Processo nº 1000858-53.2023.8.11.0025
ID: 292166142
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara Criminal
Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
Nº Processo: 1000858-53.2023.8.11.0025
Data de Disponibilização:
09/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CAIO FERNANDO GIANINI LEITE
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000858-53.2023.8.11.0025 Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Assunto: [Homicídio Qualificado] Relator: Des(a). RUI R…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000858-53.2023.8.11.0025 Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Assunto: [Homicídio Qualificado] Relator: Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). RUI RAMOS RIBEIRO, DES(A). JORGE LUIZ TADEU RODRIGUES, DES(A). JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT DUARTE] Parte(s): [GABRIEL CORDEIRO DA SILVA - CPF: 060.879.631-03 (RECORRENTE), JOAO PAULO GUEDES DA SILVA - CPF: 014.068.431-05 (RECORRENTE), CAIO FERNANDO GIANINI LEITE - CPF: 248.451.428-05 (ADVOGADO), JOAO VITOR GRANJA - CPF: 705.767.651-47 (RECORRENTE), POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (RECORRIDO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (RECORRIDO), MAGNO COSME DE LIZ - CPF: 019.481.181-65 (VÍTIMA), JOHN LENNON DE SOUZA CUNHA - CPF: 030.937.371-92 (TERCEIRO INTERESSADO), JOAO BATISTA DA SILVA JUNIOR - CPF: 045.057.921-29 (TERCEIRO INTERESSADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUI RAMOS RIBEIRO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A “RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – TRIBUNAL DO JÚRI – SENTENÇA DE PRONÚNCIA– CRIMES PREVISTOS NO ART. 121, § 2º INCISOS I, IV E V C/C ART. 14, INCISO II C/C ART. 29 TODOS DO CP E ART. 2, § 2º DA LEI Nº 12.850/13 – PLURALIDADE DE RECORRENTES – PRELIMINAR DA PGJ – DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO – OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE – FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA E NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO– INVIABILIDADE – FLEXIBILIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL – RECURSO QUE VISA À DEFESA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS DO RÉU – PRELIMINAR REJEITADA – MÉRITO – IMPRONÚNCIA – INCONFORMISMO DO PRIMEIRO E SEGUNDO RECORRENTES – IMPRONÚNCIA POR AUSÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA POR AUSÊNCIA DE PROVAS CONCRETAS DE SUA PARTICIPAÇÃO NOS CRIMES EM APURAÇÃO – INVIABILIDADE – PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA PARA EMBASAR A DECISÃO DE PRONÚNCIA – FASE DA PRONÚNCIA – MERO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE –FORTES INDÍCIOS DAS PRÁTICAS DOS CRIMES EM QUESTÃO – ANÁLISE RESERVADA AO CONSELHO DE SENTENÇA – EXCLUSÃO DAS QUALIFICADORAS DO MOTIVO TORPE, RECURSO DE DIFICULTOU DEFESA DA VÍTIMA (DISSIMULAÇÃO E SUPERIORIDADE NUMÉRICA) E QUALIFICADORA PARA ASSEGURAR VANTAGEM EM OUTRO CRIME – IMPOSSIBILIDADE – NÃO SE APRESENTAM MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTES – ENUNCIADO ORIENTATIVO N.º 02 DO TJMT – SUBMISSÃO AO CONSELHO DE SENTENÇA – COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI – ABSOLVIÇÃO QUANTO AOS CRIMES CONEXOS [ART. 2, § 2º DA LEI Nº 12.850/13] – IMPROCEDÊNCIA – PRONÚNCIA MANTIDA – RECURSOS DESPROVIDO É possível flexibilizar o princípio da dialeticidade recursal quando o recurso visa à defesa de direitos fundamentais do réu, bem como, por lhe estar assegurado o direito constitucional ao duplo grau de jurisdição, previsto na constituição federal, em seu art. 5º, inc. LV. A pronúncia não se traduz em juízo de mérito, mas apenas de admissibilidade da acusação, direcionando o julgamento da causa para o Tribunal do Júri, órgão competente para julgar os crimes dolosos contra a vida. O Enunciado Orientativo n.º 02 do TJMT: “Somente se admite a exclusão das qualificadoras na pronúncia quando manifestamente improcedentes, sob pena de se suprimir a competência constitucional do Tribunal do Júri.” R E L A T Ó R I O Recursos em sentido estrito interpostos por JOÃO VITOR GRANJA e JOÃO PAULO GUEDES DA SILVA, respectivamente, contra a sentença do MM. Juiz de Direito da 3ª Vara da Comarca de Juína/MT, que os pronunciou como incursos no art. 121, §2º, incisos I, IV e V c/c art. 14, inciso II c/c. art. 29 todos do Código Penal e art. 2º, § 2º da lei nº 12.850/13, a fim de que sejam submetidos a julgamento pelo Tribunal do Júri. (Sentença - ID. 260098815) Inconformado, o primeiro [João Vitor] suscita o duplo grau de jurisdição, requerendo a absolvição sumariamente o assistido.(ID. 260098833). Em Contrarrazões, o Recorrido suscita Preliminar de Não Conhecimento do Recurso, em razão de violação ao Princípio da Dialeticidade. Pugna, ainda, pelo não provimento do Recurso em Sentido Estrito (ID. 260098837). Por sua vez, o segundo recorrente [João Paulo] pede a impronuncia pelos crimes de homicídio e organização criminosa diante da ausência de provas dos fatos, subsidiariamente, pela exclusão das qualificadoras de motivo torpe, recurso de dificultou defesa da vítima [dissimulação e superioridade numérica] e qualificadora para assegurar vantagem em outro crime. Por fim, requer pelo reconhecimento de somente uma das qualificadoras que dificultaram a defesa da vítima (ID. 260098838). Em contrarrazões, o Ministério Público pugna pelo desprovimento do recurso interposto (ID. 260098841). Em juízo de retratação, o douto juiz manteve a decisão por seus próprios fundamentos (ID. 260098843). Por conseguinte, em parecer subscrito pelo i. Procurador de Justiça – Dr. Roberto Aparecido Turin, manifesta pelo desprovimento dos recursos interpostos, sintetizado com a seguinte ementa: (ID. 267211799) “SUMÁRIO: ACUSADOS PRONUNCIADOS COMO INCURSOS NOS CRIMES PREVISTOS NO ART. 2, § 2º DA LEI Nº 12.850, ART. 121, § 2º INCISOS I, IV E V C/C ART. 14, INCISO II C/C ART. 29 TODOS DO CP. INCONFORMISMO DEFENSIVO DO RECORRENTE JOÃO VITOR GRANJA – REQUER PELA APLICAÇÃO DO PRINCÍDIO