de membros ativos dos agravados. ·A primeira reclamação do grupo agravado à Convenção Batista Brasileira (CBB) data de 06 de agosto de 2021 (conforme consta da decisão do Concílio Decisório, id. 27250046), o que se confirma pelas declarações constantes em carta pública assinada pelo agravante e demais membros do conselho da IBPC (id. 27250577). ·O processo disciplinar instaurado pela IBPC contra os agravados, que resultou em seu desligamento, iniciou-se apenas em 01 de dezembro de 2021, com as notificações de desligamento datadas de 03 de fevereiro de 2022. Neste cenário, mostra-se clarividente que a divergência doutrinária entre membros da IBPC e a liderança se tornou pública em janeiro de 2021, o que, a meu sentir, diante dos diversos desdobramentos, afasta a compreensão de que os agravados seriam ilegítimos para requerer a instalação do Concílio Decisório pela CBB após o ato de desligamento, mormente quando o Estatuto da entidade religiosa garante que “a IBPC não poderá [...] desligar ou causar impedimentos a membros, ministros e Conselheiros pelo motivo da divergência”. Registro, inclusive, que o próprio Concílio Decisório, ao analisar o ato de desligamento dos respectivos membros, consignou expressamente em sua decisão (id. 27250046): "Não resta qualquer dúvida a este Concílio Decisório que a tentativa de desligamento dos membros do grupo Requerente pelo grupo Requerido [...] após o surgimento da divergência doutrinária, configura clara tentativa de deslegitimar os irmãos em Cristo, impedindo que os mesmos pudessem contestar as práticas que entendem serem contrárias à doutrina cristã e práticas eclesiásticas". [não existe grifo no original] Tanto é que restou deliberado o seguinte: “Da mesma forma, tendo em vista a absoluta nulidade do desligamento dos membros do grupo Requerente, nos termos do art. 49, do Estatuto da IBPC, este Concilio expressamente declara a nulidade da exclusão destes, fixando que os mesmos tenham os seus direitos de membros da Igreja Batista da Praia do Canto imediatamente restaurados". [não existe grifo no original] Conforme se vê, a conclusão do Concílio Decisório sobre a nulidade das exclusões, baseada no art. 49 do Estatuto, é uma questão interna corporis que deve ser acatada, pois não há qualquer notícia de que tal deliberação tenha sido invalidada ou suspensa, seja administrativa ou judicialmente, não cabendo ao Poder Judiciário, neste contexto, negar vigência aos seus efeitos, sobretudo porque as organizações religiosas possuem liberdade de auto-organização e funcionamento (art. 44, §1º, do Código Civil). Entender de forma contrária seria admitir que os recorridos, em outras palavras, sequer teriam legitimidade para cobrar o cumprimento da decisão administrativa adotada pelo Concílio, objetivo este da demanda originária, o que esvaziaria a própria legitimidade ativa destes para seu ajuizamento, ensejando a necessidade de pronta extinção da ação, face ao efeito translativo do qual é dotado o recurso em tela. Mister esclarecer que no presente caso, a intervenção judicial não visa reavaliar o mérito doutrinário da decisão do Concílio Decisório, tampouco desrespeitar a liberdade religiosa de qualquer integrante da respectiva comunidade, mas assegurar o cumprimento do Estatuto da própria IBPC, que prevê o Concílio como órgão de resolução, e dar efetividade à decisão por ele proferida após o devido processo eclesiástico. Portanto, tal como adiantado, rejeito a alegação de ilegitimidade ativa dos agravados para requerer a instalação do Concílio Decisório perante a Convenção Batista Brasileira. Na sequência, quanto ao preenchimento dos requisitos da tutela de urgência vislumbrados pela julgadora a quo, tenho que eles se mostraram presentes. A probabilidade do direito invocado pelos agravados exsurge do ato emanado do Concílio Decisório nº 01/2022, que, seguindo o rito previsto nos artigos 45 a 49 do Estatuto da IBPC, julgou procedentes as alegações do grupo recorrido, declarando-o fiel às práticas e doutrinas batistas e, consequentemente, detentor dos direitos administrativos e patrimoniais sobre a IBPC, à luz do mencionado art. 45. Quanto ao risco de dano grave ou de difícil reparação, em relação aos agravados, considero que além dos próprios atos de exclusão de membros que manifestam a existência de divergências doutrinárias, praticados pelo recorrente, na qualidade de pastor presidente, juntamente com seu respectivo conselho de administração, ao arrepio das normas estatutárias, reside também na recusa explícita em reconhecer a validade e cumprir a decisão do Concílio Decisório, conforme manifestações formais (id. 27250561 - "NÃO NOS SUBMETEREMOS E NÃO ACATAREMOS A CONVOCAÇÃO DO CONCÍLIO ARBITRAL"), e (id. 27250566 - "[...] reiteramos a não participação da Igreja Batista da Praia do Canto no presente Concílio [...]"). Não há como negar, conforme se vê, a existência de instabilidade administrativa e doutrinária gerada pela permanência de uma liderança, cuja legitimidade foi questionada e, na sequência, afastada pelo órgão estatutário competente, sobretudo quando há evidências de que teriam sido praticados atos visando esvaziar a decisão do Concílio, bem como tendentes a impedir o grupo agravado de exercer os direitos que o estatuto e a aludida deliberação conciliar lhes asseguram. Em outras palavras, o perigo da demora resulta evidente diante do exercício da atividade de pastorear inobservando a doutrina batista a que se submeteram os membros da IBPC. Pelo exposto, inauguro divergência para negar provimento ao recurso, revogando, por consequência, a medida liminar deferida no id. 6638324. Julgo prejudicado o agravo interno id. 7342114. É como voto. * lsl* ________________________________________________________________________________________________________________________________________________ VOTO VENCEDOR ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Gabinete do Desembargador Sérgio Ricardo de Souza Rua Desembargador Homero Mafra 60, Enseada do Suá, VITÓRIA - ES - CEP: 29050-906 Telefone: (27) 3334-2316 PROCESSO Nº 5013182-66.2023.8.08.0000 AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) AGRAVANTE: USIEL CARNEIRO DE SOUZA AGRAVADO: JAIRO MENDES PECANHA, ELAINE BELLO NEVES NETTO, ALZIRA NILZE LUCAS BARCELOS, PAOLA DE AQUINO BRETTAS SANTOS, MARILENA FERNANDO DUARTE, MARLENE RODRIGUES DE DEUS CORDEIRO, LILIA DE ALMEIDA CARVALHO, MARCIO DE SOUZA BASTOS, LUIZ ANTONIO TERRA, MARLENE ROSA DE ALMEIDA CAVALCANTE E SILVA, MARLI VIEIRA MENDES GODOY, ELIZABETH MACHADO PEREIRA, JOSE RIBEIRO DE MORAES, LEDA CAZELLI THOMPSON, AMARINO FRANCISCO DO NASCIMENTO, ELIAS FERREIRA DA CRUZ, ROSEMERY FERREIRA MAIA, JOELSON CORDEIRO THOMPSON, GERUZA FERRARI MEDICI, IDENIR MENDES ANDRADE, MARCIA DE JESUS ROCHA PEREIRA BASTOS, LEILA FREIRE CRUZ, FRANCIS CAZELLI THOMPSON Advogados do(a) AGRAVANTE: ALICE CARDOSO DE MENEZES - ES13322-A, JOSE CARLOS RIZK FILHO - ES10995-A Advogados do(a) AGRAVADO: FABIO LUCIANNO FERREIRA DE MORAES - ES27207, NELSON MOREIRA JUNIOR - ES7960, RUTILIO TORRES AUGUSTO JUNIOR - DF18352 VOTO Conforme relatado, trata-se de agravo de instrumento interposto por USIEL CARNEIRO DE SOUZA contra a r. decisão de evento ID. n.