Processo nº 1029103-89.2024.8.11.0041
ID: 334947554
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1029103-89.2024.8.11.0041
Data de Disponibilização:
25/07/2025
Advogados:
NAYANNE VINNIE NOVAIS BRITTO
OAB/BA XXXXXX
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JULIA BRANDAO PEREIRA DE SIQUEIRA
OAB/BA XXXXXX
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NATHALIA SILVA FREITAS
OAB/SP XXXXXX
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ROBERTA BEATRIZ DO NASCIMENTO
OAB/MT XXXXXX
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CARLOS AUGUSTO TORTORO JUNIOR
OAB/SP XXXXXX
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NATHALIA SATZKE BARRETO
OAB/SP XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1029103-89.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Superendividamento] Relator: Des(a). SEBASTIAO D…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1029103-89.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Superendividamento] Relator: Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES] Parte(s): [MABEL STROBEL MOREIRA DA SILVA - CPF: 361.583.561-15 (APELADO), JEFERSON APARECIDO POZZA FAVARO - CPF: 273.734.718-11 (ADVOGADO), BANCO DAYCOVAL S/A - CNPJ: 62.232.889/0001-90 (APELANTE), CARLOS AUGUSTO TORTORO JUNIOR - CPF: 221.436.208-88 (ADVOGADO), BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. - CNPJ: 90.400.888/0001-42 (APELANTE), ROBERTA BEATRIZ DO NASCIMENTO - CPF: 261.067.088-51 (ADVOGADO), PKL ONE PARTICIPACOES S.A. - CNPJ: 27.490.629/0001-13 (APELANTE), NATHALIA SATZKE BARRETO - CPF: 062.120.689-09 (ADVOGADO), CLICKBANK INSTITUICAO DE PAGAMENTOS LTDA - CNPJ: 39.876.528/0001-64 (APELANTE), NATHALIA SILVA FREITAS - CPF: 491.916.878-02 (ADVOGADO), BANCO DAYCOVAL S/A - CNPJ: 62.232.889/0001-90 (APELADO), BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. - CNPJ: 90.400.888/0001-42 (APELADO), CARLOS AUGUSTO TORTORO JUNIOR - CPF: 221.436.208-88 (ADVOGADO), CLICKBANK INSTITUICAO DE PAGAMENTOS LTDA - CNPJ: 39.876.528/0001-64 (APELADO), NATHALIA SATZKE BARRETO - CPF: 062.120.689-09 (ADVOGADO), NATHALIA SILVA FREITAS - CPF: 491.916.878-02 (ADVOGADO), PKL ONE PARTICIPACOES S.A. - CNPJ: 27.490.629/0001-13 (APELADO), ROBERTA BEATRIZ DO NASCIMENTO - CPF: 261.067.088-51 (ADVOGADO), JEFERSON APARECIDO POZZA FAVARO - CPF: 273.734.718-11 (ADVOGADO), MABEL STROBEL MOREIRA DA SILVA - CPF: 361.583.561-15 (APELANTE), JULIA BRANDAO PEREIRA DE SIQUEIRA - CPF: 063.230.725-05 (ADVOGADO), NAYANNE VINNIE NOVAIS BRITTO - CPF: 021.616.745-01 (ADVOGADO), BANCO MASTER S/A - CNPJ: 33.923.798/0001-00 (APELADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A APELANTE(S): MABEL STROBEL MOREIRA DA SILVA APELADO(S): BANCO DAYCOVAL S/A, BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A., BANCO MASTER S/A, CLICKBANK INSTITUICAO DE PAGAMENTOS LTDA e PKL ONE PARTICIPACOES S.A. EMENTA. DIREITO DO CONSUMIDOR. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. NULIDADE POR DESCUMPRIMENTO DO RITO DO SUPERENDIVIDAMENTO. INOCORRÊNCIA. PROCEDIMENTO NÃO INSTAURADO POR AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. MÍNIMO EXISTENCIAL. PRESERVADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente a Ação de Repactuação de Dívidas por Superendividamento ajuizada em face de diversas instituições financeiras, sob o fundamento de ausência dos requisitos legais para a instauração do procedimento especial de repactuação previsto na Lei nº 14.181/2021. A Apelante alegou nulidade da sentença por inobservância do rito do superendividamento, necessidade de elaboração de plano de pagamento compulsório, violação aos artigos 104-A e 104-B do CDC e comprometimento do mínimo existencial em razão do alto percentual de descontos sobre sua remuneração. Pleiteou o reconhecimento do superendividamento, com remessa dos autos ao juízo de origem para regular processamento do plano judicial compulsório. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há quatro questões em discussão: (i) definir se há nulidade da sentença por inobservância do procedimento legal do superendividamento; (ii) estabelecer se estão presentes os requisitos legais para instauração do processo de repactuação e elaboração de plano compulsório; (iii) determinar se houve violação aos artigos 104-A e 104-B do CDC; e (iv) examinar se o grau de comprometimento da renda da Apelante caracteriza violação ao mínimo existencial apta a configurar situação de superendividamento. III. RAZÕES DE DECIDIR As preliminares de ilegitimidade passiva, inépcia da inicial, violação ao princípio da dialeticidade e impugnação ao valor da causa foram corretamente afastadas, pois as condições processuais e de mérito estavam presentes e foram adequadamente apreciadas, à luz da teoria da asserção e das normas processuais aplicáveis. O rito especial da Lei nº 14.181/2021 para repactuação de dívidas por superendividamento somente se aplica após o reconhecimento da condição de que o consumidor esteja na impossibilidade manifesta de pagamento das dívidas de consumo, sem comprometimento do mínimo existencial, conforme definição do art. 54-A, §1º, do CDC. Os empréstimos consignados, conforme o art. 4º, parágrafo único, alínea "h", do Decreto nº 11.150/2022, são expressamente excluídos do cálculo do mínimo existencial, não sendo considerados para fins de configuração do superendividamento. O mínimo existencial, fixado em R$ 600,00 pelo Decreto nº 11.567/2023, não se confunde com a manutenção de padrão de vida anterior, devendo ser analisado à luz da subsistência digna do consumidor e não do valor de suas despesas habituais. A documentação acostada não evidencia situação de superendividamento ou comprometimento do mínimo existencial, pois, mesmo após descontos, a renda líquida remanescente da Apelante supera em muito o parâmetro normativo, inexistindo violação ao núcleo essencial de subsistência. A alegação de violação aos artigos 104-A e 104-B do CDC não prospera, pois a aplicação desses dispositivos depende do reconhecimento prévio do superendividamento, ausente na espécie. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: O procedimento especial de superendividamento exige prova de impossibilidade de pagamento das dívidas sem comprometer o mínimo existencial. Empréstimos consignados são excluídos do cálculo do mínimo existencial, conforme Decreto nº 11.150/2022, art. 4º, parágrafo único, alínea "h". Sem comprovação do superendividamento, é indevida a repactuação judicial das dívidas. Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 54-A, 104-A, 104-B; CPC, arts. 17, 292, 330, §1º, 373, I, 1.010, II; Decreto nº 11.150/2022, art. 4º, parágrafo único, alínea "h"; Decreto nº 11.567/2023, art. 3º. Jurisprudência relevante citada: TJMT, 1010756-16.2024.8.11.0006, 1000919-85.2025.8.11.0010, 1017733-84.2022.8.11.0041 R E L A T Ó R I O RELATÓRIO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA. Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de Apelação interposto por MABEL STROBEL MOREIRA DA SILVA contra sentença proferida pela 2ª Vara Especializada em Direito Bancário de Cuiabá, que julgou improcedente a Ação de Repactuação de Dívidas por Superendividamento ajuizada contra BANCO DAYCOVAL S.A e OUTROS, cuja sentença recorrida, proferida em 24/04/2025, nos seguintes termos: Vistos, etc. MABEL STROBEL MOREIRA DA SILVA,ingressou com a presenteAÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS (PROCEDIMENTO DA LEI N. 14.181/2021 – LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO)contraBANCO DAYCOVAL S.A.e outros, todos devidamente qualificados. Inicialmente, fez breve síntese da demanda, postulou pela gratuidade de justiça.Afirmouaautora que é servidora pública municipal aposentada, conforme demonstrado nos seus benefícios previdenciários anexados aos autos, percebendo mensalmente o valor bruto de R$ 14.050,88. Todavia, do valor bruto mensal recebido pela autora, são efetuados descontos obrigatórios referentes ao Imposto deRenda Retido na Fonte, que totalizam desconto superior a 35%. Afirmou ainda, que após todos os descontos consignados serem realizado, no pagamento relativo ao mês dejunho de 2024, a autora recebeu o valor líquido de R$1.944,61, o seja, somente 17% por cento de seus vencimentos líquidos, razão pela qual pugna pela limitação dos descontos no patamar de 30% do salário. E mais,a parte autora possui despesas básicas mensais no valor de R$ 6.822,54, as quais estão sendo ainda mais comprometidas devido à manifesta impossibilidade de pagá-las.Requer a