DE DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO, PARA QUE ASSIM O RECORRENTE SEJA ABSOLVIDO – IMPOSSIBILIDADE – PRELIMINAR – DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO – PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE – FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA – NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO – MÉRITO - IMPRONÚNCIA – NÃO HÁ NECESSIDADE DE PROVA INCONTROVERSA NESTA FASE PROCESSUAL – PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA – ART. 413, CAPUT, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – SUFICIÊNCIA À PRONÚNCIA. INCONFORMISMO DEFENSIVO DO RECORRENTE JOÃO GUEDES DA SILVA – REQUER PELA IMPRONUNCIA PELOS CRIMES DE HOMICÍDIO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA DIANTE DA AUSÊNCIA DE PROVAS DOS FATOS, SUBSIDIARIAMENTE, PUGNA PELA EXCLUSÃO DAS QUALIFICADORAS DE MOTIVO TORPE, RECURSO DE DIFICULTOU DEFESA DA VÍTIMA (DISSIMULAÇÃO E SUPERIORIDADE NUMÉRICA) E QUALIFICADORA PARA ASSEGURAR VANTAGEM EM OUTRO CRIME, POR FIM REQUER PELO RECONHECIMENTO DE SOMENTE UMA DAS QUALIFICADORAS QUE DIFICULTARAM A DEFESA DA VÍTIMA – IMPOSSIBILIDADE –NÃO HÁ NECESSIDADE DE PROVA INCONTROVERSA NESTA FASE PROCESSUAL – PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA – ART. 413, CAPUT, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – SUFICIÊNCIA À PRONÚNCIA – DECISÃO DE CARÁTER NITIDAMENTE PROCESSUAL – TESE QUE DEVERÁ SER LEVADA À APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI, A QUEM CABE JULGAR O MÉRITO DA CAUSA – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO ‘IN DUBIO PRO SOCIETATE’ – PELO DESPROVIMENTO DOS RECURSOS INTERPOSTOS PELA DEFESA.” É o relatório. V O T O R E L A T O R Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço dos recursos manejados. Narra à denúncia: “FATO 1 – Organização criminosa com emprego de arma de fogo (art. 2º, § 2º, da Lei nº 12.850/2013) Em data não precisa, mas certo que desde o ano de 2022, nesta comarca, os denunciados integraram/promoveram a organização criminosa Primeiro Comando da Capital, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas entre si, com a finalidade de obter vantagem mediante a prática de infrações penais punidas com penas máximas superiores a quatro anos. O denunciado 1) JOÃO PAULO integrou/promoveu a organização criminosa fornecendo ilegalmente artefatos bélicos aos demais denunciados, já tendo conhecimento prévio dos crimes perpetrados por eles4 . Os denunciados 2) JOÃO BATISTA, 3) JHON LENNON e 4) JOÃO VITOR integram a organização criminosa atuando como executores de desafetos de facções rivais567 . Após investigações, constatou-se que os denunciados são integrantes da organização criminosa Primeiro Comando da Capital, a qual tem o objetivo de disputar o monopólio do tráfico de drogas na região de Juína com a organização criminosa Comando Vermelho, assassinando seus concorrentes, para que todo o entorpecente comercializado na região seja fornecido exclusivamente pela citada facção criminosa. A ramificação do Primeiro Comando da Capital possui um sistema de organização hierárquico, com divisão de tarefas, onde os denunciados desempenhavam, dentre outras atribuições, a função de “disciplina”, ou seja, incumbidos de executar “decretos ” e “salves” contra os rivais, utilizando-se, para tanto, de armas de fogo. Desta forma, os denunciados tinham pleno domínio final dos fatos criminosos e direcionaram suas ações e omissões, com o objetivo de promoverem/constituírem/integrarem a organização criminosa Primeiro Comando da Capital. FATO 2 – Homicídio duplamente qualificado tentado (art. 121, § 2º, IV e V, c/c art. 14, II, c/c art. 29, todos do CP) No dia 14 de dezembro de 2022, em horário incerto, porém pela manhã, na residência localizada na Rua João Paulo II, Bairro São José Operário, em Juína/MT, os denunciados, com nítida intenção homicida e previamente ajustados, por motivo torpe, mediante recursos que dificultaram a defesa da vítima e para assegurar a vantagem de outro crime, tentaram matar a vítima Magno Cosme de Liz, efetuando diversos disparos de arma de fogo contra ela, um deles atingindo o pneumotórax esquerdo dela, causando-lhe os ferimentos apontados no laudo de exame de corpo de delito , não tendo o crime se consumado por circunstâncias alheias à vontade dos denunciados, eis que a vítima foi socorrida por terceiros e levada ao hospital. O denunciado 1) JOÃO PAULO arquitetou o homicídio, fornecendo as armas e as munições utilizadas para o crime, repassando aos demais denunciados fotografia da vítima e a localização dela. O denunciado 2) JOÃO BATISTA atraiu a vítima para sua residência sob o pretexto de que tinha um negócio para apresentar a ela. Nesse mesmo local os demais denunciados já à esperavam para concretizar o plano homicida. O denunciado 3) JHON LENNON efetuou os disparos de arma de fogo que atingiram a vítima. O denunciado 4) JOÃO VITOR tentou efetuar disparos de arma de fogo, sem, contudo, acertar a vítima, eis que a arma de fogo falhou. A vítima, mesmo atingida, conseguiu fugir do cerco dos denunciados e foi prontamente socorrida por terceiros. O crime foi praticado como demonstração de força e poder, com objetivo de impingir medo e respeito ao crime organizado, o que revela o motivo torpe. Os denunciados agiram mediante dissimulação ao atraírem a vítima para o local do crime sob o pretexto de que tinham algo para apresentar a ela. O recurso que dificultou a defesa da vítima pela superioridade numérica deu-se pela superioridade numérica de agentes (4 contra 1). Os denunciados praticaram o crime para assegurar a vantagem no crime de tráfico de drogas. Ante o exposto, o Ministério Público oferece denúncia contra 1) JOÃO PAULO GUEDES DA SILVA, 2) JOÃO BATISTA DA SILVA JÚNIOR, 3) JHON LENNON DE SOUZA CUNHA e 4) JOÃO VITOR GRANJA, e, pelo crime previsto no art. 121, incisos I 12 (torpe), IV (dissimulação e superioridade numérica) e V (para assegurar vantagem de outro crime) 13 , c/c art. 14, inciso II, c/c art. 