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Edinara Charava Matos Dos Santos x Cooperativa De Credito, Poupanca E Investimento Ouro Verde Do Mato Grosso - Sicredi Ouro Verde Mt

ID: 323356426

Tribunal: TJMT Órgão: VARA ÚNICA DE MARCELÂNDIA Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1000815-24.2024.8.11.0109

Data de Disponibilização: 11/07/2025

Polo Ativo:

EDINARA CHARAVA MATOS DOS SANTOS

Polo Passivo:

COOPERATIVA DE CREDITO, POUPANCA E INVESTIMENTO OURO VERDE DO MATO GROSSO - SICREDI OURO VERDE MT

Sentença

Advogados:

JOSE SERGIO MARTINS RIBEIRO

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

EDUARDO CHALFIN

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE MARCELÂNDIA SENTENÇA Processo: 1000815-24.2024.8.11.0109 Autor: EDINARA CHARAVA MATOS DOS SANTOS Réu: COOPERATIVA DE CREDITO, POUPANCA E INVESTIME… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE MARCELÂNDIA SENTENÇA Processo: 1000815-24.2024.8.11.0109 Autor: EDINARA CHARAVA MATOS DOS SANTOS Réu: COOPERATIVA DE CREDITO, POUPANCA E INVESTIMENTO OURO VERDE DO MATO GROSSO - SICREDI OURO VERDE MT I – RELATÓRIO Edinara Charava Matos dos Santos ajuizou ação de cobrança de seguro cumulada com pedido de antecipação de tutela em face da Cooperativa de Crédito, Poupança e Investimento Ouro Verde do Mato Grosso – Sicredi Ouro Verde MT. A parte autora alegou ter firmado contrato de seguro com cobertura para invalidez permanente, total ou parcial, por acidente, e morte acidental, cada qual no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). Sustentou ter desenvolvido cegueira monocular, CID’s H54.4, H44.2 e H53.0, enquadrável como invalidez parcial permanente, motivo pelo qual pleiteou o pagamento da indenização securitária. Decisão recebendo a inicial e indeferindo o pedido de tutela de urgência (id. 168592897). A ré Sicredi apresentou contestação (id. 173133286), suscitando preliminar de ilegitimidade passiva, ao argumento de que apenas a seguradora seria parte legítima para responder pelo pagamento, bem como defendeu a improcedência dos pedidos por ausência de cobertura contratual para a hipótese. Por sua vez, a ré Icatu Seguros compareceu espontaneamente aos autos e apresentou defesa no id. 173137290, em que também defendeu a improcedência dos pedidos por ausência de cobertura contratual para a hipótese. Réplica no id. 173425419, em que impugnou a preliminar de ilegitimidade passiva da ré Sicredi, o recebimento da denunciação da lide e, no mérito rebateu os argumentos das defesas, e que a cegueira monocular deve ser reconhecida como deficiência visual ao pagamento do capital segurado. Intimadas acerca do interesse na produção de outras provas, requereram o julgamento do mérito. Encerrada a fase instrutória, vieram os autos conclusos para sentença. II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 DA PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA Rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pela ré. Verifica-se dos autos que a cooperativa requerida, além de estipulante do seguro contratado, figura como responsável direta perante seus cooperados na relação securitária firmada, agindo não apenas como intermediadora, mas como gestora da contratação coletiva junto à seguradora. Conforme entendimento consolidado, o estipulante possui legitimidade passiva ad causam para responder por demandas envolvendo a execução do contrato de seguro coletivo que gerencia, pois integra a cadeia de fornecimento e gestão contratual, sendo aplicáveis os artigos 7º, parágrafo único, e 25, §1º, do Código de Defesa do Consumidor. Confira-se: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA EM GRUPO. SEGURADORA E ESTIPULANTE DO CONTRATO. INDENIZAÇÃO . RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 284/STF. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO TIDO POR VIOLADO . ENTIDADES DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SÚMULA 83/STJ. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ARTIGO 1º DA LEI 109/2001 . INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS NºS 282 E 356/STF. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA DE ARGUMENTOS CAPAZES DE ELIDIR A DECISÃO RECORRIDA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO . (STJ - AgRg no AREsp: 347871 MS 2013/0159462-0, Relator.: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 25/11/2014, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/12/2014) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VIDA. COBRANÇA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA ESTIPULANTE . SEGURO RELAÇÃO DE CONSUMO. SEGURO CONTRATADO NO INTERIOR DO BANCO. SÚMULA Nº 83/STJ. QUESTÃO DECIDIDA COM BASE NAS CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS DA CAUSA . SÚMULA Nº 7/STJ. 1. "É parte legítima para responder à ação em que é cobrado o cumprimento do contrato de seguro o banco que divulga o produto, recebe o valor do prêmio, expede apólice e presta as informações necessárias ao segurado. Precedentes do STJ" (REsp 592 .510/RO, Rel. Ministro Barros Monteiro, DJ 3/4/2006). 2. "Na esteira de precedentes desta Corte, a oferta de seguro de vida por companhia seguradora vinculada a instituição financeira, dentro de agência bancária, implica responsabilidade solidária da empresa de seguros e do Banco perante o consumidor" (REsp 1 .300.116/SP, Rel. Ministra Nanacy Andrighi, DJe 13/11/2012). 3 . Estando o acórdão recorrido em perfeita harmonia com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça incide a Súmula nº 83 desta Corte, aplicável por ambas as alíneas do permissivo constitucional. 4. Para prevalecer a pretensão em sentido contrário à conclusão do Tribunal de origem quanto à solidariedade passiva do banco na demanda, mister se faz a revisão do conjunto fático dos autos, o que, como já decidido, é inviabilizado ante o óbice da Súmula nº 7 desta Corte. 5 . Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp: 1040622 RS 2008/0058736-2, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 19/11/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/12/2013) AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE AUTOMÓVEL. DEMANDA PROPOSTA CONTRA A ESTIPULANTE E A SEGURADORA . RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. APLICAÇÃO DA TEORIA DA APARÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO . 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, o estipulante, via de regra, não é parte legítima para figurar no polo passivo da demanda que busca o pagamento da indenização securitária, ressalvados os casos em que seu comportamento leva o contratante a crer que é responsável pela cobertura (teoria da aparência), situação demonstrada na hipótese dos autos. Incidência da Súmula 83/STJ. 2 . Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no AREsp: 1616332 MG 2019/0337588-7, Relator.: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 11/05/2020, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/05/2020) Assim, a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pela requerida é rejeitada. II.2. DENUNCIAÇÃO DA LIDE Inicialmente, a presente lide deve ser solucionada à luz do Código de Defesa do Consumidor, cujas normas são de ordem pública e de interesse e função social, de natureza cogente, como disposto no artigo 1º da legislação consumerista, que reconhece no consumidor a parte mais fraca na relação de consumo, afastando, assim, a igualdade formal das partes, tal como capitulada no Código Civil e outras leis, para acolher a vulnerabilidade do consumidor. Nesse sentido, a intervenção de terceiros nas demandas regidas pelo CDC é restrita, em proteção ao consumidor, evitando que a relação jurídica se torne complexa e gere maior morosidade no trâmite processual. Por isso, a legislação especial vedou expressamente a denunciação da lide no art. 88 do CDC, permitindo-se tão somente, o acionamento da seguradora pela parte ré em existindo seguros de responsabilidade (art. 101 do CDC). É o que se observa da jurisprudência do STJ: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ERRO MÉDICO. RELAÇÃO DE CONSUMO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. IMPOSSIBILIDADE. VEDAÇÃO. CDC. INCIDÊNCIA. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA. SÚMULA N.º 568 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.1. A jurisprudência desta Corte é firme em asseverar o não cabimento do instituto da denunciação da lide (art. 88 do CDC), que não se restringe às hipóteses de fato do produto ou serviço, aplicando-se, inclusive, aos casos de acidentes de consumo (arts. 12 e 14 do CDC).Precedentes.2. Não sendo a linha argumentativa apresentada capaz de evidenciar a inadequação dos fundamentos invocados pela decisão agravada, o presente agravo não se revela apto a alterar o conteúdo do julgado impugnado, devendo ele ser integralmente mantido em seus próprios fundamentos.3. Agravo interno não provido.(AgInt no AREsp n. 2.134.523/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 3/4/2023, DJe de 10/4/2023.) (grifos nossos) Por esse motivo, rejeito o ingresso da parte ICATU SEGUROS S/A na lide. II.2 – MÉRITO O feito comporta julgamento antecipado, uma vez que a questão objeto da demanda é preponderantemente de direito, inexistindo a necessidade de produção de outras provas, conforme, inclusive rejeitado pelas partes, nos termos do art. 355, I, do CPC. A lide versa sobre cobrança de indenização securitária por invalidez parcial permanente decorrente de cegueira monocular. Nos termos do artigo 757 do Código Civil, pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. O artigo 759 dispõe que o segurador responde pelos riscos assumidos, nos termos da apólice. Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada. Art. 759. A emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco. No presente caso, conforme os documentos constantes dos autos, em especial o contrato firmado entre as partes, verifica-se que a cobertura contratual exclui a hipótese de cegueira monocular como evento gerador de indenização por invalidez parcial permanente. A cláusula que delimita os riscos cobertos restringe a cobertura a eventos expressamente previstos na apólice, não abrangendo a condição apresentada pela autora. Ainda que a parte autora sustente a aplicação da Lei nº 14.126/2021, que reconhece a cegueira monocular como deficiência sensorial, referido diploma legal não possui comando normativo que obrigue a seguradora a pagar indenização securitária em hipóteses não previstas contratualmente, pois não altera a natureza do contrato de seguro, regido pela autonomia privada e pelo princípio da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda). Não há que se falar em abusividade da cláusula contratual, na forma do art. 51 do CDC, previamente estabelecida, notadamente quando o custo do prêmio foi categorizado nos termos do risco assumido, o qual não contemplou a hipótese pretendida pela autora. Nesse sentido, é o posicionamento jurisprudencial: SEGURO DE VIDA EM GRUPO E ACIDENTES PESSOAIS – PERDA DA VISÃO DE UM OLHO – PREJUDICIAL DE PRESCRIÇÃO ACOLHIDA NESTA INSTÂNCIA – REFORMA PELO TRIBUNAL SUPERIOR – ANÁLISE DO MÉRITO – Invalidez parcial e permanente em decorrência da perda da visão do olho esquerdo – Ausência de cobertura para invalidez parcial por doença – Acidente não verificado – Indenização indevida – Risco não coberto – Interpretação do contrato que deve ser restritiva, e não ampliativa, não havendo como se exigir o pagamento de indenização sobre riscos não cobertos – Sentença de procedência reformada – Recurso provido. (TJ-SP - AC: 10052280220148260566 SP 1005228-02.2014.8 .26.0566, Relator.: Carlos Nunes, Data de Julgamento: 21/08/2018, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/08/2018) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO COLETIVO DE VIDA. INVALIDEZ FUNCIONAL PERMANENTE TOTAL POR DOENÇA .. PERDA DA VISÃO DO OLHO DIREITO. LAUDO PERICIAL. ENFERMIDADE QUE IMPEDE O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE COMO MOTORISTA. MANUTENÇÃO DA CAPACIDADE AUTONÔMICA . COBERTURA AFASTADA. NÃO MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS PORQUE FIXADOS NO MÁXIMO LEGAL. SENTENÇA MANTIDA. 1 . O contrato de seguro de vida se sujeita ao Código de Defesa do Consumidor, dada a assimetria da relação jurídica estabelecida entre segurado e segurador. 2. ?Não é ilegal ou abusiva a cláusula que prevê a cobertura adicional de invalidez funcional permanente total por doença (IFPD) em contrato de seguro de vida em grupo, condicionando o pagamento da indenização securitária à perda da existência independente do segurado, comprovada por declaração médica? (Tema 1068 do STJ). 3 . No caso, o autor apresenta cegueira monocular (olho direito), condição que, embora seja irreversível, não implicou perda da capacidade de existência independente, conforme concluíram os laudos judiciais. Julgamento de improcedência. Sentença mantida. 4 . Não se majora os honorários advocatícios quando fixados no máximo legal.RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-GO - Apelação Cível: 0066656-69.2015 .8.09.0168 ÁGUAS LINDAS DE GOIÁS, Relator.: Des(a). Sirlei Martins da Costa, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: (S/R) DJ) Não há nos autos elementos que afastem as disposições contratuais. Tampouco foi produzida prova pericial que atestasse eventual divergência médica quanto à caracterização de invalidez parcial permanente nos moldes cobertos pela apólice. A mera condição de deficiência sensorial não implica obrigação automática de indenização pela seguradora, devendo sempre haver previsão contratual expressa, conforme entendimento jurisprudencial consolidado nos tribunais, segundo o qual a seguradora somente responde por riscos expressamente cobertos no contrato de seguro. Diante disso, não há fundamentos jurídicos ou probatórios para acolher o pedido da autora. III – DISPOSITIVO Ante o exposto, nos termos do art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial. Rejeito a denunciação da lide e o ingresso da parte ICATU SEGUROS S/A na demanda. Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §2º, do CPC, ficando a exigibilidade suspensa por força da gratuidade da justiça deferida, nos termos do artigo 98, §3º, do CPC. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Em sendo interposta apelação por qualquer das partes, intime-se a parte recorrida para, no prazo de 15 (quinze) dias, apresentar contrarrazões ao recurso interposto. Transcorrido o prazo sem contrarrazões, o que deverá ser certificado, ou tão logo apresentadas estas, remetam-se os autos ao egrégio Tribunal de Justiça, independentemente de juízo de admissibilidade (art. 1.010, § 3º, do Código de Processo Civil). Não interposto recurso, certifique-se o trânsito em julgado e, ato contínuo, promova-se o arquivamento dos autos com a devida baixa no PJe. Marcelândia/MT, datado eletronicamente. Louísa Rachel Medeiros Florentino Imperador Juíza Substituta

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Processo nº 1000714-86.2025.8.11.0000

ID: 305596517

Tribunal: TJMT Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado Classe: EMBARGOS DE DECLARAçãO CíVEL Nº Processo: 1000714-86.2025.8.11.0000

Data de Disponibilização: 24/06/2025

Polo Ativo:

J.R SANTOS RIOS

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

THIAGO JUNIOR TREVISOL

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000714-86.2025.8.11.0000 Classe: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) Assunto: [Rescisão / Resolução, Compra e Ve… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000714-86.2025.8.11.0000 Classe: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) Assunto: [Rescisão / Resolução, Compra e Venda, Posse] Relator: Des(a). MARCIO VIDAL Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [THIAGO JUNIOR TREVISOL - CPF: 021.191.501-76 (ADVOGADO), J.R SANTOS RIOS - CNPJ: 30.347.762/0001-20 (EMBARGANTE), QQ TRANSPORTES LTDA - CNPJ: 38.246.558/0001-24 (EMBARGADO), SUELI QUINTILHANO QUEIROZ - CPF: 848.373.579-20 (EMBARGADO), SILVANO ALCEU KOCH - CPF: 001.727.841-40 (TERCEIRO INTERESSADO), LUIZA LAUTERT SERRA - CPF: 059.410.431-98 (ADVOGADO), CARLOS EDUARDO BELLOTTI DE REZENDE - CPF: 271.555.918-66 (ADVOGADO), HEMELLY BURATTO - CPF: 989.556.081-87 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, ACOLHEU OS EMBARGOS, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, DES. MÁRCIO VIDAL. Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO APRECIAÇÃO DE PEDIDO DE REDESIGNAÇÃO DE SESSÃO DE JULGAMENTO. IMPEDIMENTO PARA SUSTENTAÇÃO ORAL. NULIDADE DO ACÓRDÃO. EMBARGOS ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES. I. CASO EM EXAME 1. Embargos de Declaração opostos por JR Santos Rios – ME contra acórdão que negara provimento a Agravo de Instrumento, interposto em face de decisão que deferiu tutela de urgência na Ação de Rescisão Contratual c/c Perdas e Danos e Reintegração de Posse, ajuizada por QQ Transportes Ltda. O Embargante alega omissão relevante quanto à não apreciação de pedido tempestivo de redesignação da sessão de julgamento, que inviabilizou o exercício do direito à sustentação oral. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) verificar se houve omissão no acórdão embargado quanto ao pedido tempestivo de redesignação da sessão de julgamento, com prejuízo à sustentação oral requerida; e (ii) apurar se tal omissão caracteriza cerceamento de defesa, ensejando a nulidade do julgamento. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O artigo 937, VIII, do CPC, assegura o direito à sustentação oral, cuja inobservância implica cerceamento de defesa e nulidade do julgamento. 4. O Embargante protocolou pedido tempestivo e devidamente instruído, requerendo redesignação da sessão remarcada para 28/03/2025, alegando justo impedimento. 5. A Câmara julgadora deixou de apreciar o pedido, realizando o julgamento na ausência do Recorrente, sem garantir-lhe a sustentação oral expressamente requerida. 6. A omissão compromete a validade do acórdão, por violar garantias processuais fundamentais, como o contraditório e a ampla defesa. 7. Verificada a omissão e a gravidade da consequência processual, impõe-se o acolhimento dos embargos de declaração com efeitos infringentes, para declarar a nulidade do acórdão. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Embargos de Declaração acolhidos com efeitos infringentes. Tese de julgamento: 1. A omissão quanto à análise de pedido tempestivo de redesignação de sessão de julgamento, quando fundado em justo impedimento e instruído com requerimento de sustentação oral, configura cerceamento de defesa e acarreta a nulidade do acórdão. 2. É cabível o acolhimento de embargos de declaração com efeitos infringentes para suprir omissão que comprometa direito fundamental processual da parte. Dispositivos relevantes citados: CPC/2015, arts. 937, VIII; 1.022, II; 489, §1º, IV. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. MÁRCIO VIDAL Egrégia Câmara, Trata-se de Embargos de Declaração, opostos por JR Santos Rios – ME, contra o Acórdão proferido por esta Câmara de Direito Privado, que, à unanimidade, negou provimento ao Agravo de Instrumento interposto contra a decisão que deferiu o pedido de tutela de urgência formulado nos autos da Ação de Rescisão Contratual c/c Perdas e Danos e Reintegração de Posse, ajuizada pela empresa QQ Transportes Ltda. O Embargante sustenta, preliminarmente, a existência de omissão no acórdão embargado quanto à análise do pedido tempestivo de redesignação da sessão de julgamento, o qual, embora regularmente formulado, não foi apreciado, inviabilizando a realização da sustentação oral previamente requerida. Assevera que referida omissão configurou cerceamento de defesa, por ter obstado o pleno exercício do contraditório e a adequada exposição de suas razões recursais. Ressalta que a sustentação oral é direito assegurado constitucionalmente e regulamentado pelo artigo 937, VIII, do CPC, sendo a sua preterição causa de nulidade do julgamento. Defende, ainda, que há omissão relevante no acórdão embargado, na medida em que o relatório descreve corretamente sua atuação como terceiro adquirente do bem litigioso, com base em contrato celebrado com o réu da ação originária (Silvano Alceu Koch), destacando os pagamentos efetuados, inclusive mediante dação em pagamento e transferências bancárias, bem como a existência de contrato de arrendamento registrado na ANTT, com anuência dos agravados. No entanto, a fundamentação do acórdão, segundo o Embargante, desconsidera essa posição, adotando premissas fáticas distintas e incompatíveis, tratando-o como se fosse o Réu da ação originária. Aduz que o acórdão não enfrentou a tese central quanto à inoponibilidade da cláusula de reserva de domínio ao terceiro adquirente de boa-fé, diante da ausência de registro do contrato no domicílio do comprador, conforme determina o artigo 522 do Código Civil. Requer que tal omissão seja suprida, inclusive para fins de prequestionamento. As contrarrazões foram apresentadas (id. 280894898). É o relatório. V O T O EXMO. SR. DES. MÁRCIO VIDAL (RELATOR) Egrégia Câmara: Conforme explicitado no relatório, trata-se de Embargos de Declaração, opostos por J R Santos Rios – ME, contra o Acórdão proferido por esta Câmara de Direito Privado, que, à unanimidade, negou provimento ao Agravo de Instrumento interposto contra a decisão que deferiu o pedido de tutela de urgência formulado nos autos da Ação de Rescisão Contratual c/c Perdas e Danos e Reintegração de Posse, ajuizada pela empresa QQ Transportes Ltda., cuja ementa abaixo se reproduz: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C PERDAS E DANOS E TUTELA DE URGÊNCIA DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE VEÍCULO. CLÁUSULA DE RESERVA DE DOMÍNIO. INADIMPLEMENTO. CONSTITUIÇÃO EM MORA DO DEVEDOR. TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Agravo de Instrumento interposto por JR Santos Rios – ME contra decisão do Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Lucas do Rio Verde, que deferiu tutela de urgência para determinar a entrega do veículo objeto da lide à parte agravada, no bojo da Ação de Rescisão Contratual c/c Perdas e Danos e Tutela de Urgência de Reintegração de Posse. II. Questão em discussão 2. A controvérsia recursal cinge-se à possibilidade de manutenção da decisão que concedeu a tutela de urgência, considerando: (i) a existência de cláusula de reserva de domínio no contrato de compra e venda celebrado entre as partes originárias e (ii) a constituição em mora do devedor. III. Razões de decidir 3. A tutela de urgência foi corretamente concedida pelo juízo de origem, diante da demonstração da probabilidade do direito e do risco de dano irreparável, nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil. 4. O contrato celebrado entre os Agravados e o vendedor original prevê a cláusula de reserva de domínio, condicionando a transferência da propriedade à quitação integral do preço, circunstância que legitima a reintegração de posse em caso de inadimplemento. 5. A mora restou configurada pela notificação extrajudicial e protesto do contrato, conforme prevê o art. 525 do CC/2002, o que reforça o direito dos agravados à retomada do bem. 6. O perigo de dano decorre da natureza do bem litigioso, um veículo de fácil remoção e depreciação, justificando a concessão da tutela de urgência para evitar prejuízos irreparáveis ao legítimo proprietário. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso desprovido. Tese de julgamento: "Nos contratos de compra e venda com cláusula de reserva de domínio, a constituição em mora do devedor e o inadimplemento justificam a concessão de tutela de urgência para a reintegração de posse do bem.". Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 522 e 525; CPC/2015, art. 300. Jurisprudência relevante citada: TJ-MT, AI 1000815-94.2023.8.11.0000; TJ-MT, AI 1012423-65.2018.8.11.0000. Inicialmente, é importante considerar que cada recurso, previsto no ordenamento jurídico pátrio, possui objetivo específico, e os embargos de declaração se prestam a integrar, ou aclarar, as decisões judiciais, em sua totalidade, quando nelas existirem pontos omissos, obscuros ou contraditórios, e, ainda, para a correção de eventual erro material. Caso não existam, na decisão judicial embargada, tais defeitos de forma, não há interpor embargos de declaração, pois estes não devem ser utilizados para o reexame e novo julgamento do que já foi decidido, dado que, para tanto, há o recurso próprio previsto na legislação. Entrementes, a doutrina e a jurisprudência admitem, em situações excepcionalíssimas, a modificação da decisão recorrida por intermédio da oposição dos Declaratórios, quando conferidos ao recurso efeitos modificativos ou infringentes. Destaca-se, ainda, que tal admissibilidade é restrita aos casos de correção de patente erro material ou quando, suprida uma omissão ou uma contradição, a modificação for consequência lógica e inevitável do saneamento dos referidos vícios. Em síntese, o recurso de embargos de declaração, previsto no artigo 1.022, do CPC, é cabível contra qualquer decisão judicial (caput); para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição (inciso I); para suprir omissão (inciso II) e para corrigir erro material (inciso III). O parágrafo único do referido dispositivo legal conceitua a decisão omissa, como sendo aquela que deixa de se manifestar sobre a tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência, aplicável ao caso sob julgamento (inciso I) ou aquela que incorrer em qualquer das condutas descritas no artigo 489, § 1o (inciso II). O artigo 489, § 1o, elenca as hipóteses em que uma decisão judicial não é considerada fundamentada. Veja-se: Art. 489. [...]. § 1o - Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. (Negritei). Nessa senda, não há dúvidas de que o Julgador, ao analisar os embargos de declaração, está obrigado a apreciar as teses que sejam capazes de infirmar os argumentos deduzidos na decisão embargada e, de consequência, alterar a conclusão nela adotada. Nesse sentido, perfilho o seguinte julgado: PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC – VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO NCPC – OMISSÃO – NÃO CONFIGURADA – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. 1. (...). 3. A omissão que enseja o oferecimento de embargos de declaração consiste na falta de manifestação expressa sobre algum fundamento de fato ou de direito ventilado nas razões recursais e sobre o qual deveria manifestar-se o juiz ou o tribunal, e que, nos termos do NCPC, é capaz, por si só, de infirmar a conclusão adotada para o julgamento do recurso (arts. 1.022 e 489, § 1º, do NCPC). 4. (...). (EDcl no AgRg no AREsp 677.625/SP - Rel. Ministro Moura Ribeiro - Terceira Turma - julgado em 19/05/2016 - DJe 24/05/2016). (Destaquei). No caso em apreço, verifica-se que assiste razão ao Embargante ao apontar omissão relevante no acórdão embargado, apta a ensejar a sua nulidade. Consta dos autos que o julgamento do Agravo de Instrumento inicialmente foi pautado para ocorrer em ambiente virtual, entre os dias 18 e 19 de março de 2025, tendo sido posteriormente redesignado para sessão presencial marcada para o dia 25/03/2025. Contudo, por deliberação do Presidente da Câmara, em razão de evento institucional, a sessão foi transferida para o dia 28/03/2025, às 9h, por videoconferência, conforme certificado nos autos. Veja-se: Certifico que, por deliberação do Presidente da 5ª Câmara de Direito Privado - Exmo. Sr. Des. Sebastião de Arruda Almeida, em razão da Sessão Solene de Posse do Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito Jones Gattass Dias no cargo de Desembargador desta Corte, a sessão do dia 25.3.2025 foi transferida para o dia 28.3.2025 (sexta-feira), com início às 9 horas, por videoconferência. Em 25/03/2025, o patrono do Embargante protocolou petição requerendo, de forma expressa e tempestiva, a redesignação da sessão de julgamento, alegando justo impedimento para comparecimento na data remarcada, em razão de compromisso profissional assumido com antecedência – curso agendado para ocorrer entre os dias 28 e 30 de março, na cidade de Barueri/SP. O pedido foi devidamente instruído e demonstrava de forma clara a impossibilidade de participação na sessão remarcada, bem como a intenção inequívoca de realizar sustentação oral, prerrogativa conferida pelo artigo 937, inciso VIII, do Código de Processo Civil. Ocorre que, apesar da formulação regular do requerimento, não houve qualquer apreciação por parte deste Órgão Colegiado antes da realização do julgamento do recurso, ocorrido em 28/3/2025. Nesse contexto, a ausência de manifestação acerca do pedido de redesignação e a consequente realização do julgamento sem oportunizar ao recorrente o exercício do direito à sustentação oral, expressamente requerido, configuram vício insanável, que compromete a validade do acórdão proferido. Dessarte, a omissão quanto ao enfrentamento de pleito que diz respeito ao exercício de garantia processual fundamental (o contraditório e a ampla defesa) implica em flagrante cerceamento de defesa, sobretudo quando o julgamento do recurso se dá em manifesta afronta ao pedido tempestivamente deduzido pela parte. Daí decorrente, é forçoso reconhecer o equívoco ocorrido e acolher os embargos de declaração, conferindo-lhes efeitos modificativos, a fim de suprir a omissão apontada e declarar a nulidade do acórdão embargado. Forte nessas razões, ACOLHO os Embargos de Declaração opostos por JR Santos Rios – ME, aplicando-lhe efeitos infringentes, a fim de suprir a omissão apontada e decretar a nulidade do acórdão embargado, para que seja o recurso de Agravo de Instrumento submetido a novo julgamento, em sessão designada com a devida ciência às partes, assegurando-se ao Recorrente o pleno exercício da sustentação oral previamente requerida. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 17/06/2025

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Processo nº 1000714-86.2025.8.11.0000

ID: 305596534

Tribunal: TJMT Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado Classe: EMBARGOS DE DECLARAçãO CíVEL Nº Processo: 1000714-86.2025.8.11.0000

Data de Disponibilização: 24/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

QQ TRANSPORTES LTDA SUELI QUINTILHANO QUEIROZ

Acórdão

Advogados:

LUIZA LAUTERT SERRA

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HEMELLY BURATTO

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CARLOS EDUARDO BELLOTTI DE REZENDE