LIMITAÇÃO dos descontos ao patamar máximo de 30% sobre os rendimentos líquidos da autora, apurados mês a mês; Limitar a 10% dos rendimentos líquidos da autora os gastos para operações com cartões de crédito; Limitar a 35% dos rendimentos líquidos da autora os gastos com as demais consignações; a Procedência total da Ação de Repactuação de dívidas; a inversão do ônus da prova – Id nº 161836807 - pág. 01 a 22. A Justiça gratuita foi deferida no id nº 162139018 sem a concessão da tutela. Foi designada audiência e conciliação nos termos do art. 104-Ada Lei n. 14.181/21, qual resultou infrutífera no id nº 163720800. O requerido BANCO MASTER e PKL ONE PARTICIPAÇÕES S.A apresentaram contestação no id nº 163533028 – pág. 01 a 26, alegando preliminarmente a ilegitimidade passiva da PKL ONE, eis que, o contrato foi Firmado com o BANCO MASTER. Impugnaram a gratuidade de justiça; ausência de interesse processual, pois entende quefez o uso do mesmo, tendo se beneficiado financeiramente, o que faz com que a presente demanda tenha sido proposta sem interesse processual. No mérito, postulou pela manutenção do contratado nos termos da pacta sun servanda; ausência de requisitos da tutela antecipada; manutenção dos descontos no contracheque; condenação da autora em custas e honorários; a improcedência da ação. O BANCO SANTANDER S/A, INCORPORADOR DO BANCO OLE BONSUCESSO CONSIGNADO S.A, alegou preliminarmente a ilegitimidade passiva do BANCO SANTANDER – da exclusão das dívidas de empréstimo consignado - imposição do decreto n. 11.150/22.Aventou a inépcia da inicial; a impugnação a gratuidade de justiça; impugnação ao valor da causa e mínimo existencial. No mérito, pugnou pela manutenção do contratado; impossibilidade de inversão do ônus da prova; a improcedência da ação; condenação da autora em custas e honorários – id nº 164025594 – pág. 01 a 37. O BANCO DAYCOVAL S.A apresentou contestação no id nº 164866179,alegando preliminarmente a inépcia da inicial por ausência do mínimo existencial;efeito na procuração; impugnou o valor da causa e a gratuidade de justiça. No mérito, requereu a manutenção do avençado diante da culpa exclusiva da autora no endividamento; legalidade do contratado; manutenção do Princípio do Pacta Sunt Servanda;afirma a impossibilidade de cumulação de pedido de limitação de margem no procedimento de repactuação de dívidas Da Lei Nº 14.181/2021; improcedência da ação e condenação da autora em custas e honorários. Por derradeiro, a CLICKBANK INSTITUIÇÃO DE PAGAMENTOS LTDA manifestou-se no id nº 165547566 – pág. 01 a 17, impugnando a gratuidade de justiça. No mérito, requereu a manutenção do contratado pois afirma que havia margem para a avença; o não enquadramento da lei do superendividamento, haja vista que o Decreto 691 autoriza comprometimento de 70% dos vencimentos mantendo 30% para a sobrevivência do servidor; não inversão do ônus da prova; improcedência da ação. A autora apresentou réplica rebatendo as ilações dos requeridos no id nº 165899992, 166463111 e 167607819. A autora foi intimada para regularizar a procuração outorgada ao causídico, qual aportou a referida devidamente assinado no id nº 168525325. Foi exarada sentença parcialmente procedente para reconhecer exclusivamente os descontos de consignados em 35% - id nº168536474. Contudo, o causídico do autor interpôs recurso de apelação, para: “(...)anular a sentença de primeiro grau, por inobservância do procedimento especial aplicável, determinando-se a remessa dos autos ao juízo a quo, com expressa ordem para permitir às partes a produção de provas necessárias, especialmente a perícia contábil, e posterior elaboração do plano compulsório de pagamento, conforme os arts. 104-A e 104-B do Código de Defesa do Consumidor. 2. Caso seja mantida a sentença quanto ao mérito, requer-se a reforma da sentença no tocante à fixação dos honorários de sucumbência, nos termos do art. 86 do Código de Processo Civil, com a devida repartição proporcional dos ônus sucumbenciais entre as partes.” O apelo foi conhecido e provido para anular a sentença – id nº 181482896: “Com efeito, o julgamento antecipado do processo logo após a recusa do plano apresentado pela consumidora caracteriza equívoco em relação ao procedimento. Desse modo, a inobservância as regras procedimentais previstas para a espécie, de rigor é a anulação da sentença e retorno dos autos a origem para prosseguimento da demanda nos termos estipulados pela legislação regente. Com essas considerações, tenho que restam prejudicadas as demais teses apresentadas pela apelante MABEL STROBEL MOREIRA DA SILVA, bem como, as teses apresentadas pelo apelante BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. Com essas considerações, conheço do recurso de MABEL STROBEL MOREIRA DA SILVA e DOU-LHE PROVIMENTO para anular a sentença recorrida e determinar o retorno dos autos à instância de origem para o regular processamento do feito. Declaro prejudicado o recurso de BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. Deixo de fixar honorários diante da anulação da sentença.” O autor postulou pela conversão e aplicação do plano – id nº 182748696. O acórdão foi aportado no id nº 183247661. O BANCO DAYCOVAL manifestou-se no id nº185320753. Os autos vieram conclusos. É o Relatório. Fundamento. DECIDO. Compulsando os autos, denota-se que o feito independe de produção de provas em audiência ou pericial, pois a matéria discutida é de direito e cunho documental, a ser acostadas pelas partes, no prazo delineados na Lei Processual Civil, razão pela qual, julgo antecipadamente a lide, conforme faculta o artigo 355-I do Código de Processo Civil. Assim, inviável a inversão o ônus da prova. Cumpre enfatizar ser dispensável a inversão do ônus da prova, posto que as partes acostaram documentos idôneos ao julgamento do feito. I – DA PRELIMINARES Referente à impugnação a gratuidade de Justiça, compulsando os autos, nota-se que a requerente faz jus a tal benesse, o que foi comprovado por meio do documento pertinente. Além do mais, discordando o requerido da referida concessão, deveria ter interposto o recurso cabível à época, o que não foi feito. Assim, preclusa está tal questão, razão pela qual rejeito. Quanto a ilegitimidade da PKL, como posto no id nº163533028 - Pág. 2 e 163533749 - Pág. 2, evidente que atuam em união comercial cujos descontos de CREDCESTA efetivados demonstram a legitimidade da referida, não havendo que se falar em exclusão desta.Até porque, sua resposta foi efetivada em conjunto com Banco Master S/A. No que se refere a arguição deausência de condições da ação/falta de interesse de agir, a parte autora pretende alterar cláusulas contratuais que entende abusivas, posto que trata de matéria de direito, inexistindo a inépcia da inicial como sustentada pelo requerido. No que tange a falta de interesse de agir, considerando que visa redução de descontos em folha, as quais foram devidamente discriminadas em sua peça, não merece acolhimento a preliminar, qual rejeito. Quanto a impugnação ao valor da causa, evidente que se trata do valor econômico visado pela autora, não havendo que se acolher as ilações quanto a referida questão. Não há que se considerar a alegação de ausência de interesse de agir em face da inocorrência de prévia reclamação administrativa ou inocorrência de pretensão resistida, eis que não é uma obrigatoriedade avençar extrajudicialmente, com o requerido e/ou informar que pretende demandar com o referido, haja vista que a parte demandante possui autonomia para decidir como buscar seu direito, qual entende por lesado. E em consonância ao trinômio necessidade-utilidade-adequação, rejeito a referida arguição do requerido. Referente ao defeito na procuração, a autora corrigiu tal questão com o aporte da referida devidamente assinada no id nº 168525325, assim, sobejou prejudicada a ilação. Insta consignar que as demais preliminares suscitadas entrelaçam com o mérito e merecerá análise em conjunto. II – DO MÉRITO Em que pese o v. Acórdão, a parte autora cumulou pedido de limitação de margem com repactuação da dívida. Não cabe mais na fase processual qu estavam os autos, alterar o pedido como feito pela parte autora no id n. 182748696, na fase de julgamento de recurso de sentença, que somente ocorreu a cassação, posteriormente no id n. 183247655. Tanto que a conversão no id n. 182759592, foi no sentido de converter para Cumprimento de Sentença e não do pedido inicial. Vejam o pedido inicial, a qual o julgador está adstrito: i. Assegurar a correta