29, todos do CP e no art. 2º, § 2º, da Lei nº 12.850/2013, e, com exceção do denunciado 2) JOÃO BATISTA DA SILVA JÚNIOR, todos c/c art. 61, inciso I, do CP, requerendo, para tanto, que, após recebida e autuada esta peça, seja dado prosseguimento por meio do devido processo legal, aplicando-se o Especial do Tribunal do Júri, citando-se o(s) denunciado(s) para oferecer(em) resposta à acusação e, posteriormente interrogando-o(s), prosseguindo-se nos termos da lei, para ao final pronunciá-lo(s) nos termos desta exordial.” A denúncia foi recebida em 30/08/2023. Ao final da primeira fase do judicium accusationis, o magistrado pronunciou-os como incursos nas disposições do artigo 2º, § 2º, da Lei 12.850/2013, artigo 121, §2º, incisos I, IV e V, c/c art. 14, inciso II, c/c art. 29, todos do Código Penal, para que sejam submetidos a julgamento pelo e. Tribunal do Júri. DA PRELIMINAR DO MINISTÉRIO PÚBLICO ACERCA DAS RAZÕS DO PRIMEIRO RECORRENTE JOÃO VITOR GRANJA O Ministério Público aduz que as razões de recurso apresentadas pelo recorrente demonstram flagrante inobservância ao princípio da dialeticidade, que impõe ao recorrente o dever de expor, com clareza e precisão, os fundamentos de sua insurgência, indicando os pontos específicos da decisão impugnada que, em seu entendimento, devem ser revistos pela instância superior. Assim, por carecer de fundamentação específica e estruturada, o recurso interposto pela defesa não preenche os requisitos mínimos para seu conhecimento. Contudo, não assiste razão ao Ministério Público. Em atenção ao princípio do duplo grau de jurisdição, é necessário flexibilizar a interpretação do princípio da dialeticidade, sobretudo quando o recurso é manejado para defesa de direitos fundamentais do acusado. A interposição do recurso é prerrogativa da defesa e direito constitucional do recorrente. Além disso, as contrarrazões demonstram que as partes tiveram pleno acesso aos autos e conhecimento das provas, afastando qualquer prejuízo processual. Assim, não há falar em ‘decisão surpresa’, e a preliminar suscitada pelo Ministério Público deve ser rejeitada. Apesar de a defesa não ter impugnado especificamente a decisão, o recurso foi conhecido por garantir o direito à defesa e ao duplo grau de jurisdição. A preliminar de "proibição de decisão surpresa" foi considerada prejudicada, já que o princípio do contraditório foi respeitado. Cito, os julgados do TJMT: Direito Processual Penal. Recurso em Sentido Estrito. Preliminar de violação ao princípio da dialeticidade. Mérito relacionado à decisão de pronúncia. Recurso conhecido e desprovido. I. Caso em exame1. Recurso em sentido estrito interposto contra decisão de pronúncia, fundamentado na inexistência de elementos suficientes para a pronúncia do réu. 2. O Ministério Público arguiu a inadmissibilidade do recurso sob o argumento de que as razões recursais seriam genéricas e não impugnam especificamente a decisão recorrida, e no mérito o desprovimento do recurso. 3. A decisão de pronúncia apontou a presença de materialidade do delito e indícios suficientes de autoria, conforme os elementos de convicção constantes nos autos. II. Questão em discussão4. As questões em discussão consistem em saber: (i) se há violação ao princípio da dialeticidade que justifique a inadmissibilidade do recurso; e (ii) se estão presentes os indícios suficientes de autoria e prova da existência do crime (materialidade) requisitos necessários para que seja mantida a decisão de pronúncia. III. Razões de decidir5. A rejeição da preliminar foi fundamentada na necessidade de flexibilização do princípio da dialeticidade em face da prerrogativa da defesa e da garantia constitucional do duplo grau de jurisdição. Apesar da falta de impugnação específica, o recurso foi conhecido, não só em homenagem aos direitos fundamentais do recorrente, como também, para assegurar o direito ao duplo grau de jurisdição, previsto na Constituição Federal, em seu art. 5°, inc. LV. 6. No mérito, restou comprovada a materialidade delitiva por meio de documentos como Boletim de Ocorrência, Exame de Corpo de Delito e depoimentos testemunhais. Os indícios de autoria foram corroborados por provas testemunhais e confissões extrajudiciais.7. Quanto às qualificadoras, entendeu-se que sua exclusão seria incabível nesta fase processual, eis, que não manifestamente improcedentes, devendo ser apreciadas, portanto, pelo Tribunal do Júri, conforme jurisprudência consolidada. IV. Dispositivo e tese8. Recurso conhecido e desprovido. Decisão de pronúncia mantida. Teses de julgamento: “1. É possível flexibilizar o princípio da dialeticidade recursal quando o recurso visa à defesa de direitos fundamentais do réu, bem como, por lhe estar assegurado o direito constitucional ao duplo grau de jurisdição, previsto na constituição federal, em seu art. 5º, inc. LV. (N.U 0000193-21.2004.8.11.0025, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 29/01/2025, Publicado no DJE 04/02/2025) Assim, rejeito a preliminar do Ministério Publico. MÉRITO DAS RAZÕES DO PRIMEIRO RECORRENTE JOÃO VITOR GRANJA – ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA – DAS RAZÕES DO SEGUNDO RECORRENTE JOÃO PAULO GUEDES DA SILVA – DA IMPRONÚNCIA PELOS CRIMES DE HOMICÍDIO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA – DA EXCLUSÃO DAS QUALIFICADORAS DO MOTIVO TORPE, DOS RECURSOS QUE DIFICULTARAM A DEFESA DA VÍTIMA (DISSIMULAÇÃO E SUPERIORIDADE NUMÉRICA); E DA QUALIFICADORA PARA ASSEGURAR VANTAGEM EM OUTRO CRIME. Inconformado, o primeiro [João Vitor] suscita o duplo grau de jurisdição, requerendo a absolvição sumaria. Já o segundo recorrente referente ao crime de organização criminosa, sustenta que não há provas de que o Recorrente promoveu, constituiu, financiou ou integrou organização criminosa e que não subsistiram demonstrados os elementos que compõe o conceito de organização criminosa. De igual modo, a Defesa aduz que não há elementos probatórios da autoria que recai sobre o Recorrente em relação ao crime de tentativa