Processo nº 1000753-59.2022.8.11.0042
ID: 259193186
Tribunal: TJMT
Órgão: Quarta Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1000753-59.2022.8.11.0042
Data de Disponibilização:
23/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MICHELLE MARIE DE SOUZA
OAB/MT XXXXXX
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KATIANA CORREA BAIA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000753-59.2022.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Inserção de dados falsos em sistema de informações] Rel…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000753-59.2022.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Inserção de dados falsos em sistema de informações] Relator: Des(a). JUVENAL PEREIRA DA SILVA Turma Julgadora: [DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, DES(A). HELIO NISHIYAMA] Parte(s): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), FRANCISCO LEONARDO BEZERRA CAVALCANTI FIORENTINO - CPF: 537.851.691-91 (APELANTE), KATIANA CORREA BAIA - CPF: 731.271.591-53 (ADVOGADO), MICHELLE MARIE DE SOUZA - CPF: 811.085.831-72 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). HELIO NISHIYAMA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. E M E N T A DIREITO PROCESSUAL PENAL. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. QUEBRA DE CADEIA DE CUSTÓDIA. INOCORRÊNCIA. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMAÇÕES PÚBLICAS POR FUNCIONÁRIO AUTORIZADO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação criminal interposta contra sentença que condenou o apelante à pena de 2 anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por restritivas de direitos, além de multa, pela prática do crime previsto no art. 313-A do Código Penal. A defesa pleiteia: (i) a revisão da negativa do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) pelo Ministério Público; (ii) o reconhecimento de nulidade por quebra da cadeia de custódia ante a ausência de perícia digital nos sistemas do DETRAN; (iii) a absolvição por ausência de provas da autoria e materialidade; e (iv) a aplicação do princípio da insignificância. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há quatro questões em discussão: (i) se o Poder Judiciário pode revisar o juízo discricionário do Ministério Público quanto à negativa do ANPP, principalmente quando a recusa foi confirmada pelo Procurador-Geral de Justiça, nos termos do art. 28-A, § 14, do CPP; (ii) se a ausência de perícia nos sistemas do DETRAN configura quebra de cadeia de custódia capaz de gerar nulidade; (iii) se há prova suficiente da autoria e materialidade do crime de inserção de dados falsos em sistema público; e (iv) se a conduta do apelante é insignificante a ponto de afastar a tipicidade material do crime. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O controle judicial sobre a negativa do ANPP limita-se à verificação da legalidade da recusa, sendo vedado ao Judiciário imiscuir-se no juízo de discricionariedade motivada do Ministério Público, sobretudo quando a negativa foi confirmada pelo Procurador-Geral de Justiça, nos termos do art. 28-A, § 14, do CPP. 4. A alegação de quebra de cadeia de custódia pela ausência de perícia digital nos sistemas do DETRAN não se sustenta, pois a defesa não requereu tal prova na instrução processual nem suscitou a questão em momento oportuno, invocando nulidade de algibeira apenas na fase recursal, sem demonstrar prejuízo. 5. A autoria e a materialidade do crime estão demonstradas por extratos de acesso ao sistema do DETRAN, que comprovam que o apelante utilizou credenciais de uso pessoal e intransferível para inserir informações falsas e obter isenção indevida no pagamento de taxa de R$180,00 relativa à transferência de propriedade de automóvel para si mesmo, locupletando-se em proveito próprio. 6. A inserção de dados falsos em sistema público configura conduta dolosa e ofensiva à moralidade administrativa, afastando a incidência do princípio da insignificância, nos termos da Súmula 599 do STJ. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. “O Poder Judiciário não pode revisar o juízo discricionário motivado do Ministério Público quanto à negativa do Acordo de Não Persecução Penal, especialmente quando a recusa for confirmada pelo Procurador-Geral de Justiça, nos termos do art. 28-A, § 14, do CPP.” 2. “A ausência de perícia nos sistemas do DETRAN não configura, por si só, quebra da cadeia de custódia, principalmente quando a defesa não requereu a prova na instrução processual e só suscitou a nulidade na fase recursal sem demonstrar prejuízo.” 3. “A autoria e materialidade do crime de inserção de dados falsos em sistema de informações públicas restam comprovadas pelos registros de acesso ao sistema, que vinculam o apelante à prática da fraude.” 4. “O princípio da insignificância não se aplica a crimes contra a administração pública, conforme Súmula 599 do STJ, especialmente quando a conduta é dolosa e causa prejuízo à moralidade administrativa.” ________________________________________ Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 28-A, § 14; art. 158-A; art. 571, II; art. 563. CP, art. 313-A. Súmula 599/STJ. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no REsp 2018531/TO, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, 5ª Turma, j. 09/10/2023, AgRg no HC 810.446/PB, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, j. 16/10/2023, AgRg no AREsp 2295047/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, j. 05/9/2023, AgRg no AREsp 1612006/DF (2019/0325925-8), relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, j. 09/3/2021, 6ª Turma, DJe 15/3/2021; TJMT, ApCr 78828/2018, relator Desembargador RONDON BASSIL DOWER FILHO, 2ª Câmara Criminal, Julgado em 20/03/2019, Publicado no DJE 02/04/2019; TJSP, ApCr 1506304-24.2019.8.26.0050, relator Desembargador Roberto Porto, j. 19/04/2024, 4ª Câmara de Direito Criminal, DJe 19/4/2024. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA (RELATOR) Egrégia Câmara: Cuida-se de recurso de apelação criminal tempestivamente interposto [certidão de tempestividade no id. 248016251] na forma do art. 593, I, do CPP, por advogada constituída na pessoa da Dra. Michelle Marie de Souza, em favor de Francisco Leonardo Bezerra Cavalcante Fiorentino, qualificado, em face da sentença lavrada em 11/9/2024, nos autos da ação penal n. 1000753-59.2022.8.11.0042, do Juízo da 7ª Vara Criminal da Capital, que o condenou à pena privativa de liberdade de 02 anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direito a serem especificadas pelo Juízo da Execução, e pagamento de 10 dias-multa, valor unitário mínimo, pela prática do crime tipificado no art. 313-A do CP, perpetrado no dia 28 de janeiro de 2013. Nas razões de apelação [id. 258815156], a defesa postula a nulidade por quebra da cadeia de custódia, na forma do art. 158 do CPP, salientando a ausência de perícia digital dos sistemas ou equipamentos utilizados à época dos fatos que assegure a autenticidade de dados eletrônicos a partir dos quais se descortinou a autoria delitiva. Além disso, repele a acusação, salientando que a condenação restou embasada exclusivamente no relatório de investigação preliminar e no depoimento de única testemunha, sem qualquer conclusividade quanto à autoria ou