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000714-86.2025.8.11.0000 Classe: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) Assunto: [Rescisão / Resolução, Compra e Ve… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000714-86.2025.8.11.0000 Classe: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CÍVEL (1689) Assunto: [Rescisão / Resolução, Compra e Venda, Posse] Relator: Des(a). MARCIO VIDAL Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [THIAGO JUNIOR TREVISOL - CPF: 021.191.501-76 (ADVOGADO), J.R SANTOS RIOS - CNPJ: 30.347.762/0001-20 (EMBARGANTE), QQ TRANSPORTES LTDA - CNPJ: 38.246.558/0001-24 (EMBARGADO), SUELI QUINTILHANO QUEIROZ - CPF: 848.373.579-20 (EMBARGADO), SILVANO ALCEU KOCH - CPF: 001.727.841-40 (TERCEIRO INTERESSADO), LUIZA LAUTERT SERRA - CPF: 059.410.431-98 (ADVOGADO), CARLOS EDUARDO BELLOTTI DE REZENDE - CPF: 271.555.918-66 (ADVOGADO), HEMELLY BURATTO - CPF: 989.556.081-87 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, ACOLHEU OS EMBARGOS, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, DES. MÁRCIO VIDAL. Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO APRECIAÇÃO DE PEDIDO DE REDESIGNAÇÃO DE SESSÃO DE JULGAMENTO. IMPEDIMENTO PARA SUSTENTAÇÃO ORAL. NULIDADE DO ACÓRDÃO. EMBARGOS ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES. I. CASO EM EXAME 1. Embargos de Declaração opostos por JR Santos Rios – ME contra acórdão que negara provimento a Agravo de Instrumento, interposto em face de decisão que deferiu tutela de urgência na Ação de Rescisão Contratual c/c Perdas e Danos e Reintegração de Posse, ajuizada por QQ Transportes Ltda. O Embargante alega omissão relevante quanto à não apreciação de pedido tempestivo de redesignação da sessão de julgamento, que inviabilizou o exercício do direito à sustentação oral. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) verificar se houve omissão no acórdão embargado quanto ao pedido tempestivo de redesignação da sessão de julgamento, com prejuízo à sustentação oral requerida; e (ii) apurar se tal omissão caracteriza cerceamento de defesa, ensejando a nulidade do julgamento. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O artigo 937, VIII, do CPC, assegura o direito à sustentação oral, cuja inobservância implica cerceamento de defesa e nulidade do julgamento. 4. O Embargante protocolou pedido tempestivo e devidamente instruído, requerendo redesignação da sessão remarcada para 28/03/2025, alegando justo impedimento. 5. A Câmara julgadora deixou de apreciar o pedido, realizando o julgamento na ausência do Recorrente, sem garantir-lhe a sustentação oral expressamente requerida. 6. A omissão compromete a validade do acórdão, por violar garantias processuais fundamentais, como o contraditório e a ampla defesa. 7. Verificada a omissão e a gravidade da consequência processual, impõe-se o acolhimento dos embargos de declaração com efeitos infringentes, para declarar a nulidade do acórdão. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Embargos de Declaração acolhidos com efeitos infringentes. Tese de julgamento: 1. A omissão quanto à análise de pedido tempestivo de redesignação de sessão de julgamento, quando fundado em justo impedimento e instruído com requerimento de sustentação oral, configura cerceamento de defesa e acarreta a nulidade do acórdão. 2. É cabível o acolhimento de embargos de declaração com efeitos infringentes para suprir omissão que comprometa direito fundamental processual da parte. Dispositivos relevantes citados: CPC/2015, arts. 937, VIII; 1.022, II; 489, §1º, IV. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. MÁRCIO VIDAL Egrégia Câmara, Trata-se de Embargos de Declaração, opostos por JR Santos Rios – ME, contra o Acórdão proferido por esta Câmara de Direito Privado, que, à unanimidade, negou provimento ao Agravo de Instrumento interposto contra a decisão que deferiu o pedido de tutela de urgência formulado nos autos da Ação de Rescisão Contratual c/c Perdas e Danos e Reintegração de Posse, ajuizada pela empresa QQ Transportes Ltda. O Embargante sustenta, preliminarmente, a existência de omissão no acórdão embargado quanto à análise do pedido tempestivo de redesignação da sessão de julgamento, o qual, embora regularmente formulado, não foi apreciado, inviabilizando a realização da sustentação oral previamente requerida. Assevera que referida omissão configurou cerceamento de defesa, por ter obstado o pleno exercício do contraditório e a adequada exposição de suas razões recursais. Ressalta que a sustentação oral é direito assegurado constitucionalmente e regulamentado pelo artigo 937, VIII, do CPC, sendo a sua preterição causa de nulidade do julgamento. Defende, ainda, que há omissão relevante no acórdão embargado, na medida em que o relatório descreve corretamente sua atuação como terceiro adquirente do bem litigioso, com base em contrato celebrado com o réu da ação originária (Silvano Alceu Koch), destacando os pagamentos efetuados, inclusive mediante dação em pagamento e transferências bancárias, bem como a existência de contrato de arrendamento registrado na ANTT, com anuência dos agravados. No entanto, a fundamentação do acórdão, segundo o Embargante, desconsidera essa posição, adotando premissas fáticas distintas e incompatíveis, tratando-o como se fosse o Réu da ação originária. Aduz que o acórdão não enfrentou a tese central quanto à inoponibilidade da cláusula de reserva de domínio ao terceiro adquirente de boa-fé, diante da ausência de registro do contrato no domicílio do comprador, conforme determina o artigo 522 do Código Civil. Requer que tal omissão seja suprida, inclusive para fins de prequestionamento. As contrarrazões foram apresentadas (id. 280894898). É o relatório. V O T O EXMO. SR. DES. MÁRCIO VIDAL (RELATOR) Egrégia Câmara: Conforme explicitado no relatório, trata-se de Embargos de Declaração, opostos por J R Santos Rios – ME, contra o Acórdão proferido por esta Câmara de Direito Privado, que, à unanimidade, negou provimento ao Agravo de Instrumento interposto contra a decisão que deferiu o pedido de tutela de urgência formulado nos autos da Ação de Rescisão Contratual c/c Perdas e Danos e Reintegração de Posse, ajuizada pela empresa QQ Transportes Ltda., cuja ementa abaixo se reproduz: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C PERDAS E DANOS E TUTELA DE URGÊNCIA DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE VEÍCULO. CLÁUSULA DE RESERVA DE DOMÍNIO. INADIMPLEMENTO. CONSTITUIÇÃO EM MORA DO DEVEDOR. TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Agravo de Instrumento interposto por JR Santos Rios – ME contra decisão do Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Lucas do Rio Verde, que deferiu tutela de urgência para determinar a entrega do veículo objeto da lide à parte agravada, no bojo da Ação de Rescisão Contratual c/c Perdas e Danos e Tutela de Urgência de Reintegração de Posse. II. Questão em discussão 2. A controvérsia recursal cinge-se à possibilidade de manutenção da decisão que concedeu a tutela de urgência, considerando: (i) a existência de cláusula de reserva de domínio no contrato de compra e venda celebrado entre as partes originárias e (ii) a constituição em mora do devedor. III. Razões de decidir 3. A tutela de urgência foi corretamente concedida pelo juízo de origem, diante da demonstração da probabilidade do direito e do risco de dano irreparável, nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil. 4. O contrato celebrado entre os Agravados e o vendedor original prevê a cláusula de reserva de domínio, condicionando a transferência da propriedade à quitação integral do preço, circunstância que legitima a reintegração de posse em caso de inadimplemento. 5. A mora restou configurada pela notificação extrajudicial e protesto do contrato, conforme prevê o art. 525 do CC/2002, o que reforça o direito dos agravados à retomada do bem. 6. O perigo de dano decorre da natureza do bem litigioso, um veículo de fácil remoção e depreciação, justificando a concessão da tutela de urgência para evitar prejuízos irreparáveis ao legítimo proprietário. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso desprovido. Tese de julgamento: "Nos contratos de compra e venda com cláusula de reserva de domínio, a constituição em mora do devedor e o inadimplemento justificam a concessão de tutela de urgência para a reintegração de posse do bem.". Dispositivos relevantes citados: CC/2002, arts. 522 e 525; CPC/2015, art. 300. Jurisprudência relevante citada: TJ-MT, AI 1000815-94.2023.8.11.0000; TJ-MT, AI 1012423-65.2018.8.11.0000. Inicialmente, é importante considerar que cada recurso, previsto no ordenamento jurídico pátrio, possui objetivo específico, e os embargos de declaração se prestam a integrar, ou aclarar, as decisões judiciais, em sua totalidade, quando nelas existirem pontos omissos, obscuros ou contraditórios, e, ainda, para a correção de eventual erro material. Caso não existam, na decisão judicial embargada, tais defeitos de forma, não há interpor embargos de declaração, pois estes não devem ser utilizados para o reexame e novo julgamento do que já foi decidido, dado que, para tanto, há o recurso próprio previsto na legislação. Entrementes, a doutrina e a jurisprudência admitem, em situações excepcionalíssimas, a modificação da decisão recorrida por intermédio da oposição dos Declaratórios, quando conferidos ao recurso efeitos modificativos ou infringentes. Destaca-se, ainda, que tal admissibilidade é restrita aos casos de correção de patente erro material ou quando, suprida uma omissão ou uma contradição, a modificação for consequência lógica e inevitável do saneamento dos referidos vícios. Em síntese, o recurso de embargos de declaração, previsto no artigo 1.022, do CPC, é cabível contra qualquer decisão judicial (caput); para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição (inciso I); para suprir omissão (inciso II) e para corrigir erro material (inciso III). O parágrafo único do referido dispositivo legal conceitua a decisão omissa, como sendo aquela que deixa de se manifestar sobre a tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência, aplicável ao caso sob julgamento (inciso I) ou aquela que incorrer em qualquer das condutas descritas no artigo 489, § 1o (inciso II). O artigo 489, § 1o, elenca as hipóteses em que uma decisão judicial não é considerada fundamentada. Veja-se: Art. 489. [...]. § 1o - Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. (Negritei). Nessa senda, não há dúvidas de que o Julgador, ao analisar os embargos de declaração, está obrigado a apreciar as teses que sejam capazes de infirmar os argumentos deduzidos na decisão embargada e, de consequência, alterar a conclusão nela adotada. Nesse sentido, perfilho o seguinte julgado: PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC – VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO NCPC – OMISSÃO – NÃO CONFIGURADA – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. 1. (...). 3. A omissão que enseja o oferecimento de embargos de declaração consiste na falta de manifestação expressa sobre algum fundamento de fato ou de direito ventilado nas razões recursais e sobre o qual deveria manifestar-se o juiz ou o tribunal, e que, nos termos do NCPC, é capaz, por si só, de infirmar a conclusão adotada para o julgamento do recurso (arts. 1.022 e 489, § 1º, do NCPC). 4. (...). (EDcl no AgRg no AREsp 677.625/SP - Rel. Ministro Moura Ribeiro - Terceira Turma - julgado em 19/05/2016 - DJe 24/05/2016). (Destaquei). No caso em apreço, verifica-se que assiste razão ao Embargante ao apontar omissão relevante no acórdão embargado, apta a ensejar a sua nulidade. Consta dos autos que o julgamento do Agravo de Instrumento inicialmente foi pautado para ocorrer em ambiente virtual, entre os dias 18 e 19 de março de 2025, tendo sido posteriormente redesignado para sessão presencial marcada para o dia 25/03/2025. Contudo, por deliberação do Presidente da Câmara, em razão de evento institucional, a sessão foi transferida para o dia 28/03/2025, às 9h, por videoconferência, conforme certificado nos autos. Veja-se: Certifico que, por deliberação do Presidente da 5ª Câmara de Direito Privado - Exmo. Sr. Des. Sebastião de Arruda Almeida, em razão da Sessão Solene de Posse do Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito Jones Gattass Dias no cargo de Desembargador desta Corte, a sessão do dia 25.3.2025 foi transferida para o dia 28.3.2025 (sexta-feira), com início às 9 horas, por videoconferência. Em 25/03/2025, o patrono do Embargante protocolou petição requerendo, de forma expressa e tempestiva, a redesignação da sessão de julgamento, alegando justo impedimento para comparecimento na data remarcada, em razão de compromisso profissional assumido com antecedência – curso agendado para ocorrer entre os dias 28 e 30 de março, na cidade de Barueri/SP. O pedido foi devidamente instruído e demonstrava de forma clara a impossibilidade de participação na sessão remarcada, bem como a intenção inequívoca de realizar sustentação oral, prerrogativa conferida pelo artigo 937, inciso VIII, do Código de Processo Civil. Ocorre que, apesar da formulação regular do requerimento, não houve qualquer apreciação por parte deste Órgão Colegiado antes da realização do julgamento do recurso, ocorrido em 28/3/2025. Nesse contexto, a ausência de manifestação acerca do pedido de redesignação e a consequente realização do julgamento sem oportunizar ao recorrente o exercício do direito à sustentação oral, expressamente requerido, configuram vício insanável, que compromete a validade do acórdão proferido. Dessarte, a omissão quanto ao enfrentamento de pleito que diz respeito ao exercício de garantia processual fundamental (o contraditório e a ampla defesa) implica em flagrante cerceamento de defesa, sobretudo quando o julgamento do recurso se dá em manifesta afronta ao pedido tempestivamente deduzido pela parte. Daí decorrente, é forçoso reconhecer o equívoco ocorrido e acolher os embargos de declaração, conferindo-lhes efeitos modificativos, a fim de suprir a omissão apontada e declarar a nulidade do acórdão embargado. Forte nessas razões, ACOLHO os Embargos de Declaração opostos por JR Santos Rios – ME, aplicando-lhe efeitos infringentes, a fim de suprir a omissão apontada e decretar a nulidade do acórdão embargado, para que seja o recurso de Agravo de Instrumento submetido a novo julgamento, em sessão designada com a devida ciência às partes, assegurando-se ao Recorrente o pleno exercício da sustentação oral previamente requerida. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 17/06/2025

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Processo nº 1016818-53.2025.8.11.0001

ID: 307570719

Tribunal: TJMT Órgão: JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA DE CUIABÁ Classe: Procedimento do Juizado Especial da Fazenda Pública Nº Processo: 1016818-53.2025.8.11.0001

Data de Disponibilização: 25/06/2025

Polo Ativo:

ILTON COSTA BRETAS

Polo Passivo:

Sentença

Advogados:

HUGO MEDICE FERREIRA DUTRA

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA DE CUIABÁ Processo: 1016818-53.2025.8.11.0001. REQUERENTE: ILTON COSTA BRETAS REQUERIDO: DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO -… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA DE CUIABÁ Processo: 1016818-53.2025.8.11.0001. REQUERENTE: ILTON COSTA BRETAS REQUERIDO: DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO - DETRAN MT, ESTADO DE MATO GROSSO Vistos etc. Trata-se de ação anulatória de ato administrativo c/c obrigação de fazer proposta por ILTON COSTA BRETAS, em desfavor do DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO (DETRAN) DO ESTADO DE MATO GROSSO e do ESTADO DE MATO GROSSO, pretendendo que seja anulado, em definitivo, a cassação da sua CNH definitiva em decorrência dos vícios apontados e devidamente comprovados. Postergada a análise do pedido de tutela antecipada para após o contraditório, no ID. 187046997. Citado, o requerido apresentou contestação. Impugnação a contestação anexada pelo autor. É o sucinto relatório, até mesmo porque dispensado, nos termos do artigo 38, da Lei nº. 9.099/95. Fundamento e Decido. O deslinde da presente causa não depende da realização de audiência instrutória. Assim, atento aos princípios da economia e celeridade processuais, conheço diretamente do pedido, julgando antecipadamente a lide (art. 355, I, do CPC). Rejeito a preliminar de ilegitimidade do Detran, visto que, conforme esclarecido, a presente ação trata exclusivamente da ilegalidade no processo administrativo de cassação da permissão para dirigir, não atingindo as multas, a serem impugnadas, eventualmente, em ação própria. No mérito, o art. 148, § 3º, do CTB, estabelece que: A Carteira Nacional de Habilitação será conferida ao condutor no término de um ano, desde que o mesmo não tenha cometido nenhuma infração de natureza grave ou gravíssima ou seja reincidente em infração média. No caso dos autos, embora o autor não impugne a infração em si, deveria o reclamado ter instaurado procedimento administrativo para a aplicação da penalidade, mesmo porque não se trata, mais, da permissão (provisória) de dirigir, incidindo, na hipótese, o art. 265, do CTB, que assim estabelece: Art. 265. As penalidades de suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação serão aplicadas por decisão fundamentada da autoridade de trânsito competente, em processo administrativo, assegurado ao infrator amplo direito de defesa (grifei). Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 20, III, 148, §§ 3º e 4º, e 265 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO DEFINITIVA. CANCELAMENTO. INFRAÇÕES GRAVE E GRAVÍSSSIMA. EXIGÊNCIA DE PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO. FUNDAMENTO INATACADO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 283/STF. ENQUADRAMENTO DOS FATOS À JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. INVIABILIDADE. DISTINGUISHING. 1. O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência firmada de que, "ausente a impugnação a fundamento suficiente para manter o acórdão recorrido, o recurso especial não merece ser conhecido, por lhe faltar interesse recursal. Inteligência da Súmula 283 do STF, aplicável, por analogia, ao recurso especial" (REsp 1.367.651/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 3/12/2013). 2. No caso, o recorrente não impugnou todos fundamentos do julgado combatido no sentido de que "a controvérsia não se amolda ao disposto previsto nos §§ 3º e 4º do art. 148 do CTB, pois, "em 06.05.2011, o Apelado resultou habilitado pelo órgão de trânsito estadual ora Apelante para condução de veículos automotores de duas e quatro rodas e, após 01 (um) ano - 10.05.2012 - recebeu a CNH definitiva, contudo, no ano de 2016, ao postular a renovação de sua CNH, surpreendido, recebeu a informação de cancelamento da habilitação ocasionada pela prática de uma multa grave e outra gravíssima recebida em 19.12.2011". Incide, por analogia, a Súmula 283/STF. 3. O presente litígio não se enquadra ao precedente firmado por este STJ no REsp 726.842/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 28/11/2006, DJ 11/12/2006, p. 338, haja vista que o documento cancelado pelo ente autárquico não se trata de uma permissão provisória para dirigir, mas, sim, de uma Carteira Nacional de Habilitação definitiva, circunstância que afasta o entendimento consagrado de desnecessidade de instauração de processo administrativo (grifo nosso). 4. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no AREsp n. 1.194.029/AC, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 21/3/2019, DJe de 28/3/2019). PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPEDIMENTO NA RENOVAÇÃO DA CNH. IMPOSSIBILIDADE. RENOVAÇÃO DA CNH. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO DURANTE PERÍODO DE PERMANÊNCIA. CONCESSÃO DEFINITIVA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. 1. No enfrentamento da matéria, o Tribunal de origem lançou os seguintes fundamentos: "Analisando detidamente o caderno processual, verifico que o DETRAN, além de ter disponibilizado a CNH definitiva à impetrante, sem qualquer ressalva acerca da existência de infração cometida durante o tempo em que possuía apenas permissão provisória para dirigir, demonstrou total inércia ao ficar, por aproximadamente 04 (quatro) anos, sem comunicar que a condutora deveria se sujeitar a novo processo de habilitação, em razão da suposta infração de trânsito praticada no período descrito no art. 148, § 2º, do CTB (Lei nº 9.503/97). Dessa maneira, uma vez comprovada a concessão da CNH definitiva sem qualquer menção ao cometimento de infração durante o lapso temporal em que a impetrante ostentou apenas a permissão provisória para dirigir, não poderia a autoridade coatora ter negado a renovação da habilitação" (grifos nossos). 2. O presente recurso não pretende aferir a interpretação da norma legal, mas a reanálise de documentos e fatos, já cristalizados em dois graus de jurisdição. Logo, não há como modificar a premissa fática adotada na instância ordinária no presente iter procedimental. E, se a violação do dispositivo legal invocado perpassa pela necessidade de fixar premissa fática diversa da que consta do acórdão impugnado, inviável o Recurso Especial. 3. Assim, é evidente que alterar as conclusões adotadas pela Corte de origem, como defendida nas razões recursais, demanda novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em Recurso Especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ. 4. Ressalte-se, por fim, que fica prejudicada a análise da divergência jurisprudencial quando a tese sustentada já foi afastada no exame do Recurso Especial pela alínea "a" do permissivo constitucional. 5. Agravo conhecido para negar provimento ao Recurso Especial. (STJ - AREsp n. 1.695.277/PB, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 1/9/2020, DJe de 14/12/2020.) A propósito o Tribunal de Justiça de Mato Grosso, segue o entendimento acima, vejamos: DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUSPENSÃO DE CASSAÇÃO DE CNH DEFINITIVA POR INFRAÇÃO COMETIDA NO PERÍODO DE CNH PROVISÓRIA. AUSÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO . VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA CONFIANÇA LEGÍTIMA, SEGURANÇA JURÍDICA E BOA-FÉ. DEFERIMENTO DE TUTELA DE URGÊNCIA. RECURSO PROVIDO. I . Caso em exame 1. Agravo de Instrumento contra decisão que indeferiu tutela de urgência para suspensão de ato administrativo que cassou CNH definitiva do agravante em razão de infração cometida durante o período de permissão provisória, dois anos após a expedição da habilitação definitiva e sem instauração de processo administrativo. II. Questão em discussão 2 . A questão em discussão consiste em verificar se é legítima a cassação de CNH definitiva, sem prévio processo administrativo, com base em infração cometida durante o período de permissão provisória, quando a própria Administração já havia conferido a habilitação definitiva ao condutor. III. Razões de decidir 3. A expedição da CNH definitiva pela Administração gera presunção de inexistência de óbices à sua concessão, consolidando situação jurídica que não pode ser desconstituída sem o devido processo legal . 4. A cassação de CNH definitiva, ainda que fundada em infração cometida no período provisório, exige instauração de processo administrativo prévio, em respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa. 5. Os princípios da segurança jurídica e da confiança legítima impedem que a Administração, após consolidar situação jurídica favorável ao administrado, revogue unilateralmente o ato sem observância do devido processo legal . 6. A ausência de processo administrativo adequado, conforme art. 265 do CTB, viola o devido processo legal previsto no art. 5º, inc . LIV, da CF/1988. 7. O perigo de dano decorre da necessidade do agravante de possuir CNH válida para obter emprego, sendo iminente o risco de lesão irreparável. IV . Dispositivo e tese 8. Recurso provido. Tese de julgamento: "A cassação de CNH definitiva, ainda que motivada por infração cometida durante o período de permissão provisória, exige prévia instauração de processo administrativo, em respeito aos princípios do devido processo legal, da segurança jurídica e da confiança legítima, quando a própria Administração já havia expedido a habilitação definitiva" Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, inc . LIV e XV; CTB, art. 148, § 3º, art. 265 a art. 281; CPC/2015, art . 300. Jurisprudência relevante citada:. STF, RE 594.296/MG, Tema 138; STF, Súmula 473; TJ-MT, Agravo nº 1000815-94 .2023.8.11.0000, Rel . Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, j. 12.04 .2023; TJ-BA - Apelação 0041557-03.2010.8.05 .0001; TJ-GO - Acórdão 872859; TJ-PA - Remessa Necessária Cível 00036005520138140051. (TJ-MT - AGRAVO DE INSTRUMENTO: 10294159120248110000, Relator.: LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, Data de Julgamento: 05/02/2025, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 10/02/2025) grifado RECURSO INOMINADO. FAZENDA PÚBLICA. CASSAÇÃO DE CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO (CNH) DEFINITIVA. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO COMETIDA DURANTE O PERÍODO DE PERMISSÃO PARA DIRIGIR . AUSÊNCIA DE DEVIDO PROCESSO LEGAL. NULIDADE DA CASSAÇÃO.. RECURSO IMPROVIDO. 1. No presente caso, a autora teve sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH) cassada em decorrência da infração de trânsito (Avançar Sinal Verm. do Semáforo, Exc Onde Houver Sin . (eletr)), cometida em 05/02/2022 às 15h49min, conforme Auto de Infração nº F432618867. 2. Nas razões recursais os Recorrentes requerem a reforma da sentença que reconheceu a Nulidade da Cassação da CNH definitiva da autora, sob o argumento de que a habilitação definitiva da autora é nula de pleno direito, eivado de ilegalidade, dela não podendo dela retirar quaisquer efeitos jurídicos, não carecendo do devido processo legal de cassação de habilitação, pois é incompatível com a legislação vigente, em virtude de que a infração foi cometida no período da permissão para dirigir da condutora. 3 . Analisando os autos, verifico que não merece acolhimento a tese recursal, uma vez que apesar de ter sido cometido infração considerado como grave pela Recorrente, não lhe fora assegurado o direito ao contraditório e ampla defesa, conforme dispõe o Artigo 265 do Código de Trânsito Brasileiro, in verbis:“Art. 265. As penalidades de suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação serão aplicadas por decisão fundamentada da autoridade de trânsito competente, em processo administrativo, assegurado ao infrator amplo direito de defesa.” 4 . A cassação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) exige a instauração de processo administrativo regular, com a devida notificação do condutor, sob pena de nulidade do ato por violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. 5.Nesse sentido, eis entendimentos jurisprudenciais: EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO ADMINISTRATIVO . IMPEDIMENTO DE RENOVAÇÃO DE CARTEIRA DE HABILITAÇÃO DEFINITIVA. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO DURANTE O PERÍODO DA CNH PROVISÓRIA (PERMISSÃO). AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. ÔNUS DO ENTE ESTATAL, NOS TERMOS DO ART . 373, INCISO II, DO CPC. OFENSA AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NA ESFERA ADMINISTRATIVA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO INOMINADO CONHECIDO E DESPROVIDO . (TJ-GO 52775029720198090051, Relator: OSCAR DE OLIVEIRA SÁ NETO, 4ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, Data de Publicação: 30/09/2021) EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. INFRAÇÃO SUPOSTAMENTE COMETIDA DURANTE A VIGÊNCIA DO USO DA PERMISSÃO DE DIRIGIR (CNH PROVISÓRIA). AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO À ÉPOCA DA INFRAÇÃO . CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO DEFINITIVA EMITIDA (ART. 148, § 3º, CTB). POSTERIOR RECUSA EM RENOVAR A CNH DEFINITIVA. ILEGALIDADE DA RECUSA DE RENOVAÇÃO . VIOLAÇÃO À SEGURANÇA JURÍDICA. SENTENÇA MANTIDA. I ? O art. 148, § 3º, do Código de Trânsito Brasileiro ( CTB) disciplina que a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) será conferida ao condutor que, ao término de 01 (um) ano do uso da Permissão para Dirigir, não tenha cometido nenhuma infração de natureza grave ou gravíssima ou não seja reincidente em infração média . II ? Não se afigura razoável impedir o condutor de renovar sua CNH definitiva em razão de suposto cometimento de falta administrativa durante a vigência do uso de Permissão para Dirigir (CNH provisória), posto que a CNH definitiva da parte Impetrante foi emitida sem qualquer ressalva, gerando, assim, a presunção de que haviam sido atendidos todos os requisitos legais para tanto. Nesse contexto, o ato da recusa da renovação da CNH incorre em violação ao princípio da segurança jurídica. Remessa necessária conhecida e desprovida. (TJ-GO - Remessa Necessária Cível: 52519376320218090051 GOIÂNIA, Relator: Des (a) . RODRIGO DE SILVEIRA, Goiânia - 5ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Data de Publicação: (S/R) DJ) 6. Conforme consta na sentença recorrida a qual utilizo de fundamento para julgar o presente recurso: “Da análise detida dos autos, verifico que a parte autora comprovou que mesmo não sendo mais o proprietária do veículo FORD/ECOSPORT XLS 1.6L, placa DMZ-5553/SP, ano 2005, modelo 2005, cor prata, RENAVAM nº 00847037924, CHASSI 9BFZE12N958652752, o qual foi vendido para a Srª Ana Luzia Correia,, conforme comunicado de venda Id. 129249322, o requerido lançou o nome da requerente junto a dívida ativa, correspondente ao IPVA do ano de 2022, (CDA nº 2022905332, id . 129249324) restando, portanto, configurada a sua responsabilidade e consequente dever de reparar os danos causados a parte autora à título de danos morais”. 7. O caso em análise não se trata de interesse público que envolve matéria de saúde ou de partes incapazes, em face ao teor do Oficio de nº 86/2017 – CPC/NFDTIPI, não foi colhida a manifestação do representante do Ministério Público que oficia perante esta Turma Recursal. 8 . A sentença que apresentou a seguinte parte dispositiva: “Posto isso, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial, RECONHECENDO A NULIDADE DA CASSAÇÃO DA CNH DEFINITIVA DO REQUERENTE, sem o devido procedimento administrativo, sobretudo quando decorrido prazo superior a 01 ano de sua obtenção, com espeque no art. 265, do CTB, fazendo-o com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inc. I, do CPC.”, não merece reparos e deve ser mantida por seus próprios fundamentos . A súmula do julgamento serve de acórdão, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95. 9 . Recurso improvido. Condeno o Recorrente a arcar com os honorários advocatícios arbitrados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação. Valmir Alaércio dos Santos Juiz de Direito – Relator (TJ-MT - RECURSO INOMINADO: 10343931120248110001, Relator: VALMIR ALAERCIO DOS SANTOS, Data de Julgamento: 11/11/2024, Terceira Turma Recursal, Data de Publicação: 14/11/2024) grifado. Não se pode olvidar que a jurisprudência deve ser mantida estável, íntegra e coerente (art. 926, do CPC), devendo os juízes observarem os precedentes judiciais (art. 927, do CPC). Posto isso, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, RECONHECENDO A NULIDADE DA CASSAÇÃO DA CNH DEFINITIVA DO REQUERENTE, sem o devido procedimento administrativo, com amparo no artigo 265, do CTB, fazendo-o com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inc. I, do CPC. Sem custas nem honorários, conforme inteligência dos artigos 54 e 55 da Lei nº 9.099/1995 c/c artigo 27, da Lei nº 12.153/2009. Consoante o disposto no art. 40, da Lei nº 9.099/95, submeto o presente à apreciação do MM. Juiz de Direito. Erica Regina de Jesus Alcoforado Juiza leiga SENTENÇA Vistos, etc. Homologo, para que produza seus jurídicos e legais efeitos, o projeto de sentença elaborado pela Juíza Leiga, na forma do art. 40 da Lei nº 9.099/95. Preclusa a via recursal, em nada sendo requerido, arquive-se com as baixas necessárias. P. I. C. Cuiabá (MT), data registrada no sistema. Érico de Almeida Duarte Juiz de Direito

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Processo nº 1026389-59.2024.8.11.0041

ID: 331681543

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo Classe: APELAçãO / REMESSA NECESSáRIA Nº Processo: 1026389-59.2024.8.11.0041

Data de Disponibilização: 22/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

RAFHAEL FELIPPE ALVES DE OLIVEIRA

Decisão

Advogados:

ANA CAROLINA ALVES LIBANO

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Gabinete 2 - Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (1728) 1026389-59.2024.8.11.0041 APELANTE: DE… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Gabinete 2 - Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (1728) 1026389-59.2024.8.11.0041 APELANTE: DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO DE MATO GROSSO APELADO: RAFHAEL FELIPPE ALVES DE OLIVEIRA Vistos etc. Trata-se de remessa necessária, com recurso de apelação interposto pelo Departamento Estadual de Trânsito do Estado de Mato Grosso – DETRAN/MT, em face de sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Especializada da Fazenda Pública da Comarca de Cuiabá, nos autos do Mandado de Segurança n.º 1026389-59.2024.8.11.0041, impetrado por Rafhael Felipe Alves de Oliveira, contra ato do Diretor de Habilitação do referido órgão, que concedeu a segurança para determinar à autoridade coatora que se abstenha de suspender a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do impetrante, mantendo-se sua plena validade, salvo superveniência de decisão administrativa definitiva em sentido contrário, no exercício regular da autotutela. Em suas razões recursais, o DETRAN/MT alega, em preliminar, a sua ilegitimidade passiva, sob o argumento de que a infração de trânsito que ensejou a penalidade foi registrada pela Polícia Rodoviária Federal, o que atrairia a competência da Justiça Federal para apreciação da matéria. No mérito, sustenta a ausência de direito líquido e certo, bem como a inadequação da via eleita. Defende, ainda, a desnecessidade de instauração de procedimento administrativo, com base nos artigos 21 e 28 da Resolução n.º 723/2018 do CONTRAN, e a impossibilidade de aplicação da penalidade durante o período de permissão para dirigir, ante o decurso do prazo prescricional quinquenal. Ressalta a presunção de legitimidade dos atos administrativos e a ausência de provas da não notificação. Por fim, argumenta pela impossibilidade de controle jurisdicional sobre o mérito do ato administrativo. O apelado apresentou contrarrazões, requerendo o não provimento do recurso. A Procuradoria-Geral de Justiça, por meio do parecer do Dr. Marcelo Ferra de Carvalho, opinou pelo desprovimento do recurso. É o relatório. Decido. Da Preliminar de Ilegitimidade Passiva A preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelo DETRAN/MT, sob o fundamento de que a penalidade impugnada teve origem em autuação da Polícia Rodoviária Federal, não merece acolhimento. Embora a lavratura do auto de infração tenha sido realizada por órgão federal, a competência para aplicar sanções como a suspensão ou cassação do direito de dirigir é atribuída ao órgão estadual de trânsito, conforme disciplina o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). No caso concreto, o DETRAN/MT, na condição de autoridade gestora do prontuário do condutor e responsável pela expedição da CNH, é o ente competente para proceder à aplicação de penalidades que envolvam restrição ao direito de dirigir. Tal circunstância consolida sua legitimidade para figurar no polo passivo da presente demanda mandamental. A jurisprudência é pacífica ao reconhecer que, embora a autuação possa ser realizada por diversos entes fiscalizadores, compete ao órgão executivo de trânsito estadual a aplicação de sanções mais gravosas, como a cassação da CNH. Afasta-se, pois, a preliminar de ilegitimidade passiva. Do Mérito 1. Do Direito Líquido e Certo e da Adequação da Via Eleita Nos termos do artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal, e do artigo 1º da Lei n.º 12.016/2009, a concessão de segurança exige a demonstração inequívoca de direito líquido e certo, amparado em prova pré-constituída. No presente caso, o impetrante demonstrou ter recebido sua CNH definitiva em 11/01/2023, sem qualquer óbice ou notícia de infração impeditiva. Contudo, em momento posterior, foi surpreendido com o registro de cassação de seu documento de habilitação, motivado por infração supostamente cometida em 19/06/2022, durante o período em que possuía Permissão para Dirigir (PPD), sem que houvesse a devida instauração de processo administrativo. Tal circunstância configura evidente violação aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, previstos no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal. Dessa forma, revela-se adequada a utilização do mandado de segurança como meio célere e eficaz para tutelar o direito líquido e certo do impetrante. 2. Da Necessidade de Instauração de Procedimento Administrativo O cerne da controvérsia reside na legalidade da cassação da CNH definitiva com fundamento em infração cometida no período de permissão para dirigir, sem a instauração de processo administrativo. O DETRAN/MT alega que, nos termos dos artigos 21 e 28, §2º, da Resolução n.º 723/2018 do CONTRAN, seria desnecessária a abertura de processo administrativo. No entanto, tal normativa se aplica exclusivamente aos casos em que ainda não houve a concessão da CNH definitiva, o que não se amolda à hipótese dos autos. Com a concessão da CNH definitiva, o condutor adquire uma situação jurídica consolidada, a qual não pode ser desconstituída senão mediante processo administrativo regular, conforme exigido pelo artigo 265 do CTB, que dispõe expressamente sobre a necessidade de decisão fundamentada precedida de contraditório e ampla defesa para a imposição da penalidade de cassação. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é firme no sentido de que a cassação da CNH definitiva exige a prévia instauração de processo administrativo, ainda que a infração tenha ocorrido durante a vigência da permissão. Nesse sentido, colaciona-se o seguinte julgado: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO . AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 20, III, 148, §§ 3º e 4º, e 265 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO . CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO DEFINITIVA. CANCELAMENTO. INFRAÇÕES GRAVE E GRAVÍSSSIMA. EXIGÊNCIA DE PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO . FUNDAMENTO INATACADO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 283/STF. ENQUADRAMENTO DOS FATOS À JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. INVIABILIDADE . DISTINGUISHING. 1. O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência firmada de que, “ausente a impugnação a fundamento suficiente para manter o acórdão recorrido, o recurso especial não merece ser conhecido, por lhe faltar interesse recursal. Inteligência da Súmula 283 do STF, aplicável, por analogia, ao recurso especial” (REsp 1 .367.651/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 3/12/2013) . 2. No caso, o recorrente não impugnou todos fundamentos do julgado combatido no sentido de que “a controvérsia não se amolda ao disposto previsto nos §§ 3º e 4º do art. 148 do CTB, pois, “em 06.05 .2011, o Apelado resultou habilitado pelo órgão de trânsito estadual ora Apelante para condução de veículos automotores de duas e quatro rodas e, após 01 (um) ano – 10.05.2012 – recebeu a CNH definitiva, contudo, no ano de 2016, ao postular a renovação de sua CNH, surpreendido, recebeu a informação de cancelamento da habilitação ocasionada pela prática de uma multa grave e outra gravíssima recebida em 19.12 .2011”. Incide, por analogia, a Súmula 283/STF. 3. O presente litígio não se enquadra ao precedente firmado por este STJ no REsp 726 .842/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 28/11/2006, DJ 11/12/2006, p. 338, haja vista que o documento cancelado pelo ente autárquico não se trata de uma permissão provisória para dirigir, mas, sim, de uma Carteira Nacional de Habilitação definitiva, circunstância que afasta o entendimento consagrado de desnecessidade de instauração de processo administrativo . 4. Agravo interno a que se nega provimento. (Superior Tribunal de Justiça STJ – AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL: AgInt no AREsp 1194029 AC 2017/0277300-1. T2 – SEGUNDA TURMA . Relator.: Ministro OG FERNANDES. Julgamento: 21 de março de 2019. Publicação: DJe 28/03/2019)” Nesse sentido, é a jurisprudência deste Tribunal de Justiça: DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. CASSAÇÃO DE CNH DEFINITIVA FUNDADA EM INFRAÇÃO COMETIDA DURANTE PERÍODO DE PERMISSÃO PARA DIRIGIR. AUSÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA E DA SEGURANÇA JURÍDICA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME1. Apelação cível interposta pelo Estado de Mato Grosso e pelo DETRAN/MT contra sentença que, nos autos de mandado de segurança impetrado por Hugo Francisco Saldan, anulou ato administrativo que cassou sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH). O impetrante alegou ausência de notificação e inexistência de processo administrativo que assegurasse contraditório e ampla defesa, sendo a penalidade aplicada com base em infração de trânsito supostamente cometida em 2019, ainda no período de Permissão Para Dirigir, embora já possuísse CNH definitiva desde 2020 e exercendo atividade profissional que exige habilitação. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) verificar se o mandado de segurança é via processual adequada para impugnar a cassação da CNH nos moldes em que foi realizada; (ii) determinar se é válida a cassação de CNH definitiva com base em infração cometida durante o período de PPD, sem prévia instauração de processo administrativo. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O mandado de segurança é cabível quando comprovado por prova pré-constituída o direito líquido e certo ameaçado ou violado por ato da autoridade coatora, sendo adequada sua utilização para impugnar cassação de CNH mposta sem procedimento administrativo prévio. 4. A documentação constante nos autos comprova que o impetrante possuía CNH definitiva válida e exercia atividade profissional que exigia habilitação, sendo surpreendido pela cassação do documento sem qualquer notificação ou processo administrativo instaurado. 5. A cassação da CNH definitiva com base em infração cometida durante o período da PPD exige, nos termos do art. 265 do CTB, decisão fundamentada proferida em processo administrativo, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa, conforme também exige o art. 5º, LV, da Constituição Federal. 6. A expedição da CNH definitiva pela própria Administração Pública gera a presunção de regularidade e consolidação da situação jurídica do condutor, sendo incabível sua revogação posterior, sem observância do devido processo legal, com base em fato anterior à sua emissão. 7. A ausência de instauração de processo administrativo, aliada à demora de mais de quatro anos desde a suposta infração, ofende os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança legítima e da razoabilidade, sobretudo em caso em que a Administração autorizou posterior mudança de categoria da CNH. 8. A alegação de que a penalidade decorre de processo automático e legal não afasta a necessidade de procedimento administrativo específico quando já emitida a CNH definitiva, sob pena de se transformar expectativa de direito em supressão de direito adquirido. 9. O controle exercido pelo Judiciário, no caso, limita-se à legalidade do ato administrativo, não configurando indevida invasão na esfera de discricionariedade do Poder Executivo, mas sim garantia de respeito aos direitos fundamentais. 10. A cassação sumária da CNH sem o devido processo legal compromete o direito ao trabalho do impetrante, cuja atividade profissional depende diretamente da posse de habilitação regular. IV. DISPOSITIVO E TESE 11. Recurso desprovido. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, incisos LIV e LV; art. 6º. CTB, arts. 148, §§3º e 4º; art. 265. Resolução CONTRAN nº 723/2018, art. 28, §2º. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 594.296/MG, Tema 138; STF, Súmula 473; TJ-MT, Agravo nº 1000815-94.2023.8.11.0000, Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, j. 12.04.2023; TJ-MT, AI nº 1029415-91.2024.8.11.0000, Rel. Des. Luiz Octavio O. Saboia Ribeiro, j. 05.02.2025; TJ-BA, Apelação 0041557-03.2010.8.05.0001; TJ-GO, Acórdão 872859; TJ-PA, Remessa Necessária Cível 0003600-55.2013.8.14.0051.(N.U 1036568-52.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, JONES GATTASS DIAS, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 11/07/2025, Publicado no DJE 11/07/2025) DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO COMETIDA DURANTE O PERÍODO DA PERMISSÃO PARA DIRIGIR (PPD). CASSAÇÃO DA CNH DEFINITIVA. ILEGALIDADE DO ATO. SEGURANÇA CONCEDIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. SENTENÇA RATIFICADA EM REMESSA NECESSÁRIA. I. Caso em exame: 1. Mandado de segurança impetrado visando impedir a cassação de Carteira Nacional de Habilitação (CNH) definitiva, com fundamento na ilegalidade do procedimento adotado pela autoridade administrativa, que aplicou a penalidade de cassação com base em infração de trânsito gravíssima cometida ainda durante o período da Permissão para Dirigir (PPD).II. Questão em discussão: 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se é cabível a cassação da CNH definitiva com base em infração cometida durante a PPD, sem instauração de processo administrativo; (ii) estabelecer se o ato administrativo de cassação é nulo por violar os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. III. Razões de decidir: 3. O artigo 148, § 3º, do CTB condiciona a expedição da CNH definitiva à inexistência de infrações graves, gravíssimas ou reincidência em infrações médias durante a vigência da PPD, sendo possível o cancelamento do documento se essas infrações forem posteriormente confirmadas. 4. A jurisprudência do STJ distingue os casos de negativa de concessão da CNH definitiva, que prescinde de processo administrativo, daqueles em que há revogação de CNH já concedida, hipótese que exige procedimento formal com garantia de defesa. 5. A cassação da CNH, quando já expedida definitivamente, configura exercício de poder punitivo estatal, demandando observância dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal (CF/1988, art. 5º, LIV, LV e LVII). 6. O ato administrativo de cassação, editado quase quatro anos após a expedição da CNH definitiva, sem oportunizar manifestação da interessada, revela-se nulo por violação dos princípios da legalidade, segurança jurídica e boa-fé administrativa. IV. Dispositivo e tese: 7. Recurso não provido. Sentença ratificada em sede de remessa necessária. Tese de julgamento: “A cassação de CNH definitiva com base em infração praticada durante o período de Permissão para Dirigir exige prévia instauração de processo administrativo, sob pena de nulidade do ato.” ______________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, incisos LIV, LV e LVII; CTB, arts. 148, §§ 3º e 4º, e 265; Lei n. 9.784/1999, art. 2º. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp n. 1.194.029/AC, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, Julgado em 21.3.2019, Publicado no DJe em 28.3.2019; TJMT, agravo de instrumento n. 1029415-91.2024.8.11.0000, Rel. Des. Luiz Octavio Oliveira Saboia Ribeiro, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 05.2.2025, Publicado no DJe em 10.2.2025; TJMT, apelação cível n. 1009827-80.2024.8.11.0006, Rel. Desa. Vandymara Galvao Ramos Paiva Zanolo, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 05.2.2025, Publicado no DJe em 10.2.2025. (TJMT – Apelação nº 1030660-14.2024.8.11.0041, relator Desembargador Rodrigo Roberto Curvo, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 30/05/2025, Publicado no DJE 30/05/2025). Assim, ausente o devido processo legal, mostra-se correta a sentença que determinou a manutenção da validade da CNH do impetrante. Da Inexistência de Controle do Mérito Administrativo Por fim, não assiste razão ao apelante ao sustentar que o Poder Judiciário teria adentrado indevidamente no mérito administrativo do ato de cassação. Consoante pacífica jurisprudência, a atuação jurisdicional limita-se ao controle da legalidade e da constitucionalidade dos atos administrativos, sem que isso configure invasão da esfera de discricionariedade do administrador público. No caso em tela, o juízo a quo examinou, de forma estrita, a regularidade formal do ato impugnado, à luz dos princípios constitucionais, sem substituir a Administração no juízo de conveniência e oportunidade. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação e, em sede de remessa necessária, ratifico a sentença concessiva da segurança. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. Cuiabá, data da assinatura digital. Desembargadora MARIA EROTIDES KNEIP Relatora

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Processo nº 1019086-14.2020.8.11.0015

ID: 293177779

Tribunal: TJMT Órgão: Terceira Câmara Criminal Classe: APELAçãO CRIMINAL Nº Processo: 1019086-14.2020.8.11.0015

Data de Disponibilização: 09/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

