Processo nº 0801336-11.2023.8.18.0135
ID: 318058394
Tribunal: TJPI
Órgão: 1ª Câmara Especializada Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0801336-11.2023.8.18.0135
Data de Disponibilização:
07/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LUMENA DE SA MOURA
OAB/PI XXXXXX
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ ÓRGÃO JULGADOR : 1ª Câmara Especializada Criminal Apelação Criminal Nº 0801336-11.2023.8.18.0135 (Vara Única da Comarca de São João do Piauí/PI-PO-0801336-11.20…
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ ÓRGÃO JULGADOR : 1ª Câmara Especializada Criminal Apelação Criminal Nº 0801336-11.2023.8.18.0135 (Vara Única da Comarca de São João do Piauí/PI-PO-0801336-11.2023.8.18.0135) Apelante: José Astrogildo de Matos Advogada: Lumena de Sá Moura Apelado: Ministério Público do Estado do Piauí Relator: Des. Pedro de Alcântara da Silva Macêdo EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO EXCLUSIVAMENTE DEFENSIVO. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA (ART. 24-A DA LEI 11.340/2006). AMEAÇA (ART. 147 DO CP). ABSOLVIÇÃO REJEITADA. ACERVO PROBATÓRIO SUFICIENTE. DOSIMETRIA. REDIMENSIONAMENTO DA PENA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO. PREJUDICIALIDADE. PLEITO CONCEDIDO NA ORIGEM. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação Criminal interposta por José Astrogildo de Matos contra a sentença que o condenou à pena de 1 ano de reclusão e 4 meses de detenção, em regime aberto, pelos delitos previstos nos arts. 129, §13º (lesão corporal contra mulher), 147 (ameaça) do Código Penal, e art. 24-A da Lei nº 11.340/06 (descumprimento de medida protetiva). A defesa pleiteia a absolvição do apelante quanto aos delitos de ameaça e descumprimento de medida protetiva, e a redução da pena ao mínimo legal, com a concessão do regime aberto. II. PONTOS CONTROVERTIDOS O cerne da questão consiste em: (i) verificar se o conjunto probatório é suficiente para justificar a condenação pelos crimes de ameaça e descumprimento de medida protetiva; e (ii) analisar se é possível reduzir a pena ao mínimo legal com a concessão de regime aberto para cumprimento. III. RAZÕES DE DECIDIR A materialidade, autoria e tipicidade dos delitos de ameaça e descumprimento de medida protetiva encontram-se devidamente comprovadas por documentos, depoimentos da vítima e testemunhas, os quais confirmam os elementos do tipo penal. A palavra da vítima, corroborada por depoimentos testemunhais e evidências materiais, possui especial relevância em crimes praticados no contexto de violência doméstica, nos quais os atos frequentemente ocorrem sem a presença de testemunhas oculares. As declarações dos policiais que participaram da diligência confirmam que o apelante tinha ciência das medidas protetivas e admitiu ter comparecido à residência da vítima. Afastam-se as alegações de insuficiência probatória ou de ausência de dolo, uma vez que o conjunto probatório é robusto e consistente, mostrando-se suficiente para a condenação. Quanto à dosimetria da pena, vale destacar que a defesa não demonstrou especificamente qualquer vício na fixação da pena: limita-se a mencionar a primariedade do réu e a violação ao princípio da proporcionalidade. Não foram desvaloradas circunstâncias judiciais na primeira fase da dosimetria, e a pena-base foi fixada no mínimo legal para todos os crimes. Na segunda fase, foi reconhecida a atenuante da confissão para o crime de descumprimento de medida protetiva, entretanto deixou de ser aplicada, considerando a incidência da Súmula 231 do STJ. Ausentes causas de aumento ou diminuição na fase final da dosimetria, mantendo-se a pena definitiva no mínimo legal para todos os crimes. Ademais, a magistrada já estabeleceu o regime aberto para cumprimento de pena. IV. DISPOSITIVO E TESE 10. Recurso improvido. Tese de julgamento: A palavra da vítima possui especial valor probatório em crimes de violência doméstica, especialmente quando corroborada por outros elementos de prova colhidos no processo. A ciência do acusado acerca das medidas protetivas e seu descumprimento configuram o delito previsto no art. 24-A da Lei nº 11.340/06. As ameaças proferidas de forma séria e idônea configuram o delito tipificado no art. 147 do Código Penal. Dispositivos relevantes citados: Código Penal, arts. 129, §13º, e 147; Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha), art. 24-A. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp nº 2462460/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, j. 04.06.2024; TJ-MT, Apelação Criminal nº 1002273-78.2021.8.11.0013, Rel. Des. Gilberto Giraldelli, j. 13.12.2023; TJ-SP, Apelação Criminal nº 1500701-67.2022.8.26.0210, Rel. Des. Jucimara Esther de Lima Bueno, j. 17.01.2024; TJ-SP, Apelação Criminal nº 1500870-76.2020.8.26.0581, Rel. Des. Xisto Albarelli Rangel Neto, j. 31.01.2023. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os componentes da Egrégia 1ª Câmara Especializada Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Relator(a). RELATÓRIO Trata-se de Apelação Criminal interposta por José Astrogildo de Matos contra a sentença proferida pela MMª. Juíza da Vara Única da Comarca de São João do Piauí/PI (em 20/08/2024) que o condenou à pena de 1 (um) ano de reclusão e 4 (quatro) meses de detenção, em regime aberto, com direito de recorrer em liberdade, pela prática dos delitos tipificados no arts. 129, §13º (lesão corporal praticada contra mulher), e 147 (ameaça), ambos do Código Penal, e art. 24-A da Lei 11.340/06 (descumprimento de medida protetiva), em concurso material, diante da narrativa fática extraída da denúncia (id. 20092309), a saber: (…) Consta do Inquérito Policial anexo que, no dia 29 de outubro de 2023, por volta das 17h30min, na residência da vítima, localizada na Vila Foca, no município de São João do Piauí, o denunciado JOSE ASTROGILDO DE MATOS, agindo com consciência e livre vontade, descumpriu medida protetiva de urgência concedida em favor de sua ex-esposa, MARIA ISA GOMES MONTEIRO DE MATOS, bem como ofendeu a integridade corporal da vítima, por razões da condição do sexo feminino, causando-lhe as lesões corporais descritas no laudo de exame de corpo de delito de ID nº 48750535, pág. 23/24, além de ter ameaçado a vítima de causar-lhe mal injusto e grave. Apurou-se que a vítima e o acusado conviveram por aproximadamente 28 (vinte e oito) anos, tendo fim o relacionamento no ano de 2019. Depreende-se do caderno investigatório que, no dia supramencionado, a vítima estava na sua residência com seus familiares, quando, por volta das 17h00min, recebeu uma ligação do acusado, tendo esse proferido diversos termos desabonadores contra a vítima. Em seguida, por volta das 17h30min, o acusado foi até a residência da vítima e a surpreendeu com mais xingamentos. Ato contínuo, o acusado apertou o braço da vítima, bem como bateu na sua perna com um pedaço de madeira e ainda pegou um pedra, momento em que as filhas do acusado e vítima, conseguiram segurar o denunciado. Não satisfeito, após as agressões, o denunciado ameaçou a ofendida, afirmando que iria pegar seu revolver para matá-la. Em relação as medidas protetivas de urgência, ressalta-se em 07 de outubro de 2021, o acusado teve em seu desfavor, no bojo do processo nº 0801129-80.2021.8.18.0135, aplicação das seguintes medidas protetivas de urgência: a) Proibição do requerido se aproximar da ofendida, fixando como limite mínimo de distância 250 (duzentos e cinquenta) metros; b) Proibição do requerido manter contato com a ofendida por qualquer meio de comunicação, inclusive por telefone. Importa frisar que o increpado tinha pleno conhecimento das medidas protetivas aplicadas contra si, haja vista que, no dia 09 de outubro de 2021, ele foi formalmente intimado da