materialidade dos fatos, de modo que requer a absolvição por fragilidade probatória. Alega ainda, subsidiariamente, que o apelante agiu sem dolo específico, sem intencionar causar prejuízo a qualquer pessoa, ou mesmo à administração pública, já que “mesmo que tenha sido inserido informação errônea, não o foi de forma intencional, mesmo porque conforme demonstra o Apelante efetuou compra e venda com troca de veículo e a taxa do outro veículo que era muito maior fora devidamente quitada, o Apelante não obteve qualquer vantagem direta, pois as taxas foram pagas, conforme comprovado nos autos” [sic id. 258815156, p. 4]. Em seguida, aduz que o fato está permeado pela causa supralegal de exclusão da tipicidade material do fato, consistente na insignificância da conduta, que resultou na supressão de valor irrisório aos cofres públicos, na época, de apenas R$180,00, razão pela qual pugna pela absolvição por atipicidade material do crime. Por último, pede a reavaliação do ANPP negado pelo Ministério Público, sob o prisma de que o apelante não responde por outros processos como alegado pelo órgão ministerial. Em sede de contrarrazões [id. 262787298], a douta acusação repele as aduções defensivas pugnando pelo desprovimento do recurso defensivo, salientando que a realização de perícia digital dos sistemas e equipamentos é dispensável quando o crime já está comprovado por outros elementos de prova, no caso, o relatório de investigação preliminar e a prova testemunhal judicial, não havendo falar em quebra da cadeia de custódia da prova. Estabelece que o caso reporta a um conjunto probatório farto e coeso em sentido incriminador, nos termos do referido relatório de investigação preliminar e depoimento de testemunha, permitindo a mantença da condenação em seus termos, inclusive porque comprovado o dolo de obter vantagem indevida pelo não recolhimento das taxas para a transferência de propriedade de veículo automotor. Quanto à aplicação do princípio da insignificância em crimes contra a administração pública, ressalvou a aplicação da Súmula 599/STJ, que proíbe tal benefício. Por último, em relação à proposta de ANPP, assinala a preexistência de outros procedimentos contra o apelante para cuja apuração foi requisitada a instauração de inquérito policial, o que permite comprovar conduta criminal reiterada ou habitual, a repelir a aplicação do art. 28-A do CPP, por força do que preleciona o § 2º do referido dispositivo da lei processual penal. A apelação foi distribuída na modalidade sorteio ao Gabinete 1 da Quarta Câmara Criminal. O termo de análise de prevenção no id. 246650153 não apontou feitos capazes de ensejar a prevenção por cadeiras. A certidão no id. 246650155 assinala que o presente feito dispensa o recolhimento de preparo, nos termos do art. 77 do RITJMT. A douta Procuradoria de Justiça, em parecer subscrito pela eminente Dra. Ana Cristina Bardusco Silva, opinou pelo desprovimento do recurso: Apelação Criminal: Crime de inserção de dados falsos em sistema de informações (art. 313-A do CP) – I - Das Preliminares: a) Almejado reconhecimento da nulidade da sentença, consubstanciadas nas provas constantes nos autos, em razão da ausência de perícia e violação à cadeia de custódia – Inocorrência – In casu, poder-se-ia falar em quebra da cadeia de prova em benefício do apelante Francisco caso houvesse alguma malversação no âmbito do procedimento de preservação (no reconhecimento, no isolamento, na coleta, no transporte, no acondicionamento, etc.) por parte dos agentes responsáveis, alterando a natureza da prova de forma a influenciar o convencimento do julgador, hipótese que não é a dos autos – b) Pretendida aplicação do instituto despenalizador do acordo de não persecução penal (ANPP) – Inadmissibilidade – O acordo de não persecução penal é inaplicável ao caso, face ao não preenchimento do requisito constante do inc. II do §2º do art. 28-A da Lei de Ritos Penais – II. Mérito: a) Pleiteada absolvição do crime peculato digital (art. 313-A do CP), diante a insuficiência probatória e atipicidade da conduta - Princípio da Insignificância – Improcedência – Tratando-se de crimes contra a administração pública, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacífico, e inclusive sumulado, de que é descabido cogitar da insignificância, porquanto o objeto jurídico tutelado extravasa o simples prejuízo econômico, recaindo sobre a moralidade da Administração Pública – Súmula n. 599 do STJ – “O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública.” – Denota-se inexistir o atendimento aos vetores necessários ao reconhecimento da insignificância, em que pese a aparente inexpressividade do quantum beneficiado, o que acentua sobremaneira o grau de ofensividade e reprovabilidade do comportamento do apelante, na medida em que, por tão pouco, viu-se motivado a trair a confiança nele depositada pelo Estado e sociedade por variadas vezes, mormente no exercício de atividade pública – À evidência do arcabouço probatório, revela-se as teses de insuficiência probatória e ausência de dolo específico despropositadas e inconsistentes, eis que, ao revés do sustentado, é certo que a prova colhida nos autos da presente Ação Penal não deixa dúvidas acerca da dinâmica delitiva, ressurgindo perfectibilizado um cenário fático, ante a presença de elementos bastantes sólidos e idôneos para subsumir a conduta do insurgente, incorrendo na prática do delito de inserção de dados falsos em sistema de informação (art. 313-A do CP) – Pelo não acolhimento das preliminares suscitadas e, no mérito, pelo desprovimento do apelo interposto, mantendo-se incólume a sentença hostilizada [parecer, id. 263247763, pp. 12]. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA (RELATOR) Egrégia Câmara: O apelante Francisco Leonardo Bezerra Cavalcante Fiorentino, qualificado, foi denunciado, processado e condenado em face da sentença lavrada em 11/9/2024, nos autos da ação penal n. 1000753-59.2022.8.11.0042, do Juízo da 7ª Vara Criminal da Capital, que lhe impôs a pena privativa de liberdade de 02 anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direito a serem definidas na fase de execução penal, e pagamento de 10 dias-multa, valor unitário mínimo, pela prática do crime tipificado no art. 313-A, caput, do CP. Analiso primeiramente o pedido de revisitação da proposta de acordo de não persecução penal rejeitada pelo Ministério Público, e formulada em favor de Francisco Leonardo Bezerra Cavalcante Fiorentino, nos termos do art. 28-A, do CPP. A defesa assinala o suposto implemento das condições legalmente previstas. III.IV. PROPORCIONALIDADE E JUSTIÇA PENAL NEGOCIAL O Apelante preenche os requisitos do artigo 28-A do Código de Processo Penal para a celebração de um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), medida negada de forma injustificada pelo Ministério Público, que insiste em alegar que o Apelante responderia outros processos, o que não é verdade comprovado através das certidões negativas constantes nos autos, a falta de interesse só nós faz pensar como justificativa pelo valor insignificante, sendo muito mais caro ao erário público o processamento da presente demanda. Tal negativa contraria os princípios da proporcionalidade e da economia processual, requerendo a intervenção dos Doutos