Processo nº 0809942-47.2022.8.18.0140
ID: 259340627
Tribunal: TJPI
Órgão: 1ª Câmara Especializada Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0809942-47.2022.8.18.0140
Data de Disponibilização:
23/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ ÓRGÃO JULGADOR : 1ª Câmara Especializada Criminal Apelação Criminal Nº 0809942-47.2022.8.18.0140 (1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher d…
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ ÓRGÃO JULGADOR : 1ª Câmara Especializada Criminal Apelação Criminal Nº 0809942-47.2022.8.18.0140 (1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Teresina-PI - PO-0809942-47.2022.8.18.0140) Apelante: EVANDO ALVES DO NASCIMENTO Defensora Pública: Priscila Gimenes do Nascimento Godoi Apelado: Ministério Público do Estado do Piauí Relator: Des. Pedro de Alcântara da Silva Macêdo EMENTA: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO EXCLUSIVAMENTE DEFENSIVO. AMEAÇA (ART. 147, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL C/C A LEI Nº 11.340/06). ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. PALAVRA DA VÍTIMA COM ESPECIAL VALOR PROBANTE EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DOSIMETRIA DA PENA. REDIMENSIONAMENTO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MANUTENÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação Criminal interposta por Evando Alves do Nascimento contra a sentença do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Teresina – PI, que o condenou à pena de 3 meses de detenção, em regime aberto, pela prática do crime de ameaça (art. 147, caput, do Código Penal), em contexto de violência doméstica, com fundamento na Lei nº 11.340/06. A defesa pleiteia: (i) absolvição por insuficiência probatória; (ii) redimensionamento da pena-base com afastamento das vetoriais desvaloradas; e (iii) exclusão ou redução do quantum indenizatório. O Ministério Público Estadual requer a manutenção da sentença e o Ministério Público Superior opina pelo improvimento do recurso. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) verificar se o conjunto probatório é suficiente para a condenação pelo crime de ameaça; (ii) analisar a possibilidade de redimensionamento da pena-base mediante reavaliação das circunstâncias judiciais desvaloradas; e (iii) determinar se é cabível a exclusão ou redução do valor fixado a título de indenização por danos morais. III. RAZÕES DE DECIDIR A palavra da vítima possui especial valor probante em crimes de violência doméstica, notadamente porque, em muitos casos, tais delitos ocorrem sem a presença de testemunhas oculares e em contextos de clandestinidade. No caso, as declarações firmes e consistentes da vítima são corroboradas por provas materiais e pelos depoimentos prestados pelos policiais militares, na fase inquisitorial, que atenderam à ocorrência, a confirmar a autoria e materialidade do delito. As circunstâncias judiciais referentes à culpabilidade, motivos e circunstâncias do crime são mantidas como desfavoráveis, por evidenciarem grau elevado de reprovabilidade da conduta do apelante, que utilizou arma branca para intimidar a vítima e praticou o ato na presença do filho menor. A valoração negativa das consequências do crime é afastada, uma vez que inexistem informações acerca de desdobramentos e eventuais transtornos psicológicos comprovados. Considerando o afastamento de uma das circunstâncias judiciais desvaloradas e em atenção ao princípio da non reformatio in pejus, deve-se promover a sua redução proporcional, redimensionando-se então a pena-base para 2 meses e 15 dias de detenção. A fixação de indenização mínima por dano moral é mantida, conforme tese firmada pelo STJ (Tema 983), reconhecendo que o dano psíquico é ínsito à prática do crime de violência doméstica. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: A palavra da vítima, corroborada por outros elementos probatórios, possui especial relevância nos crimes de violência doméstica e familiar, sendo apta a fundamentar a condenação. A valoração negativa das circunstâncias judiciais deve estar devidamente fundamentada, nos termos do art. 93, IX, da CF/1988. A fixação do quantum indenizatório mínimo em casos de violência doméstica é obrigatória, desde que haja pedido expresso da acusação ou da vítima, independentemente de instrução probatória específica. Dispositivos relevantes citados: Código Penal, art. 147; Lei nº 11.340/06; Código de Processo Penal, arts. 59, 93, IX; Constituição Federal, art. 93, IX. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp 2462460/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 04/06/2024; TJ-MT, Apelação Criminal 1002273-78.2021.8.11.0013, Rel. Des. Gilberto Giraldelli, j. 13/12/2023; TJ-SP, Apelação Criminal 1500870-76.2020.8.26.0581, Rel. Des. Xisto Albarelli Rangel Neto, j. 31/01/2023. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os componentes da Egrégia 1ª Câmara Especializada Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, em conhecer e dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Relator(a). RELATÓRIO Trata-se de Apelação Criminal interposta por EVANDO ALVES DO NASCIMENTO contra a sentença proferida pela MMª. Juíza de Direito do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Teresina – PI, que o condenou à pena de 3 (três) meses de detenção, em regime aberto, com o direito de recorrer em liberdade, pela prática do delito previsto no art.147, caput, do Código Penal (ameaça), c/c a Lei nº 11.340/06, diante da narrativa fática extraída da denúncia (id. 22235559), a saber: (…) Consta do anexo auto de Inquérito Policial, que no dia 19/03/2022, por volta das 9h, o denunciado, EVANDO ALVES DO NASCIMENTO, ameaçou a vítima FRANCISCA CRISTINA DA SILVA MACIEL (sua esposa), de causar a ela mal injusto e grave, conforme consta nos autos em evento de ID nº 26659660. Em seu termo de declarações, acostado aos autos, a vítima relata que o acusado é usuário de drogas e que esse é bastante agressivo com a ofendida. Insta ressaltar, que no dia 21/02/2022, a ofendida registrou boletim de ocorrência em desfavor do increpado em razão de ter sofrido agressões verbais e físicas por parte desse. Ao saber que a vítima teria ido à delegacia, o agressor pediu para a vítima “retirar” a denúncia. Por conseguinte, no dia 19/03/2022, por volta das 9h, o acusado chegou na residência em que o casal reside, localizada na quadra A, casa 04, bairro Pedra Mole, nesta cidade, sob efeito de entorpecentes, irritou-se com a vítima, pois essa não recebeu um copo que o agressor estava segurando. Ato contínuo, o acusado pegou uma tesoura, apontou para a ofendida e ameaçou-a dizendo: “que iria matá-la se ela não retirasse a queixa junto à delegacia da mulher” (sic), bem como proferiu termos desabonadores contra a vítima, conforme consta no termo de declarações anexo aos autos. Ademais, enraivecido, o acusado passou a dar chutes nas portas e paredes e, na intenção de acalmar o acusado, a vítima disse que ligaria para o advogado e que retiraria a queixa. Diante disso, a ofendida, por meio do aplicativo whatsapp, conseguiu pedir ajuda e uma guarnição policial prontamente compareceu à casa do casal, efetuando a prisão em flagrante de Evando. (...) Recebida a denúncia (em 15 de junho de 2023) e instruído o feito, sobreveio a sentença. A defesa pleiteia, nas razões recursais (id. 22235838), (i) a absolvição do apelante, com fulcro no art. 386, VII, do CPC, em razão da inexistência de provas suficientes para a condenação; (ii) o redimensionamento da pena-base, devendo para tanto, afastar as vetoriais desvaloradas (culpabilidade, motivos, circunstâncias e consequências) e, subsidiariamente, a aplicação da fração de 1/8 para cada circunstância; e (iii) a exclusão ou redução do quantum indenizatório. O Ministério Público Estadual, por sua vez, em sede de contrarrazões (id. 22235844), refuta a tese defensiva e pugna pela manutenção da sentença. Por fim, o Ministério Público Superior opina pelo conhecimento e improvimento do recurso (id. 22880111). Revisão dispensada, nos termos dos arts. 610 e 613 do CPP, c/c os arts. 355 e 356 do RITJPI, por se tratar de apelação interposta contra sentença proferida em ação penal que apura a prática de crime cominado com pena de detenção. É o relatório. VOTO Presentes os pressupostos gerais de admissibilidade recursal objetivos (previsão legal, forma prescrita e tempestividade) e subjetivos (legitimidade, interesse e possibilidade jurídica), CONHEÇO do recurso interposto. Como não foi suscitada preliminar, passo à análise do mérito. 