WANDERSON LEITAO MARTINS

Acórdão

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1019086-14.2020.8.11.0015 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins] Relator: Des(a). … ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1019086-14.2020.8.11.0015 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins] Relator: Des(a). GILBERTO GIRALDELLI Turma Julgadora: [DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT DUARTE, DES(A). LUIZ FERREIRA DA SILVA] Parte(s): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELANTE), PROCURADORIA GERAL DE JUSTICA DO ESTADO DE MATO GROSSO (REPRESENTANTE), WANDERSON LEITAO MARTINS - CPF: 051.349.471-55 (APELADO), MARCOS VINICIUS BORGES - CPF: 014.764.961-70 (ADVOGADO), DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 02.528.193/0001-83 (REPRESENTANTE), FILIPE MACHADO COSTA NETO - CPF: 019.964.551-50 (TERCEIRO INTERESSADO), PEDRO APARECIDO SEBALHOS - CPF: 027.912.531-30 (TERCEIRO INTERESSADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). LUIZ FERREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PROVAS OBTIDAS POR BUSCA PESSOAL AUTÔNOMA. VALIDADE RECONHECIDA PELO STJ. REFORMA DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. CONDENAÇÃO RESTABELECIDA. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação criminal interposta pelo Ministério Público contra sentença proferida pela 5ª Vara Criminal da Comarca de Sinop/MT que absolveu o réu da imputação prevista no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, ao fundamento de que as provas produzidas seriam ilícitas por derivarem de ingresso forçado e não autorizado em domicílio. A acusação sustenta que os elementos obtidos anteriormente à incursão domiciliar – especialmente a apreensão de drogas em busca pessoal e confissão informal – são autônomos e legítimos, sendo suficientes à condenação do réu por tráfico de drogas. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se as provas obtidas por meio de busca pessoal anterior à entrada forçada em domicílio permanecem válidas e autônomas; (ii) estabelecer se tais provas, por si só, são suficientes para fundamentar a condenação do acusado pelo crime de tráfico de entorpecentes. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A busca pessoal é admitida nos termos dos arts. 240, § 2º, e 244 do CPP, e independe de mandado judicial quando houver fundada suspeita, o que se verificou no caso concreto mediante informes da Agência Local de Inteligência sobre o envolvimento do réu com o tráfico de drogas. 4. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar recurso especial nos autos, reconheceu a ilicitude da prova domiciliar, mas ressalvou expressamente a legalidade e autonomia das provas derivadas da busca pessoal realizada antes da entrada no domicílio, determinando sua manutenção nos autos. 5. As provas válidas remanescentes – notadamente a apreensão de três porções de maconha com o réu durante busca pessoal e os depoimentos policiais prestados em juízo – formam conjunto probatório harmônico e suficiente para comprovar a autoria e a materialidade do crime de tráfico, nos moldes do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. 6. Os depoimentos policiais são válidos como prova, sobretudo quando prestados sob contraditório, em consonância com os demais elementos dos autos e na ausência de indícios de parcialidade, conforme entendimento reiterado pelo STJ e enunciado orientativo n. 08 do TJMT. 7. A alegação de que o réu é mero usuário não se sustenta diante das circunstâncias fáticas: posse de porções fracionadas, localização e abordagem condizentes com atividade típica de mercancia e reincidência específica no mesmo tipo penal. 8. A pena é fixada em 5 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial fechado, com 550 dias-multa, em razão da reincidência e à míngua de causas de redução de pena, observando-se o princípio do non reformatio in pejus. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso provido. Tese de julgamento: “1. As provas obtidas por meio de busca pessoal realizada antes do ingresso domiciliar, quando fundadas em suspeita objetiva e reconhecidas como válidas pelo STJ, são autônomas e não se contaminam pela posterior ilicitude da diligência invasiva. 2. A apreensão de entorpecentes durante busca pessoal, aliada aos depoimentos de policiais em juízo, é suficiente para fundamentar condenação por tráfico de drogas. 3. A reincidência específica e as circunstâncias do flagrante autorizam a fixação da pena em regime inicial fechado, mesmo em casos de tráfico em pequena escala”. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XI; CPP, arts. 157, § 1º, 240, § 2º, e 244; Lei nº 11.343/2006, arts. 28, § 2º, e 33, caput. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp n. 1.649.862/RN, rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, j. 24/10/2023, DJe 30/10/2023; TJMT, NU 0000848-20.2019.8.11.0040; N.U 1000815-25.2021.8.11.0078, Des. Marcos Machado, Primeira Câmara Criminal, julgado em 07/03/2023, publicado no DJE de 13/03/2023Enunciados Orientativos n.º 03, 07 e 08, Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015, DJE nº 9998, de 11/04/2017. R E L A T Ó R I O APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO APELADO: WANDERSON LEITÃO MARTINS R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação criminal interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO em face da r. sentença proferida pelo d. Juízo da 5ª Vara Criminal da Comarca de Sinop/MT nos autos da ação penal n.º 1019086-14.2020.8.11.0015, que absolveu o réu Wanderson Leitão Martins da imputação de prática do crime tipificado no artigo 33, caput, da Lei n.º 11.343/06, sob o fundamento de que o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.985.560/MT, reconheceu que as provas derivadas da busca domiciliar seriam ilícitas, e nessa conjuntura não remanesceriam elementos probatórios autônomos hábeis à condenação. Em razões recursais disponíveis no ID 262810278, o i. Órgão Ministerial sustenta que o d. Juízo a quo incorreu em equívoco ao considerar nulas todas as provas colhidas, uma vez que a decisão do Superior Tribunal de Justiça que cassou a sentença condenatória anterior ressalvou a validade das provas oriundas da busca pessoal, por se tratar de fonte autônoma e independente; ensejo no qual defende que a apreensão de três porções de maconha com o réu, antes mesmo do ingresso no domicílio, constitui elemento suficiente para sustentar a condenação, sobretudo diante da confissão informal do acusado e dos depoimentos policiais colhidos sob o crivo do contraditório, razão pela qual requer a condenação do apelado pela prática do narcotráfico. Nas contrarrazões vistas no ID 262810281, a defesa refuta os argumentos do parquet e requer seja negado provimento ao recurso, a fim de ver mantida a r. sentença absolutória. Instada a se manifestar, a i. Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo provimento do apelo, nos termos do parecer de ID 269720762, asseverando que são legítimas as provas oriundas da abordagem pessoal do réu, porquanto autônomas em relação à busca domiciliar declarada ilícita pelo Superior Tribunal de Justiça, além de suficientes para sustentar a materialidade e a autoria delitivas. É o relatório. À douta Revisão. V O T O R E L A T O R VOTO (MÉRITO) EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: Ab initio deve-se registrar que o recurso em apreço é tempestivo, fora interposto por aquele que tinha legitimidade para fazê-lo, e o meio processual escolhido mostra-se adequado e necessário para se atingir os objetivos perseguidos, razão pela qual deve ser conhecido, uma vez que presentes os requisitos objetivos e subjetivos para a sua admissibilidade. Com vistas a melhor elucidar o cenário fático do caso sob judice, esclareço que, na origem, o Parquet ofereceu denúncia em face WANDERSON LEITÃO MARTINS pela prática da conduta criminosa tipificada pelo art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, nos seguintes termos: “[...] Consta dos inclusos autos de inquérito policial que no dia 04 de dezembro de 2020, por volta das 01h30, na residência localizada na rua dos Babaçus, nº 942, bairro Parque das Araras, em Sinop/MT, o denunciado WANDERSON LEITÃO MARTINS, vulgo “Gordinho”, trouxe consigo e tinha em depósito, para fins de comercialização, 07(sete) porções com massa bruta total de 126,2g (cento e vinte e seis gramas e dois decigramas) de substância entorpecente denominada Cannabis Sativa L., vulgarmente conhecida como maconha, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, bem como cultivava, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, planta que se constitui em matéria-prima paraa preparação de drogas. Apurou-se que, na data dos fatos, policiais militares receberam informações da Agência Local de Inteligência (ALI), que já monitorava o imputado há alguns dias, informando que este realizava o tráfico de drogas na região do bairro Parque das Araras, sempre no período noturno, bem como utilizava-se de uma motocicleta para realizar as entregas. Diante dos informes, os policiais realizaram o monitoramento do local, oportunidade em que visualizaram o denunciado empurrando sua motocicleta, motivo pelo qual decidiram abordá-lo. Realizada busca pessoal, os milicianos lograram êxito em localizar em seu bolso 03 (três) porções de maconha. Entrevistado, o suspeito relatou que realmente realizava a venda de entorpecentes, inclusive no momento da abordagem estava saindo para fazer uma entrega. Mencionou que em sua residência havia mais entorpecentes. Durante buscas na residência do denunciado, os policiais localizaram ao lado da porta de saída 01 (uma) máquina de cartão, na cozinha fora encontrado uma sacola contendo 01 (uma)balança de precisão, 01 (uma) peça de maconha, além de embalagens plásticas, e ao lado da sacola mais 03 (três) porções de maconha prontas para venda. No quarto do suspeito havia a quantia de R$350,00 (trezentos e cinquenta reais) em dinheiro e um vaso com plantas de maconha. Conforme laudo preliminar, a droga encontrada em poder do denunciado totalizou massa bruta de 126,2g (cento e vinte e seis gramas e dois decigramas) de maconha que seria comercializada por ele” (Denúncia, ID 98295556). Regularmente processada a ação penal, foi proferida sentença pelo d. Juízo da Quarta Vara Criminal da Comarca de Sinop/MT, na qual Wanderson Leitão Martins foi condenado à pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial fechado, além do pagamento de 510 (quinhentos e dez) dias-multa, unitariamente fixados à base de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato. Na sequência, a Defensoria Pública interpôs razões recursais arguindo, em sede preliminar, a nulidade da prova por violação de domicílio e consequente absolvição por ausência de provas, uma vez que não houve ordem judicial ou mesmo autorização para o ingresso dos policiais na residência do apelante, tampouco existiam evidências de que no interior do imóvel estaria ocorrendo algum ilícito, de modo que seriam imprestáveis as provas recolhidas quando da prisão em flagrante, inclusive a apreensão das substâncias entorpecentes. No mérito, postulou a desclassificação do delito de tráfico de drogas para a conduta do art. 28, caput, da Lei nº. 11343/2006, ao argumento de que não há prova nos autos do exercício da mercancia ilícita, demais disso, o acusado confessou sua dependência química. Na sessão de julgamento realizada no dia 24/11/2021, esta Colenda Terceira Câmara Criminal, à unanimidade, rejeitou a preliminar de nulidade e desproveu o mérito recursal do apelo manejado pela i. Defesa, nos termos da ementa abaixo transcrita, in verbis: “RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE DROGAS – INCONFORMISMO DA DEFESA – 1. PRELIMINAR DE ILEGALIDADE DA APREENSÃO DE DROGA PELA VIOLAÇÃO DO DIREITO DE INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO – IMPROCEDÊNCIA – CONSTATADAS AS FUNDADAS RAZÕES PARA A ADOÇÃO DA MEDIDA – AUSÊNCIA DE OFENSA CONSTITUCIONAL À INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO – FLAGRANTE DELITO CARACTERIZADO PELA EXISTÊNCIA DE CRIME PERMANENTE – PRELIMINAR REJEITADA – MÉRITO: 2. PRETENDIDA DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PRÓPRIO – IMPOSSIBILIDADE – MATERIALIDADE E AUTORIA SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADAS – TESTEMUNHOS FIRMES E SEGUROS PRESTADOS EM JUÍZO PELOS POLICIAIS MILITARES QUE PARTICIPARAM DA OCORRÊNCIA – CIRCUNSTÂNCIAS DA PRISÃO DO ACUSADO E DA APREENSÃO DOS NARCÓTICOS QUE AUTORIZAM A CONCLUSÃO QUANTO À MERCANCIA ILÍCITA – PRELIMINAR DE NULIDADE REJEITADA – RECURSO DESPROVIDO NO MÉRITO. 1.1 – A razão de ser do abrigo constitucional da inviolabilidade do domicílio (artigo 5º, inciso XI) é exatamente salvaguardar uma forma de manifestação do próprio direito à privacidade, que, se sob uma aresta, não se evidencia absoluto, sob outra, relativiza-se apenas nos termos delimitados pela própria Constituição: mediante consentimento do morador; em caso de flagrante delito; em caso de desastre; para prestar socorro; ou, durante o dia, mediante determinação judicial. 1.2 – No caso em tela, permanece íntegro o entendimento perante as Cortes Superiores acerca do caráter permanente do crime de tráfico de drogas. Essa característica, como sabido, reduz o postulado preconizado pelo art. 5.º, inc. XI, da Constituição Federal, de modo que inexiste violação de domicílio uma vez presentes fundadas suspeitas da ocorrência de crime permanente, confirmado pela apreensão de narcóticos [porções de maconha], além de petrechos sabidamente utilizados no comércio malsão (balança de precisão, recortes plásticos) e quantia em dinheiro; 2 – É inviável cogitar a desclassificação do delito de tráfico de drogas para a infração penal do artigo 28, caput, da Lei n.º 11.343/2006, quando os testemunhos dos policiais militares e, essencialmente, as circunstâncias do flagrante demonstram que as substâncias apreendidas se destinavam à difusão ilícita, pois, tais depoimentos são válidos como elementos de prova e não podem ser desprestigiados apenas e tão somente com base na negativa de autoria feita pelo agente, sobretudo quando harmônicos com as demais provas, que indicam o envolvimento do acusado com o tráfico de entorpecentes; Preliminar rejeitada. Recurso da defesa conhecido e desprovido”. (ID 110968958). Na sequência, a i. Defesa interpôs Recurso Especial, pleiteando: 1) a declaração de nulidade da medida de busca domiciliar realizada na residência do Recorrente, por carecer de fundamentos jurídicos válidos e por configurar manifesta afronta à legalidade estrita; 2) em decorrência, o reconhecimento da ilicitude de todas as provas derivadas da referida diligência, à luz do disposto no art. 157, §1º, do Código de Processo Penal, bem como da consagrada Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada; 3) a absolvição do acusado, diante da ausência de provas minimamente idôneas quanto à autoria delitiva, nos termos do art. 386, inciso II, do mesmo diploma legal. (ID 14371955). O Egrégio Superior Tribunal de Justiça deu parcial provimento ao recurso especial interposto (REsp n. 1985560-MT), reconhecendo a ilicitude do ingresso forçado na residência do acusado, bem como a nulidade das provas dele decorrentes, as quais deverão ser formalmente desentranhadas dos autos processuais. O eminente Relator pontuou, contudo, que os elementos probatórios colhidos mediante busca pessoal, realizada previamente à incursão domiciliar, são autônomos e revestidos de legalidade, não estando maculados pela invalidade das demais provas contaminadas. Diante disso, a Corte Superior de Justiça determinou a cassação da sentença condenatória e a renovação do julgamento em primeira instância, com a expressa ressalva de que fossem desconsideradas, integralmente, as provas declaradas ilícitas naquele julgado. (ID 217459165). Em 24 de outubro de 2024, o juízo da 5ª Vara Criminal de Sinop/MT julgou improcedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia e absolveu o réu Wanderson Leitão Martins, nos termos no art. 386, II, do Código de Processo Penal. (ID 262810273). Neste cenário, o MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, irresignado com a sentença absolutória, fundamenta seu inconformismo na ressalva estabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu a validade das provas obtidas mediante busca pessoal realizada previamente ao ingresso domiciliar. Tais elementos probatórios, por serem autônomos