de homicídio. Pois bem. Cediço que a pronúncia consubstancia um mero juízo de admissibilidade da acusação, razão pela qual basta que o julgador esteja convencido da materialidade do delito e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. Questões referentes à certeza da autoria e da materialidade do delito deverão ser analisadas pelos jurados. Oportuno colacionar a lição do doutrinador Eugênio Pacelli sobre a decisão de pronúncia: “Não se pede, na pronúncia (nem se poderia), o convencimento absoluto do juiz da instrução, quando à materialidade e à autoria. Não é essa a tarefa que lhe reserva a lei. O que se espera dele é o exame do material probatório ali produzido, especialmente para a comprovação da inexistência de quaisquer das possibilidades legais de afastamento da competência do Tribunal do Júri. E esse afastamento, como visto, somente é possível por meio de convencimento judicial pleno, ou seja, por meio de juízo de certeza, sempre excepcional nessa fase.” (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, 17ª Edição, Editora Atlas, p. 732) Nesse intuito, deve o magistrado apenas apontar a existência de materialidade e de indícios suficientes de autoria, bem como especificar as qualificadoras e causas de aumento de pena, conforme preconiza o art. 413 do Código de Processo Penal: “Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. § 1° A fundamentação da pronuncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.” Diante desse aspecto inerente ao rito processual dos crimes dolosos contra a vida, o Tribunal de Justiça somente poderá decretar a absolvição sumária quando cabalmente comprovadas as seguintes hipóteses legais: a) a inexistência do fato; b) não ser o acusado o autor ou partícipe do fato criminoso; c) não constituir o fato infração penal, ou; d) quando evidenciada causa de isenção de pena ou exclusão do crime (art. 415 do Código de Processo Penal). Feita a contextualização, a materialidade delitiva consta do boletim de ocorrência (id. 260098193 e id. 260098192), laudo de exame de corpo de delito da vítima (id. 260098655), prontuário médico da vítima (id. 260098679), laudo de local do crime (id. 260098668), relatório parcial de degravação de João Vitor Granja (id. 260098676), relatório de investigação (id. 260098660 e id. 260098683), além de depoimentos em fase inquisitória e em juízo. Durante a degravação dos dados, demonstra em tese, que JOÃO VITOR GRANJA foi um dos executores da tentativa de homicídio ora investigada. No relatório, há relatos do próprio suspeito que descreve para pessoas do seu círculo social o modus operandi da tentativa de execução, a motivação e o acidente que teve com o seu revólver durante os disparos A vítima MAGNO COSME DE LIZ relatou em fase inquisitória (id. 260098661): “QUE perguntado para o declarante o que foi fazer na residência na Vila Operaria no dia 16/12/2022? E como se deu os fatos? Respondeu que a pessoa de JOÃO BATISTA DA SILVA JUNIOR ligou para o declarante pedindo para o mesmo ir até a casa dele, para resolver um negócio, e o declarante desligou a ligação e deslocou até a casa de JOÃO por volta das 10h e chegando na casa de JOÃO, tinha uma pessoa que abriu o portão, e o declarante entrou e um cara veio fechando o portão, e o JOÃO pegou e se deslocou até ao fundo da casa, e neste momento o declarante disse para JOÃO cara vamos resolver logo este negócio que eu tenho que resolver uns negócios na rua, e neste momento o declarante abaixou a cabeça e quando erguei já deparou com uma arma de fogo na sua cara e a pessoa de JOÃO VITOR GRANJA atirando no declarante e foi quando começaram o confronto entre o declarante e os suspeitos JOÃO VITOR GRANJA E JOHN LENNON DE SOUZA CUNHA aonde os mesmos começaram a disparar tiros contra o declarante, e ficaram em confronto há aproximadamente 20 minutos os suspeitos atirando no declarante, e um certo momento o declarante viu a oportunidade de fugir e foi quando pulou o muro da casa de JOÃO BATISTA e ainda foi alvejado com um tiro na bunda; O declarante afirma que as pessoas que estavam na residência de JOÃO BATISTA DA SILVA JUNIOR, era NATALIA (ESPOSA JOÃO BATISTA), JOÃO VITOR GRANJA, JOHN LENNON DE SOUZA CUNHA e tinha um homem segurando o portão impedindo o declarante de sair da casa, mas o declarante não recorda o nome, mas informa que a pessoa de JOÃO BATISTA sabe informar os nomes, por que ele (JOÃO BATISTA) que é pivô de tudo que armou a casinha para matar o declarante; QUE apresentado as fotografias para o declarante o mesmo RECONHECI as pessoas sendo as mesmas que tentaram matar o declarante, o declarante afirma que GABRIEL CORDEIRO DA SILVA esta envolvido devido o mesmo fazer parte grupo de JOÃO BATISTA e reside na mesma casa; QUE perguntado para o declarante se faz parte de alguma organização criminosa? Respondeu que não; QUE perguntado para o declarante se faz uso de entorpecentes? Respondeu que não; O declarante relata que no dia 16/12/2022quando foi na residência de JOÃO BATISTA DA SILVA JUNIOR estava em posse de sua motocicleta modelo HONDA CG 160 COR PRETA ANO 2021, e seu aparelho celular modelo IPHONE MODELO NOVO COR BRANCO, APARELHO A013 MARCA SAMSUNG COR PRETO, que ficou na residência de JOÃO BATISTA DA SILVA JUNIOR após o confronto;” A vítima reconheceu os acusados João Batista e João Vitor como os seus executores na Delegacia. Consta narrado na sentença o depoimento em juízo do policial Vinicius Ramon, que aponta o envolvimento do recorrente: “O Policial Civil Vinicius Ramon disse em Juízo, grosso modo, que antes da tentativa de homicídio chegaram até a cidade de Juína os acusados JOÃO BATISTA, JOÃO VITOR e JHON LENNON, integrante da OrCrim PCC. Vinicius narrou que, segundo as investigações e análises de gravações, os acusados integram a organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), que busca expandir domínio em Juína, antes sob influência hegemônica do Comando Vermelho. John Lennon, vulgo “Hunter”, e João Vítor, vulgo “Quinze”, foram apontados como