decisão judicial que as aplicou, conforme se infere da certidão exarada por Oficial de Justiça, presente em ID nº 20836249, dos autos do processo nº 0801129-80.2021.8.18.0135. Conforme já relatado, em que pese a decisão proferida, no dia e horário supracitados, o denunciado se aproximou da ofendida. Por fim, é importante ressaltar que, em seu termo de declarações, a vítima relata que já passou por outras situações de violência, tendo sida agredida pelo acusado outras vezes. Portanto, percebe-se que se está diante de um típico ciclo de violência, logo, é dever do Estado propiciar proteção à vítima e punir o agressor. (...) Recebida a denúncia (em 13/11/2023; id. 20092311) e instruído o feito, sobreveio a sentença. A defesa pleiteia, nas razões recursais (id. 21375703), (i) a absolvição do apelante quanto aos delitos de ameaça e descumprimento de medida protetiva, “em razão da insuficiência de provas e ausência de dolo”; e, subsidiariamente, (ii) a redução da pena ao mínimo legal, com a concessão de regime aberto para cumprimento. O Ministério Público Estadual refuta, nas contrarrazões (id. 22256371), as teses defensivas, enquanto pugna pela manutenção da sentença. Por fim, o Ministério Público Superior opina pelo conhecimento e improvimento do recurso (id. 22771260). É o relatório. VOTO Presentes os pressupostos gerais de admissibilidade recursal objetivos (previsão legal, forma prescrita e tempestividade) e subjetivos (legitimidade, interesse e possibilidade jurídica), CONHEÇO do recurso. Como não foi suscitada preliminar, passo à análise do mérito. 1. Da sentença condenatória. Diante dos argumentos defensivos para fins de absolvição, cumpre analisar se o conjunto probatório encontra aptidão para consubstanciar os fatos narrados na inicial acusatória ou, eventualmente, para amparar o pleito recursal. CONJUNTO PROBATÓRIO (SUFICIENTE). Pelo que consta dos autos, a materialidade, autoria e tipicidade delitivas resultaram suficientemente demonstradas pela prova material (Boletim de Ocorrência, Auto de Prisão em Flagrante, Termos de depoimento das testemunhas, Auto de Exibição e Apreensão, Termo de declarações da vítima, dentre outros – ids. 20092272 e 20092294) e oral colhida em juízo, sobretudo através da palavra firme e consistente da vítima, que alcançam standard probatório suficiente (para além da dúvida razoável), no sentido de que o acusado praticou os delitos tipificados no art. 147 do Código Penal (ameaça) e art. 24-A da Lei nº11.340/06 (descumprimento de medida protetiva). Com efeito, a vítima Maria Isa Gomes Monteiro de Matos reiterou em juízo a versão extrajudicial que amparou o oferecimento da denúncia, no sentido de que, naquela data fatídica, o apelante dirigiu-se para a residência dela, sob efeito de álcool, quando proferiu xingamentos e começou a lhe agredir, momento em que suas filhas (Rayslara e Raynara) tentaram intervir. Disse para ele ir embora, do contrário, chamaria a polícia, porém, recusou-se a atendê-la, como ainda avisou que “se fosse, ia só voltar pegar uma arma e ia voltar e matar todo mundo”. Relata que ele ingere bebida alcoólica com frequência, inclusive há um bar próximo ao quartel da polícia militar “onde ele sempre bebia e continua bebendo”. Acrescenta que constava na medida protetiva que ele só poderia sair de casa para o trabalho, com hora certa para abrir e fechar o estabelecimento, mas ele nunca cumpriu. Informa que o apelante comparecia a sua residência em outras oportunidades, porque “os cremosinhos dele ficavam na garagem”, mas constava na medida protetiva a data oportuna para ele buscar o produto, e que deveria fazê-lo quando ela não se encontrasse em casa. Quando a polícia chegou, ele já havia se retirado do local “gritando, ameaçando que ia pegar uma arma, ia voltar e matar todo mundo”. Sua filha mais velha pediu para ela ligar para a polícia, a qual alertou que se o