aplicação do art. 7º, caput, do Decreto Municipal nº 5.412, de 03 de dezembro de 2013, e suas alterações, garantindo 30% dos rendimentos líquidos da autora ii. Limitar a 10% dos rendimentos líquidos da autora os gastos com operações contraídas através de cartão de benefício consignado, que visa apoiar e facilitar a aquisição de bens e serviços no comércio local, a custos ou condições diferenciadas, oferecidos aos servidores da administração direta e indireta do Poder Executivo Municipal; iii. Limitar a 35% dos rendimentos líquidos da autora os gastos com as demais consignações; iv. Limitar a 10% dos rendimentos líquidos da autora os gastos para operações com cartões de crédito e de benefícios concedidos por entidades bancárias, ou entidades integrantes do sistema financeiro e administradoras de cartões de crédito(...)i) No mérito, a total procedência do pedido de repactuação de dívidas, tornando definitiva a tutela de urgência pleiteada, homologando, desta forma, o plano de pagamento, com a instauração da fase de superendividamento apenas com relação aos credores que não figuraram no plano voluntário; j) Sejam, ainda, condenados os requeridos ao pagamento das despesas processuais, custas e os honorários advocatícios no percentual de 20% (vinte por cento) do valor da causa. Assim, esta magistrada analisará os pedidos na inicial, sobre a limitação de descontos e repactuação de dívida. Assiste razão a parte requerida quando levanta a hipótese de impossibilidade de cumular pedido de limitação de descontos com repactuação de dívida, considerando que o rito pretendido na inicial é do que dispõe da Lei de Repctução de dívida. Portanto, resta prejudicado, por completo a pretensão de limitação de percentual em folha de pagamento, dos descontos ali efetivados pela parte requerida. No tocante ao superendividamento deve restar cristalino que é a situação de um indivíduo de boa-fé que não tem condições de pagar suas dívidas sem comprometer o mínimo existencial, consoante preceitua o art. 54-A, § 1º, do CDC, qualdefine esse conceito com olhos no consumidor. A boa-fé é elemento essencial para atendimento do pedido de superendividamento, o que no caso é bastante duvidoso, pois não foi demonstrado que sua situação financeira restou alterada após a realização dos empréstimos apresentados e tão pouco, sua vulnerabilidade, vejam que os requisitos para concessão do repactuação, devem ser observados restritivamente. Os requisitos necessários à tramitação da referida demanda, quais sejam, prova da incapacidade financeira de garantir o mínimo existencial (art. 6º, XII, 54-A, § 1º, CDC); a ausência de má-fé ou de fraude na obtenção das dívidas (art. 54-A, § 3º, e art. 104-A, § 1º, CDC), observado que esses conceitos devem ser interpretados restritiva e teleologicamente, nos moldes do que defendemos em artigo anterior; a desvinculação entre as dívidas e a aquisição de produtos ou de serviços de luxo (art. 54-A, § 3º, CDC;a não caracterização das dívidassub oculi nas seguintes exceções:crédito com garantia real, crédito de financiamento imobiliário e crédito rural (art. 54-A, § 1º, do CDC; e a apresentação de proposta de plano de pagamento (art. 104-A,caput, CDC). No presente caso, embora a parte autora demonstre desequilíbrio momentâneo entre rendimentos líquidos e compromissos financeiros, sua renda bruta mensal é elevada, e não há nos autos comprovação suficiente de que a totalidade de suas dívidas decorre de relações de consumo típicas e que se tornaram impagáveis de forma irreversível, o que não se configurou no caso concreto. Ainda mais, diante das premissas para prevenir o superendividamento e meios para reintegrar o consumidor ao mercado, qual à luz do CDC, pressupõe o comprometimento do mínimo existencial, que, por expressa determinação legal (Decreto n. 11.150 /22, em seu art. 3º, na redação atualizada pelo Decreto n. 11.567/23), considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a R$600,00 (seiscentos reais). Nesse sentido, vejamos a jurisprudência pátria acerca do tema: “Ementa: APELAÇÃO. CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. MÍNIMO EXISTENCIAL PRESERVADO . INEXISTÊNCIA DE SUPERENDIVIDAMENTO. DECRETO N. 11.150/22 . PLANO JUDICIAL COMPULSÓRIO DE PAGAMENTO DAS DÍVIDAS. DESNECESSIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1 . É cediço que a Lei n. 14.181/21, ao instituir a sistemática da prevenção ao superendividamento no Código de Defesa do Consumidor, trouxe considerável avanço na defesa da dignidade da pessoa humana, sobretudo sob a ótica da manutenção do mínimo existencial. Com efeito, a norma estabelece premissas para prevenir o superendividamento e meios para reintegrar o consumidor ao mercado . 2. O superendividamento, à luz do CDC, pressupõe o comprometimento do mínimo existencial, que, por sua vez, ante a expressa determinação legal, foi regulamentado pelo Decreto n. 11.150/22 . 3. Consoante art. 3º do Decreto n. 11 .150/22, na redação atualizada pelo Decreto n. 11.567/23, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a R$600,00 (seiscentos reais). 4 . Em que pese as controvérsias existentes acerca do valor estipulado normativamente para a definição do mínimo existencial, qualquer plano judicial de repactuação de dívidas, em desconsideração ao Decreto n. 11.150/22, teria como fundamento critérios estritamente subjetivos do agente julgador, podendo afetar, indevidamente, a segurança jurídica de relações contratuais pré-estabelecidas e, a princípio, lícitas (art. 5º, inciso XXXVI, CF) . 5. A apuração da preservação ou do não comprometimento do mínimo existencial, nos termos do § 1º do art. 3º do Decreto n. 11 .150/22, deve ser realizada considerando as parcelas dos débitos vencidos e a vencer no mesmo mês, e não o saldo total da dívida. 6. O Decreto n. 11 .150/22 se aplica aos casos anteriores a sua entrada em vigor, a teor do disposto no art. 3º da Lei n. 14.181/21, a qual regulamenta . 7. Consoante sistemática instaurada pelo CDC, o procedimento da repactuação de dívidas se inicia pela conciliação entre o devedor e todos os seus credores, em que é apresentado um plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos. Somente após e infrutífera a transação, o magistrado intervirá no tocante à revisão e integração dos contratos, bem como ao ajustamento dos débitos, sendo o caso, por meio de plano judicial compulsório. 8 . Na hipótese não se revela o comprometimento do mínimo existencial da autora, em razão o saldo remanescente da sua remuneração, após o desconto das prestações dos empréstimos contraídos, ser acima do limite estabelecido no Decreto n. 11.150/22. 9 . Se não verificado o superendividamento, nos termos das normas supracitadas, escorreita a r. sentença proferida, que indeferiu o pedido da autora de repactuação das dívidas. 10. Recurso conhecido e desprovido . (TJ-DF 0735314-25.2022.8.07 .0001 1782894, Relator.: SANDRA REVES, Data de Julgamento: 08/11/2023, 7ª Turma Cível, Data de Publicação: 30/11/2023)” E mais: “A Lei n. 14.181/2021 foi instituída para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e estabeleceu a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e de tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, por meio da revisão e da repactuação da dívida. 2.Para que seja instaurado o procedimento de repactuação das dívidas, deve estar evidenciada a situação de superendividamento do consumidor, com a impossibilidade de arcar com todas as dívidas que contraiu sem comprometer o mínimo para a sua sobrevivência. 