executores diretos do ataque, enquanto João Batista atraiu a vítima ao local do crime. João Paulo, vulgo “Dedezão", teria fornecido apoio logístico, cuidando do armamento e auxiliando no planejamento. Ressaltou que durante o ataque Magno Costa foi alvejado, mas sobreviveu após reagir, destacando que John Lennon e João Vítor teriam realizado os disparos, porém a arma de João Vítor falhou. Após o crime, os acusados fugiram para Aripuanã por medo de retaliações, mas foram localizados e presos após diligências e degravação de conversas. Vinícius explicou que o crime visava intimidar a facção rival e a população, consolidando o controle territorial do PCC em Juína. O investigador destacou que ações como essa estabelecem um “estado paralelo” ao impor normas à população, usando o tráfico e a violência como meio de controle social. A vítima, Magno Costa, identificada como simpatizante do Comando Vermelho, sobreviveu ao ataque, mas está desaparecida desde então. […]”. Assim, conforme análise das degravações do celular do primeiro recorrente João Vitor Granja há indícios suficientes mínimos de autoria, de modo que, tais elementos ressoam como indicativos objetivamente aptos ao conferir plausibilidade ao requisito previsto no artigo 413 do Código de Processo Penal, no sentido de exigir apenas um juízo de admissibilidade da acusação para que o recorrente seja submetido ao Tribunal do Júri. Avançando no tema, o segundo recorrente [João Paulo Guedes da Silva] pugna pela impronuncia pelos crimes de homicídio e quanto ao crime conexo de organização criminosa diante da ausência de provas dos fatos. Contudo, não merece prosperar o recurso interposto A materialidade foi detidamente apontada acima e, a autoria também restou apta a demonstrar indícios suficientes, pois, o Recorrente foi o responsável pela entrega de armas e munições da organização criminosa Primeiro Comando da Capital, a fim de executar rivais da referida OrCrim; pela identificação da vítima, enviando fotografias desta; assim como, pela indicação de onde a vítima poderia ser encontrada, se dispondo, inclusive, a apresentar aos executores o local em que aquela costumava se achar. Somado a isso, tem-se o Relatório de Degravação nº 40.4.2022.369903 , do qual a sentença extraiu diversos diálogos entre o Recorrente e seu comparsa JOÃO VITOR para fundamentar seu convencimento a respeito dos crimes de organização criminosa e também Da tentativa de homicídio. Com efeito, em que pese o recorrente negar a prática delitiva, verifica-se que tal alegação encontra-se isolada nos autos e vai de encontro ao depoimento colhidos, destoando do conjunto probatório. Neste diapasão, é cediço que para a pronúncia, bastam ser evidenciada a prova da materialidade e indícios da autoria delitiva, justamente por constituir ato de natureza provisional, onde se realiza mero juízo de admissibilidade da acusação, não se exigindo o juízo de certeza necessário para a condenação. É o que preleciona o art. 413 do Código de Processo Penal e, nesse diapasão, tenho por oportuna a lição de Fernando Capez: “Na pronúncia, há um mero juízo de prelibação, pelo qual o juiz admite ou rejeita a acusação, sem penetrar no exame do mérito. Restringe-se à verificação da presença do ‘fumus boni iuris’, admitindo todas as acusações que tenham ao menos probabilidade de procedência. No caso de o juiz se convencer da existência do crime e de indícios suficientes da autoria, deve proferir sentença de pronúncia, fundamentando os motivos de seu convencimento. Não é necessária prova plena de autoria, bastando meros indícios, isto é, a probabilidade de que o réu tenha sido o autor do crime. [...] Na fase da pronúncia vigora o princípio do ‘in dubio pro societate’, uma vez que há mero juízo de suspeita, não de certeza. O juiz verifica apenas se a acusação é viável, deixando o exame mais acurado para os jurados. Somente não serão admitidas acusações manifestamente infundadas, pois há juízo de mera prelibação.” (CAPEZ, Fernando, Curso de Processo Penal, editora Saraiva, 21ª Edição, p. 659) Com efeito, é pacífico o entendimento de que a decisão de pronúncia tem a natureza de decisão interlocutória mista não terminativa, porque encerra uma fase sem colocar termo ao processo e sem decidir o meritum causae, tratando-se de um juízo de admissibilidade da acusação. Nesta fase, não obstante os argumentos expendidos pela defesa do recorrente, tão somente se verifica a viabilidade da imputação da prática de crime contra a vida, pois, como explicitado, a pronúncia não se traduz em juízo de certeza, não sendo lugar adequado para o profundo mergulho no contexto probatório e para a realização de análise minuciosa de seus elementos, mas, apenas, um juízo de admissibilidade da denúncia para que o juízo constitucionalmente competente, qual seja, o Tribunal Popular do Júri, possa apreciar e julgar crimes dessa natureza. Oportuno colacionar a lição do doutrinador Eugênio Pacelli sobre a decisão de pronúncia: “Não se pede, na pronúncia (nem se poderia), o convencimento absoluto do juiz da instrução, quando à materialidade e à autoria. Não é essa a tarefa que lhe reserva a lei. O que se espera dele é o exame do material probatório ali produzido, especialmente para a comprovação da inexistência de quaisquer das possibilidades legais de afastamento da competência do Tribunal do Júri. E esse afastamento, como visto, somente é possível por meio de convencimento judicial pleno, ou seja, por meio de juízo de certeza, sempre excepcional nessa fase.” (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, 17ª Edição, Editora Atlas, p. 732) Desta feita e consoante disciplinado no art. 413 do Código de Processo Penal, basta que se estabeleça convencimento acerca da existência do crime e de indícios de sua autoria, como no caso em comento. A propósito é o C. STJ: “[...]A pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo o ordenamento jurídico somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não se demandando aqueles requisitos de