fizesse, o apelante seria preso (seu pai vai ser preso). Então aquela informou que “se ele não for preso, ele vai fazer, porque a senhora sabe como ele é”. Então procedeu à ligação, ao tempo em que informou que tinha medida protetiva e seu ex-marido tinha acabado de sair da residência dela, como ainda teria lhe agredido e avisado que iria retornar com uma arma. Relata que ele ainda estava retornando para sua residência (dela), quando os agentes policiais estavam “fazendo um retorno”, sendo que o encontraram num veículo próximo, e no seu interior um “facão”. Esclarece que algumas vezes buscava sua filha na escola, quando ela pedia para ver o pai (apelante), então parava próximo ao local para a filha falar com ele. Acrescenta que nunca pediu para retirar ou flexibilizar a medida protetiva, inclusive pretende que seja mantida, pois “ele não é de confiança”. Corroborando a versão acima, a informante Rayslara Monteiro de Matos relata, em juízo, que, naquela data, sua irmã menor tinha lhe informado que seu pai (apelante) se encontrava na residência querendo bater na sua mãe (vítima). Quando visualizou, já estava ocorrendo a agressão, então, juntamente com outra irmã, conseguiu separar, inclusive após, colocá-lo para fora da cancela, ele chegou a machucá-la quando ela tentou segurar a mão dele para impediu de jogar uma pedra. Segundo depoimento, ela pediu para ele ir embora, o qual estava muito alterado e disse pegaria sua arma para matar todo mundo, então avisou para sua mãe ligar para a polícia. Então os policiais chegaram ao local, fizeram a ocorrência, visualizaram a decisão sobre a medida protetiva e quando estavam saindo, encontraram o apelante chegando na porta da residência dela. Informa que o acusado trabalha com a venda de cremosinhos e os freezers ficavam na residência da sua genitora, sendo que ele só poderia se dirigir até o local quando ela não se encontrasse em casa. A informante Raynara Monteiro de Matos relata, em juízo, que, naquela data, escutou os gritos da sua irmã dizendo que seu pai (apelante) estava batendo na sua mãe (vítima), quando viu as agressões, sendo que ele estava embriagado, xingando ela e batendo em suas pernas, munido com um pedaço de pau, então conseguiu separar a contenda junto com sua irmã, que o colocou para fora de casa. Disse que ele se encontrava bastante alterado, inclusive deu um soco na boca de sua irmã (Rayslara). Pediram para ele ir embora, mas prontamente se recusou, então depois disse que sairia do local, mas que retornaria armado (.38) para matar todo mundo. Então pediram para mãe (vítima) ligar para polícia, que se dirigiu até a localidade e fez o procedimento, tendo o apelante chegado lá pouco tempo depois, o qual foi preso em flagrante. Informa que tinha conhecimento que sua mãe tinha medida protetiva contra ele e que ela levava a filha mais nova no estabelecimento do apelante, mas não entrava, mantinha distanciamento. A testemunha Thiago Santos (policial militar) disse, em juízo, que foram acionados, através de ligação efetuada pela vítima, dando conta de que tinha uma medida protetiva em favor do seu ex-marido (apelante), o qual a teria se dirigido até sua residência, agredido-lhe e ameaçado-lhe, e saído do local avisando que buscaria uma arma de fogo e retornaria. Então, chegaram ao local e colheram o relato da vítima, e quando saíram dali para diligenciar em busca dele, encontraram-no retornando para casa dela, em posse de um facão no interior de veículo. Informa que o acusado confirmou que compareceu à residência da vítima e que tinha ciência da medida protetiva, mas seria apenas um desentendimento. A testemunha Gleibson Luan de Brito Gonçalves (policial militar) relata, em juízo, que estava em patrulhamento quando receberam a ligação da vítima informando que seu ex-companheiro (apelante) teria comparecido a sua residência, agredido e ameaçado ela. Então se