º 32003966 dos autos originários, proferida pelo douto juízo da 3ª Vara Cível de Vitória, Comarca da Capital, que, nos autos da “ação de obrigação de fazer” ajuizada por JAIRO MENDES PEÇANHA e outros, deferiu o pedido de tutela provisória de urgência antecipada para determinar ao réu que se abstenha de praticar quaisquer atos que visem a) a alienação, permuta ou instituição de qualquer ônus sobre o patrimônio da igreja; b) o desligamento de membros ou quaisquer restrições aos seus direitos individuais na igreja; c) a reforma do Estatuto ou qualquer outro documento normativo; d) a mudança de sede; e) a alteração do nome da igreja. Determinou, ainda, que no prazo de 48h, fossem entregues as chaves da Igreja, mantendo-se no local todos os documentos de gestão e contábeis, além da entrega das senhas das contas bancárias da instituição religiosa, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por ato praticado em descumprimento da decisão. Preenchidos os requisitos de admissibilidade recursal, conheço do recurso e passo a analisar suas razões, realizando, entretanto, uma breve contextualização da controvérsia submetida ao crivo desta Egrégia Câmara. Extrai-se dos autos que, na origem, os agravados ajuizaram “ação de obrigação de fazer” objetivando o cumprimento de decisão administrativa proferida no bojo do Concílio Decisório nº 01/2022, da Convenção Batista Brasileira, instaurado com base no art. 45 do Estatuto da Igreja Batista da Praia do Canto – IBPC. Os autores afirmam, na inicial, que são integrantes de um grupo de 40 (quarenta) membros da Igreja Batista da Praia do Canto, vinculada à Convenção Batista Brasileira – CBB, que seria o órgão máximo da denominação Batista no Brasil, com atribuição para dirimir conflitos de ordem doutrinária no seio da IBPC, por meio de Concílio Decisório formado nos termos dos artigos 45 a 49 do Estatuto da Igreja. Alegam, ainda, que obtiveram, em procedimento administrativo eclesiástico, o reconhecimento do direito de posse dos bens e administração da IBPC, decorrente de Representação encaminhada à Convenção Batista Brasileira, através da qual noticia a existência de um conflito de ordem doutrinária entre os membros da organização religiosa. No documento, os autores afirmam que o conflito decorre de supostas tentativas do pastor da igreja, Usiel Carneiro de Souza, de introduzir, no âmbito da instituição, doutrina divergente dos princípios, e das práticas eclesiásticas da Convenção Batista Brasileira, adotadas pela IBPC. Prosseguem narrando que, após recebida a representação na CBB, o Presidente da Convenção notificou a IBPC, bem como o Pastor Usiel Carneiro de Souza, no dia 28 de junho de 2022, para que indicasse 05 (cinco) pastores para compor o concílio Decisório, nos termos do parágrafo único do artigo 46 do Estatuto da Igreja. Segundo afirmam, o Pastor, ora agravante, não reconheceu o Concílio Decisório, embora tenha redigido resposta à época e, uma vez notificado da decisão do Concílio, não cumpriu imediatamente a decisão, conforme dispõem as regras estatutárias da IBPC, o que motivou a propositura da ação, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada. O pleito antecipatório restou deferido pelo juízo de primeiro grau, em suma, sob os seguintes fundamentos: “[…] Com efeito, existe decisão proferida pelo órgão competente da instituição, nos moldes de seu Estatuto próprio, que determinou acerca da administração da referida Igreja, ato nitidamente descumprido pelo réu, que permanece na atividade e vem realizando atos indevidos, contrários à referida decisão, tais como desligamento de pessoas e venda de bens (bancos). Merece registro que o art. 44, parágrafo 1º, do Código Civil, dispõe, ainda, que são livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, portanto, deve ser observada a prescrição dos arts. 4º e 49 do Estatuto da Igreja Batista da Praia do Canto”. Irresignado, o Pastor da IBPC interpôs o presente agravo de instrumento alegando, em síntese, que: (I) houve atecnia procedimental, na medida em que o magistrado de primeiro grau reconheceu se tratar de tutela de evidência, porém a pretensão não encontra amparo nas hipóteses previstas no art. 311 do CPC e, além disso, de modo contraditório, o dispositivo da decisão recorrida alude à concessão de tutela de urgência, técnica que possui pressupostos diversos daqueles elencados para a tutela de evidência; (II) em todo caso, ainda que se adote como premissa a análise do caso sob o viés da tutela de urgência, não se encontram preenchidos os requisitos do art. 300 do CPC; (III) a Convenção Batista Brasileira é ilegítima para decidir, em sede de Concílio Decisório, acerca da administração da Igreja Batista da Praia do Canto, pessoa jurídica de direito privado; (IV) os autores/agravados carecem de legitimidade para requerer à Convenção Batista Brasileira a instauração do Concílio Decisório, uma vez que foram excluídos da Igreja Batista da Praia do Canto, por ato administrativo; (V) é falsa a alegação dos autores/agravados a respeito da necessidade de filiação do agravante na Ordem dos Pastores Batistas do Brasil, dado que a adesão à organização é facultativa; (VI) a maioria dos membros da Igreja Batista da Praia do Canto apoia a permanência do agravante à frente da Igreja; (VII) há impedimento estatutário para a prática de ato isolado pelo agravante que implique em disponibilidade financeira da igreja, cabendo à Equipe Administrativa a tomada de decisões desta natureza, consoante arts. 31 a 35 do Estatuto da Igreja. Com amparo nesses fundamentos e no art. 1.019, inciso I, do CPC, o agravante requereu, liminarmente, a concessão de efeito suspensivo ao recurso, o que restou deferido pela decisão de evento ID. n.º 6638324. Ulteriormente, os agravados interpuseram recurso de agravo interno (ID. 7342114) sustentando, em suma, que: (I) a decisão recorrida incorreu em supressão de instância ao tratar da ilegitimidade dos recorrentes para requerer a instauração de concílio decisório; (II) o pronunciamento judicial impugnado interferiu em ato interna corporis e adentrou no mérito da decisão administrativa proferida pelo Concílio Decisório; (III) o requerimento de instauração do Concílio Decisório foi enviado em 06/08/2021, quando os recorrentes ainda eram membros da IBPC; (IV) a audiência de conciliação designada neste recurso configura reconhecimento tácito da legitimidade dos recorrentes para requerer a instauração do Concílio Decisório; (V) ao menos a legitimidade do agravante Luiz Antônio Terra deve ser reconhecida, pois não há comprovação nos autos de que este tenha sido desligado da IBPC. Feitos esses esclarecimentos, passa-se ao exame dos temas controvertidos: 1) TESE DO AGRAVANTE: atecnia da decisão recorrida – enfrentamento do pedido de tutela de urgência sob o viés da tutela de evidência Nos termos do que apregoa o recorrente, a decisão recorrida incorreu em atecnia procedimental ao ter considerado a hipótese como de tutela de evidência, sendo que, ao final, o dispositivo menciona o preenchimento dos pressupostos da tutela de urgência. Destaca-se que, embora o magistrado de primeiro grau tenha atribuído ao pedido antecipatório, em um primeiro momento, a natureza de tutela da evidência, a análise do pleito ocorreu, efetivamente, sob o viés dos pressupostos necessários para a concessão da tutela de urgência, nos termos do art. 300 do CPC. Cabe ressaltar que a consagrada fungibilidade entre as tutelas de urgência (antecipada cautelar) pode ser ampliada para que se reconheça, também, a fungibilidade entre as tutelas de urgência e a tutela de evidência, desde que presentes os pressupostos da medida que se visa deferir em lugar da pleiteada. Nesse sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRELIMINAR. FUNGIBILIDADE. TUTELA DE EVIDÊNCIA. TUTELA DE URGÊNCIA. POSSIBILIDADE. REQUISITOS. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO. LOTEAMENTO. ATRASO. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DAS PARCELAS VINCENDAS. IMPEDIMENTO DA INSCRIÇÃO DO NOME DO PROMISSÁRIO COMPRADOR NOS CADASTROS DE INADIMPLENTES. POSSIBILIDADE. É possível a fungibilidade entre as tutelas de urgência e de evidência, desde que presentes os requisitos elencados no art. 300, do CPC. Presentes os requisitos necessários ao deferimento da tutela de urgência previstos no artigo 300, do CPC, infere-se que a manutenção do seu deferimento é medida que se impõe. (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.19.029553-5/001, Relator(a): Des.(a) Cabral da Silva , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 15/09/2020, publicação da súmula em 25/09/2020) Desse modo, não obstante ter o juízo de primeiro grau iniciado o enfrentamento do pedido liminar tratando a hipótese como de tutela de evidência, na prática, não houve prejuízo para a apreciação do pedido nos termos requeridos na inicial (tutela de urgência), não havendo mácula a ser reparada. 2) TESES DO AGRAVANTE: (2.1) ilegitimidade da Convenção Batista Brasileira para decidir acerca da administração da IBPC; (2.2) ilegitimidade dos agravados para requerer a instauração de Concílio Decisório, e (2.3) ausência de perigo de dano/urgência – impossibilidade de disposição do patrimônio por ato isolado do agravante Quanto às questões meritórias principais, aglutinadas neste tópico, cabe realizar alguns apontamentos relevantes como ponto de partida. A Constituição Federal de 1988, inspirada pelo movimento de “constitucionalização do Direito Privado”, estabelece a liberdade associativa com uma ampla abrangência, tratando-a como um componente essencial para a realização de seu projeto democrático (art. 5º, incisos XVII a XXI, CRFB/1988). As associações representam entidades constituídas por pessoas físicas ou jurídicas que se unem voluntariamente para a consecução de objetivos comuns, sem fins lucrativos (art. 53, CC). Reguladas principalmente pelo Código Civil de 2002, tais entidades possuem autonomia administrativa e patrimonial, devendo observar, dentre outros, os princípios da legalidade e da função social. A constituição de uma associação demanda a elaboração de um estatuto social (art. 54, CC), documento que estabelece as normas internas da entidade, tais como os fins, a forma de organização, os direitos e deveres dos associados, as formas de ingresso e exclusão, além de outros aspectos relevantes. No que tange à administração, as associações são regidas por órgãos designados no estatuto, com o destaque para a assembleia geral, responsável pelas decisões de maior relevância1, e a diretoria, encarregada da gestão cotidiana da entidade. Esses órgãos devem atuar em conformidade com as disposições constitucionais, legais e estatutárias. As associações de cunho religioso, embora possam se fundamentar em preceitos e normas estabelecidas pelo direito canônico ou eclesiástico, não estão isentas de observar as disposições da Constituição da República e do Código Civil Brasileiro, conforme Enunciado doutrinário n. 143, aprovado na III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, segundo o qual “a liberdade de funcionamento das organizações religiosas não afasta o controle de legalidade e legitimidade constitucional de seu registro, nem a possibilidade de reexame pelo Judiciário da compatibilidade de seus atos com a lei e com seus estatutos”. Mesmo inseridas em contextos religiosos, essas entidades devem respeitar os princípios e normas do ordenamento jurídico nacional. Nesse sentido, a lição de Anderson Schreiber: “Em que pese ao legislador ter optado por elencar separadamente as organizações religiosas e os partidos políticos, atentando para as peculiaridades destas modalidades de pessoa jurídica, cabe pontuar que ‘os partidos políticos, os sindicados e as associações religiosas possuem natureza associativa, aplicando-se-lhes o Código Civil’, além de, eventualmente, sua próprias leis de regência”2. No mesmo sentido, a jurisprudência: PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO. AUTONOMIA ORGANIZACIONAL. ATOS DOS MEMBROS. CONTROLE DE LEGALIDADE. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO-FAZER. PEDIDO DE REFORMA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS CONTRÁRIOS. IMPROVIMENTO DO RECURSO. As instituições religiosas são consideradas pessoas jurídicas de direito privado e possuem autonomia organizacional para os fins a que se destinam. Inteligência do art. 44, IV, do Código Civil. Cabe ao Poder Judiciário, com base no princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal) analisar a legalidade dos atos dos membros das instituições religiosas quando atingem direitos dos demais membros ou, ainda, de terceiros. Agravo de Instrumento interposto objetivando a reforma da decisão interlocutória que acolheu o pedido de tutela provisória de urgência e determinou o afastamento cautelar provisório do pastor das funções administrativas da Igreja, atribuiu as funções ao Conselho Administrativo e determinou a entrega das chaves. Não há fundamentos relevantes arguidos no recurso que evidenciem disparidade da situação jurídica oriunda da decisão proferida com as provas já produzidas nos autos. Questões sérias e reais relacionadas à gestão da pessoa jurídica que recomendam a manutenção da decisão. Recurso improvido. (TJ-PE – AI: 00019865320228179480, Relator: LUIZ GUSTAVO MENDONÇA DE ARAÚJO, Data de Julgamento: 03/04/2023, Gabinete do Des. Luiz Gustavo Mendonça de Araújo (1ª TCRC)) Apelação cível. Registro das pessoas jurídicas e de títulos e documentos. Autonomia. Requisito indispensável à constituição da pessoa jurídica. Mantida a sentença de parcial procedência. 1. Devem-se sopesar as garantias constitucionais de liberdade de culto religioso, estatuídas nos arts. 5.º, inciso VII, e 19, inciso I, ambos da Magna Carta, vedando as pessoas jurídicas de direito público a intervenção nas associações religiosas. 2. O legislador constitucional pretendeu dar garantia à liberdade de culto religioso, vedando toda e qualquer discriminação ou proibição ao exercício de qualquer fé ou religião. 3. Foi com esse espírito, de proteção às entidades religiosas, que a Lei Federal 10.825, de 2003, alterou o art. 44 do Código Civil, a fim de incluir as organizações religiosas e os partidos políticos como pessoas jurídicas de direito privado e, ao mesmo tempo, acrescentar o parágrafo primeiro, o qual veda ao poder público a negativa do reconhecimento, ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento. 4. A vedação presente em tal artigo não pode ser considerada como absoluta, cabendo ao Judiciário tutelar interesses a fim de certificar-se, precipuamente, do cumprimento da legislação pátria, vale dizer, há que se averiguar se a organização religiosa atende os requisitos necessários ao registro do ato constitutivo. 5. Deve haver respeito ao nomen juris de cada entidade e, sendo a Associação Espírita Cristo e Caridade uma organização religiosa, não pode ostentar em seu nome a menção ‘sociedade’, nomenclatura que se destina a outras entidades que comunguem de interesses de finalidade diversa da suscitada. Negado provimento ao apelo” (TJRS, Acórdão 70027034164, Canoas, 5.