certeza necessários à prolação da sentença condenatória, sendo que as dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se pro societate.” (STJ, AGRG no AREsp nº 1507361/PR) A propósito, é o entendimento do TJMT: “RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – HOMICÍDIO QUALIFICADO E FURTO – PRONÚNCIA – IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA – 1. PLEITO VISANDO A ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA – ALEGADA AUSÊNCIA DE PROVAS PRODUZIDAS EM JUÍZO – IMPOSSIBILIDADE – MERO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO – PROVAS PRODUZIDAS SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO – APLICAÇÃO DO AFORISMO IN DUBIO PRO SOCIETATE – MATÉRIA AFETA AO TRIBUNAL DO JÚRI – 2. POSTULADO O AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS DO MOTIVO FÚTIL E DO RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA – INVIABILIDADE – COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI – PRESENÇA DE ELEMENTOS DE CONVICÇÃO QUE INDICAM A PERTINÊNCIA DAS REFERIDAS CAUSAS QUALITATIVAS – 3. RECURSO DESPROVIDO. 1. Deve ser mantida a pronúncia do recorrente, porquanto, na espécie, estão presentes os requisitos previstos no art. 413 do Código de Processo Penal, consubstanciados na comprovação da materialidade delitiva e em indícios de autoria, tendo em vista que a respectiva sentença retrata mero juízo de admissibilidade da acusação. Dessa forma, eventuais dúvidas devem ser submetidas ao crivo do Conselho de Sentença, juízo natural da causa, a quem compete o julgamento dos crimes contra a vida em decorrência da previsão constitucional consagrada no art. 5º, XXXVIII, c, da Constituição Federal, em virtude do aforismo in dubio pro societate. 2. A exclusão das qualificadoras do delito de homicídio somente é permitida quando forem manifestamente improcedentes; impondo-se ressaltar, outrossim, que a existência de um lastro mínimo de dúvida sobre a incidência das referidas causas modificadoras de pena, obriga sua apreciação pelo Conselho de Sentença, sob pena de se invadir a competência constitucional do Tribunal do Júri, prevista no art. 5º, XXXVIII, letras c e d, da Carta Política do Brasil. 3. Recurso desprovido.” (N.U 1010089-53.2021.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, LUIZ FERREIRA DA SILVA, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 10/11/2021, Publicado no DJE 14/11/2021) (Negritou-se) Em suma, é de se concluir que a negativa sustentada pelo recorrente se revela como uma das teses a serem apresentadas ao Conselho de Sentença, sendo contraposta pela versão acusatória, razão pela qual, a priori, a acusação em face do recorrente mostra-se admissível, não havendo falar em impronúncia. Nesse sentido, o julgado do TJMT: “RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – PRONÚNCIA - HOMICIDIO QUALIFICADO TENTADO - 1. PLEITEADA DESPRONÚNCIA – IMPOSSIBILIDADE – MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA CONSTANTES NOS AUTOS – [...] – RECURSO DESPROVIDO. 1. A fase de admissibilidade formal da acusação se contenta com a prova da existência do fato e com a presença de indícios sobre sua autoria, a análise das circunstâncias em que o delito ocorreu, pois as asserções contidas nos recursos, visando o reconhecimento da tese de insuficiência probatória, retrata questão intimamente relacionada com o mérito da causa e cuja competência é do Júri Popular, juiz natural da causa, podendo ser acolhida nesta fase somente quando ausente, de forma inquestionável, elementos de prova em sentido incriminador, Caso contrário – como no vertente, onde existem duas versões nitidamente contrapostas, quais sejam, a do recorrente e a das testemunhas, incluindo a da própria vítima sobrevivente – a matéria deve ser submetida à apreciação da Corte Leiga, cuja competência constitucional é de ser respeitada em face do princípio do juiz natural.[...].” (TJMT–N.U 1020284-97.2021.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, JUVENAL PEREIRA DA SILVA, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 08/12/2021, Publicado no DJE 10/12/2021) “RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – SENTENÇA DE PRONÚNCIA – HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO FÚTIL – PRETENDIDA DESPRONÚNCIA ANTE INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA – PROVAS PRODUZIDAS NA FASE INQUISITORIAL – INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA PRESENTES – PRONÚNCIA AMPARADA EM ELEMENTOS COLHIDOS NA FASE PRÉ-PROCESSUAL E JUDICIAL – INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO DISPOSTO NO ART. 155 DO CPP – PRONÚNCIA – MERO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE – NECESSIDADE DE PROFUNDA ANÁLISE DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO – TAREFA RESTRITA AOS JURADOS – PRONÚNCIA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Se a pronúncia está amparada em elementos colhidos nas fases inquisitorial e judicial, inexiste ofensa ao art. 155 do Código de Processo Penal. (STJ, AgRg no Agravo em REsp n. 1.259.357/AM). Se estão presentes os pressupostos exigidos para a decisão de pronúncia – a certeza do crime e os indícios da autoria – não há falar em despronúncia.”(TJMT, RSE n. 143855/2017). (N.U 1006771-28.2022.