3.De acordo com o Decreto n. 11.567/23, considera-se mínimo existencial do consumidor a renda mensal correspondente R$ 600,00 (seiscentos reais).A apuração da situação de superendividamento deve ser obtida considerando-se a renda total mensal do consumidor em conjunto com as dívidas vencidas e vincendas dos meses correspondentes.” (Grifamos). Acórdão 1952228, 0731095-60.2022.8.07.0003, Relator(a): SONÍRIA ROCHA CAMPOS D'ASSUNÇÃO, 6ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 11/12/2024, publicado no DJe: 13/12/2024.” In casu, o pedido da autora consigna que recebe BRUTO quantia de R$14.050,88 e LÍQUIDO R$ 10.435,96, pontuando suas despesas na seguinte ordem: Consignou que é necessária a imposição do PLANO DE PAGAMENTO de id nº 161836807 – pág. 07,para conseguir custear suas despesas, qual se viu obrigada a contrair, nos últimos anos, diversos empréstimos consignados, além empréstimos pessoais, além de despesas pessoais fixas e necessárias, somando-se aos descontos obrigatórios em contracheque o autor tem sua renda líquida comprometida. Entretanto, analisando o feito, distante da margem de vulnerabilidade considerando a média salarial brasileira e, suas despesas essenciais não a deixam em situação a fazer “jus” ao benefício de repactuação, posto que, mesmo o plano de saúde poderia adaptar aos custos de seu salário. Ainda, inexiste nos autos, comprovação de que a parte autora tenha alterado sua situação financeira salarial após as contratações e descontos em folha de pagamento, portanto, antes de efetivá-los, deveria cuidar da saúde financeira, pois a referida leipossui requisitos restritivos para concessão da medida e no caso, vislumbro ausentes ao pedido do autor, pois sua mensal lhe garante dignidade cobrindo suas despesas essenciais, com sobrevivência digna. Assim, resta descaracterizado o estado de insolvência, cujo requisito é que as dívidas excedam a importância dos bens do devedor, se evidenciado que este, conquanto em situação de superendividamento, consegue adimplir regularmente, mês a mês, seja por meio de desconto em folha, seja em conta corrente, com as parcelas decorrentes dos mútuos assumidos perante as instituições financeiras. (TJ-DF 07012504420228070015 1655204, Relator.: CRUZ MACEDO, Data de Julgamento: 25/01/2023, 7ª Turma Cível, Data de Publicação: 14/02/2023) Não cabe no caso aplicar o Plano judicial compulsório, disposto no Art. 104-B da Lei de repactuação de Dívidas: Aqui não estamos a tratar do direito de percentual mínimo de descontos em folha de pagamento, por empréstimos ou cartão consignado, qual não é o pedido inicial, mas sim, apurar a existência dos requisitos legais para aplicar a repactuação de dívida, que neste caso, não restaram comprovadas. Insta salientar que as dívidas que compõem o conceito nacional de superendividamento são apenas aquelas “de consumo”, o que afasta a possibilidade de aplicação da lei a débitos de qualquer outra natureza (ainda que devam ser considerados durante o procedimento para fins de se apurar a real situação financeira do consumidor, e buscar uma solução que propicie a reinserção social, não poderão integrar o plano de pagamento, nem ser objeto de revisão e integração dos contratos, como estabelece o artigo 104-B do CDC). E, de fato, não há comprovação de que as dívidas sejam todas de natureza estritamente consumerista, o que impede sua submissão integral ao regime de repactuação previsto na lei, qualrestringe o procedimento às dívidas de consumo típicas (CDC, art. 104-A, §1º). Também não se aplica aos débitos decorrentes de produtos ou serviços de luxo e de alto valor – a exclusão vem expressa no artigo 54-A, § 3º, e tem relação direta com os objetivos que com a Lei 14.181/21 procura atender (em especial a educação financeira a e inclusão social, como decorrências do princípio da dignidade da pessoa humana).Ausentes os requisitos legais para o uso do procedimento de repactuação de dívidas, resta prejudicada a análise dos demais argumentos de mérito suscitados pelo autor, referentes à responsabilidade dos requeridos pela concessão do crédito, à ausência de prova de dolo, à presunção de boa-fé etc. Nos autos, não há discriminação individualizada das dívidas, tampouco demonstração de que todas sejam resultantes de relações de consumo (como cartões, empréstimos pessoais, financiamentos etc.), ainda mais quanto aos contratos, que foram firmados voluntariamente, sem alegação de fato novo ou imprevisível que justificasse o inadimplemento ou comprometimento excessivo da renda, merecendo a presente demanda a improcedência. Diante do exposto e considerando o que mais consta nos autos, Julgo por Resolução de Mérito, a presenteAÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS (PROCEDIMENTO DA LEI N. 14.181/2021 – LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO)e NÃO ACOLHO o pedido inicial, com fulcro no que dispõe o artigo 487-I do Código de Processo Civil, ante a ausência dos requisitos legais previstos em Lei. Isento a parte autora das custas, despesas processuais e honorários advocatícios por estar ampara pela Justiça Gratuita. Em suas razões recursais (ID 194763867), a parte Recorrente invoca os seguintes argumentos fático-jurídicos: 1. Nulidade da sentença por inobservância do rito processual 2. Necessidade de elaboração do plano de pagamento compulsório 3. Violação aos artigos 104A e 104B do CDC 4. Compromisso excessivo de renda comprometendo o mínimo existencial Ao final, pugna pelo conhecimento e provimento do recurso para que seja reconhecida a situação de superendividamento, com revogação da sentença recorrida e remessa dos autos ao juízo a quo para instauração do processo de superendividamento e repactuação das dívidas mediante plano judicial compulsório. Recurso tempestivo (Aba Expedientes – Sentença (39650888) e preparo dispensado ante o deferimento da justiça gratuita (ID 298015369). Contrarrazões apresentadas pelos Apelados CLICKBANK (ID 295973899) e BANCO MASTER/PKL ONE PARTICIPAÇÕES (ID 295974853), pelo desprovimento recursal. Contrarrazões apresentadas por BANCO SANTANDER (ID 295974850), alegando preliminarmente ilegitimidade passiva e inépcia da inicial, e, no mérito, pelo desprovimento recursal. Contrarrazões apresentadas por BANCO DAYCOVAL (ID 295974851), alegando preliminarmente violação ao princípio da dialeticidade e impugnação ao valor da causa, e, no mérito, pelo desprovimento recursal. Não houve manifestação da Procuradoria de Justiça em razão da matéria. É o relatório. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator V O T O R E L A T O R APELANTE(S): MABEL STROBEL MOREIRA DA SILVA APELADO(S): BANCO DAYCOVAL S/A, BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A., BANCO MASTER S/A, CLICKBANK INSTITUICAO DE PAGAMENTOS LTDA e PKL ONE PARTICIPACOES S.A. VOTO – PRELIMINAR EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA. Egrégia Câmara: 1. Nulidade da sentença por inobservância do rito processual A apelante assevera existência de nulidade da sentença, afirmando que o juízo na origem não observou o rito processual da lei do superendividamento, notadamente por não ter, após a audiência de conciliação infrutífera, procedido com a abertura do procedimento de revisão e integração dos contratos. A Lei nº 14.181/2021, que acrescentou os artigos 104-A e 104-B ao Código de Defesa do Consumidor, estabeleceu procedimento específico para o tratamento do consumidor superendividado, dividido em duas fases. Na primeira fase, instaurado o processo de repactuação de dívidas, realiza-se audiência conciliatória para tentativa de acordo entre o consumidor e seus credores. Fracassada a conciliação, inicia-se a segunda fase, mediante requerimento do consumidor, em que o juiz deve instaurar o processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos, com a nomeação de administrador para elaboração de plano judicial compulsório. No caso dos autos, constata-se que, após a realização da audiência conciliatória infrutífera (ID 163720800), o juízo de primeiro grau proferiu sentença de improcedência, sem dar sequência ao procedimento previsto no art. 104-B do CDC, que estabelece: "Art. 104-B. Se não houver êxito na conciliação em relação a quaisquer credores, o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório e procederá à citação de todos os credores cujos créditos não tenham integrado o acordo porventura celebrado." Nesse sentido, observa-se que, após a audiência conciliatória infrutífera, a Apelante expressamente requereu a instauração do processo de superendividamento para revisão e integração dos contratos (ID 182748696). Contudo, apesar de constatar aparente inobservância procedimental, não se pode olvidar que o próprio art. 104-A, §1º do CDC condiciona a instauração do processo de repactuação de dívidas à configuração do estado de superendividamento, conforme definição do art. 54-A, §1º do mesmo diploma: "Art. 54-A. [...] §1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação. No caso em análise, o juízo sentenciante fundamentou sua decisão justamente na ausência dos requisitos caracterizadores do superendividamento, verificando que a Apelante, servidora pública aposentada com remuneração bruta mensal de R$ 14.050,88, não se enquadra na condição de superendividamento que comprometa seu mínimo existencial. O Decreto nº 11.567/2023, que regulamenta o conceito de mínimo existencial para fins de aplicação da Lei do Superendividamento, estabelece em seu art. 3º que "considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a