e não contaminados pela ilicitude subsequente do ingresso forçado na residência do réu, são considerados legítimos. Com base nisso, o Parquet pugna pela reforma da decisão absolutória e pela consequente condenação de Wanderson Leitão Martins pela prática do crime de tráfico de entorpecentes. A controvérsia cinge-se, portanto, em examinar se as provas obtidas pela realização da busca pessoal no réu, antes mesmo da invasão do seu domicílio, remanescem hígidas e possuidoras de aptidão para fundamentar decreto condenatório, não obstante o ulterior reconhecimento de nulidade das diligências procedidas no interior da residência. Sobre a busca pessoal, apesar de a inviolabilidade da intimidade constituir garantia constitucional expressamente prevista, por outro lado, como sói ser nas ciências jurídicas, tal garantia não é absoluta. Pelo contrário, é excepcionada nos termos dos artigos 240, §2º e 244, ambos do Código de Processo Penal, em que é permitida a realização de busca pessoal quando houver fundada suspeita de que o agente esteja em poder de objeto/instrumento de crime. A busca pessoal, por sua natureza, não exige maior rigor procedimental. Deve ser fundamentada em juízo de probabilidade, objetivamente aferido e justificado pelos indícios e circunstâncias do caso concreto, como ocorreu na presente hipótese e da própria decisão proferida pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça nos presentes autos: “É preciso pontuar, contudo, que, a despeito do reconhecimento da ilegalidade do ingresso em domicílio do recorrente, tal circunstância não conduz à sua necessária e imediata absolvição. Isso porque, conforme anteriormente salientado, antes do ingresso na residência, foram apreendidas drogas em poder do acusado, o que não foi questionado pela defesa e não se contamina pela nulidade posterior. Vale dizer, o reconhecimento da ilicitude das provas colhidas dentro do domicílio do acusado não tem o condão de macular todo o processo, porquanto há provas independentes capazes de, eventualmente, por si sós, sustentar a condenação, o que deverá ser analisado com maior profundidade pelo Juízo de primeiro grau ao refazer a sentença.” (ID 217459165 - Pág. 15). Pois bem. No âmbito dos presentes autos, a materialidade delitiva resta demonstrada, com a devida ressalva quanto à exclusão das provas declaradas ilícitas em virtude da violação de domicílio, pelos seguintes elementos probatórios: Auto de Prisão em Flagrante Delito (ID 98297137, p. 5); Boletim de Ocorrência nº 2020.297509 (ID 98297137, p. 6-13); Auto de Apreensão (ID 98297137, p. 14); Laudo de Constatação Preliminar nº 500.2.04.2020.013616-01 (ID 98297137, p. 27-29) e Laudo Pericial nº 3.14.2021.72417-01 (ID 98295562). Ressalte-se que todos esses documentos, excetuando-se aqueles derivados da incursão domiciliar irregular, mantêm-se hígidos e aptos à instrução processual. No tocante à autoria delitiva, observa-se que o recorrente, WANDERSON LEITÃO MARTINS negou de forma reiterada o envolvimento com o tráfico ilícito de entorpecentes, limitando-se a admitir a condição de usuário. Nesse desiderato, afirmou que é usuário de drogas desde os trezes anos de idade. Sobre o fato, narrou que havia saído da sua residência para consumir substâncias ilícitas, quando foi abordado pelos policiais, os quais lhe indagaram acerca da sua moradia e então o levaram até o imóvel, adentraram e começaram a fazer revista, localizando dinheiro e maconha, destinada para seu consumo. Sucede que ouvidos sob o crivo do contraditório, os policiais militares Pedro Aparecido Sebalhos, Felipe Machado Costa Neto e Murilo Cavalheiro de Oliveira, em idênticas declarações, confirmaram que receberam informações do departamento de inteligência da Polícia Militar, dando conta de que o acusado estaria envolvido com o comércio de drogas. Diligenciaram no local e abordaram o suspeito saindo de sua residência empurrando uma motocicleta. Durante a revista pessoal encontraram três porções de maconha em seu bolso, ocasião em que WANDERSON admitiu estar traficando e que no interior da sua casa existiriam mais substâncias ilícitas. Pois bem. Enumeradas as provas amealhadas no curso da persecução penal, tem-se que a análise do material cognitivo arrecadado evidencia, às escâncaras, que assiste razão ao órgão ministerial quanto à necessidade de reforma do édito judicial, pois, no cenário apresentado, não obstante a esforçada tentativa do apelado em firmar, em juízo, a tese de que não praticava a traficância de drogas, é evidente que as versão por ele trazida não se sustenta diante dos demais elementos de convicção reunidos nos autos. Primeiro, porque a negativa de autoria na fase judicial, por si só, revela-se manifestamente desprovida de plausibilidade e verossimilhança, não tendo sido apresentados elementos probatórios hábeis a lastrear a versão sustentada na autodefesa. Sob outro aspecto, no contexto dos autos, tenho que os depoimentos testemunhais colhidos em juízo – mormente os relatos dos policiais militares – descredenciam a negativa judicial de autoria sustentada pelo apelado WANDERSON, formando, assim, um conjunto probatório apto a respaldar sua condenação pelos crimes de tráfico de drogas. Neste ponto, importa consignar que o fato de as testemunhas em questão consistirem nos policiais militares que diligenciaram na fase inquisitiva não lhes retira a credibilidade, tampouco elide a idoneidade dos relatos judiciais, os quais foram prestados mediante compromisso legal, especialmente quando estão em consonância com as demais provas coligidas aos autos e quando inexiste qualquer indicativo de que os agentes estatais teriam interesse em implicar, de forma gratuita e injustificada, o réu no evento delituoso – como, aliás, se observa na presente hipótese. Nesse sentido trago julgado do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema: “PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. PROVAS DE AUTORIA E MATERIALIDADE SUFICIENTES. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUSTIFICADAS. MINORANTE DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. NÃO CABIMENTO. MAUS ANTECEDENTES. DETRAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que "o depoimento dos policiais prestado em Juízo constitui meio de prova idôneo a resultar na condenação do réu, notadamente quando ausente qualquer dúvida sobre a imparcialidade dos agentes, cabendo à defesa o ônus de demonstrar a imprestabilidade da prova" (AgRg no HC n. 672.359/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/6/2021, DJe 28/6/2021)". 3. (...)”. (AgRg no AREsp n. 1.649.862/RN, relator Ministro Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 24/10/2023, DJe de 30/10/2023.) – Destaquei. Aliás, visando pacificar a matéria no âmbito deste e. Sodalício estadual, a C. Turma de Câmaras Criminais Reunidas editou, em sede de uniformização de jurisprudência, o Enunciado Orientativo n. 08, cuja redação dispõe que “os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal”. (TJMT, Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015, DJE nº 9998, de 11/04/2017). Há que se observar, no caso em apreço, que as circunstâncias fáticas verificadas, aliadas à prova testemunhal coligida, permitem concluir, com segurança, que o apelado WANDERSON trazia consigo substâncias entorpecentes – três porções de maconha, divididas e prontas para disseminação ilícita. Tal constatação reforça-se pelo fato de que a apreensão do material ocorreu durante diligências policiais, após o recebimento de notícias acerca do envolvimento do ora recorrido com o comércio malsão e do prévio monitoramento do acusado pela Agência Local de Inteligência. Não se deve descurar, por oportuno que a informação obtida pelos policiais, se mostraram consistentes, na medida em que, não me parece razoável que alguém que alegue ser um mero consumidor de drogas, deixe o recanto e a segurança de sua residência onde poderia consumir com plena tranquilidade, para passar a transitar pelas ruas da cidade, ainda mais, carregando consigo três embalagens com drogas ilícitas. Fosse uma única porção, ainda seria razoável admitir que iria fazer uso em algum local público mais escondido, mas tres embalagens sustentam o evidente entendimento de sua destinação comercial. Aliás, exatamente nesse sentido, o art. 28, §2.º, da Lei n.º 11.343/06 determina que a análise da destinação do entorpecente – e, consequentemente, a distinção entre os delitos de narcotráfico e de posse de drogas para consumo próprio – deve ser feita de acordo com a natureza e a quantidade da substância, com o local e as condições em que se desenvolveu a ação, com as circunstâncias sociais e pessoais, bem como com a conduta e os antecedentes do agente. No caso concreto, cumpre destacar que, embora os laudos periciais mencionem a apreensão total dos entorpecentes, sem precisar o volume inicialmente encontrado com o réu durante a busca pessoal – a saber, três porções de maconha – tal omissão não implica, por si só, absolvição ou desclassificação para o crime de uso pessoal. Isso se deve, sobretudo, à notoriedade da prática do tráfico de drogas mediante o chamado “comércio formiga”, sendo certo que as circunstâncias dos autos evidenciam a prática do chamado pequeno tráfico, utilizado como forma de dissimulação da atividade ilícita, com o objetivo de, em caso de eventual apreensão, possibilitar a adoção da linha defensiva ora analisada. (ex vi: TJMT, NU 0000848-20.2019.8.11.0040; N.U 1000815-25.2021.8.11.0078, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, julgado em 07/03/2023, publicado no DJE de 13/03/2023). Ademais, as circunstâncias que envolveram a apreensão das drogas indicam, de forma inequívoca, o propósito mercantil das substâncias, uma vez que o apelado havia sido implicado no comércio ilícito por informações oriundas do Setor de Inteligência da Polícia Militar, o qual declinou seu nome e endereço como ponto de comercialização de substâncias entorpecentes, sendo ele preso em flagrante delito, na posse de drogas fracionadas em porções, prontas para a venda. Outrossim, à luz das diretrizes previstas no art. 28, § 2.º, da Lei n.º 11.343/2006, verifica-se que as condições pessoais e os antecedentes do apelado corroboram sua autoria quanto ao delito previsto no art. 33, caput, da mesma lei, uma vez que se trata de réu reincidente na prática do crime de tráfico de drogas. Consta dos autos que o recorrido possui condenação anterior pelos crimes de tráfico de drogas, resistência, desobediência e por conduzir veículo automotor em velocidade incompatível com a segurança da via pública, com sentença transitada em julgado em 15 de fevereiro de 2018, tendo-lhe sido imposta pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos, 8 (oito) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime semiaberto. Ressalto, ainda, que, para a caracterização do tráfico de drogas, é prescindível a prova flagrancial do comércio ilícito, sendo suficiente que o agente seja surpreendido praticando qualquer das condutas descritas no tipo penal previsto no art. 33, caput, da Lei de Drogas, desde que em contexto que evidencie seu envolvimento com o tráfico ilícito de entorpecentes. Trata-se, como se sabe, de tipo penal misto alternativo, cuja consumação se perfaz com a prática de qualquer das condutas nele elencadas. Nesse sentido, colhe-se o entendimento da Colenda Turma de Câmaras Criminais Reunidas desta Eg. Corte de Justiça: “Enunciado Orientativo n.º 7 - O delito de tráfico de drogas, previsto no art. 33 da Lei n. 11.343/2006, é classificado como de ação múltipla ou misto alternativo e, portanto, consuma-se com a prática de qualquer das condutas nele descritas”. (TJMT, Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015, Disponibilizado no DJE Edição nº 9998, de 11/04/2017, publicado em 12/04/2017) – destaquei. Por fim, embora o apelado sustente ser mero usuário, as provas constantes dos autos e as peculiaridades do caso concreto conduzem à conclusão de que efetivamente exercia a atividade de comercialização de entorpecentes. Isso porque a alegada condição de usuário não afasta a possibilidade de o agente figurar como sujeito ativo no crime de tráfico de drogas, sendo, inclusive, recorrente a figura do traficante-usuário, que comercializa substâncias entorpecentes para sustentar o próprio vício, conforme previsto no Enunciado Orientativo n.º 3 do Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015, DJE n.º 9998, de 11/04/2017. Diante desse cenário, constato que o conjunto probatório dos autos evidencia, de forma segura e convincente, a prática do crime de tráfico de drogas por parte do apelado WANDERSON LEITÃO MARTINS, razão pela qual DOU PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Ministério Público, para condená-lo, em concurso material, como incurso no art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/2006. - DOSIMETRIA DA PENA DO APELADO: Por derradeiro, em razão do provimento do recurso ministerial para fins de condenação do apelado WANDERSON LEITÃO MARTINS, passo à individualização da pena, em estrita observância ao princípio do non reformatio in pejus. Na primeira fase, observando os critérios estabelecidos nos artigos 59 e 68 do Código Penal, bem como o art. 42 da Lei de Drogas, fixo a pena-base no mínimo legal, qual seja, 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa, diante da presença de circunstâncias judiciais favoráveis. Na segunda fase, ausentes circunstâncias atenuantes e presente a agravante da reincidência, exaspero a pena em 6 (seis) meses, em atenção ao princípio da proporcionalidade. Tal fração mostra-se mais benéfica ao réu, considerando que, na sentença condenatória anterior proferida em seu desfavor, o magistrado exasperou o mesmo quantum, sem observar a fração ideal de 1/6 (um sexto). Assim, a pena intermediária resta fixada em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 550 (quinhentos e cinquenta) dias-multa. Na terceira fase, ausentes causas de aumento ou de diminuição da pena, máxime diante da condição de reincidência do apelado que impede a concessão do benefício do tráfico privilegiado TORNO DEFINITIVA a reprimenda em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 550 (quinhentos e cinquenta) dias-multa, sendo esta última calculada à razão unitária mínima legal, à míngua de elementos que justifiquem sua majoração. Em consequência, fixada nesta instância revisora a pena definitiva pelo crime de tráfico de drogas em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão, estabeleço o regime inicial fechado para o cumprimento da sanção, em razão da reincidência, desconsiderando-se o tempo de prisão provisória, porquanto não possui aptidão para alterar o regime de cumprimento da pena, considerando o quantum da reprimenda e o fato de o regime mais gravoso decorrer da agravante em questão. Com efeito, a prisão cautelar do apelado, vigente à época da sentença, não autoriza a fixação de regime diverso do fechado, haja vista tratar-se de reincidente condenado a pena superior a 4 (quatro) anos de reclusão, sendo a imposição do regime mais rigoroso justificada pela necessidade de punir com maior severidade aquele que já esteve sob a tutela estatal, sem que o tempo de reclusão anterior tenha se mostrado suficiente à sua ressocialização, tampouco eficaz para dissuadi-lo de novas práticas delitivas. Tudo em conformidade com o Enunciado n.º 269 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe: “É admissível a adoção do regime prisional semi-aberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos, se favoráveis as circunstâncias judiciais”. – grifei. Registre-se, ademais, que, embora o tempo de prisão cautelar não sirva, neste caso, para garantir ao recorrido a imposição de regime inicial mais brando, será devidamente computado na fase de execução penal, nos termos do art. 42 do Código Penal e do art. 66, inciso III, alínea c, da Lei n.º 7.210/84. CONCLUSÃO Por todo o exposto, conheço e DOU PROVIMENTO ao recurso de apelação criminal interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO nos autos da Ação Penal n.º 1019086-14.2020.8.11.0015, oriunda da 5ª Vara Criminal da Comarca de Sinop/MT, para condenar WANDERSON LEITÃO MARTINS como incurso no art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/2006, à pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, além do pagamento de 550 (quinhentos e cinquenta) dias-multa, calculados unitariamente no valor mínimo legal. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 04/06/2025