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PEDRO SAKAMOTO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 25/05/2022, Publicado no DJE 30/05/2022) Com tais considerações, impõe-se reservar ao Tribunal do Júri a análise do fato criminoso. DO AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS PRETEXTADO PELO SEGUNDO RECORRENTE Pugna pela exclusão das qualificadoras de motivo torpe, do recurso de dificultou defesa da vítima (dissimulação e superioridade numérica) e qualificadora para assegurar vantagem em outro crime, por fim requer pelo reconhecimento de somente uma das qualificadoras que dificultaram a defesa da vítima. Para a melhor analise, as qualificadoras foram assim consubstanciadas na sentença, em síntese: (ID. 260098816) “No que tange à qualificadora da torpeza (Art. 121, §2º, I, do CP) e àquela prevista no art. 121, §2º, V, do CP (assegurar vantagem em outro crime), este juízo entendia que não poderiam conviver na pronúncia porque configuraria “bis in idem”. Todavia, revisitando meu entendimento jurídico, e melhor meditando o caso, entendo que tais qualificadoras podem, em tese, coexistirem, na medida em que refletem propósitos distintos. Segunda a doutrina, a qualificadora da torpeza diz respeito ao desvio moral, traduzido no desprezo aos valores sociais mínimos. E aqui, na visão do Ministério Público a torpeza estaria presente na “demonstração de força e poder” imposta por facções ao eliminarem rivais, buscando estabelecer um poder paralelo ao Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, o propósito seria impor um código de conduta à população local por força do medo, figurando os decretos de morte/salve como um recado à população. Por outro lado, a qualificadora do inciso V visa garantir um objetivo delituoso específico. No caso dos autos, segundo argumenta o Ministério Público, o objetivo seria assegurar o monopólio do tráfico de drogas na região, cuja relação de antagonismo aqui seria com a à facção rival. Cito julgado do TJRS (RESE n. 70072889835, 3ª Câmara Criminal, Relator: Joni Victoria Simões, Julgado em 21-11-2018) que afastou a alegação de “bis in idem”, pois as qualificadoras possuem conceitos subjetivos independentes, cabendo ao Tribunal do Júri decidir sobre ambas, conforme o entendimento também exposto no REsp n. 857080/MG. "(...) Qualificadoras do motivo torpe e para assegurar a impunidade de outro crime: Aqui pode-se perceber que as duas qualificadoras, motivo torpe e para assegurar a impunidade de outro crime, coexistem, a princípio, entre si, afastando a alegação de bis in idem, pois possuem, em tese, conceitos subjetivos independentes. A torpeza pode advir da vingança pela delação cometida pela vítima, enquanto a outra surge da vontade de evitar que a ofendida venha a depor contra os acusados. Caberá ao conselho de sentença decidir acerca de ambas. Inclusive, a análise deverá recair, de forma mais aprofundada, sobre a imoralidade da conduta dos acusados e se esta imoralidade, no caso concreto, se constitui em torpeza. Ambas, a princípio, encontram respaldo na prova (...)” Assim, com base na releitura dos argumentos ministeriais, entendo que ambas as qualificadoras podem ser submetidas ao Tribunal do Júri, foro constitucionalmente competente para debatê-las, acolhendo-as ou afastando-as conforme a análise do caso concreto pelo Conselho de Sentença. Por fim, no que tange à qualificadora da dissimulação e superioridade numérica, ela estaria demonstrada no fato da vítima ter sido atraída para o local do crime, isso porque os acusados teriam a chamado para ir até a casa do João Batista para resolverem um “negócio”, conforme relato da vítima na fase inquisitorial, ocasião em que os supostos executores João Vitor e John Lennon estavam armados e dispararam contra ela. Assim, analisando os termos da denúncia e a substrato fático produzido no curso da instrução processual em juízo, vejo que há dados empíricos produzidos sob o crivo do contraditório que permitem ao Parquet sustentar em Plenário as qualificadoras do motivo TORPE, DISSIMULAÇÃO/SUPERIORIDADE NÚMERICA e ASSEGURAR VANTAGEM E OUTRO CRIME, razão por que o Tribunal do Júri, em sua soberania, é quem compete apreciá-las, com melhores dados, em face da amplitude da acusação e da defesa.” Pugna o recorrente pela exclusão da qualificadora do motivo torpe, sob a alegações de ausência de conhecimento da conduta criminosa dos demais pronunciados de incomunicabilidade da qualificadora do motivo torpe, em razão de esta ser de ordem subjetiva Conforme se depreende dos depoimentos judicial e extrajudicial e dos relatórios de degravação, o Recorrente, no âmbito de Organização Criminosa, a fim de executar rivais desta, entregou armas e munições da organização criminosa PCC aos demais pronunciados, enviou fotografia da vítima e informou o local em que ela poderia ser encontrada, para que aqueles pudessem executá-la, pelo motivo de a vítima pertencer a OrCrim rival, o que revela a demonstração de força e poder com o objetivo de impingir medo e respeito ao crime organizado Ademais, o próprio Recorrente, em uma das conversas com um corréu disse que eles deveriam “pegar” a vítima vez que essa era disciplina de OrCrim rival, fato este que serviria de exemplo para os demais integrantes da OrCrim rival, ‘in verbis’: “Então mano véi, igual esse ae, ELE É UM DOS DISCIPLINA NÉ, É O CANAL PRA PEGÁ, igual cê falô ae eis vê que o baguio não é bem assim né, AÍ JÁ PEGA DE EXEMPLO NÉ, ponha pra cima poh, e ae VAMOS USÁ O QUE NÓIS TEM NAS MÃOS AQUI POH, tá ligado né, O QUE NÓIS TEM NA MÃO AQUI DÁ PRA DÁ UMA ACELERADA NESSE POVO AE, intendeu, pegá esse povo ae intendeu”(sic.) Diante disso, não prospera a alegação defensiva de que o Recorrente não tinha conhecimento da conduta dos demais pronunciados, haja vista que a prova produzida demonstra o contrário. No caso sub examine como demonstrado pelo arcabouço probatório o recorrente, em tese, tinha conhecimento da motivação do crime consistente em demonstrar força e poder com o objetivo de impingir medo e respeito ao crime organizado, como também a ele aderiu, tanto que enviou áudio ao corréu instigando a execução da vítima pelo fato de esta pertencer a OrCrim rival, conforme transcrito alhures, portanto, a referida qualificadora também se comunica a ele. A propósito: “RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – RÉU PRONUNCIADO COMO INCURSO NAS PENAS DO ARTIGO 121, § 2º, I, V E VII, C/C 14, II, DUAS VEZES, DO CÓDIGO PENAL. RECURSO DEFENSIVO. [...] 