1. Da sentença condenatória. Inicialmente, merece destaque o disposto no art. 147 do Código Penal (crime de ameaça): Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Da análise do citado dispositivo, conclui-se que o crime de ameaça possui, como conduta nuclear, o verbo ameaçar, ou seja, intimidar ou provocar medo na vítima, prometendo-lhe causar mal injusto e grave. Nesse contexto, deve-se verificar, para o fim de subsunção ao tipo penal, se a promessa feita pelo agente tem a possibilidade de provocar receio, medo ou inquietação que prejudique a liberdade pessoal, física ou psíquica da vítima, bem como a sua capacidade de autodeterminação. Diante dos argumentos defensivos para fins de absolvição, cumpre analisar se o conjunto probatório encontra aptidão para consubstanciar os fatos narrados na inicial acusatória ou, eventualmente, amparar o pleito recursal. CONJUNTO PROBATÓRIO (SUFICIENTE). Pelo que consta dos autos, a materialidade, autoria e tipicidade delitivas resultaram suficientemente demonstradas pela prova material (boletim de ocorrência, auto de prisão em flagrante, termos de depoimento, termo de declarações da vítima, auto de exibição e apreensão, formulário nacional de avaliação de risco, laudo de exame pericial – objeto-, dentre outros – ids. 22235525 e 22235542), além da prova oral colhida em juízo, sobretudo através da palavra firme e consistente da vítima, que alcançam standard probatório suficiente (para além da dúvida razoável), no sentido de que o acusado praticou o delito tipificado no art. 147 do Código Penal c/c a Lei nº11.340/06 (ameaça no âmbito de violência doméstica). PALAVRA FIRME DA VÍTIMA. Acerca da prova da autoria, cumpre destacar as declarações prestadas, na fase investigativa, e ratificadas em juízo, pela vítima FRANCISCA CRISTINA DA SILVA MACIEL, dando conta de que o apelante, naquela data fatídica, dirigiu-se para a residência da vítima, e proferiu-lhe ameaças de morte, munido de uma tesoura. Segundo o depoimento, o apelante ingeria muita bebida alcoólica, e mesmo assim suportava tal condição, mas quando começou a agredi-la, não aguentou mais. Disse que se separaram em fevereiro de 2022, enquanto ressalta que o desentendimento se agravou quando ele começou a agredir o filho. Acrescenta que ele era agressivo com ela e com os filhos. Relata que não pretendia manter o relacionamento com ele “de jeito nenhum” e, em certo dia, ele retornou à residência, sob o efeito de drogas, quando ela estava conversando com a cunhada por meio de um aparelho celular. Ato contínuo, ele tomou-lhe o aparelho, com o intuito de desbloqueá-lo, para tomar conhecimento de supostas conversas com um sujeito, a quem ela alega que “nunca viu na vida”. Disse que sua filha tentou intervir para protegê-la, inclusive ligou para polícia. Acrescenta que ele tinha muito ciúmes dela (vítima), inclusive chegou a pegar uma tesoura pra lhe furar e proferiu diversos xingamentos contra ela. Relata que ele chutou o portão, a porta de vidro, deu socos na parede, o que a deixou com muito medo, fato presenciado pelo filho adotivo. O apelante EVANDO ALVES DO NASCIMENTO, por sua vez, negou, em juízo, a autoria delitiva, enquanto alega que os fatos não seriam verdadeiros, e optou por permanecer em silêncio. Contudo, sua versão encontra-se isolada do contexto probatório. Assim, ao contrário do que alega a defesa, a vítima expressou justo temor, com base em fundado receio de mal injusto e grave, resultando então suficientemente comprovadas as elementares do tipo. Com efeito, deve-se considerar as palavras da ofendida, a menos que haja, nos autos, prova clara de que opera com o propósito de prejudicar o apelante, o que não se verificou no caso dos autos. Vale ressaltar que, tratando-se de crimes cometidos no âmbito de violência doméstica, os quais são praticados, em muito dos casos, distante da presença de testemunhas oculares e sem deixar vestígios, a palavra da vítima reveste-se de alto valor probante, desde que isenta de