ª Câmara Cível, Rel. Des. Jorge Luiz Lopes do Canto, j. 21.01.2009, DOERS 29.01.2009, p. 24). Conflito de competência – Ação para nomeação de administrador provisório de igreja evangélica – Remessa do feito à Vara especializada empresarial – Descabimento – Igreja evangélica assemelhada à associação civil e normatizada pela Parte Geral, Livro I, Título II, Capítulo II do CC em seu artigo 44, IV – Matéria que não compõe o rol taxativo do art. 2º da Res. nº 763/16 do c. Órgão Especial – Escopo da especialização da Justiça que não se coaduna com indiscriminada ampliação de seu espectro de competência – Necessidade de se observar a simetria da matéria afeta às Varas Empresariais com as atribuições das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial, previstas no art. 6º da Res. 623/13 desta c. Corte – Precedentes – Conflito acolhido – Competência do suscitado (4ª Vara Cível da Comarca do Foro Regional de São Miguel Paulista). (TJ-SP - CC: 00203455520218260000 SP 0020345-55.2021.8.26.0000, Relator: Renato Genzani Filho, Data de Julgamento: 06/07/2021, Câmara Especial, Data de Publicação: 06/07/2021) Também as relações entre os associados e, entre estes e os órgãos estatutários, são marcadas pela necessidade de observância dos preceitos legais e constitucionais, notadamente pela incidência dos direitos fundamentais “também na esfera jurídica privada, isto é, no âmbito das relações jurídicas entre particulares”3. (eficácia horizontal dos direitos fundamentais). A propósito, confira-se: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. CLUBE SOCIAL. PROIBIÇÃO DE FREQUÊNCIA. EX-COMPANHEIRO. ISONOMIA. VIOLAÇÃO. UNIÃO ESTÁVEL. COMPROVAÇÃO. EQUIPARAÇÃO A EX-CÔNJUGE. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE MATERIAL. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados e de terceiros (RE nº 201.819-8). 3. A recusa de associação, no caso um clube esportivo, baseada exclusivamente em cláusula protetiva apenas a ex-cônjuge de sócio proprietário de título, excluindo o benefício a ex-companheiro, viola a isonomia e a proteção constitucional de todas as entidades familiares, tais como o casamento, a união estável e as famílias monoparentais. 4. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 1713426 PR 2017/0307936-5, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 04/06/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/06/2019) Fixadas essas premissas, passa-se à análise das teses conjugadas neste tópico. 2.1) ilegitimidade da Convenção Batista Brasileira para decidir acerca da administração da IBPC Ao se analisar o Estatuto Social da IBPC, vislumbra-se que o documento, ao tratar das “divergências doutrinárias”, em seu Capítulo XIV, prescreve: Art. 45 – Ocorrendo divergências que causem divisão entre os membros da IBPC, no tocante às práticas eclesiásticas e às doutrinas batistas, como expostas na Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, os bens patrimoniais ficarão na posse, domínio e administração do grupo de membros ativos que permanecer fiel às mencionadas práticas e doutrinas, mesmo que seja constituído pela minoria. Parágrafo Único – De igual modo, o nome “Igreja Batista da Praia do Canto” será de uso exclusivo do grupo que permanecer fiel, na forma acima exposta, cabendo a ele, também, as seguintes prerrogativas: I – manter a posse e domínio do templo e demais imóveis, neles continuando a exercer as suas atividades espirituais, eclesiásticas e administrativas; II – eleger outra Diretoria, inclusive nova Equipe Ministerial, se as circunstâncias o exigirem; III – exercer todos os direitos e prerrogativas previstos neste Estatuto e na Lei. Art. 46 – Configurada qualquer das hipóteses previstas no artigo 45, o julgamento do litígio será feito por um Concílio Decisório, constituído por 15 pastores que estejam no exercício de ministério em igrejas filiadas à Convenção Batista Brasileira, sendo 1/3 indicados por cada parte em litígio e 1/3 indicados pela referida Convenção, que não poderá proferir decisão em desacordo com o presente Estatuto, em especial com o disposto nos artigos 2º. e seu parágrafo único, 3º, 5º, 45 e seu parágrafo. Art. 47 – O processo de instrução e julgamento terá início no prazo de 30 dias a contar da data em que a representação chegar à Convenção Batista Brasileira. […] § 3º – As decisões do Concílio serão tomadas após ouvir ambas as partes em litígio e são irrecorríveis, entrando em vigor imediatamente. 4º – O grupo que, de qualquer maneira, se opuser ao processo aqui estabelecido, será considerado vencido, ficando sujeito às sanções previstas neste Estatuto. [...] Art. 49 – Enquanto o Concílio Decisório julga o mérito da divergência, a IBPC não poderá decidir assuntos de natureza patrimonial, desligar ou causar impedimentos a membros, ministros e Conselheiros pelo motivo da divergência, reformar o Estatuto, Manual Eclesiástico ou qualquer norma interna, nem mudança de sede, de razão social ou de nome da Igreja Segundo o agravante, a Convenção Batista Brasileira é ilegítima para, em sede de Concílio Decisório, decidir a respeito da administração da IBPC, em função do art. 2º do Estatuto da associação, o qual dispõe: “Art. 2º. A IBPC é autônoma e soberana em suas decisões e não está subordinada a qualquer outra igreja ou instituição”. Analisando o referido art. 2º, em cotejo com o capítulo estatutário que trata das “divergências doutrinárias”, constata-se que os dispositivos, de fato, possuem comandos relativamente antagônicos, a revelar certa antinomia. Com efeito, as normas em questão revelam um grau de incompatibilidade, pois, em um primeiro momento, estabelece-se que a associação é soberana e não se submete a outras instituições, sendo que mais à frente, o mesmo estatuto, paradoxalmente, atribui a instituição diversa a responsabilidade por julgar conflitos doutrinários ou eclesiásticos e indicar qual será o grupo responsável pela posse e administração dos bens, podendo, inclusive, destituir a diretoria para eleição de uma nova. Trata-se de questão que ainda será objeto de cognição exauriente pelo juízo de primeiro grau, após a devida instrução probatória, não tendo sequer sido objeto de decisão proferida por aquele, razão pela qual inviável o pronunciamento desta instância recursal sobre o tema, especialmente porque, como se verá adiante, há outras teses que, isoladamente, podem levar ao provimento ou desprovimento do recurso. Passo a enfrentá-las nos tópicos seguintes. 2.2) ilegitimidade dos agravados para requerer a instauração de Concílio Decisório Extrai-se do art. 45, caput, do Estatuto da IBPC, que o Concílio definirá os membros ativos que ficarão na posse, domínio e administração da entidade e, pelo que consta dos autos, os membros que requisitaram a instauração do Concílio decisório já haviam sido desligados por decisão do Conselho da Igreja, na forma do art. 7º, inciso I, do mesmo Estatuto, vide notificações de evento ID. n.