R$ 600,00 (seiscentos reais)". Além disso, o Decreto nº 11.150/2022, em seu art. 4º, parágrafo único, alínea "h", estabelece expressamente que "excluem-se ainda da aferição da preservação e do não comprometimento do mínimo existencial [...] as parcelas das dívidas [...] decorrentes de operação de crédito consignado regido por lei específica", sendo que a sentença considerou como a existência de mínimo existencial R$3.130,78 (três mil cento e trinta reais e setenta e oito centavos). Portanto, não há nulidade processual quando o juiz, ao analisar o caso concreto, concluiu, ainda que de forma diversa da pretendida pela requerente, a ausência dos pressupostos legais para o prosseguimento do rito especial da repactuação de dívidas, notadamente quando constata que o consumidor não se enquadra no conceito legal de superendividado. Das preliminares em contrarrazões de BANCO SANTANDER Ilegitimidade passiva do Banco Santander A parte Apelada alega que não possui legitimidade para figurar no polo passivo da demanda, uma vez que os débitos que a Recorrente possui com ela não se sujeitam à repactuação das dívidas previstas na lei do superendividamento. Como é cediço, pela teoria da asserção, a legitimidade de parte deve ser aferida com base nas alegações formuladas na petição inicial, observando-se a narrativa dos fatos apresentados pelo autor. Conforme disposto no artigo 17 do Código de Processo Civil, são legitimados a propor ação aqueles que possuem interesse processual e legitimidade para tanto. Sobre o tema, ensina a doutrina processual que as condições da ação devem ser aferidas in status assertionis, isto é, à vista das afirmações do demandante, sem tomar em conta as provas produzidas no processo. Havendo manifesta ilegitimidade para causa, quando o autor carecer de interesse processual ou quando o pedido for juridicamente impossível, pode ocorrer o indeferimento da petição inicial com extinção do processo sem resolução de mérito. Todavia, se o órgão jurisdicional, levando em consideração as provas produzidas no processo, convence-se da ilegitimidade da parte, da ausência de interesse do autor ou da impossibilidade jurídica do pedido, há resolução de mérito. Nesse passo, o que se afirma na exordial e a realidade vertente dos autos tratam do mérito e devem ser enfrentadas em sede de eventual procedência ou improcedência da demanda, à luz da teoria da asserção. A teoria da asserção defende que as questões relacionadas às condições da ação, como a legitimidade passiva, são aferidas à luz do que o autor afirma na petição inicial, adstritas ao exame da possibilidade, em tese, da existência do vínculo jurídico-obrigacional entre as partes, e não do direito provado. Ocorre que, no caso em tela, conforme a teoria da asserção, não há que se falar em manifesta ilegitimidade passiva, pois, verifica-se, in status assertionis, que a instituição financeira apelante é credora em contrato de mútuo com alienação fiduciária a envolver exatamente o veículo adquirido pela parte autora e em sua posse. Com efeito, a documentação carreada aos autos demonstra que a parte autora possui pelo menos 04 (quatro) empréstimo com a Recorrida, quais sejam: 777 - CONSIG. BANCO DAYCOVAL - PARCELA 11/120 0,00 0,00 150,24; 095 - CONSIG.BCO. SANTANDER - PARCELA 15/96 0,00 0,00 324,75; 095 - CONSIG.BCO. SANTANDER - PARCELA 21/120 0,00 0,00 2.307,58; e, 095 - CONSIG.BCO. SANTANDER - PARCELA 23/120 0,00 0,00 800,00, conforme holerites (ID. 249732189). A questão levantada pela Recorrida acerca da possibilidade de inclusão ou não de tais contratos no âmbito do procedimento de superendividamento é questão de mérito. Tal situação configura motivo legitimo para análise de risco de lesão a direito da parte autora a justificar a legitimidade passiva da instituição financeira. Nesse sentido: EMENTA DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. SUPERENDIVIDAMENTO. PRELIMINARES. INÉPCIA. DIALETICIDADE. ILEGITIMIDADE. IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA. REJEITADAS. MÉRITO. REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. MÍNIMO EXISTENCIAL COMPROMETIDO. APLICAÇÃO DA LEI Nº 14.181/2021. RECONHECIMENTO DO SUPERENDIVIDAMENTO. AUTORIZAÇÃO DA FASE JUDICIAL DO PROCEDIMENTO DE REPACTUAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. PROVIMENTO DO RECURSO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta por consumidor contra sentença que julgou improcedente ação de repactuação de dívidas fundada na Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/2021), sob o fundamento de ausência de comprometimento do mínimo existencial e inaplicabilidade da norma a contratos de empréstimo consignado. O autor, pensionista com renda líquida de R$ 10.745,30, alegou estar em situação de déficit mensal de R$ 92,36 após pagamento de dívidas bancárias que totalizam R$ 6.442,66 e despesas básicas de R$ 4.395,00. Pleiteou reconhecimento da condição de superendividado e autorização para apresentação de plano de pagamento judicial. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há quatro questões em discussão: (i) verificar se a inicial atende aos requisitos legais e se há inépcia; (ii) determinar se estão presentes os pressupostos do superendividamento nos termos do art. 54-A, § 1º, do CDC; (iii) definir se os empréstimos consignados podem ser incluídos no procedimento de repactuação de dívidas; (iv) analisar se o mínimo existencial do consumidor foi efetivamente comprometido. III. RAZÕES DE DECIDIR A petição inicial especifica os débitos, apresenta plano de pagamento e documentação pertinente, preenchendo os requisitos legais dos arts. 319, 320 e 330, § 1º, do CPC, razão pela qual se afasta a alegação de inépcia. A apelação ataca diretamente os fundamentos da sentença, não havendo violação ao princípio da dialeticidade (CPC, art. 1.010, II e III), conforme jurisprudência consolidada do STJ. A alegação de ilegitimidade passiva não prospera, pois a relação jurídica com os réus estava vigente ao tempo da propositura da ação, sendo necessária sua presença para adequada repactuação das dívidas, ainda que tenha ocorrido portabilidade posterior. O valor da causa reflete corretamente o conteúdo econômico da demanda, qual seja, a repactuação global das dívidas, nos termos do art. 292, I e II, do CPC. A Lei nº 14.181/2021, que introduziu os arts. 54-A e 104-A e B ao CDC, prevê procedimento especial para repactuação de dívidas do consumidor superendividado, inclusive com possibilidade de inclusão de dívidas com desconto em folha. O superendividamento se caracteriza pela impossibilidade de o consumidor, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo sem comprometer o mínimo existencial (CDC, art. 54-A, § 1º), o que se verifica no caso concreto, em que os descontos bancários comprometem 59% da renda líquida do autor, restando-lhe quantia inferior às suas despesas básicas. O Decreto nº 11.150/2022, ao fixar o mínimo existencial em R$ 600,00, não esgota o conceito constitucional de dignidade da pessoa humana e deve ser interpretado de forma casuística, conforme jurisprudência atualizada. A exclusão dos empréstimos consignados da aferição do mínimo existencial (art. 4º, parágrafo único, I, “h”, do Decreto nº 11.150/2022) não implica exclusão do procedimento especial de repactuação previsto no CDC. A boa-fé do consumidor se presume na ausência de indícios de fraude ou aquisição de bens supérfluos, sendo o desconto automático em folha indicativo da intenção de cumprir os contratos. O comprometimento superior a 50% da renda líquida com dívidas justifica a aplicação do procedimento de repactuação judicial, com fixação de limite de 35% como parâmetro razoável e proporcional, conforme jurisprudência dominante. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso provido. Tese de julgamento: A ação de repactuação de dívidas fundada na Lei nº 14.181/2021 não é inepta quando acompanhada de discriminação dos débitos e plano de pagamento. A existência de empréstimos consignados não impede a caracterização do superendividamento nem a inclusão dessas dívidas no procedimento de repactuação previsto no CDC. A aferição do mínimo existencial deve considerar a realidade financeira do consumidor e não se limita ao valor fixado em decreto regulamentador. O comprometimento excessivo da renda líquida com dívidas bancárias caracteriza superendividamento quando inviabiliza a subsistência digna do consumidor. A repactuação judicial deve respeitar o prazo máximo de cinco anos e assegurar o mínimo existencial de forma casuística, observando-se a boa-fé do devedor. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 1º, III; CDC, arts. 54-A, 104-A e 104-B; CPC, arts. 292, 319, 320, 330 e 1.010; Decreto nº 11.150/2022, arts. 3º e 4º. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 1823145/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe 11.10.2019; STJ, AgInt no AREsp 976.892/GO, Rel. Min. Raul Araújo, DJe 29.08.2017; TJDFT, ApCiv 0738717-36.2021.8.07.0001, Rel. Des. Robson Teixeira de Freitas, j. 09.05.2024; TJMT, ApCiv 1020391-47.2023.8.11.0041, Rel. Des. Serly Marcondes Alves, j. 12.03.2025. (N.U 1010756-16.2024.8.11.0006, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 19/06/2025, Publicado no DJE 19/06/2025) (grifo nosso) Deste modo, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva. Inépcia da inicial A Apelada aventa a preliminar de inépcia da petição inicial, ao argumento de que as alegações autorais estão desacompanhadas de documentos essenciais que possam autorizar o prosseguimento do procedimento de repactuação de dívidas. Sabe-se que a petição inicial somente será considerada inepta quando presente alguma das hipóteses previstas no artigo 330, § 1º, do Código de Processo Civil. Veja-se: Art. 330. A petição inicial será indeferida quando: § 1º Considera-se inepta a petição inicial quando: I - lhe faltar pedido ou causa de pedir; II - o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; III - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV - contiver pedidos incompatíveis entre si. Na hipótese, verifica-se que a suposta ausência de provas e documentos essenciais confunde-se com o próprio mérito da demanda de repactuação de dívidas, não podendo ser utilizada como fundamento para sustentar a inépcia da petição inicial. Destarte, considerando que a peça inaugural contém pedido expresso e determinado, causa de pedir devidamente delineada, fatos juridicamente possíveis e logicamente conexos, além de estar instruída com a documentação essencial, rejeito a preliminar arguida. Das preliminares em contrarrazões de BANCO DAYCOVAL Violação ao princípio da dialeticidade Rejeito tal preliminar, eis que, as razões recursais abordam, detalhadamente, todos os pontos fático-jurídicos expostos no r. decisum fustigado, e não mera reprodução da peça inicial e impugnatória. Ademais, não há ausência de dialeticidade se as razões expostas pelo apelante combatem fundamentos da sentença, como determina o art. 1.010, II do Código de Processo Civil. Por tais razões rejeito a preliminar. Impugnação ao valor da causa A apelada apresenta impugnação ao valor da causa, arguindo que o valor destacado pela parte autora não representa a quantia adequada, devendo, portanto, ser minorada. O valor da causa deve refletir o conteúdo econômico da demanda. Na hipótese dos autos, o pedido principal consiste na repactuação do conjunto de dívidas contraídas pelo apelante junto às instituições financeiras demandadas. Tratando-se de ação fundada na Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/2021), que visa à reestruturação global do passivo do consumidor mediante plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, o valor da causa deve corresponder ao montante integral das dívidas cuja repactuação se pretende, conforme disposto no art. 292, incisos I e II, do Código de Processo Civil. Ademais, não se trata de mera revisão contratual com limitação percentual de descontos, mas de procedimento especial que objetiva o tratamento do superendividamento em sua totalidade, com repercussão direta sobre o valor integral dos débitos. Portanto, considerando que a pretensão autoral versa sobre limitação do percentual dos descontos na folha de pagamento do consumidor, o proveito econômico perseguido na demanda equivale ao somatório dos valores das parcelas dos contratos que a autora, ora apelante, pretende modificar, de modo que o valor da causa deverá referir-se a todo o montante que será suspenso em razão da modificação da margem consignável, em conformidade com o que preceitua o ordenamento jurídico e a jurisprudência. Conforme plano de repactuação de dívidas acostado pela requerente junto (ID. 249732242), o valor total das dívidas corresponde ao valor da causa dado pela autora. Rejeito, portanto, a impugnação ao valor da causa. É como voto. VOTO – MÉRITO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA. Egrégia Câmara: De proêmio, consigno que o presente comporta juízo de admissibilidade positivo, em relação aos requisitos extrínsecos e intrínsecos da espécie recursal. Reitero se tratar de recurso de recurso de apelação interposto por MABEL STROBEL MOREIRA DA SILVA contra sentença que julgou improcedente a ação de repactuação de dívidas por superendividamento movida em face de BANCO DAYCOVAL S/A, BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A., BANCO MASTER S/A, CLICKBANK INSTITUICAO DE PAGAMENTOS LTDA e PKL ONE PARTICIPACOES S.A., fundamentando-se na ausência de comprovação dos requisitos legais previstos na Lei nº 14.181/2021. A parte Apelante, em suma, alega que houve nulidade processual por inobservância do procedimento especial previsto na legislação do superendividamento. Sustenta que, após a audiência conciliatória infrutífera, cabia ao magistrado nomear administrador para elaboração de plano judicial compulsório de pagamento, conforme dispõem os artigos 104-A e 104-B do CDC. Argumenta, ainda, que sua renda está severamente comprometida pelos empréstimos consignados, afetando seu mínimo existencial, pois após os descontos resta-lhe apenas 17% de seus vencimentos líquidos. Ao final, requer a anulação da sentença e remessa dos autos ao juízo de origem para adequado processamento da repactuação das dívidas. O BANCO DAYCOVAL sustenta que em contrarrazões que a Apelante não se enquadra no conceito legal de superendividamento, pois mesmo após todos os descontos, mantém rendimento líquido significativamente superior ao mínimo existencial de R$600,00 estabelecido pelo Decreto nº 11.567/2023. Argumenta que os empréstimos consignados são expressamente excluídos da aferição do mínimo existencial conforme o Decreto nº 11.150/2022, art. 4º, parágrafo único, alínea "h". Defende ainda a impossibilidade de cumulação do pedido de limitação de margem com o procedimento de repactuação de dívidas, dada a incompatibilidade de ritos processuais, e afirma que o magistrado agiu corretamente ao julgar improcedente o pedido, pois já dispunha de elementos suficientes para concluir pela ausência dos requisitos caracterizadores do superendividamento. O BANCO SANTANDER, por sua vez, sustenta que a Apelante não comprovou qualquer alteração em sua situação financeira ou evento imprevisível que justificasse a repactuação, defendendo a manutenção dos contratos validamente firmados com base no princípio pacta sunt servanda, que não é completamente afastado mesmo em relações consumeristas. A CLICKBANK, por sua parte, defende a prevalência da sentença recorrida, argumentando que o magistrado observou corretamente os ditames materiais e processuais para sua prolação. Invoca o Decreto nº 691/2016 do Estado de Mato Grosso, que autoriza o comprometimento de até 70% dos vencimentos, garantindo ao servidor o direito de receber mensalmente 30% de sua remuneração, e afirma que as deduções no salário da Apelante respeitam os limites legais estabelecidos. Reforça o princípio do pacta sunt servanda, defendendo que o negócio firmado foi pautado nos princípios legais das relações de consumo, com termos claros e acessíveis à Apelante. Por fim, o BANCO MASTER e a PKL ONE PARTICIPAÇÕES esclarecem que seus produtos não são empréstimos consignados, mas cartões de benefícios CREDCESTA, que possuem regulamentação própria. Sustentam que a Apelante foi devidamente informada sobre todas as condições de contratação e que os descontos realizados respeitam o limite de 10% da remuneração líquida estabelecido pelo Decreto nº 691/2016, alterado pelo Decreto nº 257/2023. Invocam a teoria do venire contra factum proprium, alegando que a Apelante age contra seus próprios atos ao questionar contratos livremente celebrados, o que representa quebra dos princípios da lealdade, confiança e boa-fé. Defendem ainda a ausência de qualquer vício de consentimento, destacando que as quantias contratadas foram efetivamente disponibilizadas mediante crédito em conta corrente, e que o mero arrependimento posterior não justifica a anulação contratual. Passo à análise das teses recursais. 