Desembargadores junto a Procuradoria caso não seja acolhido o requerimento de absolvição [id. 258815156, p. 8]. No caso em apreço, o beneplácito foi recusado em virtude da seguinte premissa: [...] o denunciado não preenche os requisitos legais negativos para oferta do acordo de não persecução penal, já que, a despeito de não haver registros em sua folha de antecedentes, extrai-se dos autos o envolvimento dele em outros fatos criminosos para cuja apuração foi requisitada a instauração de inquérito policial, o que denota conduta criminal reiterada e/ou habitual (art. 28-A, §2º, II, do Código de Processo Penal). Além disso, in casu, a avença penal não se mostra suficiente para a reprovação e a prevenção do crime, sobretudo para desencorajar outros servidores do Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso – DETRAN/MT a cometerem delito da mesma natureza (prevenção geral negativa) [id. 245483760, p. 1]. Em que pese a discordância expressada pelo apelante quanto à negativa do acordo, houve remessa dos autos ao órgão superior do Ministério Público, na forma do art. 28-A, § 14, do CPP, que prevê: Art. 28-A. [...] § 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código.(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência) Por sua vez, o Procurador-Geral de Justiça, no uso de suas atribuições legais e institucionais, na forma do art. 28-A, § 14, do CPP, recebeu a manifestação e manteve a negativa do ANPP, justificando que os registros criminais lançados contra o apelante permitiriam deduzir conduta criminal habitual e reiterada, a impedir o benefício, na forma do art. 28-A, § 2º, inciso II, do CPP: No presente caso, o Promotor de Justiça atuante não ofereceu ANPP por conta de ter solicitado a instauração de procedimento investigativo em desfavor do réu, em decorrência da identificação do seu envolvimento em pelo menos mais 05 (cinco) fatos criminosos descritos nos autos do Procedimento Atípico nº 322.10.2021.19462/PJC (Simp 000557-003/2021), do qual este feito fora desmembrado (ID 73881482 - Pág. 246). No caso, em consulta ao feito Simp 000557-003/2021 é possível averiguar que a requisição ministerial redundara na autuação do Auto de Investigação Preliminar nº 44/2022- DECCOR e do Inquérito Policial nº 59/2021-DECCOR (Pje 1003915- 62.2022.8.11.0042). Os referidos registros, somados à ação penal em análise, são suficientes para demonstrar a conduta criminal habitual e reiterada do denunciado. [decisão do Procurador-Geral de Justiça, id. 245485662, p. 4]. Na linha de intelecção dos tribunais superiores, compete ao Poder Judiciário exercer apenas e tão-somente o controle de legalidade do acordo de não persecução penal, para aferir se os requisitos mínimos necessários previstos na norma processual penal foram preenchidos. Logo, a recusa do ANPP desafia a remessa dos autos do órgão superior do Ministério Público, última instância para a análise do instituto, sendo proscrito ao Poder Judiciário se imiscuir no juízo de conveniência e oportunidade do Ministério Público acerca da suficiência e necessidade do benefício para reprovação e prevenção do crime. Nessa senda, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento uniforme de que “a possibilidade de oferecimento do acordo de não persecução penal é conferida exclusivamente ao Ministério Público, não constituindo direito subjetivo do investigado. Cuidando-se de faculdade do Parquet, a partir da ponderação da discricionariedade da propositura do acordo, mitigada pela devida observância do cumprimento dos requisitos legais, não cabe ao Poder Judiciário determinar ao Ministério Público que oferte o acordo de não persecução penal”[STJ, AgRgno REsp 2018531 TO 2022/0246186-1, Relator Ministro Joel Ilan Paciornik, j. 09/10/2023, 5ª Turma, DJe11/10.2023.] No mesmo raciocínio: [...] 1. Compete ao Poder Judiciário somente exercer o controle de legalidade do acordo de não persecução penal, para aferir se os requisitos mínimos necessários previstos na norma processual penal foram preenchidos. Contudo, caso não proposto o acordo de não persecução penal, o julgador não poderá se imiscuir no juízo de conveniência e oportunidade do Ministério Público acerca da suficiência e necessidade do benefício para reprovação e prevenção do crime. Com efeito, “a possibilidade de oferecimento do acordo de não persecução penal é conferida exclusivamente ao Ministério Público, não constituindo direito subjetivo do investigado. Cuidando-se de faculdade do Parquet, a partir da ponderação da discricionariedade da propositura do acordo, mitigada pela devida observância do cumprimento dos requisitos legais, não cabe ao Poder Judiciário determinar ao Ministério Público que oferte o acordo de não persecução penal” (STJ - AgRg no REsp: 2018531 TO 2022/0246186-1, Relator: Ministro Joel Ilan Paciornik, Data de Julgamento: 09.10.2023, Quinta Turma, Data de Publicação: DJe 11.10.2023). Sendo assim, havendo negativa devidamente fundamentada do Ministério Público para não propor o acordo de não persecução penal, tal decisão somente seria passível de controle pelo Procurador-Geral de Justiça, nos termos do art. 28-A, § 14, do Código de Processo Penal, caso houvesse provocação do apelante no prazo de 30 (trinta) dias, o que não ocorreu no caso em análise. [TJMT, ApCr 1000680-46.2022.8.11.0088, relator Desembargador LUIZ FERREIRA DA SILVA, 3ª Câmara Criminal, j. 11/9/2024, DJE 13/9/2024.] DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. TRÂNSITO EM JULGADO. APLICAÇÃO RETROATIVA. DIREITO SUBJETIVO DO RÉU. ORDEM DENEGADA. I. CASO EM EXAME 1. Habeas corpus impetrado contra coação ilegal consistente no não oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal. 2. Fatos relevantes: (i) denúncia recebida em desfavor do paciente na data de 21/novembro/2018, em relação ao delito de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, e sentença condenatória proferida em 17/agosto/2022, a qual transitou em julgado na data de 03/março/2023; (ii) ANPP não oferecido pelo Ministério Público sob a justificativa de que a benesse deve ser proposta antes do oferecimento da denúncia. 3. Requerimento: remessa dos autos ao Ministério Público, a fim de que seja proposto o Acordo de Não Persecução Penal. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 4. As questões em discussão incluem: (i) saber se o simples fato do paciente preencher os requisitos do artigo 28-A do Código de Processo Penal possibilita a propositura do ANPP; (ii) saber se é cabível a aplicação retroativa do acordo, em que pese o trânsito em julgado da sentença condenatória. III. RAZÕES DE DECIDIR 5. A propositura do ANPP não constitui direito subjetivo do paciente, mas sim poder-dever do Ministério Público, o qual deve avaliar o cumprimento das exigências legais, bem como se a medida é necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do delito. 