má-fé e corroborada por outros elementos de prova colhidos nos autos. Nota-se que o acervo probatório se mostra suficiente para confirmar a sentença condenatória, porquanto demonstra a conduta delitiva do agente. Conclui-se, portanto, que a autoria e materialidade delitivas ficaram demonstradas pela relevante palavra da vítima em juízo e pelos depoimentos prestados pelos policiais militares na fase inquisitiva, responsáveis por atender a ocorrência, os quais confirmaram, integralmente, as circunstâncias enunciadas pela ofendida, notadamente o fato de o acusado ter se utilizado de uma tesoura para ameaçá-la, o que torna impossível acolher a tese defensiva de absolvição por insuficiência probatória. Oportuno destacar o posicionamento do Ministério Público Superior no sentido de que “não há que se falar em absolvição, quando o conjunto probatório carreado aos autos é firme e consistente no sentido de apontar que a prática delituosa efetivamente ocorreu e foi perpetrada pelo acusado”. A propósito do tema, colaciono entendimento do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Estaduais: PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AMEAÇA. ART. 147 DO CÓDIGO PENAL - CP. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 155, 156 E 386, VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. PLEITO ABSOLUTÓRIO QUE ESBARRA NO ÓBICE DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA POR OUTROS ELEMENTOS DE PROVA. ESPECIAL RELEVÂNCIA EM CRIMES QUE ENVOLVEM A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. "Nos crimes de violência doméstica, a palavra da vítima assume especial importância, atento que geralmente as ofensas ocorrem na clandestinidade. Incidência da Súmula n. 83 do STJ" (AgRg no AREsp n. 2.206.639/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 20/2/2024, DJe de 23/2/2024). 2. A condenação do agravante ficou justificada na palavra da vítima, no depoimento da mãe da vítima, nas capturas de tela do aplicativo de mensagem do WhatsApp e na existência de medida protetiva de urgência. Assim, o pleito absolutório esbarra no óbice da Súmula n. 7 do STJ. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no AREsp: 2462460 SP 2023/0325261-8, Relator: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 04/06/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/06/2024) RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E/OU FAMILIAR CONTRA A MULHER – AMEAÇA – SENTENÇA CONDENATÓRIA – IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA – OBJETIVADA A ABSOLVIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO – RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA NAS INFRAÇÕES PENAIS PRATICADAS EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER – AMEAÇA SÉRIA E IDÔNEA – DOLO CONFIGURADO – APELO DESPROVIDO. Nas infrações penais praticadas contra a mulher em contexto de violência doméstica e/ou familiar, a palavra da vítima assume especial importância. In casu, não há falar em dúvida sobre a existência do crime, diante da comprovação firme e segura da materialidade e da autoria delitiva, ressaltada a intenção de repercutir medo na vítima; e se o relato dos fatos pela ofendida é seguro, harmônico e coerente, além de não desabonado ou contraposto por qualquer outro elemento probatório, deve, sem dúvida, prevalecer, sendo apto a subsidiar o édito condenatório. (TJ-MT - APELAÇÃO CRIMINAL: 1002273-78.2021.8.11.0013, Relator: GILBERTO GIRALDELLI, Data de Julgamento: 13/12/2023, Terceira Câmara Criminal, Data de Publicação: 15/12/2023) Apelação. Ameaça e descumprimento de medidas protetivas. Crimes cometidos no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher. Pleito defensivo visando a reforma da r. sentença diante da fragilidade probatória. Impossibilidade. Vítima que prestou relato coerente, narrando com detalhes as práticas delitivas. Palavra da vítima que se reveste de especial valor nesta espécie de crime, mormente quando corroborada por outros elementos de prova, como no caso. Versão do recorrente que ficou isolada nos autos. Condenação mantida. Dosimetria da pena que merece reparo para reconhecer a atenuante da confissão para o delito de descumprimento de medidas protetivas. Redução da reprimenda imposta. Pleito de afastamento da suspensão condicional da pena que deve ser formulado perante o Juízo das Execuções. Precedentes. Recurso parcialmente provido. (TJ-SP - Apelação Criminal: 1500870-76.2020.8.26.0581 São Manuel, Relator: Xisto Albarelli Rangel Neto, Data de Julgamento: 31/01/2023, 13ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 31/01/2023) Forte nessas razões, rejeito o pleito absolutório. 