3. Encerrada a instrução criminal, o Parquet, ao oferecer suas alegações finais, apresenta aditamento à Denúncia (indexador 232) para fazer incluir as qualificadoras de motivo torpe (crime foi praticado em demonstração de força e poder, e mantença da dominação local, de grupo criminoso voltado à prática de traficância de entorpecentes) e para garantir a impunidade de crime praticado anteriormente (tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo), mantendo-se os demais termos da Denúncia, classificando-se os fatos como previstos no artigo 121, §2º, incisos I, V e VII, c/c artigo 14, inciso II, duas vezes, ambos do Estatuto Repressivo. [...]Quanto às qualificadoras, esta Corte possui o entendimento de que só podem ser excluídas da sentença de pronúncia as circunstâncias manifestamente improcedentes, não sendo este o caso dos autos, como já registrado. 7. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DEFENSIVO, mantendo-se integralmente a decisão vergastada”. (0175404-67.2017.8.19.0001 - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. Des(a). ADRIANA LOPES MOUTINHO DAUDT D' OLIVEIRA - Julgamento: 15/06/2022 - OITAVA CÂMARA CRIMINAL) Com efeito, não obstante seja a qualificadora do motivo torpe de ordem subjetiva, quando o motivo do crime é conhecido e aderido pelos corréus a referida qualificadora a todos se comunica, consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. TESE NÃO EXAMINADA PELA CORTE A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRONÚNCIA. AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA DO MOTIVO TORPE. IMPOSSIBILIDADE. COMUNICABILIDADE AO CORRÉU QUE TINHA CIÊNCIA DA MOTIVAÇÃO E A ELA ADERIU. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. [...] 2. A jurisprudência do STJ assentou que a motivação do crime não é elementar do crime e que, por ser uma circunstância pessoal, não se comunica automaticamente aos coautores. Entretanto, poderá o coacusado responder por homicídio qualificado nos casos em que tiver conhecimento acerca do móvel do crime e a ele haja aderido, como na hipótese. 5. Agravo regimental não provido.” (AgRg no HC n. 759.325/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/11/2022, DJe de 24/11/2022.) A doutrina dispõe: "Essa agravante genérica repousa na conexão, ou seja, na ligação entre dois ou mais crimes. A conexão pode ser teleológica, quando o crime é praticado para facilitar ou assegurar a execução de outro crime (exemplo: furtar um banco para, com o dinheiro, adquirir um carro roubado), ou consequencial, na hipótese em que o delito é cometido para facilitar ou assegurar a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime. Cuida-se, em verdade, de uma forma especial de motivo torpe, pois buscar de qualquer modo, com um crime, executar outro delito, ocultá-lo, dele escapar ou em razão dele lucrar revela a intensa depravação moral do agente. Configura-se a agravante genérica mesmo que não seja iniciado o delito almejado pelo agente. Basta sua intenção de cometê-lo. Contudo, quando forem realizados os dois delitos, por eles responderá o sujeito, em concurso material (art. 69 do CP)."(MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016. p. 401). “AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. PRETENSÃO DE DECOTE DAS QUALIFICADORAS DE MOTIVO FÚTIL E DE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA . DECISÃO FUNDAMENTADA. INDÍCIOS COLHIDOS EM SEDE JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE . 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, na decisão de pronúncia, a qual constitui mero juízo de admissibilidade da acusação, somente se admite a exclusão de qualificadoras quando manifestamente improcedentes ou descabidas, sob pena de afronta à soberania do Júri. 2. Tendo as qualificadoras sido embasadas em indícios de autoria, colhidos em depoimento judicial, destacando-se, na pronúncia, que o motivo fútil decorreria do crime ter supostamente ocorrido em razão de a vítima ter se excedido no uso de entorpecentes e que foi utilizado recurso que dificultou a defesa da vítima, em razão da superioridade numérica dos agentes, que agrediram a vítima quando essa já estava no chão, não há manifesta ilegalidade . 3. A revisão do entendimento do acórdão, acerca da ausência de indícios suficientes para a manutenção das qualificadoras, demandaria revolvimento de provas, o que não se admite na via estreita do habeas corpus. 4. Agravo regimental desprovido.”(STJ - AgRg no HC: 897441 AL 2024/0080774-4, Relator.: Ministro JESUÍNO RISSATO DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT, Data de Julgamento: 06/08/2024, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/08/2024) Destarte, é certo que as qualificadoras de assegurar a vantagem em outro crime (tráfico de drogas) e do motivo torpe (demonstração de força e poder, com objetivo de impor medo e respeito ao crime organizado) e do recurso de dificultou defesa da vítima (dissimulação e superioridade numérica), descritas na denúncia devem ser preservadas, pois, não se apresentam manifestamente improcedentes para efeitos de pronúncia. De mais a mais, especificamente quanto ao crime de integrar organização criminosa [art. 2º, § 2º da lei nº 12.850/13] não há o que se falar em absolvição da imputação, pois, no caso, a materialidade e os indícios mínimos de autoria dos crime conexo em análise se encontram presentes. Assim, importante ressaltar que: “[…] Admitida a imputatio acerca do delito da competência do Tribunal do Júri, o ilícito penal conexo também deverá ser apreciado pelo Tribunal Popular. [...] O crime conexo só pode ser afastado - e este não é o caso dos autos - quando a falta de justa causa se destaca in totum e de pronto" (STJ, EDcl no REsp 1486745/SP; REsp 1896478/PR). […]” [TJMT - Recurso em Sentido Estrito nº 1001346-20.2022.8.11.0000 - Classe CNJ-426 - Comarca de Aripuanã – 1ª C. Criminal – Rel. Des. Marcos Machado – J.: 24.5.2022]. Ante o exposto, em consonância com o parecer ministerial, DESPROVEJO o recurso de JOÃO VITOR GRANJA e JOÃO PAULO GUEDES DA SILVA, respectivamente, e mantenho a sentença de pronúncia pelos seus próprios fundamentos. Custa na forma da lei. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 03/06/2025
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