dirigiram ao local, onde ela disse que ele teria avisado que buscaria uma arma de fogo pra matá-la. Conseguiram localizá-lo quando retornava para a casa da vítima, quando então ele confirmou que tinha se dirigido até à casa da vítima e que possuía ciência acerca da medida protetiva, enquanto ressalto que teria ocorrido apenas uma discussão entre eles. Acrescenta que, ao proceder a busca no veículo, encontraram um “facão”. As testemunhas de defesa (Antônio Nildo de Oliveira e Anderson Santos Sousa), por outro lado, limitaram-se a informar acerca da vida pregressa do acusado e o fato de presenciarem a vítima na porta do comércio dele em algumas oportunidades. O apelante José Astrogildo de Matos, por sua vez, relata, em juízo, que não se recordava acerca da medida protetiva, até porque a vítima frequentava o seu estabelecimento comercial e ele se dirigia à casa dela para buscar os “cremosinhos”. Disse que, no dia dos fatos, retornava de uma propriedade na zona rural, e no caminho passou pela residência da vítima, visualizou um carro estranho no local, momento em que estacionou o veículo para tirar uma fotografia. Nesse momento, a filha mais nova informou que ele estava na porta, quando então a vítima foi na direção dele, iniciando uma discussão verbal. Acrescenta que nunca usou uma arma e nem ameaçou a vítima. Confirmou o número do seu telefone celular e que foi notificado da sentença relativa à medida protetiva (29/11/2022). Em que pese a tese de insuficiência probatória ou ausência de dolo, constata-se que a vertente fática exposta pela vítima resultou suficientemente confirmada, no sentido de que o apelante, embora intimado das medidas protetivas impostas em favor dela, compareceu na sua residência e a ameaçou de morte, o que lhe causou justo temor, com base em fundado receio de mal injusto e grave, o que comprova as elementares do tipo. Com efeito, deve-se considerar as palavras da ofendida, a menos que haja, nos autos, prova clara de que opera com o propósito de prejudicar o apelante, o que não se verificou no caso dos autos. Ademais, a vítima esclareceu que, apesar dos freezers que armazenam os cremosinhos ficarem guardados na sua residência, o apelante só poderia se dirigir até o local quando ela se encontrasse ausente. Ainda informou que nos momentos em que sua filha solicitava que o visitasse, ela parava próximo ao local, “no meio da rua, com muita gente, para não ter risco de ele pegá-la”. Decerto, os policiais militares confirmaram que participaram das diligências que culminaram na prisão do acusado, ao tempo em que admitiram que, na data da ocorrência, a vítima relatou acerca da ameça e que tinha medida protetiva contra ele, o qual inclusive teria manifestado ciência sobre a medida. Como bem registrou a sentenciante, o apelante “era, na data dos fatos, imputável, tinha pleno conhecimento da ilicitude de sua conduta”, posto que “foi intimado em 2022 sobre a validade da medida protetiva concedida em favor da vítima”. Vale ressaltar que, em se tratando de crimes cometidos no âmbito de violência doméstica, os quais são praticados, em muito dos casos, distante da presença de testemunhas oculares e sem deixar vestígios, a palavra da vítima reveste-se de alto valor probante, desde que isenta de má-fé e corroborada por outros elementos de prova colhidos nos autos. A propósito do tema, colaciono entendimento do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Estaduais: PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AMEAÇA. ART. 147 DO CÓDIGO PENAL - CP. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 155, 156 E 386, VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. PLEITO ABSOLUTÓRIO QUE ESBARRA NO ÓBICE DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA POR OUTROS ELEMENTOS DE PROVA. ESPECIAL RELEVÂNCIA EM CRIMES QUE ENVOLVEM A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. "Nos crimes de violência doméstica, a palavra da vítima assume especial importância, atento que geralmente as ofensas ocorrem na clandestinidade. Incidência da Súmula n. 83 do STJ" (AgRg no AREsp n. 2.206.639/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 20/2/2024, DJe de 23/2/2024). 