º 6520736. Com efeito, as notificações de desligamento datam de 03 de fevereiro de 2022, ao passo que a instauração do Concílio fora requerida em 21 de junho de 2022, consoante se depreende do relatório da decisão proferida pela Convenção Batista Brasileira (ID. 27250046 dos autos originários), sendo instaurado, efetivamente, em 20 de julho de 2022, segundo os próprios autores afirmam na inicial. Ademais, ao menos em sede de cognição superficial, não há nos autos evidências concretas – apenas afirmações dos recorridos – de que o procedimento de desligamento dos agravados tenha se dado com inobservância do devido processo legal, garantia constitucional, como já adiantado, aplicável às relações privadas. O Estatuto prevê que o desligamento se dará depois de emitido parecer, devidamente fundamentado, de Comissão criada para tal fim, após ofertada a ampla defesa ao membro (art. 7º, §§ 1ºe 2º do Estatuto da IBPC). No conteúdo das notificações de desligamento, consta que fora assegurado aos então membros o exercício do contraditório e da ampla defesa, e que os membros desligados teriam permanecido inertes, optando por apresentar apenas uma contranotificação coletiva. Embora se trate de questão que ainda poderá ser melhor elucidada durante a instrução processual, e até mesmo revista em ação própria, em juízo sumário, repita-se, não se vislumbram indícios de violação do estatuto e do devido processo legal, de maneira que os agravados, ao efetivarem o pedido de instauração do Concílio, não ostentavam mais a condição de membros da IBPC. Dessa forma, não tendo sido legitimados a requerer a instauração do procedimento administrativo que deu ensejo à decisão administrativa que os agravados buscam cumprimento, na demanda de origem, resta não atendido o requisito da probabilidade do direito (art. 300, CPC), sendo o suficiente para concluir que a tutela de urgência deferida em primeiro grau deve ser revogada. 2.3) ausência de perigo de dano/urgência – impossibilidade de disposição do patrimônio por ato isolado do agravante Também não se verifica caracterizado o pressuposto do perigo de dano, previsto no art. 300 do CPC, senão vejamos. Depreende-se da inicial da demanda de origem que os agravados sustentam a configuração do perigo de dano arguindo que o réu “excluiu da igreja membros ativos, diáconos e mantenedores” e “acabou por asfixiar o caixa da entidade, criando justificativa para a venda do patrimônio, inclusive”. Argumentam, também, que o agravado estaria tentando alienar ou permutar o imóvel da igreja e teria realizado a venda de bancos do templo e de um órgão adquirido com o sacrifício dos requerentes. Entretanto, ao se analisar o estatuto da IBPC, constata-se que as disposições lá existentes impedem que o demandado, ora agravante, realize a alienação do patrimônio imóvel da entidade de forma isolada, dada a necessidade de autorização da assembleia geral, órgão máximo e soberano de deliberação, nestes termos: Art. 10 – A Assembleia Geral da IBPC, constituída de seus membros, é o órgão máximo e soberano de deliberação, cabendo-lhe as seguintes atribuições: […] V – adquirir, alienar por venda ou de outra forma, bem como onerar total ou parcialmente o patrimônio imóvel da IBPC; As transações financeiras também não podem ser praticadas isoladamente pelo agravante, eis que afetas à equipe administrativa, responsável por todos os aspectos ligados às questões administrativas, financeiras, jurídicas e de planejamento da IBPC, nos termos do art. 31 do Estatuto, sendo relevante destacar, outrossim, que todas as transações financeiras deverão contar com assinatura de pelo menos dois membros da equipe administrativa. Adicionalmente, não há nos autos de origem, para além da mera alegação dos agravados a respeito da suposta intenção de alienação do imóvel da IBPC, prova ou mesmo indícios de que o agravado tenha submetido tal matéria à Assembleia Geral, para deliberação, o que reforça a conclusão pela ausência de demonstração do perigo de dano. Firme nessas razões, não tendo sido atendidos os pressupostos do art. 300 do CPC, impõe-se a reforma da decisão recorrida, para o fim de indeferir a tutela de urgência antecipada pleiteada na inicial. Apenas para corroborar, aborda-se, a seguir, os argumentos deduzidos pelos agravados em sede de contrarrazões, em tese, capazes de infirmar a conclusão ora alcançada. 3) TESE DOS AGRAVADOS: Supressão de instância pelo fato de, supostamente, ter sido abordado tema não apreciado em primeiro grau Em que pese a alegação de que a decisão de atribuição de efeito suspensivo ao recurso incorreu em supressão de instância, por tratar de tema não apreciado e decidido em primeiro grau, destaca-se que, de fato, a cognição exercida em sede de agravo de instrumento tem seus efeitos limitados àquela realizada pelo juízo primevo na decisão impugnada. Nesse sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA – REQUISITOS DO ART. 300 DO CPC/15 – NÃO PREENCHIMENTO – NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1) A cognição exercida em sede de agravo de instrumento tem seus efeitos limitados àquela realizada pelo juízo primevo na decisão impugnada. 2) A concessão da tutela de urgência pressupõe a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (art. 300, caput, do CPC). 3) A aferição da culpabilidade das partes para a ocorrência de suposta fraude realizada por terceiro reclama uma maior dilação probatória, já que a situação fático-jurídica é controvertida, necessitando, assim, de uma cognição exauriente da lide, o que inviável em sede desta via recursal. 4) Recurso conhecido e desprovido. (TJES – Agravo de Instrumento n.º 5001286-31.2020.8.08.0000 – Res. Des. Telemaco Antunes de Abreu Filho – j. 23/09/2020) Neste caso, o que se apreciou em primeiro grau foi a presença ou não dos requisitos para a concessão da tutela de urgência, concluindo o juízo de primeiro grau pelo atendimento aos pressupostos do art. 300 do CPC. A decisão inaugural, assim como este voto de relatoria, realiza análise de mesma extensão, exclusivamente em relação ao atendimento aos pressupostos do art. 300 do CPC, para concluir, com amparo no acervo probatório e nas teses recursais, pelo não preenchimento do requisito da probabilidade do direito, não havendo que se falar em extrapolação da cognição realizada em primeiro grau. Notoriamente, a decisão recorrida não adentrou o tema da legitimidade dos agravados por se tratar de pronunciamento proferido liminarmente, antes da triangularização da relação jurídica processual, sendo que o tema consiste em matéria de defesa submetida inicialmente a esta instância revisora e, posteriormente, deduzida em contestação pelo réu. Em todo caso, a cognição que ora se realiza, como dito, não vai além daquela efetivada em primeiro grau, eis que restrita à análise dos pressupostos para a concessão da tutela de urgência. 4) TESE DOS AGRAVADOS: interferência estatal em ato interna corporis e invasão do mérito do ato administrativo Ainda segundo os agravados, a decisão liminar proferida neste recurso promove a interferência em ato interna corporis e adentra no mérito administrativo. Como já destacado anteriormente, as associações – mesmo as de cunho religioso – estão sujeitas à observância do ordenamento jurídico e das disposições estatutárias, sendo relevante destacar, quanto à hipótese dos autos, que o procedimento instaurado perante a Convenção Batista Brasileira, pelo que consta nos autos até o momento, não atendeu ao disposto no art. 45 do Estatuto da IBPC, eis que requerido por ex-membros da associação. Conquanto a decisão proferida pelo Concílio Decisório tenha abordado o tema relativo à legitimidade dos requerentes, tal circunstância não impede o controle de legalidade do ato em sede judicial, por força do art. 5º, inciso XXXV, da CRFB/1988. Trata-se, aliás, de entendimento consolidado na jurisprudência, vejamos: Ação Anulatória c.c. Indenização por Danos Morais – Sentença de procedência para declarar a nulidade da decisão administrativa de exclusão do autor do quadro social do clube réu, bem como condenar este último a pagar ao autor a quantia de R$ 5.500,00 a título de danos morais – Inconformismo de ambas as partes – Descabimento - Intervenção do Poder