2. Necessidade de elaboração do plano de pagamento compulsório A Recorrente alega que se encontra em situação de superendividamento, com fundamento no art. 54-A, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, motivo pelo qual restou demonstrado os requisitos legais para a instauração do procedimento especial previsto pela Lei nº 14.181/2021. A lei acima mencionada, que alterou o CDC para incluir o Art. 54-A, § 1º, define que a circunstância de superendividamento deve ser entendida como “a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação”. Assim, para que seja reconhecido o direito à repactuação global das dívidas sob o procedimento especial, é necessário comprovar cumulativamente o que dispõe o Art. 104-A, Caput e §1ºdo CDC, quais sejam: a) condição de consumidor pessoa natural; b) existência de dívidas civis de consumo, excluídas aquelas com garantia real, financiamentos imobiliários e rurais, tributos, alimentos e produtos ou serviços de luxo; c) impossibilidade de quitação integral sem comprometimento do mínimo existencial; d) boa-fé objetiva do devedor e a ausência de fraude, dolo ou má-fé; e, e) apresentação de plano de pagamento, nos termos do art. 104-A do CDC. No caso em exame, observa-se que a autora, consumidora pessoa natural de boa-fé, sem indicação de fraude, dolo ou má-fé, possui diversas dívidas civis de consumo, apresentou comprovantes de rendimento (ID. 249732189) informando alto comprometimento da renda líquida com descontos mensais referentes a contratos de empréstimo e apresentou plano de pagamento (ID. 249732242). Todavia, não se verifica nos autos a demonstração analítica do quadro de dívidas exigíveis e vincendas, tampouco o detalhamento do mínimo existencial nos moldes da lei do superendividamento. Explico. Considerando que o termo mínimo existencial se trata de conceito aberto trazido pela legislação, sobreveio o Decreto nº 11.150/2022 com a definição deste termo ao caso concreto, sendo que a partir da edição do Decreto nº 11.567/2023 houve a estipulação do valor de R$ 600,00 (seiscentos reais) mensais como referência mínima. Por sua vez, o Decreto nº 11.150/2022 dispôs também devem ser excluídos para fins de aferição do mínimo existencial as dívidas decorrentes de empréstimos e créditos que não guardem relação direta com o consumo de bens e serviços, apresentando, ainda, o rol de dívidas que não podem ser aferidos para análise de qual seria o montante do mínimo existencial do consumidor alegadamente superendividado, conforme: “Art. 4º Não serão computados na aferição da preservação e do não comprometimento do mínimo existencial as dívidas e os limites de créditos não afetos ao consumo. Parágrafo único. Excluem-se ainda da aferição da preservação e do não comprometimento do mínimo existencial: I - as parcelas das dívidas: a) relativas a financiamento e refinanciamento imobiliário; b) decorrentes de empréstimos e financiamentos com garantias reais; c) decorrentes de contratos de crédito garantidos por meio de fiança ou com aval; d) decorrentes de operações de crédito rural; e) contratadas para o financiamento da atividade empreendedora ou produtiva, inclusive aquelas subsidiadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES; f) anteriormente renegociadas na forma do disposto no Capítulo V do Título III da Lei nº 8.078, de 1990; g) de tributos e despesas condominiais vinculadas a imóveis e móveis de propriedade do consumidor; h) decorrentes de operação de crédito consignado regido por lei específica; e i) decorrentes de operações de crédito com antecipação, desconto e cessão, inclusive fiduciária, de saldos financeiros, de créditos e de direitos constituídos ou a constituir, inclusive por meio de endosso ou empenho de títulos ou outros instrumentos representativos; II - os limites de crédito não utilizados associados a conta de pagamento pós-paga; e III - os limites disponíveis não utilizados de cheque especial e de linhas de crédito pré-aprovadas.” Da detida análise dos contratos firmados pela Autora/Recorrente, verifica-se que esta celebrou diversos contratos de crédito junto às rés, quais sejam Cartão de Crédito ClickBank R$ 931,60, Consignado Banco Daycoval R$ 150,20, Consignado Banco Santander R$ 324,75, Consignado Banco Santander R$ 2.307,58, Consignado Banco Santander R$ 800,00, Credcesta Saque R$ 48,10 e Credcesta Saque R$ 462,74, abrangendo tanto operações consignadas quanto empréstimos pessoais sem consignação em folha, além de operações relacionadas a cartão de crédito. Essas dívidas, representando diferentes modalidades de crédito, devem ser criteriosamente avaliadas para fins de inclusão ou exclusão no cômputo do mínimo existencial, conforme os parâmetros legais e regulamentares aplicáveis à matéria do superendividamento e à proteção do consumidor. Os contratos firmados junto ao BANCO DAYCOVAL e BANCO SANTANDER, nos termos da Lei 10.820/2003, trata-se de parcelas consignadas em folha de pagamento e sujeitam-se ao limite legal de comprometimento da renda líquida, razão pela qual a limitação encontra respaldo apenas na legislação específica dos consignados. Em razão disso, considerando que os descontos dos contratos acima realizados são realizados diretamente dos proventos do Autora, conforme prova feita nos autos (ID. 249732189), tais valores não são incluídos no cômputo do mínimo existencial para fins de superendividamento, tampouco no plano de repactuação compulsória. Deste modo, ainda que se excluísse todos os valores referente a Imposto de Renda, ASPE UNIMED, ASPE-DESPESA, Cartão de crédito Clickbank e Credcesta Compra, a Recorrente teria como valor liquido a quantia de R$ 8.334,90. A partir do que diz a lei consumerista, somente haverá superendividamento quando houver impossibilidade de liquidação pelo consumidor pessoa física de boa-fé de dívidas de consumo que não comprometam o mínimo existencial, excluídas as hipóteses já mencionadas. Da mesma forma, importa o registro que de acordo com o Art. 3, §1º a apuração do comprometimento existencial deve ser feita com base mensal, a partir de uma análise entre a renda do consumidor e as parcelas vencidas e a vencer no mesmo mês. Dessa forma, a despeito da caracterização dos contratos como dívidas típicas de consumo, não se extrai dos autos prova inequívoca da ocorrência de situação de superendividamento ou violação ao mínimo existencial da Recorrente, notadamente por restar valor considerável em favor da Recorrente após a análise do mínimo existencial. Ainda que tenha havido comprometimento significativo da renda líquida da requerente os valores residuais demonstram preservação do mínimo existencial nos termos definidos pelo Decreto nº 11.567/2023. Nesse sentido: DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE SUPERENDIVIDADO. COMPROMETIMENTO DO MÍNIMO EXISTENCIAL NÃO DEMONSTRADO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta contra sentença que indeferiu a inicial e declarou extinto o feito sem resolução do mérito, em ação de repactuação de dívidas ajuizada, sob fundamento de ilegitimidade ativa por não comprovação da condição de superendividamento e ausência de documentos indispensáveis à propositura da ação. II. Questão em discussão 2. Há duas questões em discussão: (i) saber se a documentação apresentada pelo autor demonstra inequivocamente sua condição de superendividado, com comprometimento do mínimo existencial, conforme exigido pela Lei 14.181/2021; e (ii) saber se houve cerceamento de defesa pelo indeferimento liminar da inicial, sem oportunizar a complementação probatória ou a realização da audiência conciliatória prevista no art. 104-A do CDC. III. Razões de decidir 3. O conceito de superendividamento foi expressamente positivado no §1º do art. 54-A do CDC pela Lei 14.181/2021, definindo-o como a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo sem comprometer seu mínimo existencial, sendo este requisito indispensável para acesso ao procedimento especial de repactuação. 4. A documentação apresentada pelo apelante, limitada aos contracheques da Polícia Militar e do Tribunal de Justiça, demonstra renda mensal bruta de R$ 16.562,20, com renda líquida remanescente de R$ 7.537,20 após todos os descontos, valor significativamente superior ao parâmetro referencial de R$ 600,00 estabelecido pelo Decreto n. 11.567/23 como mínimo existencial. 5. A mera juntada de contracheques demonstrando existência de descontos consignados não é suficiente para configurar a situação de superendividamento, sendo necessário demonstrar que o valor remanescente é insuficiente para garantir a subsistência digna do consumidor e de sua família, o que não restou evidenciado nos autos. 