6. O trânsito em julgado em julgado da sentença condenatória configura óbice à aplicação retroativa do Acordo de Não Persecução Penal, conforme os entendimentos das Cortes Superiores. IV. DISPOSITIVO 7. Ordem de habeas corpus denegada. ___________ Dispositivos relevantes citados: CPP, arts. 28-A, 621, 648, I; Lei n. 10.826/2003, art. 14. Jurisprudência relevante citada: STF, HC 185.913, AgRg no HC n. 233147; STJ, AgRg no HC n. 878.674, AgRg no AREsp n. 2.457.226. [TJMT, ApCr 1021419-42.2024.8.11.0000, relator Desembargador HELIO NISHIYAMA, 4ª Câmara Criminal, j. 01/10/2024, DJE 04/10/2024.] Assim, a rejeição da proposta de ANPP pelo Procurador-Geral de Justiça, na forma do art. 28-A, § 14, do CPP, torna inviável a discussão judicial do tema, e portanto, improcedente o reclamo defensivo que pede a reavaliação intempestiva da rejeição de proposta de ANPP ao apelante. Ato seguinte, a defesa suscita nulidade por quebra da cadeia de custódia, na forma do art. 158 do CPP, ante a ausência de perícia digital dos sistemas ou equipamentos utilizados à época dos fatos que assegure a autenticidade de dados eletrônicos a partir dos quais se descortinou a autoria delitiva. O conceito de cadeia de custódia está disciplinado no próprio texto do art. 158-A do CPP, como sendo “[...] o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.” Não se descura, pois, que, o correto resguardo da cadeia de custódia das provas “[...] garante o pleno exercício, em especial, do contraditório sobre a prova, possibilitando o rastreamento da prova apresentada e a fiscalização do histórico de posse da prova, a fim de aferir sua autenticidade e integridade” [cf. Bruna Martins Amorim Dutra e William Akerman, in Cadeia de custódia: arts. 158-A a 158-F do CPP. Pacote Anticrime. Análise crítica à luz da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais/Thomson Reuters, 2019, pp. 209-210.] No caso, a autoridade judiciária sentenciante não se manifestou a respeito dessa questão, surgida exclusivamente na apelação criminal, e, bem a propósito, em nenhum momento da persecução penal, anterior à sentença, a defesa perquiriu sobre a sobredita ausência de perícia sobre os sistemas ou equipamentos utilizados pelo apelante à época dos fatos, tampouco requereu a supressão dessa omissão. Sabe-se que, de acordo com o art. 571, inciso II, do CPP, impõe a quem alega o dever de provar a ocorrência de nulidade processual, em momentos processuais próprios, sob pena de preclusão. Art. 571. As nulidades deverão ser argüidas: [...] II - as da instrução criminal dos processos de competência do juiz singular e dos processos especiais, salvo os dos Capítulos V e Vll do Título II do Livro II, nos prazos a que se refere o art. 500; De acordo com entendimento pacífico do c. Superior Tribunal de Justiça, na interpretação do art. 571, II, do CPP, “[...] as nulidades ocorridas até o encerramento da instrução devem ser arguidas por ocasião das alegações finais, sob pena de convalidação. Precedentes. Na espécie, a tese de nulidade do feito por cerceamento de defesa foi suscitada apenas em sede de apelação, razão pela qual correta a conclusão do acórdão recorrido de que a nulidade suscitada foi alcançada pela preclusão” [STJ, AgRg no AREsp 693.151 – SP, 6.ª T., rel. Sebastião Reis Júnior, 01.03.2016, v.u.] Com efeito, a nulidade de algibeira, tal qual se apresenta o caso, retrata situação “[...] em que, após o esgotamento do trâmite processual, a defesa passa a arguir eventual ilegalidade como estratégia processual, em violação à boa-fé processual. Tal atitude não encontra ressonância no sistema jurídico vigente, que exige lealdade de todos os agentes processuais” [STJ, AgRg no HC n. 810.446/PB, relator Ministro Ribeiro Dantas, 5ª Turma, j. 16/10/2023, DJe de 19/10/2023.] No caso em apreço, conforme asseverado alhures, a combativa defesa não debateu a questão em primeiro grau, inclusive, durante a instrução criminal, não promoveu qualquer pedido de produção de prova ou de esclarecimentos sobre a aventada ausência de perícia nos sistemas e equipamentos, e, como tal, a autoridade judiciária não abordou o tema na sentença e nem foi instada aos devidos esclarecimentos por via dos embargos de declaração do art. 382 do CPP, como seria lícito esperar em casos tais. É certo, ainda, que no interrogatório judicial do apelante, ele mesmo não nega que tivesse sido efetivamente utilizado o seu login e senha para acesso aos sistemas, ao tempo em que também não soube dar qualquer esclarecimento sobre qual outra pessoa possa ter usado tais dados indevidamente para a prática do ato tido como criminoso. Sequer há qualquer inferência a propósito de eventual prejuízo concreto experimentado pela defesa do réu por conta de omissão a que esta mesma deu causa ao não provocar previamente as partes, testemunha e o próprio juízo a respeito da aventada ausência de perícia. Ora, se a defesa nada requereu e a autoridade judiciária sentenciante entendeu que a causa estava suficientemente madura para julgamento, com base no relatório técnico de natureza administrativa, detalhadamente mencionado pelo órgão acusador, e cujo teor não permite avençar qualquer irregularidade aparente, resta claro que a demanda anulatória é de todo despicienda in casu. Se ao corpo da comissão que julgou o procedimento administrativo disciplinar contra o apelante não há de se imputar qualquer falta ou outro tipo de motivação escusa para atuar deliberada e desfavoravelmente ao apelante, não há como demover a higidez da prova produzida ainda em sede inquisitorial, cujo contraditório, nesse caso, tratando-se de prova documental, é diferido. Trata-se, em realidade, de servidores indicados para realizar o múnus público de forma imparcial, e, portanto, revestidos de presunção de legalidade e legitimidade de seus atos e decisões. Não se evidencia, pois, a rigor, qualquer grau de abusividade da atividade persecutória pela ausência da realização de perícia não requerida e nem decidida em primeiro grau de jurisdição, de modo que sequer há como analisar o anseio defensivo sob o prisma do prejuízo à defesa, nos termos do art. 563 do CPP. Art.563.Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa. Não se vê, ainda, qual a dificuldade de verificar o conteúdo dos logs identificados nos extratos obtidos a partir dos autos de Investigação Preliminar n. 0179/2017, cuja autoria é imputada ao apelante que assume serem seus, mas não soube indicar quem deles teria feito uso indevido, tornando sibilina a necessidade de produção da prova pericial, máxime no caso em apreço, onde houve silêncio retumbante da defesa na fase da instrução processual. Com efeito, não havendo prévia provocação do Juízo de origem em sentido a obter prova pericial dos sistemas e dos equipamentos, bem como, diante da ausência de prejuízo manifesto à defesa, e, ainda, considerando que não há qualquer dificuldade em entender os meios pelos quais se obteve a identificação do responsável pela inserção de informação inverídica com a finalidade de obtenção de proveito próprio, não há como dar agasalho à tese anulatória vindicada pela defesa. Nesse sentido, mutatis mutandis: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. NULIDADE. CAPTURAS DE TELA DE DIÁLOGO TRAVADO ENTRE RÉU E VÍTIMA PELO APLICATIVO MESSENGER. AUSÊNCIA DE PERÍCIA PARA ATESTAR A AUTENTICIDADE DAS MENSAGENS. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. EVENTUAL ADULTERAÇÃO DA PROVA . AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. ART. 563, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PREJUÍZO CONCRETO NÃO EVIDENCIADO . PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. IMPOSSIBILIDADE . AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Como é cediço, "o instituto da quebra da cadeia de custódia diz respeito à idoneidade do caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, sendo certo que qualquer interferência durante o trâmite processual pode resultar na sua imprestabilidade. Tem como objetivo garantir a todos os acusados o devido processo legal e os recursos a ele inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e principalmente o direito à prova lícita" (AgRg no RHC n . 147.885/SP, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), SEXTA TURMA, julgado em 7/12/2021, DJe 13/12/2021). 2. É firme a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, não evidenciada a existência de adulteração da prova, supressão de trechos, alteração da ordem cronológica dos diálogos ou interferência de terceiros, não há falar em nulidade por quebra da cadeia de custódia. Precedentes. 3. Na hipótese dos autos, a Corte local afastou a preliminar de nulidade, assentando que as capturas de tela impugnadas pela defesa foram fornecidas pela própria vítima, interlocutora da conversa mantida com o recorrente, por meio do aplicativo Messenger, não se tratando o caso, portanto, de espelhamento de dados da conta do réu, tampouco de acesso, por terceiro, ao aplicativo instalado no aparelho desse (e-STJ fls . 584/585). O Tribunal de origem ressaltou, ainda, (i) que, na espécie, não há nenhum indicativo de exclusão do conteúdo do diálogo objeto das capturas de tela, e que eventual adulteração poderia ter sido comprovada pelo réu, o que não ocorreu (e-STJ fl. 585); (ii) que, "nem mesmo quando interrogado A. G . negou o teor da conversa, limitando-se a afirmar que não recorda se refutou a conjunção carnal ao responder a ofendida [...]" (e-STJ fl. 585); e (iii) que a prova consistente nos prints de tela da conversa mantida entre o réu e a vítima seria analisada em conjunto com os demais elementos probatórios constantes dos autos (e-STJ fl. 586). Assim, não comprovada pela defesa qualquer adulteração no iter probatório, não se verifica a alegada quebra da cadeia de custódia da prova. 4. Ademais, esta Corte Superior possui entendimento pacífico no sentido de que o reconhecimento de eventual nulidade, relativa ou absoluta, exige a comprovação de efetivo prejuízo, vigorando o princípio pas de nulité sans grief, previsto no art. 563, do CPP. Precedentes. No presente caso, a defesa não logrou demonstrar prejuízo em razão do alegado vício, tampouco comprovou cabalmente a ocorrência de adulteração de dados. 5. Outrossim, a desconstituição das conclusões alcançadas pelo Tribunal de origem, firmadas no sentido de que não foi constatado qualquer comprometimento do iter probatório, no intuito de abrigar a pretensão defensiva, demandaria, necessariamente, amplo revolvimento do conjunto fático-probatório, providência vedada em sede de recurso especial. Incidência da Súmula n . 7/STJ. 6. Agravo regimental não provido. [STJ, AgRg no AREsp 2295047/SC - 2023/0038784-8 - relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, j. 05/9/2023, 5ª Turma, DJe 08/9/2023.] Quanto ao pedido absolutório, melhor sorte não socorre a defesa. O relatório de investigação preliminar n. 179/2017 [id. 245483764, pp. 18-ss, reportando-se à vasta documentação encartada aos autos de inquérito policial, atestou de forma inequívoca que em 28/01/2013, o Coordenador de Agências Municipais do Departamento Estadual de Trânsito – DETRAN/MT, Francisco Leonardo Bezerra Cavalcante Fiorentino, fez uso indevido à credencial que possuía à época para acessar o sistema informatizado da autarquia, e com ele, deu início ao procedimento administrativo n. 29440/2013, cujo objeto era a transferência da propriedade do automóvel marca Mitsubishi, modelo L200 Triton, chassi 93FRKB9TCCB35952, código RENAVAM 336685688, placas OAS 1180/MT, da pessoa jurídica P.M BRIANTE – ME, em favor dele mesmo, gerando a guia de recolhimento da taxa de emissão do Certificado de Registro de Veículo – CRV, que não foi paga, porque lançou no sistema o comando de isenção com falsa informação de “erro ao fazer transferência” [vide extrato constante do id. 245483762, p. 22]. É possível identificar que o apelante foi o responsável pelo lançamento desses dados fraudulentos, a partir do acesso pelo login e senha de uso pessoal e intransferível deste último, decorrente do cargo em comissão ocupado na época, de Coordenador de Agências Municipais do Departamento Estadual de Trânsito [vide ficha funcional no id. 245483763, pp. 13-14], registros esses que permaneceram gravados no extrato no banco de dados da autarquia por meio do CPF do apelante, 537.851.691-91, no bojo do processo de transferência de propriedade registrado sob o protocolo 00029440/2013 [id. 245483762, p. 22]. Essa identificação de autoria do fato foi mencionada no Relatório de Investigação Preliminar n. 00029440/2013, verbis: De acordo com os extratos do sistema do DETRAN-MT juntados aos autos, é possível verificar que o servidor Francisco Fiorentino foi o responsável pela abertura dos processos de números 72020/2013 e 29440/2013, pelo cadastramento das vistorias nos processos n.s 270889/2012, 72020/2013 e 398189/2012, além de ter auditados processos n.s 38169/2013 e 259112/2012 [...] com relação à abertura do processo n. 29440/2013 (folhas 37 e 41), registra-se que no processo em questão o Sr. Francisco Fiorentino figura como interessado no serviço, uma vez que o veículo de placa OAS-1180 foi transferido para o seu nome. O fato de não constar no processo alguns documentos necessários para efetivação do procedimento não lhe pesam em desfavor pois nessa etapa os dados são apenas verificados pelo operador, sendo convalidados somente na etapa de auditoria, quando a ausência de sua juntada ao processo não pode ser ignorada. O que chama atenção nesse processo foi o fato de que logo após a abertura do processo o Sr. Francisco acessou o sistema DETRANNET e ISENTOU as taxas geradas em seu nome para efetivação do processo de transferência. Ou seja, mais uma vez o Sr. Francisco Fiorentino utilizou de seu acesso privilegiado ao sistema do DETRAN e desta vez isentou a si mesmo do pagamento das taxas relacionadas à transferência do veículo de placa OAS-1180 para seu nome, fazendo com que o processo de transferência em questão fosse concluído no tempo recorde de 06 (seis) minutos após sua abertura (folhas 48). Nesse caso, ao isentar as taxas em seu favor, o servidor não só inseriu dados falsos em sistema ao justificar a isenção com a informação de que houve ‘erro ao fazer a transferência’ (ver extrato às fls. 43) como também causou dano ao erário pela não arrecadação do tributo, podendo ainda caracterizar o cometimento de crimes como inserção de dados falsos [...] [id. 245483783, pp. 46-49]. Tais dados foram ratificados no despacho lavrado pelo insigne Promotor de Justiça da 18ª Promotoria de Justiça Criminal da capital, Especializada de Crimes Contra a Administração Pública, Ordem Econômica, Ordem Tributária, Relações de Consumo, Lavagem de Dinheiro e Organizações Criminosas, Dr. Carlos Roberto Zarour Cesar, id. 245483770, servindo de base para o oferecimento da denúncia, diante da suficiência dos dados relativos à caracterização do tipo penal do art. 313-A do CP, bem como, da autoria imputada ao apelante Francisco