2. A condenação do agravante ficou justificada na palavra da vítima, no depoimento da mãe da vítima, nas capturas de tela do aplicativo de mensagem do WhatsApp e na existência de medida protetiva de urgência. Assim, o pleito absolutório esbarra no óbice da Súmula n. 7 do STJ. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no AREsp: 2462460 SP 2023/0325261-8, Relator: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 04/06/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/06/2024) RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E/OU FAMILIAR CONTRA A MULHER – AMEAÇA – SENTENÇA CONDENATÓRIA – IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA – OBJETIVADA A ABSOLVIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO – RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA NAS INFRAÇÕES PENAIS PRATICADAS EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER – AMEAÇA SÉRIA E IDÔNEA – DOLO CONFIGURADO – APELO DESPROVIDO. Nas infrações penais praticadas contra a mulher em contexto de violência doméstica e/ou familiar, a palavra da vítima assume especial importância. In casu, não há falar em dúvida sobre a existência do crime, diante da comprovação firme e segura da materialidade e da autoria delitiva, ressaltada a intenção de repercutir medo na vítima; e se o relato dos fatos pela ofendida é seguro, harmônico e coerente, além de não desabonado ou contraposto por qualquer outro elemento probatório, deve, sem dúvida, prevalecer, sendo apto a subsidiar o édito condenatório. (TJ-MT - APELAÇÃO CRIMINAL: 1002273-78.2021.8.11.0013, Relator: GILBERTO GIRALDELLI, Data de Julgamento: 13/12/2023, Terceira Câmara Criminal, Data de Publicação: 15/12/2023) Apelação Criminal. Descumprimento de medidas protetivas de urgência e delitos de ameaça. Continuidade delitiva. Âmbito da violência doméstica . Concurso material. Sentença condenatória. Autoria e materialidade delitiva comprovadas. Prova segura . Declarações da vítima corroboradas pelo depoimento da testemunha presencial. Réu que embora intimado das medidas protetivas impostas em favor da ofendida, compareceu na residência dela por duas vezes, bem como a ameaçou de morte em ambas as oportunidades. Condutas típicas. Condenação mantida . Dosimetria mitigada. Maus antecedentes comprovados. Diminuição da fração de elevação da pena-base. Reincidência específica não implica em maior desvalor da conduta (Tema 585 STJ) . Reconhecimento da atenuante da confissão com relação aos delitos de descumprimento de medidas protetivas. Concurso material mantido. Delitos praticados com desígnios autônomos. Biografia penal do acusado impõe o regime prisional inicial semiaberto e impede a concessão de benefícios . Recurso parcialmente provido. (TJ-SP - Apelação Criminal: 1500701-67.2022.8 .26.0210 Guaíra, Relator.: Jucimara Esther de Lima Bueno, 10ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 17/01/2024) Apelação. Ameaça e descumprimento de medidas protetivas. Crimes cometidos no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher. Pleito defensivo visando a reforma da r. sentença diante da fragilidade probatória. Impossibilidade. Vítima que prestou relato coerente, narrando com detalhes as práticas delitivas. Palavra da vítima que se reveste de especial valor nesta espécie de crime, mormente quando corroborada por outros elementos de prova, como no caso. Versão do recorrente que ficou isolada nos autos. Condenação mantida. Dosimetria da pena que merece reparo para reconhecer a atenuante da confissão para o delito de descumprimento de medidas protetivas. Redução da reprimenda imposta. Pleito de afastamento da suspensão condicional da pena que deve ser formulado perante o Juízo das Execuções. Precedentes. Recurso parcialmente provido. (TJ-SP - Apelação Criminal: 1500870-76.2020.8.26.0581 São Manuel, Relator: Xisto Albarelli Rangel Neto, Data de Julgamento: 31/01/2023, 13ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 31/01/2023) CONDENAÇÃO (MANTIDA). Forte nessas razões, rejeito o pleito absolutório quanto à prática dos delitos de ameaça e de descumprimento de medida protetiva. 