Judiciário unicamente para controle do processo administrativo quanto à regularidade do procedimento, bem como controle da legalidade do ato disciplinar - Exclusão de associado do clube réu, sem o respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa - Não observância do devido processo legal - Declaração de nulidade mantida - Danos morais – Ocorridos – Penalidade sumária de exclusão que decerto causou constrangimento ao autor perante os demais associados, além de ficar impedido de usufruiu das dependências do clube – Montante arbitrado (R$5.500,00) que se mostra razoável - Descabida a majoração pretendida pelo autor -– Sentença mantida - Recursos não providos (TJSP; Apelação Cível 1000891-97.2019.8.26.0079; Relator (a): Salles Rossi; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de Botucatu - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/05/2022; Data de Registro: 05/05/2022) A prevalecer o entendimento defendido pelos agravados, nenhuma questão já analisada em sede administrativa poderia ser revista no âmbito judicial, o que não procede, pois, como cediço, o Poder Judiciário, se provocado, pode realizar o controle de juridicidade de procedimento administrativo. Por tais razões, também se afasta a tese ora enfrentada. 5) TESES DOS AGRAVADOS: requerimento da instauração de Concílio Decisório quando ainda ostentavam a condição de membros da IPBC e legitimidade subsidiária do agravado Luiz Antonio Terra Prosseguindo, os agravados asseveram, outrossim, que o requerimento de instauração do Concílio Decisório teria sido encaminhado em 06/08/2021, quando ainda se encontravam na condição de membros da IPBC. Quanto a esta questão, importa destacar, inicialmente, que não se vislumbra nos autos (de origem e recursais) cópia do suposto requerimento enviado à Convenção Batista Brasileira em 06/08/2021, havendo apenas o pedido subscrito em 21/06/2022 (pp. 19/25 do ID. 27250051 e 01/18 do ID. 27250052 – autos de origem). Ademais, verifica-se que os próprios agravados, na inicial da demanda de origem, apenas aludem ao requerimento formulado em 21/06/2022, silenciando a respeito de suposto pedido anterior. Salienta-se, em adição, que o número do procedimento administrativo (001/2022) indica ter sido este deflagrado em 2022 e, além disso, consta expressamente no relatório da decisão proferida pelo Concílio que este fora iniciado em função de requerimento encaminhado à CBB em 21/06/2022, data em que os requerentes não mais integravam a IBPC. Em arremate da questão ora enfrentada, resta verificar a procedência da tese subsidiária de que, ao menos em relação ao agravado Luiz Antonio Terra, deveria ser reconhecida a legitimidade para requerer a instauração do Concílio, eis que não há prova nos autos de que este tenha sido desligado pelo Conselho da IBPC. Embora os autos não contenham documentos que comprovem, de forma inequívoca, o desligamento do agravado Luiz Antonio Terra pela IBPC, em exame superficial, próprio deste momento, verifica-se que a sua legitimidade para, isoladamente, requerer a instauração do concílio, é no mínimo questionável. A conclusão se fundamenta na análise do Estatuto Social da IBPC, em especial do seu art. 45, que estabelece de maneira clara que a instauração de um Concílio Decisório pressupõe a existência de divergências doutrinárias ou eclesiásticas entre grupos de membros da instituição. Da interpretação do dispositivo estatutário, em cotejo com as demais regras inseridas no Capítulo XIV do Estatuto Social, denominado “Das Divergências Doutrinárias”, não se extrai a conclusão de que determinado membro, isoladamente, possa suscitar divergência em relação a outros membros para requerer a decisão por órgão externo. Ao que parece, a ratio do dispositivo é disciplinar as hipóteses em que há verdadeira divisão ideológica entre conjuntos de integrantes da IBPC, formando duas ou mais correntes antagônicas, e não a insatisfação de um membro isolado quanto ao posicionamento doutrinário dos demais. Para corroborar, reitere-se o teor do dispositivo: Art. 45 – Ocorrendo divergências que causem divisão entre os membros da IBPC, no tocante às práticas eclesiásticas e às doutrinas batistas, como expostas na Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, os bens patrimoniais ficarão na posse, domínio e administração do grupo de membros ativos que permanecer fiel às mencionadas práticas e doutrinas, mesmo que seja constituído pela minoria. Sendo assim, ainda que o agravante não tenha demonstrado, por ora, o efetivo desligamento do agravado Luiz Antonio Terra, circunstância que inclusive poderá ser elucidada pela instrução em primeiro grau, pelo teor da norma estatutária que disciplina a instauração de Concílio Decisório, a sua legitimidade para figurar como requerente, de forma isolada, mostra-se, no mínimo, questionável. Pondero, em arremate, que os próprios agravados, ao terem suscitado a tese de que Luiz Antonio Terra não se encontrava desligado da IBPC quando da instauração do Concílio, não comprovaram que este se encontra no rol de requerentes do procedimento administrativo que tramitou perante a Convenção Batista Brasileira. 6) TESE DOS AGRAVADOS: reconhecimento tácito da legitimidade dos agravados para requerer a instauração de concílio decisório Alegam os recorridos, por fim, que a designação de audiência de conciliação entre as partes do litígio, por este Relator, consistiria em reconhecimento tácito legitimidade destes para requerer a instauração do Concílio Decisório. Apesar do esforço retórico promovido pelos patronos dos agravados, o argumento não convence. Isso porque, evidentemente, a legitimidade ad causam e a legitimidade para recorrer não se confundem com a legitimidade dos agravados no âmbito administrativo. Enquanto as duas primeiras são inerentes ao exercício da garantia de acesso à justiça, a legitimidade dos agravados para requerer a instauração do Concílio Decisório diz respeito ao atendimento das condições estatutárias para que se autorize a medida excepcional em questão. Para além, nada impede a realização de audiência de conciliação sem que se tome em consideração aspectos materiais ou processuais, questões estas reservadas à decisão de mérito, em sendo frustrado o acordo. Em verdade, por força do art. 3º, § 3º, do CPC, a autocomposição deve ser estimulada por todos os sujeitos processuais, em atenção à concepção científica atual de que o acesso à justiça não se dá apenas pela via da jurisdição estatal, agregando ainda as justiças consensual e arbitral4. Portanto, não há que se falar em reconhecimento tácito da legitimidade dos agravados, em sede administrativa. 7) CONCLUSÃO Pelo exposto, CONHEÇO do presente recurso de agravo de instrumento e, no mérito, DOU-LHE PROVIMENTO para reformar a decisão recorrida, indeferindo o pedido de tutela de urgência antecipada formulado na inicial. Julgo prejudicados os recursos de agravo interno de IDs. n.º 7342114 e 8919574. É como voto. ____________________________ 1 Como bem elucida Fabio Ulhoa Coelho, “A assembleia dos associados é o órgão de deliberação máximo da associação. Trata-se de uma reunião sujeita a diversas formalidades, para se considerarem válidos os trabalhos e deliberações havidas. A competência da assembleia dos associados é estabelecida no estatuto, que costuma reservar-lhe a apreciação das matérias mais relevantes”. (grifo nosso) COELHO, Fabio Ullhoa. Curso de Direito Civil – parte geral. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020, v. 1., p. 165 [e-book] 2 SCHREIBER, Anderson. Manual de Direito Civil Contemporâneo. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 249 [e-book] 3 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais - uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10º ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 374. 4 A respeito, a lição da saudosa Prof.ª Ada Pellegrini Grinover: “jurisdição, na atualidade, não é mais poder, mas apenas função, atividade e garantia. E, sobretudo, seu principal indicador é o de garantia do acesso à justiça, estatal ou não, e seu objetivo, o de pacificar com justiça”. Ensaio sobre a processualidade: fundamentos para uma nova teoria geral do processo. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016, p. 20. _________________________________________________________________________________________________________________________________ VOTOS ESCRITOS (EXCETO VOTO VENCEDOR) Acompanho o voto lançado pela douta relatoria. AGRAVO DE INSTRUMENTO N.º 5013182-66.2023.8.08.0000 AGTE: USIEL CARNEIRO DE SOUZA AGDOS: JAIRO MENDES PEÇANHA E OUTROS RELATOR: DES. SÉRGIO RICARDO DE SOUZA VOGAL: DES. FÁBIO BRASIL NERY VOTO Apenas para rememorar, trata-se de agravo de instrumento interposto por USIEL CARNEIRO DE SOUZA contra a decisão que, nos autos da “ação de obrigação de fazer” ajuizada por JAIRO MENDES PEÇANHA e outros, deferiu pedido de tutela provisória de urgência, determinando que o recorrente, entre outros pontos, se abstenha de praticar atos de alienação patrimonial, desligamento de membros, reforma estatutária e que entregue chaves e documentos da Igreja Batista da Praia do Canto (IBPC), sob pena de multa. O pleito originário visa ao cumprimento de decisão administrativa do Concílio Decisório nº 01/2022 da Convenção Batista Brasileira (CBB), instaurado com base nos artigos 45 a 49 do Estatuto da IBPC. O eminente Relator, em seu voto, o qual foi acompanhado pelo preclaro Desembargador Substituto Aldary Nunes Junior, deu provimento ao recurso, para reformar a decisão agravada, indeferindo a referida tutela de urgência. Para tanto, fundamenta Sua Excelência, em síntese, (i) na ilegitimidade ativa dos agravados para postular a instauração do Concílio Decisório que gerou a decisão administrativa discutida na demanda, ao argumento de que já haviam sido desligados da IBPC quando do requerimento; (ii) na ausência de perigo de dano que justifique a medida. Pois bem. Inicialmente, comungo do entendimento externado no voto de relatoria quando supera a alegação de atecnia procedimental da decisão de primeiro grau, reconhecendo a fungibilidade entre as tutelas de urgência e evidência, e que a análise do pleito ocorreu, efetivamente, sob o viés dos pressupostos da tutela de urgência (art. 300 do CPC). Assim, não há vício, neste particular, que ampare a reforma do ato aqui impugnado. No tocante às demais questões, concluo, respeitosamente, após detida análise dos autos, por inaugurar divergência. Conforme registrado pelo douto Relator, “extrai-se dos autos que, na origem, os agravados ajuizaram ‘ação de obrigação de fazer’ objetivando o cumprimento de decisão administrativa proferida no bojo do Concílio Decisório nº 01/2022, da Convenção Batista Brasileira, instaurado com base no art. 45 do Estatuto da Igreja Batista da Praia do Canto – IBPC”. Consta, ainda, que “os autores afirmam, na inicial, que são integrantes de um grupo de 40 (quarenta) membros da Igreja Batista da Praia do Canto, vinculada à Convenção Batista Brasileira – CBB, que seria o órgão máximo da denominação Batista no Brasil, com atribuição para dirimir conflitos de ordem doutrinária no seio da IBPC, por meio de Concílio Decisório formado nos termos dos artigos 45 a 49 do Estatuto da Igreja”. Relata, também, que os recorridos afirmam ter obtido “em procedimento administrativo eclesiástico, o reconhecimento do direito de posse dos bens e administração da IBPC, decorrente de Representação encaminhada à Convenção Batista Brasileira, através da qual noticia a existência de um conflito de ordem doutrinária entre os membros da organização religiosa. No documento, os autores afirmam que o conflito decorre de supostas tentativas do pastor da igreja, Usiel Carneiro de Souza, de introduzir, no âmbito da instituição, doutrina divergente dos princípios, e das práticas eclesiásticas da Convenção Batista Brasileira, adotadas pela IBPC”. Diante deste cenário, considero relevante, num primeiro momento, sem muito me aprofundar, pois, conforme bem apontou o Relator, o tema será objeto de ampla cognição no juízo primevo, analisar o questionamento acerca da validade da incidência da conclusão alcançada pelo Concílio Decisório sobre a IBPC, o que exige uma interpretação sistemática do seu respectivo Estatuto, o qual rege o funcionamento da instituição e vincula seus membros. O Art. 2º do mencionado instrumento dispõe que "A IBPC é autônoma e soberana em suas decisões e não está subordinada a qualquer outra igreja ou instituição". Noutro ponto, o mesmo Estatuto, em seu Capítulo XIV – "Das Divergências Doutrinárias", estabelece um procedimento específico para a solução de cismas internos: Art. 45: "Ocorrendo divergências que causem divisão entre os membros da IBPC, no tocante às práticas eclesiásticas e às doutrinas batistas, como expostas na Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, os bens patrimoniais ficarão na posse, domínio e administração do grupo de membros ativos que permanecer fiel às mencionadas práticas e doutrinas, mesmo que seja constituído pela minoria". [não existe grifo no original] Art. 46: "Configurada qualquer das hipóteses previstas no artigo 45, o julgamento do litígio será feito por um Concílio Decisório, constituído por 15 pastores que estejam no exercício de ministério em igrejas filiadas à Convenção Batista Brasileira, sendo 1/3 indicados por cada parte em litígio e 1/3 indicados pela referida Convenção [...]".[não existe grifo no original] Art. 47, §3º: "As decisões do Concílio serão tomadas após ouvir ambas as partes em litígio e são irrecorríveis, entrando em vigor imediatamente". O culto Relator reconhece a existência de uma aparente antinomia entre os artigos citados. Todavia, com a devida vênia, considero que não há qualquer contradição entre os dispositivos, mas sim, conforme adiantado, a necessidade de uma interpretação sistemática do instrumento. A autonomia e soberania do art. 2º se manifestam, justamente, na liberdade da IBPC de, estatutariamente, definir os mecanismos para sua própria governança e resolução de conflitos, incluindo a previsão de recorrer à Convenção Batista Brasileira – entidade a qual é filiada (conforme art. 3º, V) – para a formação de um Concílio Decisório em casos de divergência doutrinária. Trata-se de uma autolimitação voluntária e estatutariamente prevista, comum em organizações que se vinculam a entidades maiores em aspectos específicos. Logo, não há se falar, numa abordagem sumária, inerente a esta via recursal, que a Convenção Batista Brasileira não teria autorização para, mediante instauração de Concílio Decisório, deliberar sobre questões envolvendo conflitos internos da IBPC. Noutro ponto, quanto ao questionamento envolvendo a legitimidade dos agravados, o insigne Relator consignou que “não tendo sido legitimados a requerer a instauração do procedimento administrativo que deu ensejo à decisão administrativa que os agravados buscam cumprimento, na demanda de origem, resta não atendido o requisito da probabilidade do