Leonardo Bezerra Cavalcante Fiorentino. Em Juízo, o apelante negou a imputação delitiva [relatório de mídias, id. 245485657], sem, contudo, conseguir explicar o motivo pelo qual consta o próprio login e senha para acesso e inserção dos dados fraudulentos no sistema do Departamento Estadual de Trânsito, na transferência de propriedade do automóvel em proveito próprio, mediante falsa isenção do pagamento da taxa respectiva, no importe de R$180,00. Confira-se, da transcrição feita na sentença, não impugnada especificamente pela defesa: (…) QUE sabe o que está na denúncia, mas que ficou sabendo aleatoriamente os fatos; QUE confirma que o veículo L200 Triton foi do interrogado; QUE na época tinha um carro que era financiado, que quitou o financiamento, deu em troca o carro e pegou a L200; QUE tinha uma Sorento na época; QUE deu ela de entrada e pegou a L200 Triton; QUE o interrogado ficou muito incrédulo quando viu a notícia; QUE quando soube da denúncia, foi atrás dos extratos bancários da época e viu que tinha a taxa paga do carro que o interrogado deu em troca para a garagem, uma taxa muito maior inclusive; QUE como o carro que o interrogado deu em troca era financiado, acredita que era de R$ 285,00; QUE buscou ela, que a Dra Michelle até tem esse extrato, que passou para ela; QUE causou estranheza porque quando surgiu a denúncia, foi procurar os extratos, que não sabe dizer o que aconteceu e porque está seu nome ali; QUE foi buscar dados e viu que não faz sentido o interrogado isentar uma taxa muito menor do que a do carro que ele entregou; QUE a taxa que pagou na mesma época é de R$ 285,00 e a taxa que está escrito que foi isenta é de R$ 180,00 e poucos reais; QUE não faz muito sentido o interrogado ter feito intencionalmente a isenção de uma taxa; QUE se fosse agir de má-fé ou intencionalmente era muito mais fácil isentar a taxa do carro que deu em troca que era muito maior; QUE isso não faz sentido; QUE outra coisa que lembrou e não faz sentido é que esse processo na época era físico, que ele estava disponível no setor para quem quisesse ver; QUE porque isentaria uma taxa de R$ 180 e poucos e deixaria a de R$ 285; QUE esse processo foi achado na correição; QUE uma pessoa que quer ocultar uma coisa errada, o que sua geração não permite, não faz sentido, que poderia tirar o processo de lá; QUE isso pegou o interrogado de supetão e abalou ainda mais sua saúde, que sempre foi uma pessoa de boa índole; (…) QUE não pode dizer que seu nome não está lá, mas que algo aconteceu, que de repente não foi o interrogado, que de repente está escrito que foi um erro e foi um erro mesmo; QUE não sabe dizer porque já faz muitos anos, mas que foi atrás de documentos e aí começou a entender que não fazia sentido isso, primeiro porque sabe de sua própria pessoa e que não faz sentido, o processo está ali, a taxa paga efetivamente foi maior; QUE nada disso faz sentido; QUE é isso que tem para dizer (…) QUE não pode afirmar que alguém usou sua senha, que era seu login e senha, mas não pode afirmar que foi o interrogado nem que não foi; (…) QUE não sabe dizer qual erro foi, se era reversível ou não, mas que nunca se beneficiou de alguma coisa errada, que isso vai contra sua índole (…) QUE acredita que já compartilhou sua senha, que seu setor era um setor que atendia o DETRAN inteiro; QUE não pode afirmar que outra pessoa sua senha; QUE o fato ocorreu há 10 anos; QUE muitas das vezes, como era chefe do setor e tinha muita demanda, muitas vezes como chefe deixava sua senha, mas que acontecia; QUE sabe que não era para acontecer, mas as vezes acontecia, que era muita demanda; QUE era uma carga de trabalho surreal pois atendia 64 Municípios que tomava conta e demandas do próprio DETRAN, sendo diretoria, presidência, diversas pessoas; QUE o setor foi extinto e passado depois para o RENAVAM. (…) [sentença, id. 245485673, pp. 4-6.] Por sua vez, a testemunha arrolada na denúncia e ouvida em Juízo, Felipe Santiago, que por ocasião dos fatos ocupava o cargo de Corregedor Setorial do DETRAN/MT e foi responsável por subscrever pelo Relatório da Investigação Preliminar nº 179/2017 (Protocolo n. 186230/2018), apenas confirmou o que já estava documentado nos autos, esclarecendo que o apelante, no uso indevido de suas credenciais decorrentes do cargo de Coordenador das Agências Municipais, promoveu a isenção ao pagamento da taxa de transferência do automóvel que pretendia transferir para o próprio nome, mediante lançamento de falsa informação de “erro ao fazer transferência” [vide extrato constante do id. 245483762, p. 22]. A testemunha esclareceu, ainda, com base nos extratos constantes dos autos, que o sistema DETRAN/NET indica qual o login e senha responsável por realizar a inserção dos dados e que essa senha é pessoal e intransferível, de modo que não haveria justificativa para o apelante ceder o seu uso para terceiros, máxime no caso de uma transferência de automóvel em proveito próprio. (…) QUE conheceu Francisco Leonardo; QUE na época existia uma coordenadoria que realizava o gerenciamento/coordenação das agências municipais de trânsito conveniadas com o DETRAN; QUE as agências municipais de trânsito são um convênio que o DETRAN faz com as Prefeituras; QUE onde não existia uma unidade do DETRAN, normalmente nas cidades muito pequenas, a Prefeitura sedia um espaço e um servidor e esse servidor trabalha fazendo alguns serviços do DETRAN; QUE o Francisco à época era coordenador das agências municipais, então as demandas que vinham dessas agências passavam por ele dentro do órgão; QUE nesta função de coordenador ele era exclusivamente comissionado; QUE ele tinha acesso a funções junto ao sistema DETRANNET; QUE com relação ao processo de veículos, como os servidores que trabalhavam nestas agências municipais não são servidores do DETRAN, não era permitido que eles fizessem auditoria do processo, que é a efetivação da inserção das informações no sistema; QUE quando se faz o processo de transferência, o atendente primeiro condensa as informações no sistema, gera as taxas e o veículo vai fazer uma vistoria, vai arrecadar os valores, aí ele volta pro servidor do DETRAN fazer conferência e inserir no sistema para sedimentar as informações até no campo nacional de informações; QUE por esse processo de auditoria ser tão delicado, nenhum servidor que não pertence ao DETRAN diretamente pode fazer, então o que acontecia nos processos de veículos, eles eram abertos nessas agências, esses processos vinham físicos até o DETRAN sede para que os servidores desse setor fizessem a auditoria desse processo e a efetivação das informações no sistema; QUE basicamente não era nem que eles inseriam as informações iniciais, eles convalidavam essas informações inseridas pelos servidores do interior nesses processos de veículos; QUE tomou conhecimento dos fatos, mas não lembra especificamente, acredita que encaminharam para a Delegacia de Combate à Corrupção; QUE tomou conhecimento enquanto servidor e gestor da unidade de correição do DETRAN, como forma de denúncia que foi encaminhada; QUE os detalhes específicos não consegue passar, mas que pelo contexto causou estranheza essa questão de isenção de taxas ser realizada pela coordenadoria de agências municipais; QUE qualquer setor do DETRAN que não esteja