2. Da dosimetria. Pugna ainda a defesa pelo redimensionamento da pena-base ao mínimo legal, sob o argumento de que “todas as circunstâncias judiciais são inteiramente favoráveis ao Recorrente”. Subsidiariamente, requer “a aplicação da fração de 1/8 para cada circunstância criminal considerada negativa”. Inicialmente, cumpre trazer à baila o teor do art. 59, caput, do Código Penal, que trata do tema: Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (...) Merece destaque o trecho da sentença que trata das circunstâncias judiciais e fixa a pena-base: (…) a) Culpabilidade é negativa, tendo em vista que o acusado agiu com maior índice de reprovabilidade, pois, a conforme consta nos autos, as agressões eram constantes, bem como pelo fato de ter utilizado uma arma branca para perpetrar a ameaça; b) Antecedentes: o acusado não possui antecedentes; c) Poucos elementos foram coletados a respeito de sua conduta social, razão pela qual deixo de valorá-la; d) Ausentes elementos para valoração da personalidade do agente; e) Os motivos do crime são negativos, pois o acusado agiu imbuído de ciúmes. Nesse contexto, a jurisprudência: O ciúme é de especial reprovabilidade em situações de violência de gênero, por reforçar as estruturas de dominação masculina - uma vez que é uma exteriorização da noção de posse do homem em relação à mulher - e é fundamento apto a exasperar a pena-base. (AgRg no AREsp 1441372/GO, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 16/05/2019, DJe 27/05/2019); f) As circunstâncias também são negativas, tendo em vista que o delito foi praticado na presença de um dos filhos menores do casal, bem como quando o acusado encontrava-se sob efeito de substâncias entorpecentes; g) As consequências são negativas, em razão do relato da vítima, que informou que ficou constrangida, pois as agressões envolveram vizinhos e inclusive uma pessoa da escola dos filhos; h) O comportamento da vítima em nada contribuiu para a ação criminosa. Assim, fixo a pena base em 03 (três) meses de detenção. DA PRIMEIRA FASE. Pelo que se verifica da primeira fase, foram valoradas negativamente quatro circunstâncias judiciais – culpabilidade, motivos, circunstância e consequências –, o que resultou na fixação da pena-base em 3 (três) meses de detenção. Como é cediço, o julgador, ao individualizar a pena, deve examinar de forma cautelosa os elementos referentes ao fato, obedecidos e sopesados todos os critérios estabelecidos no art. 59 do Código Penal, para então aplicar, de maneira fundamentada, uma reprimenda justa, proporcional e que seja suficiente para a reprovação do delito. Dessa feita, o magistrado, ao considerar quaisquer das circunstâncias judiciais desfavoráveis, deverá expor suas razões de forma motivada, consoante prescreve o art. 93, inciso IX, da Constituição da República. CULPABILIDADE (VETORIAL MANTIDA). Entende-se tal circunstância como a reprovação social que o crime e o autor do fato merecem. Relaciona-se à censurabilidade da conduta, à intensidade do dolo ou culpa do agente e ao grau de reprovabilidade diante dos elementos concretos. Na hipótese, a magistrada a quo utilizou-se de elementos que extrapolam o tipo penal, pois argumenta que “as agressões eram constantes, bem como pelo fato de ter utilizado uma arma branca para perpetrar a ameaça”, o que demonstra maior grau de reprovabilidade. Logo, a fundamentação exposta encontra amparo na prova judicial, impondo-se a manutenção da vetorial. MOTIVOS DO CRIME (VETORIAL MANTIDA). Valendo-me da lição de Ricardo Augusto Schmitt1, “deve ser valorado tão somente o motivo que extrapole o previsto no próprio tipo penal, sob pena de incorrermos em bis in idem”. Segundo o doutrinador, “os motivos do crime são razões subjetivas que estimularam ou impulsionaram o agente à prática da infração penal”. Estão ligados à causa que motivou a conduta, vale dizer, refere-se ao “fator íntimo que desencadeia a ação criminosa (honra, moral, inveja, cobiça, futilidade, torpeza, amor, luxúria, malvadez, gratidão, prepotência etc)." Na espécie, a sentenciante apresenta fundamentação idônea e suficiente, com amparo na prova oral, ao destacar que as ameaças foram externadas em razão de o apelante agir “imbuído de ciúmes”, o que denota maior reprovabilidade da conduta, a justificar a manutenção dessa vetorial. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME (VETORIAL MANTIDA). Sabe-se que essa circunstância se refere ao “modus operandi empregado na prática do delito”. São os elementos que não compõem o crime, mas que influenciam em sua gravidade, tais como, “o estado de ânimo do agente, o local da ação delituosa, o tempo de sua duração, as condições e o modo de agir, o objeto utilizado, a atitude assumida pelo autor no decorrer da realização do fato, o relacionamento existente entre autor e vítima, dentre outros”2. De igual modo, agiu com acerto a sentenciante ao mencionar que o apelante ameaçou a vítima “sob efeito de substâncias entorpecentes” e "na presença de um dos filhos menores do casal", fatores que consistem em elevado plus de reprovabilidade, suficiente à desvaloração das circunstâncias do delito. CONSEQUÊNCIAS (ABALO PSICOLÓGICO ÍNSITO AO DELITO – VETORIAL AFASTADA). Demais disso, no que toca à alusão de que a vítima ficou “constrangida”, tem-se que o abalo psicológico ou emocional nela provocado decorre naturalmente da prática dos crimes no contexto da violência doméstica, de modo que, para ser considerado um plus idôneo à exasperação da pena-base, demanda-se notícia de outros desdobramentos duradouros, a serem especificados de forma concreta. In casu, deve-se afastar essa valoração negativa, pois não se mostra idôneo para tanto o argumento de que “agressões envolveram vizinhos e inclusive uma pessoa da escola dos filhos”, sem que existam informações acerca de desdobramentos e eventuais transtornos psicológicos. Após análise das circunstâncias judiciais, impõe-se afastar as consequências do crime. QUANTUM INEXPRESSIVO (MANTIDO). CRITÉRIO PROPORCIONAL (ADOÇÃO). PRINCÍPIO DA NON REFORMATIO IN PEJUS (OBSERVÂNCIA). Finalmente, o juízo sentenciante favoreceu o acusado ao aplicar quantum inexpressivo de incremento, em comparação ao cômputo orientado pela jurisprudência (mediante utilização da fração de 1/8 (um oitavo) sobre a diferença entre as penas mínima e máxima em abstrato3). Dessa forma, promovo a sua redução proporcional, em atenção ao princípio da non reformatio in pejus, sobretudo por se tratar de recurso exclusivamente defensivo. Assim, considerando a manutenção de 3 (três) vetoriais desvaloradas na origem, reduzo a pena-base para 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de detenção. SEGUNDA E TERCEIRAS FASES (INALTERADAS NA ORIGEM). Nas fases intermediária e final, ora não objeto de irresignação recursal, não foram reconhecidas atenuantes ou agravantes, nem causas de diminuição ou de aumento. Assim, torno a pena definitiva em 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de detenção. 3. Da indenização ex delicto. Em que pesem os argumentos defensivos, não merece acolhida o pleito de exclusão ou redução da indenização a título de dano moral. CRIME PRATICADO EM ÂMBITO DOMÉSTICO (PENHA). INDENIZAÇÃO (OBRIGATORIEDADE DO QUANTUM MÍNIMO). Consoante entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça (em 28/02/2018), quando do julgamento, à unanimidade, dos Recursos Especiais 1.675.874/MS e 1.643.051/MS, ora submetidos ao rito dos recursos repetitivos (Tema 983), resultou firmada a seguinte tese: “Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória”. DANO PSÍQUICO (IN RE IPSA). CONDUTA (IMBUÍDA DE DESONRA, MENOSPREZO E HUMILHAÇÃO). MERECIMENTO DA INDENIZAÇÃO (ÍNSITO À CONDIÇÃO DE VÍTIMA MULHER). RECONCILIAÇÃO (DESINFLUENTE). Noutras palavras, “Para o STJ, não há razoabilidade na exigência de instrução probatória acerca do dano psíquico, do grau de humilhação, da diminuição da autoestima, etc., se