2. Da dosimetria. A defesa pleiteia ainda a “redução da pena para o mínimo legal, com a concessão de regime aberto para cumprimento”. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE (INOBSERVADO). Embora conste, no pedido, tal pleito, sucede que, nas razões de pedir, a defesa deixou de mencionar qualquer vício a fixar a pena: limita-se a alegar que “o apelante é primário e possui bons antecedentes” e que a “dosimetria aplicada não respeitou integralmente o princípio da proporcionalidade”. Dessa forma, deixou de observar o princípio da dialeticidade. A propósito, orienta a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que: “O princípio da dialeticidade, nos termos do art. 932, inciso III, do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 3.º do Código de Processo Penal, impõe ao recorrente o ônus de demonstrar o desacerto da decisão agravada, impugnando direta e especificamente todos os seus fundamentos” (STJ, AgRg no AREsp 1684913/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, 6ªT., j.16/06/2020) [grifo nosso]. E, em caso assemelhado, decidiu: “Ressai evidente a deficiência das razões recursais no que se refere à adução do descabimento da valoração negativa da culpabilidade do agente. No ponto, a defesa não procurou esclarecer o motivo por que entende inadequado o desvalor atribuído à referida vetorial. Afirmar simplesmente que a censura à circunstância judicial se deu de modo indevido não preenche, à toda evidência, o requisito da dialeticidade inerente a qualquer hipótese recursal” (STJ, AgRg no REsp 1581137/RJ, Rel. Min. JORGE MUSSI, 5ªT., j.22/10/2019) [grifo nosso]. De mais a mais, constata-se que, na primeira fase da dosimetria de todos os crimes, não foram desvaloradas quaisquer circunstâncias judiciais, sendo então mantida a pena base no mínimo legal. De igual modo, não foram reconhecidas atenuantes ou agravantes na fase intermediária quanto aos crimes de lesão corporal e ameaça. Apenas quanto ao delito de descumprimento de medida protetiva foi reconhecida a atenuante da confissão, contudo, a sentenciante deixou de aplicá-la em razão da pena se encontrar no mínimo legal (Súmula 231 do STJ). À míngua de causas de aumento ou diminuição na fase final, a pena definitiva, em relação a todos os crimes, foi fixada no mínimo legal. Ademais, verifica-se que a magistrada já estabeleceu o regime aberto para cumprimento de pena. Logo, não se vislumbra vício a ser corrigido. Portanto, o pleito defensivo encontra-se prejudicado. 3. Do dispositivo. Posto isso, CONHEÇO, porém, NEGO PROVIMENTO ao recurso, com o fim de manter a sentença na sua integralidade, em consonância com o parecer do Ministério Público Superior. É como voto. DECISÃO Acordam os componentes da Egrégia 1ª Câmara Especializada Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Relator(a). Participaram do julgamento os(as) Excelentíssimos(as) Senhores(as) Desembargadores(as): PEDRO DE ALCANTARA DA SILVA MACEDO, SEBASTIAO RIBEIRO MARTINS e DR. RAIMUNDO HOLLAND MOURA DE QUEIROZ. Acompanhou a sessão, o(a) Excelentíssimo(a) Senhor(a) Procurador(a) de Justiça, ANTONIO IVAN E SILVA. Sala das Sessões do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, em Teresina, 23 a 30 de junho de 2025. Des. Pedro de Alcântara da Silva Macêdo - Presidente da Sessão e Relator -
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