ligado diretamente à coordenadoria financeira ou coordenadoria de RENAVAM não tem acesso a essas isenções, sobretudo quando se trata de possíveis erros dentro de processos; QUE já trabalhou por sete anos na diretoria de veículos, que quando recebiam demandas de erro de inserção de taxas ou cobranças em duplicidade, era instaurado um processo interno administrativo e demandava para essas unidades, seja a coordenadoria financeira no caso de necessidade de ressarcimento/reconhecimento de taxa paga em duplicidade ou em caso de erro do servidor para suspensão deste débito o coordenador de RENAVAM vai analisar o processo de veículo e ver se esse processo realmente teve um erro para poder isentar essa taxa; QUE a primeira estranheza causada foi um servidor que não estava na coordenadoria financeira ou de RENAVAM fazer uma ação como essa, sobretudo em processo que o envolve; QUE não há no sistema e nos manuais de procedimento algo que diretamente afirme que o servidor não pode abrir um processo ou editar um processo que envolva seu nome; QUE o que há é a praxe, sendo que em processos que envolvem diretamente o depoente ele não costuma realizar auditoria desses processos, mas não há nada que aponte diretamente que é uma ação irregular; Ao ser perguntado se foi conferido que foi o login e senha do Francisco Leonardo que fez desde a abertura até a tentativa de isenção de taxa, relatou QUE logo no início do processo, quando puxa o extrato do processo, ele já indica que foi feito na senha pessoal e intransferível, indicando qual a pessoa que fez esse acesso, então no acesso que o depoente teve à época na DECCOR tinha o extrato do veículo em que direcionava esse tipo de informação; QUE não sabe dizer se o acusado conseguiu transferir o veículo sem pagar a taxa, que precisaria dar uma olhada; QUE nos casos em que identificam que houve uma isenção irregular, eles retornam o débito, mas que não lembra especificamente agora; QUE não chegou a falar com Francisco Leonardo especificamente sobre esse fato e que atuou como gestor da unidade de correição mesmo; QUE foi presidente de um processo administrativo disciplinar em desfavor do Francisco no ano de 2018, mas não foi relativo a esse fato, foi relativo a outro fato, mas especificamente sobre esse não participou da comissão, estava apenas como gestor da unidade; QUE não sabe dizer o resultado da apuração correicional desse caso; QUE ele foi desligado do cargo, mas à época ele foi desligado porque houve a extinção do setor; QUE houve uma grande reforma administrativa no DETRAN em 2014 e que em meados de 2014 ele foi desligado, uma leva de servidores tiveram o cargo comissionado extinto; QUE não pode afirmar com convicção de que foi ele o autor das inserções falsas, mas o que aparece no âmbito do processo é que todo mundo que acessa o sistema DETRANNET assina um termo de compromisso no qual o acesso é pessoal e intransferível, que não existe uma justificativa para você transferir esse acesso para um terceiro, porque todo mundo que trabalha no DETRANNET recebe os acessos do DETRAN relativos ao seu trabalho, então com convicção não pode dizer, mas pode dizer que ele estava compromissado junto ao DETRAN de que o acesso era pessoal e intransferível; (…) [depoimento de Felipe Santiago, transcrição da sentença, id. 245485673, pp. 4-6]. Claro e insofismável, assim, que o apelante, mediante seu acesso ao Sistema DETRANNET, inseriu informação falsa para obter proveito próprio, consistente na obtenção de vantagem indevida pelo não recolhimento da taxa de emissão do Certificado de Registro de Veículo – CRV, mediante concessão em nome próprio, de isenção falsa por “erro ao fazer transferência”, em detrimento do erário estadual. A pífia escusa apresentada pelo apelante é de todo inconsistente, já que ao mesmo tempo em que não nega que os registros dos extratos que evidenciam a conduta ilícita tenham sido efetuados com seu login e senha de uso pessoal de intransferível, de outro lado, anota que terceiras pessoas, não identificadas, dele teria feito uso sem seu consentimento, sem apresentar qualquer prova a respeito. Tenha-se em vista, a propósito, que a “[...] invocação de álibi transfere a quem o alega, o dever de comprova-lo, nos moldes do art. 156 da Lei Material Penal, ônus, que não satisfeito, desacredita a prova pretendida e corrobora a acusação.” [TJMT, ApCr 78828/2018, relator Desembargador RONDON BASSIL DOWER FILHO, 2ª Câmara Criminal, Julgado em 20/03/2019, Publicado no DJE 02/04/2019.] No caso, não houve qualquer evidência de culpa de terceiros no fato, até mesmo porque o próprio apelante era o beneficiário daquele fato, o que refuta qualquer sentido de que, ostentando credenciais e acesso ao sistema, tenha delegado a pessoas estranhas a incumbência de promover a isenção da taxa administrativa em proveito próprio, que sabia ser devida. Logo, restou comprovado o uso do acesso privilegiado ao sistema, devido ao cargo em comissão que ocupava, subsumindo a conduta à previsão do artigo 325, § 1º, II, do Código Penal, que ocorre quando o funcionário público, em razão do cargo, “utiliza, indevidamente, do acesso restrito”. O tipo penal do art. 313-A do CP, prevê: Inserção de dados falsos em sistema de informações Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: Pena — reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. Leciona Cezar Roberto Bitencourt, a respeito do crime encimado: A Lei n. 9.983, de 14 de julho de 2000, introduziu, dentre outras figuras penais, a presente infração, com o objetivo de criminalizar a conduta de funcionário público consistente na inserção de dados falsos, alteração ou exclusão indevidas de dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública, com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano. O projeto da referida lei previa, originalmente, a mesma infração penal, limitada, porém, à previdência social, consoante se depreende do seguinte texto: inserir o funcionário autorizado ou facilitar a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da previdência social com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano à essa instituição. Com o estrondoso progresso da tecnologia e, por consequência, a invasão e consagração da informática, as organizações públicas e privadas passaram a adotar universalmente os microprocessadores e microcomputadores, que passaram a ser a base de qualquer corporação, independentemente de suas importâncias e dimensões política, social ou econômica. No entanto, a popularização da informática facilitou seu uso também pelos particulares e, com a mesma eficiência que possibilita a estruturação dos serviços das grandes instituições, especialmente nas administrações públicas, torna-as também vulneráveis a todo tipo de pirataria, com riscos de produção de danos incalculáveis. Essas facilidades tanto para administrar quanto para fraudar, propiciadas pela informatização em massa, serve de justificativa para criminalizar condutas como a descrita no artigo ora em exame. 