6. O juízo de primeiro grau oportunizou ao autor prazo de 15 dias para emenda da inicial, momento em que poderia ter apresentado documentos mais robustos para comprovar sua condição de superendividamento, não havendo cerceamento de defesa. 7. Embora seja reconhecido que as instituições financeiras tenham melhores condições técnicas e informacionais para apresentar os contratos celebrados, a ausência dessa documentação não altera o resultado do julgamento, considerando que o indeferimento fundamentou-se primordialmente na não comprovação da condição de superendividamento. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso de apelação conhecido e desprovido. Tese de julgamento: "1. A configuração do superendividamento exige prova inequívoca de que o consumidor não consegue satisfazer suas necessidades básicas após o pagamento de dívidas, requisito indispensável para acesso ao procedimento especial da Lei 14.181/2021. 2. O valor de R$ 600,00 estabelecido pelo Decreto n. 11.567/23 como mínimo existencial deve ser interpretado como parâmetro referencial, devendo-se considerar as peculiaridades do caso concreto para aferição do comprometimento da subsistência digna." Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 54-A, §1º, 104-A e 104-B; Lei nº 14.181/2021; Decreto nº 11.567/23. Jurisprudência relevante citada: TJMT, 1034163-94.2023.8.11.0003, Rel. Des. Luiz Octávio Oliveira Saboia Ribeiro, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 15/04/2025; TJMT, 1042275-06.2021.8.11.0041, Rel. Des. Clarice Claudino da Silva, 2ª Câmara de Direito Privado, j. 16/11/2022; TJMT, 1003809-90.2024.8.11.0055, Rel. Des. Marcio Aparecido Guedes, 1ª Câmara de Direito Privado, j. 29/04/2025; TJ-DF, 07163971520238070003, Rel. Des. Leonardo Roscoe Bessa, 6ª Turma Cível, j. 19/06/2024. (N.U 1000919-85.2025.8.11.0010, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 24/06/2025, Publicado no DJE 24/06/2025) Ademais, o ônus de demonstrar, de maneira cabal, a insuficiência da renda mensal para quitação das dívidas sem comprometer a subsistência digna — nos moldes do art. 373, I, do CPC, combinado com o art. 104-A, §1º, da Lei 8.078/90 — é da consumidora superendividada, o que não se verificou no caso concreto. Deste modo, o reconhecimento da improcedência do pedido de repactuação de dívidas é medida de rigor. Assim, ausente a comprovação da condição fática de superendividamento, mostra-se escorreita a sentença que indeferiu o pedido de revisão e integração dos contratos como o requerimento de elaboração de plano judicial compulsório para reorganização das dívidas remanescentes. Como decorrência disto, a elaboração de plano judicial compulsório somente se justificaria quando reconhecida a situação de superendividamento e após esgotada a fase conciliatória sem êxito. No caso, tendo o juízo a quo concluído pela inexistência de situação caracterizadora de superendividamento, prejudicado está o prosseguimento para a segunda fase do procedimento especial. Como bem observou a magistrada sentenciante, "analisando o feito, distante da margem de vulnerabilidade considerando a média salarial brasileira e, suas despesas essenciais não a deixam em situação a fazer “jus” ao benefício de repactuação, posto que, mesmo o plano de saúde poderia adaptar aos custos de seu salário" (ID. 295973892). Ademais, a Apelante não comprovou a ocorrência de fato novo superveniente à contratação dos empréstimos que justificasse sua impossibilidade de adimplemento, requisito este implícito no conceito de boa-fé que integra a definição legal de superendividamento (art. 54-A, §1º, CDC). 3. Violação aos artigos 104A e 104B do CDC A Apelante aponta violação aos artigos 104-A e 104-B do CDC, dispositivos estes que estabelecem o procedimento especial para repactuação de dívidas do consumidor superendividado. Entretanto, a aplicação desses dispositivos pressupõe o reconhecimento prévio do estado de superendividamento, conforme definido no art. 54-A, §1º do CDC, requisito que o juízo de primeiro grau, de forma fundamentada, concluiu não estar presente no caso em análise. O superendividamento não se configura pelo simples fato de haver múltiplos descontos em folha de pagamento, mas pela impossibilidade manifesta do consumidor de boa-fé em pagar suas dívidas de consumo sem comprometer seu mínimo existencial. No caso dos autos, além da alta renda da Apelante (R$ 14.050,88 brutos), verifica-se que as dívidas que pretende repactuar referem-se a empréstimos consignados que, por expressa determinação do Decreto nº 11.150/2022, são excluídos do cálculo do mínimo existencial. Ademais, os descontos em folha decorrentes de empréstimos consignados são regulados por normas específicas, como o Decreto Municipal nº 5412/2013, que estabelece limites próprios para os servidores públicos municipais de Cuiabá. Nesse sentido, recente julgado deste Tribunal: APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO DE LIMITAÇÃO DE DESCONTOS E REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS COM BASE NA LEI N. 14.181/2021 – “LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO” - IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA CONCEDIDA AO AUTOR – CAPACIDADE FINANCEIRA NÃO DEMONSTRADA – MANUTENÇÃO - IMPUGNAÇÃO REJEITADA – AFERIÇÃO DA PRESERVAÇÃO E DO NÃO COMPROMETIMENTO DO MÍNIMO EXISTENCIAL – OPERAÇÕES DE CRÉDITO CONSIGNADO REGIDO POR LEI ESPECÍFICA – EXCLUSÃO (ART. 4º, PARÁGRAFO ÚNICO, I, “H”, DO DECRETO N. 11.150/2022) - SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO NÃO CONFIGURADA – LEI N. 14.181/21 – REQUISITO LEGAL NÃO PREENCHIDO – AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL PARA INSTAURAÇÃO DA DEMANDA - RECURSOS DOS BANCOS SANTANDER E DAYCOVAL PROVIDOS E DOS BANCOS BMG E ITAÚ UNIBANCO PREJUDICADOS. (N.U 1017733-84.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Vice-Presidência, Julgado em 19/07/2024, Publicado no DJE 19/07/2024) Assim, inexiste qualquer violação aos dispositivos em discussão. 4. Compromisso excessivo de renda comprometendo o mínimo existencial A Apelante sustenta, ainda, que possui sua renda excessivamente comprometida pelos descontos em folha, restando-lhe apenas 17% dos vencimentos líquidos, o que comprometeria seu mínimo existencial. Contudo, analisando os documentos juntados aos autos, verifica-se que, mesmo após todos os descontos, a Apelante ainda recebe valor mensal significativamente superior ao considerado como mínimo existencial pelo Decreto nº 11.567/2023 (R$ 600,00), não se configurando, portanto, a situação de impossibilidade manifesta de pagamento das dívidas sem comprometer o mínimo existencial. Além disso, conforme já mencionado, mas que, por questão de coerência repito, as dívidas decorrentes de operações de crédito consignado são regidas por legislação específica e excluídas expressamente da aferição do mínimo existencial pelo art. 4º, parágrafo único, alínea "h" do Decreto nº 11.150/2022. Vale ressaltar que o mínimo existencial não se confunde com a manutenção do padrão de vida anterior à situação de endividamento, posto que o que se visa preservar é a subsistência digna do consumidor e não o mesmo padrão de consumo que eventualmente o levou à situação de endividamento. No caso em análise, a Apelante informou despesas mensais como financiamento habitacional de R$ 3.473,70, condomínio de R$ 807,53 e plano de saúde de R$ 1.437,28, valores que somam mais de R$ 5.700,00, superando em muito o mínimo existencial estabelecido pelo decreto regulamentador. Tais despesas, embora possam ser consideradas razoáveis diante da renda da Apelante, não caracterizam necessariamente o mínimo essencial à subsistência digna que a Lei do Superendividamento visa proteger. Por fim, destaco que a Lei do Superendividamento não tem o condão de exonerar o devedor das obrigações validamente contraídas, mas de viabilizar uma repactuação que permita o pagamento das dívidas sem comprometer sua subsistência mínima, o que não se mostrou necessário no presente caso. Conclusão. Por essas razões, conheço do recurso de Apelação Cível, rejeitando as preliminares, e, no mérito, NEGO-LHE PROVIMENTO, mantendo-se, na integralidade, a r. sentença fustigada. Sem majoração de honorários, visto que não foram fixados no 1º grau. É como voto. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 22/07/2025
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