a própria conduta criminosa empregada pelo agressor já está imbuída de desonra, descrédito e menosprezo ao valor da mulher como pessoa e à sua própria dignidade” (BRASILEIRO, 2020, p.4124). Isso porque “uma vez demonstrada a agressão à mulher, os danos psíquicos dela resultantes são evidentes e nem têm mesmo como ser demonstrados. O merecimento à indenização é ínsito à própria condição de vítima de violência doméstica e familiar. O dano, pois, é in re ipsa” (BRASILEIRO, 2020, p.4125). Aliás, “a reparação do dano nas hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher é devida mesmo que haja ulterior reconciliação entre a vítima e o agressor, seja porque não há previsão legal nesse sentido, seja porque compete exclusivamente à vítima, e não ao Judiciário, decidir se irá promover a execução ou não do título executivo” (BRASILEIRO, 2020, p.4126). Dessa forma, independentemente da situação de hipossuficiência financeira do acusado, a vítima detém direito certo à indenização, pelo dano moral sofrido, e líquido, pelo menos, no quantum mínimo legal. Na hipótese, consta da denúncia pedido de condenação do acusado ao pagamento de indenização mínima em favor da vítima, a título de reparação pelos prejuízos sofridos, o que foi acolhido pela magistrada. Registre-se que, ao fixar o valor dos danos morais, deve o magistrado obedecer aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que servirá como forma de compensar a dor impingida e, ainda, como meio de coibir o agente da prática de outras condutas semelhantes. À vista disso, em atenção às peculiaridades do caso concreto, e levando-se em consideração os critérios balizadores supracitados, entendo que se revela proporcional e adequado o valor de 1 (um) salário mínimo, ora fixado na sentença. Portanto, rejeito os pleitos de exclusão da indenização ex delicto ou redução do seu quantum. 4. Do dispositivo. Posto isso, CONHEÇO do presente recurso, para DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO, com o fim de redimensionar a pena imposta a EVANDO ALVES DO NASCIMENTO para 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de detenção, mantendo-se a sentença nos demais termos, em dissonância com o parecer do Ministério Público Superior. É como voto. DECISÃO Acordam os componentes da Egrégia 1ª Câmara Especializada Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, em conhecer e dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Relator(a). Participaram do julgamento os(as) Excelentíssimos(as) Senhores(as) Desembargadores(as): MARIA DO ROSARIO DE FATIMA MARTINS LEITE DIAS, PEDRO DE ALCANTARA DA SILVA MACEDO e SEBASTIAO RIBEIRO MARTINS. Acompanhou a sessão, o(a) Excelentíssimo(a) Senhor(a) Procurador(a) de Justiça, ANTONIO IVAN E SILVA. Sala das Sessões do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, em Teresina, 4 a 11 de abril de 2025. Des. Pedro de Alcântara da Silva Macêdo - Presidente e Relator - 1SCHMITT, Ricardo Augusto. Sentença penal condenatória: teoria e prática. 9. ed., rev. e atual. Salvador – JusPodivm, 2015, pág. 126. 2 SCHMITT, Ricardo Augusto. Sentença Penal Condenatória – Teoria e Prática. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 136. 3Atente-se para a orientação jurisprudencial atualmente prevalecente, in verbis: “Sobre a dosimetria da pena, observa-se que, diante do silêncio do legislador, a jurisprudência e a doutrina passaram a reconhecer como critério ideal para individualização da reprimenda-base o aumento na fração de 1/8 por cada circunstância judicial negativamente valorada, a incidir sobre o intervalo de pena abstratamente estabelecido no preceito secundário do tipo penal incriminador” (STJ, AgRg nos EDcl na PET no REsp 1852897/RS, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, 5ªT., j.23/03/2021). 4Renato Brasileiro de Lima, in Manual de Processo Penal, Volume único, Salvador: Juspodivm, 8ª ed., 2020, p.412. 5Renato Brasileiro de Lima, in Manual de Processo Penal, Volume único, Salvador: Juspodivm, 8ª ed., 2020, p.412. 6Renato Brasileiro de Lima, in Manual de Processo Penal, Volume único, Salvador: Juspodivm, 8ª ed., 2020, p.412.
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