2. Bem jurídico tutelado Bem jurídico protegido é a Administração Pública, especialmente a probidade administrativa, não diferindo muito da proteção objetivada pela criminalização do peculato tipificado no art. 312, enfatizando-se principalmente a sua organização e eficiência indispensáveis para atingir os desideratos a que se propõe. Em sentido estrito, o bem jurídico tutelado é a segurança do conjunto de informações da Administração Pública, especialmente seu sistema informatizado que somente pode ser manuseado, modificado ou alimentado por funcionários devidamente autorizados e nos limites expressamente permitidos. Exatamente por isso pune-se o funcionário que, autorizado a manusear esses dados informatizados, adultera-os, seja incluindo dados falsos, seja excluindo ou alterando indevidamente dados corretos. [Código Penal Comentado. 7.ed. São Paulo; Saraiva, 2012, pp. 1136-1137 versão e-book.] Nessa esteira, caracterizado o crime do art. 313-A, do CP, que não admite forma culposa, improcede o anseio por absolvição decorrente de fragilidade probatória ou ausência de dolo. Nesse mesmo sentido: APELAÇÃO CRIMINAL – Inserção de dados falsos em sistema de informações público e violação de sigilo profissional por uso indevido de acesso restrito (art. 313-A e art. 325, § 1º, II, do CP)– Condenação – Recurso defensivo – Magistrado a quem é facultado o indeferimento de provas consideradas irrelevantes – Relatório de auditoria interna de órgão público apto a constituir meio de prova – Desnecessidade de perícia complementar – Ausência de determinação legal para tanto – Preliminar rejeitada – Materialidade e autoria demonstradas – Prova documental corroborada pela prova oral produzida em juízo – Exculpatória isolada – Uso indevido de acesso restrito que configurou meio de ocultação da autoria do crime de inserção de dados – Aplicação do princípio da consunção – Pena-base fixada no mínimo legal – Aumento pela continuidade delitiva em grau máximo – Critério objetivo relacionado ao número de reiterações delitivas – Regime aberto e substituição aplicados na origem – Recurso parcialmente provido. [TJSP ApCr 1506304-24.2019.8.26.0050, relator Desembargador Roberto Porto, j. 19/04/2024, 4ª Câmara de Direito Criminal, DJe 19/4/2024.] A propósito da pretendida incidência da causa supralegal de exclusão da tipicidade material do fato decorrente do princípio da insignificância, a defesa se ampara na relativização do enunciado da Súmula 599/STJ, para esclarecer que o fato em apreço comporta a solução absolutória. De acordo com o que consta das razões recursais, “[...] o valor correspondente é irrisório, com mínima ofensividade, bem como desde 2014 o Denunciado não trabalha em órgão público, não há sequer possibilidade que considerar reiteração do suposto ato praticado” [id. 258815156, p. 8]. Estabelece o verbete da Súmula 599/STJ: Súmula 599. O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública. Embora de fato, o c. Supremo Tribunal Federal, bem como o próprio Superior Tribunal de Justiça, tenha ressalvado, em alguns casos, a aplicação do princípio da bagatela em crimes contra a administração pública, fê-lo levando em consideração circunstâncias excepcionalíssimas, realmente despidas de qualquer significação penal, como no caso de crime de dano ao patrimônio público pela destruição de um cone de sinalização pública, avaliado em R$20,00 [representando menos de 3% do salário mínimo], perpetrado por idoso de 83 anos de idade [STJ, RHC 85272/RS (2017/0131630-4), relator Ministro NEFI CORDEIRO, j. 14/8/2018, 6ª Turma, DJe 23/8/2018], tendo como uma de suas balizas, portanto, a ausência completa de ofensividade da conduta e do resultado colimado, bem como, o valor da vantagem obtida, não superior a 10% do salário mínimo. No caso em apreço, contudo, trata-se de uma conduta premeditada que resultou em proveito superior a 10% do salário mínimo, praticada por meio de equipamentos eletrônicos e acesso restrito a sistemas da administração pública, imputada agente capaz, de razoáveis recursos financeiros em função do cargo que exercia, e em pleno uso das próprias faculdades mentais, ofendendo significativamente a moralidade administrativa, pessoa essa que, perquirida acerca do fato, sequer se dignou a assumir a prática do crime, indemonstrando, assim, qualquer sinal de arrependimento. Portanto, não havendo insignificância propriamente dita, na restrita acepção aceita pelos Tribunais Superiores, não há como conceder-lhe o beneplácito penal conclamado no anseio defensivo. Além disso, a mera devolução do valor sonegado não possui o condão de permitir a absolvição, servindo, se muito, como mera atenuante genérica [art. 65, III, “b”, in fine, do CP]. Confira-se, a respeito: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL. PENAL. FURTO SIMPLES. VIOLAÇÃO DO ART. 155 DO CP. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RES FURTIVAE: 1 NOTEBOOK AVALIADO EM R$ 1.300,00. BEM CUJO VALOR NÃO SE REVELA ÍNFIMO. REFERENCIAL ACIMA DE 10% DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. SÚMULA 599/STJ. ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA INTERCORRENTE. VERIFICAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DA SENTENÇA. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. JURISPRUDÊNCIA DO PLENÁRIO DO STF. HC N. 176.473/RR, DJE 6/5/2020. 1 . A despeito do bem furtado - um notebook HP, modelo Probook6465b, de cor marrom, marcado como patrimônio da Fundação Universidade de Brasília (FUB) n. 369544, avaliado em R$ 1.300,00 (mil e trezentos reais) - ter sido recuperado, é forçoso anotar que a incidência do princípio da insignificância afigura-se inviável no caso em tela. Se o valor do bem furtado era equivalente a mais de 10% do valor do salário mínimo vigente à época dos fatos, não se pode considerá-lo como inexpressivo, sendo descabida, por essa razão, a incidência do princípio da insignificância . 2. Nos termos da Súmula 599 do Superior Tribunal de Justiça, não é aplicável o princípio da insignificância no tocante a crimes praticados contra a Administração Pública, tal como ocorre na hipótese dos autos (AgRg no AREsp n. 1.602 .030/SE, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 29/10/2020). 3. A despeito do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o acórdão que mantém a condenação não ser marco interruptivo da prescrição, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em julgamento finalizado no dia 24 de abril de 2020, no HC n. 176 .473, publicado no dia 6/5/2020, assentou que: Nos termos do inciso IV do artigo 117 do Código Penal, o Acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório da sentença de 1º grau, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 17.4.2020 a 24 .4.2020. 4. Levando-se em consideração a publicação do acórdão da apelação em 1º/6/2018 (fl. 261), impõe-se a adoção do novo posicionamento do Plenário do Pretório Excelso, haja vista que o acórdão que julga a apelação sempre interrompe a prescrição. 5. Agravo regimental provido para conhecer do recurso especial e negar-lhe provimento. [STJ, AgRg no AREsp 1612006/DF (2019/0325925-8), relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, j. 09/3/2021, 6ª Turma, DJe 15/3/2021.] Ante o exposto, com o parecer, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto em prol de Francisco Leonardo Bezerra Cavalcante Fiorentino, qualificado, para manter incólume a r. sentença fustigada, em todos os seus termos. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/04/2025
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