direito (art. 300, CPC), sendo o suficiente para concluir que a tutela de urgência deferida em primeiro grau deve ser revogada”. Para tanto, Sua Excelência considerou que os recorridos foram desligados em 03/02/2022, antes do requerimento de instauração do Concílio à CBB em 21/06/2022, o que os tornaria ilegítimos. No entanto, o art. 49 do Estatuto da IBPC estabelece uma garantia aos membros durante a apuração de divergências: "Art. 49 Enquanto o Concilio Decisório julga o mérito da divergência, a IBPC não poderá decidir assuntos de natureza patrimonial, desligar ou causar impedimentos a membros, ministros e Conselheiros pelo motivo da divergência, reformar o Estatuto, Manual Eclesiástico ou qualquer norma interna, nem mudança de sede, de razão social ou de nome da Igreja." [não existe grifo no original] Neste ponto, a cronologia dos fatos, comprovada documentalmente, demonstra a violação deste dispositivo: Em janeiro de 2021, membros da IBPC formalizaram "Notificação Extrajudicial" dirigida ao Conselho da IBPC, tratando de “práticas reiteradas de desvios doutrinários”, conforme relatado à pg. 20 do id. 27250051, denotando a origem do conflito. Em 26 de fevereiro de 2021, o Juízo da 8ª Vara Cível de Vitória, nos autos do Processo nº 0003806-40.2021.8.08.0024, deferiu tutela de urgência para "resguardar os direitos dos membros Requerentes em participar da AGE que se realizará no próximo dia 28/02/2021" (id. 27250556). Esta decisão judicial, anterior ao desligamento formal, já reconhecia a litigiosidade e a condição de membros ativos dos agravados. A primeira reclamação do grupo agravado à Convenção Batista Brasileira (CBB) data de 06 de agosto de 2021 (conforme consta da decisão do Concílio Decisório, id. 27250046), o que se confirma pelas declarações constantes em carta pública assinada pelo agravante e demais membros do conselho da IBPC (id. 27250577). O processo disciplinar instaurado pela IBPC contra os agravados, que resultou em seu desligamento, iniciou-se apenas em 01 de dezembro de 2021, com as notificações de desligamento datadas de 03 de fevereiro de 2022. Neste cenário, mostra-se clarividente que a divergência doutrinária entre membros da IBPC e a liderança se tornou pública em janeiro de 2021, o que, a meu sentir, diante dos diversos desdobramentos, afasta a compreensão de que os agravados seriam ilegítimos para requerer a instalação do Concílio Decisório pela CBB após o ato de desligamento, mormente quando o Estatuto da entidade religiosa garante que “a IBPC não poderá [...] desligar ou causar impedimentos a membros, ministros e Conselheiros pelo motivo da divergência”. Registro, inclusive, que o próprio Concílio Decisório, ao analisar o ato de desligamento dos respectivos membros, consignou expressamente em sua decisão (id. 27250046): "Não resta qualquer dúvida a este Concílio Decisório que a tentativa de desligamento dos membros do grupo Requerente pelo grupo Requerido [...] após o surgimento da divergência doutrinária, configura clara tentativa de deslegitimar os irmãos em Cristo, impedindo que os mesmos pudessem contestar as práticas que entendem serem contrárias à doutrina cristã e práticas eclesiásticas". [não existe grifo no original] Tanto é que restou deliberado o seguinte: “Da mesma forma, tendo em vista a absoluta nulidade do desligamento dos membros do grupo Requerente, nos termos do art. 49, do Estatuto da IBPC, este Concilio expressamente declara a nulidade da exclusão destes, fixando que os mesmos tenham os seus direitos de membros da Igreja Batista da Praia do Canto imediatamente restaurados". [não existe grifo no original] Conforme se vê, a conclusão do Concílio Decisório sobre a nulidade das exclusões, baseada no art. 49 do Estatuto, é uma questão interna corporis que deve ser acatada, pois não há qualquer notícia de que tal deliberação tenha sido invalidada ou suspensa, seja administrativa ou judicialmente, não cabendo ao Poder Judiciário, neste contexto, negar vigência aos seus efeitos, sobretudo porque as organizações religiosas possuem liberdade de auto-organização e funcionamento (art. 44, §1º, do Código Civil). Entender de forma contrária seria admitir que os recorridos, em outras palavras, sequer teriam legitimidade para cobrar o cumprimento da decisão administrativa adotada pelo Concílio, objetivo este da demanda originária, o que esvaziaria a própria legitimidade ativa destes para seu ajuizamento, ensejando a necessidade de pronta extinção da ação, face ao efeito translativo do qual é dotado o recurso em tela. Mister esclarecer que no presente caso, a intervenção judicial não visa reavaliar o mérito doutrinário da decisão do Concílio Decisório, tampouco desrespeitar a liberdade religiosa de qualquer integrante da respectiva comunidade, mas assegurar o cumprimento do Estatuto da própria IBPC, que prevê o Concílio como órgão de resolução, e dar efetividade à decisão por ele proferida após o devido processo eclesiástico. Portanto, tal como adiantado, rejeito a alegação de ilegitimidade ativa dos agravados para requerer a instalação do Concílio Decisório perante a Convenção Batista Brasileira. Na sequência, quanto ao preenchimento dos requisitos da tutela de urgência vislumbrados pela julgadora a quo, tenho que eles se mostraram presentes. A probabilidade do direito invocado pelos agravados exsurge do ato emanado do Concílio Decisório nº 01/2022, que, seguindo o rito previsto nos artigos 45 a 49 do Estatuto da IBPC, julgou procedentes as alegações do grupo recorrido, declarando-o fiel às práticas e doutrinas batistas e, consequentemente, detentor dos direitos administrativos e patrimoniais sobre a IBPC, à luz do mencionado art. 45. Quanto ao risco de dano grave ou de difícil reparação, em relação aos agravados, considero que além dos próprios atos de exclusão de membros que manifestam a existência de divergências doutrinárias, praticados pelo recorrente, na qualidade de pastor presidente, juntamente com seu respectivo conselho de administração, ao arrepio das normas estatutárias, reside também na recusa explícita em reconhecer a validade e cumprir a decisão do Concílio Decisório, conforme manifestações formais (id. 27250561 - "NÃO NOS SUBMETEREMOS E NÃO ACATAREMOS A CONVOCAÇÃO DO CONCÍLIO ARBITRAL"), e (id. 27250566 - "[...] reiteramos a não participação da Igreja Batista da Praia do Canto no presente Concílio [...]"). Não há como negar, conforme se vê, a existência de instabilidade administrativa e doutrinária gerada pela permanência de uma liderança, cuja legitimidade foi questionada e, na sequência, afastada pelo órgão estatutário competente, sobretudo quando há evidências de que teriam sido praticados atos visando esvaziar a decisão do Concílio, bem como tendentes a impedir o grupo agravado de exercer os direitos que o estatuto e a aludida deliberação conciliar lhes asseguram. Em outras palavras, o perigo da demora resulta evidente diante do exercício da atividade de pastorear inobservando a doutrina batista a que se submeteram os membros da IBPC. Pelo exposto, inauguro divergência para negar provimento ao recurso, revogando, por consequência, a medida liminar deferida no id. 6638324. Julgo prejudicado o agravo interno id. 7342114. É como voto. DESEMBARGADORA DÉBORA MARIA AMBOS CORRÊA DA SILVA: Constatei que no Id nº 6623237, declarei minha suspeição para atuar na presente demanda por motivo de foro íntimo, portanto, deixo de proferir meu voto na condição de vogal.
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