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Processo nº 1012903-19.2024.8.11.0037

ID: 292983333

Tribunal: TJMT Órgão: 4ª VARA CÍVEL DE PRIMAVERA DO LESTE Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVEL Nº Processo: 1012903-19.2024.8.11.0037

Data de Disponibilização: 09/06/2025

Polo Ativo:

DIVANICIA CARDOSO BRITO

Polo Passivo:

Sentença

Advogados:

TIAGO ALVES DA SILVA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 4ª VARA CÍVEL DE PRIMAVERA DO LESTE SENTENÇA Processo nº 1012903-19.2024.8.11.0037. IMPETRANTE: DIVANICIA CARDOSO BRITO IMPETRADO: DIRETOR DE HABILITAÇÃO DO DEP… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 4ª VARA CÍVEL DE PRIMAVERA DO LESTE SENTENÇA Processo nº 1012903-19.2024.8.11.0037. IMPETRANTE: DIVANICIA CARDOSO BRITO IMPETRADO: DIRETOR DE HABILITAÇÃO DO DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRANSITO DO ESTADO DE MATO GROSSO Vistos. Trata-se de MANDADO DE SEGURANÇA impetrado por DIVANICIA CARDOSO BRITO contra ato do DIRETOR DE HABILITAÇÃO DO DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO DE MATO GROSSO (DETRAN/MT), devidamente qualificados nos autos. Narra a inicial, em síntese, que a parte impetrante que é titular da CNH sob o RENACH nº MT663568099, tendo iniciado processo de renovação em 28/01/2024, finalizado em 06/03/2024, com a emissão de CNH definitiva válida até 05/03/2034. Aduz que, em 20/12/2024, foi surpreendida com a informação de que sua CNH havia sido cassada, sem qualquer notificação prévia. Alega que a cassação de sua CNH se deu em razão de suposta infração de trânsito cometida em 10/01/2020, época em que possuía apenas a permissão para dirigir, o que apenas foi informado pelo DETRAN-MT em seu balcão de atendimento. Assim, requer a declaração da nulidade da cassação da CNH e determinação do restabelecimento definitivo de sua habilitação. Com a inicial vieram documentos. A parte impetrada apresentou informações no id. 180167710, alegando, em síntese, a ausência de direito líquido e certo e prova pré-constituída, bem como a presunção de legitimidade dos atos administrativos. No id. 186791745, o Ministério Público manifestou-se pela concessão da segurança. É o relatório. Fundamento e decido. O mandado de segurança está previsto no art. 5º, LXIX, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88). LXIX - conceder-se-á Mandado de Segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. No mesmo sentido enuncia o art. 1º da Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009: Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. Portanto, pela localização de sua disposição legal, é considerado direito e garantia fundamental do cidadão, que visa amparar os direitos individuais contra abusos praticados pelo Estado. Nas lições de José Afonso da Silva, que conceitua o mandado de segurança, é considerado “um remédio constitucional, com natureza de ação civil, posto à disposição de titulares de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão, por ato ou omissão de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuição do Poder Público”. (in: Curso de Direito Constitucional Positivo, 18ª ed., São Paulo, Malheiros, 2000). Hely Lopes Meirelles, por sua vez, prossegue dizendo o que entende por direito líquido e certo: Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante. (in Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data, 20ª Edição, Ed. Malheiros, São Paulo). No caso dos autos, a parte impetrante alega ser indevida a cassação de sua habilitação para dirigir. Sobre o assunto, vejamos o que dispõe o Código de Trânsito Brasileiro (CTB): Art. 148. Os exames de habilitação, exceto os de direção veicular, poderão ser aplicados por entidades públicas ou privadas credenciadas pelo órgão executivo de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, de acordo com as normas estabelecidas pelo CONTRAN. [...]. § 2º Ao candidato aprovado será conferida Permissão para Dirigir, com validade de um ano. § 3º A Carteira Nacional de Habilitação será conferida ao condutor no término de um ano, desde que o mesmo não tenha cometido nenhuma infração de natureza grave ou gravíssima ou seja reincidente em infração média. Da análise dos autos, verifica-se que a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) definitiva da impetrante foi emitida pela autoridade coatora sem nenhuma ressalva, sendo que o impedimento pela infração cometida em 2020 foi lançado somente após 4 (quatro) anos da expedição da CNH definitiva (id. 179500621, 179500620), frustrando, assim, a expectativa da parte impetrante pela regularidade de sua habilitação para dirigir, já que a autoridade coatora também permitiu a renovação da CNH em 2024. Com efeito, a situação fática consolidada ao longo de mais de 4 (quatro) anos gerou, na esfera jurídica do particular, uma legítima expectativa quanto à continuidade dos efeitos dela decorrentes, a qual não pode ser ulteriormente frustrada sem que se incorra em flagrante violação aos princípios da confiança legítima, da segurança jurídica e da boa fé objetiva. Nesse sentido, o princípio da proteção da confiança legítima, corolário direto da segurança jurídica e da boa-fé, veda que a Administração adote comportamentos contraditórios (venire contra factum proprium), frustrando as expectativas que ela mesma criou no administrado. Se o particular, agindo de boa-fé, confiou nos efeitos de um ato emanado do Poder Público, e se essa confiança se prolongou no tempo, a ulterior invalidação desse ato, salvo hipóteses excepcionalíssimas, representa um atentado a essa confiança legitimamente depositada. Destarte, o princípio da segurança jurídica incide no ordenamento jurídico pátrio em sua dupla dimensão: objetiva, que demanda a estabilidade das relações jurídicas e a previsibilidade dos atos estatais, e subjetiva, que se manifesta na proteção à confiança. A alteração de um cenário consolidado pelo decurso de tempo considerável, especialmente quando o particular pautou suas ações e expectativas com base na aparência de legalidade e definitividade do ato administrativo, abala profundamente a segurança jurídica. Ademais, o princípio da boa-fé objetiva impõe um padrão de conduta leal e ético a todos os sujeitos de uma relação jurídica, inclusive à Administração Pública e obsta que esta se beneficie de sua própria torpeza ou equívoco para, tardiamente, prejudicar o administrado que não concorreu para o vício original e que fruiu dos efeitos do ato de boa-fé. Assim, não obstante a Resolução nº 723, de 06 de fevereiro de 2018, dispor no § 2º do art. 28 que “A não obtenção da CNH, tendo em vista a incapacidade de atendimento do disposto no § 3º do art. 148 do CTB, não exige a instauração do processo administrativo”, o entendimento jurisprudencial é de que nos casos de cassação/não renovação da CNH definitiva com base em infração praticada durante o período de Permissão para Dirigir (PPD) deve ocorrer a prévia instauração de processo administrativo em obediência aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Veja-se o entendimento do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso: EMENTA DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO COMETIDA DURANTE O PERÍODO DA PERMISSÃO PARA DIRIGIR (PPD). CASSAÇÃO DA CNH DEFINITIVA. ILEGALIDADE DO ATO. SEGURANÇA CONCEDIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. SENTENÇA RATIFICADA EM REMESSA NECESSÁRIA. I. Caso em exame: 1. Mandado de segurança impetrado visando impedir a cassação de Carteira Nacional de Habilitação (CNH) definitiva, com fundamento na ilegalidade do procedimento adotado pela autoridade administrativa, que aplicou a penalidade de cassação com base em infração de trânsito gravíssima cometida ainda durante o período da Permissão para Dirigir (PPD). II. Questão em discussão: 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se é cabível a cassação da CNH definitiva com base em infração cometida durante a PPD, sem instauração de processo administrativo; (ii) estabelecer se o ato administrativo de cassação é nulo por violar os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. III. Razões de decidir: 3. O artigo 148, § 3º, do CTB condiciona a expedição da CNH definitiva à inexistência de infrações graves, gravíssimas ou reincidência em infrações médias durante a vigência da PPD, sendo possível o cancelamento do documento se essas infrações forem posteriormente confirmadas. 4. A jurisprudência do STJ distingue os casos de negativa de concessão da CNH definitiva, que prescinde de processo administrativo, daqueles em que há revogação de CNH já concedida, hipótese que exige procedimento formal com garantia de defesa. 5. A cassação da CNH, quando já expedida definitivamente, configura exercício de poder punitivo estatal, demandando observância dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal (CF/1988, art. 5º, LIV, LV e LVII). 6. O ato administrativo de cassação, editado quase quatro anos após a expedição da CNH definitiva, sem oportunizar manifestação da interessada, revela-se nulo por violação dos princípios da legalidade, segurança jurídica e boa-fé administrativa. IV. Dispositivo e tese: 7. Recurso não provido. Sentença ratificada em sede de remessa necessária. Tese de julgamento: “A cassação de CNH definitiva com base em infração praticada durante o período de Permissão para Dirigir exige prévia instauração de processo administrativo, sob pena de nulidade do ato.” ______________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, incisos LIV, LV e LVII; CTB, arts. 148, §§ 3º e 4º, e 265; Lei n. 9.784/1999, art. 2º. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp n. 1.194.029/AC, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, Julgado em 21.3.2019, Publicado no DJe em 28.3.2019; TJMT, agravo de instrumento n. 1029415-91.2024.8.11.0000, Rel. Des. Luiz Octavio Oliveira Saboia Ribeiro, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 05.2.2025, Publicado no DJe em 10.2.2025; TJMT, apelação cível n. 1009827-80.2024.8.11.0006, Rel. Desa. Vandymara Galvao Ramos Paiva Zanolo, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 05.2.2025, Publicado no DJe em 10.2.2025. (N.U 1030660-14.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, RODRIGO ROBERTO CURVO, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 28/05/2025, Publicado no DJE 30/05/2025) destaque nosso. DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. CASSAÇÃO DE CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO (CNH). INFRAÇÃO GRAVÍSSIMA COMETIDA DURANTE O PERÍODO DE PERMISSÃO PARA DIRIGIR (PPD). EMISSÃO DA CNH DEFINITIVA POSTERIOR. NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE DEVIDO PROCESSO ADMINISTRATIVO. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. SEGURANÇA CONCEDIDA. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta contra sentença que denegou a segurança pleiteada, buscando a declaração de nulidade do ato administrativo que cassou a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do impetrante com base em infração cometida durante a vigência de sua Permissão para Dirigir (PPD), sob alegação de violação ao contraditório e à ampla defesa. II. Questão em discussão 2. O ponto controvertido consiste em verificar se o ato de cassação da CNH, baseado em infração cometida durante o período de validade da PPD, mas expedido após a emissão da CNH definitiva, é nulo por ausência de prévio processo administrativo, com intimação e oportunidade para o contraditório e a ampla defesa. III. Razões de decidir 3. A anulação de ato administrativo que repercute na esfera de interesses individuais deve observar o contraditório e a ampla defesa, conforme o princípio do devido processo legal, especialmente quando o ato já produziu efeitos concretos, como a emissão da CNH definitiva. 4. A tese firmada pelo STF no Tema 138 de repercussão geral (RE 594.296) reforça que o desfazimento de atos administrativos que já geraram efeitos concretos exige regular processo administrativo. 5. No caso, o órgão de trânsito deveria ter instaurado procedimento administrativo antes de cassar a CNH do impetrante, mesmo que o ato estivesse fundamentado em infração cometida durante a vigência da PPD, sendo impositiva a nulidade do ato administrativo. IV. Dispositivo e tese 6. Recurso provido. Segurança concedida. Tese de julgamento: "A cassação da CNH, fundamentada em infração cometida durante a vigência da PPD, mas expedida após a emissão da CNH definitiva, exige prévia instauração de processo administrativo, com garantia do contraditório e da ampla defesa, sob pena de nulidade do ato." _____________________ Dispositivos relevantes citados: CF, art. 5º, LIV e LV. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 594.296 (Tema 138 de repercussão geral). (N.U 1009827-80.2024.8.11.0006, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, VANDYMARA GALVAO RAMOS PAIVA ZANOLO, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 05/02/2025, Publicado no DJE 10/02/2025) destaque nosso. DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUSPENSÃO DE CASSAÇÃO DE CNH DEFINITIVA POR INFRAÇÃO COMETIDA NO PERÍODO DE CNH PROVISÓRIA. AUSÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA CONFIANÇA LEGÍTIMA, SEGURANÇA JURÍDICA E BOA-FÉ. DEFERIMENTO DE TUTELA DE URGÊNCIA. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo de Instrumento contra decisão que indeferiu tutela de urgência para suspensão de ato administrativo que cassou CNH definitiva do agravante em razão de infração cometida durante o período de permissão provisória, dois anos após a expedição da habilitação definitiva e sem instauração de processo administrativo. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar se é legítima a cassação de CNH definitiva, sem prévio processo administrativo, com base em infração cometida durante o período de permissão provisória, quando a própria Administração já havia conferido a habilitação definitiva ao condutor. III. Razões de decidir 3. A expedição da CNH definitiva pela Administração gera presunção de inexistência de óbices à sua concessão, consolidando situação jurídica que não pode ser desconstituída sem o devido processo legal. 4. A cassação de CNH definitiva, ainda que fundada em infração cometida no período provisório, exige instauração de processo administrativo prévio, em respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa. 5. Os princípios da segurança jurídica e da confiança legítima impedem que a Administração, após consolidar situação jurídica favorável ao administrado, revogue unilateralmente o ato sem observância do devido processo legal. 6. A ausência de processo administrativo adequado, conforme art. 265 do CTB, viola o devido processo legal previsto no art. 5º, inc. LIV, da CF/1988. 7. O perigo de dano decorre da necessidade do agravante de possuir CNH válida para obter emprego, sendo iminente o risco de lesão irreparável. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso provido. Tese de julgamento: "A cassação de CNH definitiva, ainda que motivada por infração cometida durante o período de permissão provisória, exige prévia instauração de processo administrativo, em respeito aos princípios do devido processo legal, da segurança jurídica e da confiança legítima, quando a própria Administração já havia expedido a habilitação definitiva" Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, inc. LIV e XV; CTB, art. 148, § 3º, art. 265 a art. 281; CPC/2015, art. 300. Jurisprudência relevante citada: . STF, RE 594.296/MG, Tema 138; STF, Súmula 473; TJ-MT, Agravo nº 1000815-94.2023.8.11.0000, Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, j. 12.04.2023; TJ-BA - Apelação 0041557-03.2010.8.05.0001; TJ-GO - Acórdão 872859; TJ-PA - Remessa Necessária Cível 00036005520138140051. (N.U 1029415-91.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 05/02/2025, Publicado no DJE 10/02/2025) destaque nosso. Por fim, embora a responsabilidade pela autuação que gerou a cassação da CNH não seja atribuída ao DETRAN/MT, compete à referida autarquia estadual a emissão do documento mencionado, razão pela qual possui legitimidade para figurar no polo passivo do mandado de segurança, na qualidade de autoridade coatora. Desse modo, da análise dos autos, verifico que restou demonstrada a violação a direito líquido e certo da parte impetrante, razão pela qual entendo que no caso dos autos estão presentes os requisitos exigidos para a concessão da segurança. Ante o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, CONCEDO A SEGURANÇA e JULGO EXTINTO o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, confirmando a liminar concedida, para DETERMINAR que a parte impetrada restabeleça a validade da CNH RENACH nº MT663568099 da parte impetrante, no prazo de 10 (dez) dias, se por outro motivo não estiver impedida. Sem custas, por expressa previsão da Constituição Estadual. Sem honorários advocatícios, por expressa previsão do art. 25 da Lei nº 12.016/2009. Sentença sujeita a duplo grau de jurisdição, conforme o art. 14, § 1º, da Lei nº 12.016/2009. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com as baixas e anotações de estilo. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se, expedindo o necessário, com as cautelas de estilo. Primavera do Leste/MT, data da assinatura eletrônica. Lidiane de Almeida Anastácio Pampado Juíza de Direito

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Processo nº 1009293-43.2024.8.11.0037

ID: 292928074

Tribunal: TJMT Órgão: 4ª VARA CÍVEL DE PRIMAVERA DO LESTE Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVEL Nº Processo: 1009293-43.2024.8.11.0037

Data de Disponibilização: 09/06/2025

Polo Ativo:

EDUARDO DONIN GOELLNER

Polo Passivo:

Sentença

Advogados:

ANESIO RIETH

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JULIANE CACIA LONGEN

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ERICA BRUNA FELIX DE ARAUJO

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 4ª VARA CÍVEL DE PRIMAVERA DO LESTE SENTENÇA Processo nº 1009293-43.2024.8.11.0037. IMPETRANTE: EDUARDO DONIN GOELLNER IMPETRADO: DIRETOR DO DEPARTAMENTO ESTADU… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 4ª VARA CÍVEL DE PRIMAVERA DO LESTE SENTENÇA Processo nº 1009293-43.2024.8.11.0037. IMPETRANTE: EDUARDO DONIN GOELLNER IMPETRADO: DIRETOR DO DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO - DETRAN MT Vistos. Trata-se de MANDADO DE SEGURANÇA impetrado por EDUARDO DONIN GOELLNER contra ato do DIRETOR DO DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO DE MATO GROSSO (DETRAN/MT), devidamente qualificados nos autos. Narra a inicial, em síntese, que a parte impetrante emitiu sua carteira nacional de habilitação provisória em 31/10/2019, sendo que nesse período cometeu dois atos infracionais. Relata que, em 05/11/2020, emitiu a sua carteira nacional de habilitação definitiva com vencimento na data de 11/06/2024 sem que constasse qualquer impedimento. Aduz que, com o vencimento da CNH, agendou atendimento na 40ª CIRETRAN para requerer a renovação de sua habilitação, quando foi informado da existência de impedimentos decorrentes dos autos de infração lavrados à época de sua permissão para dirigir, impedindo a renovação de sua CNH. Em contato com o DETRAN/MT, foi lhe informado que o bloqueio é automático e sem a necessidade de instauração de processo administrativo. Alega que precisa de sua CNH para exercer a sua atividade laboral e que o ato da autoridade coatora está em dissonância com a legislação de trânsito. Assim, requer a anulação da decisão administrativa que está impedindo que seja feita a renovação da CNH; o restabelecimento definitivo da CNH, com sua reintegração ao sistema de habilitação; a nulidade de eventual processo administrativo que tenha sido instaurado sem a observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Com a inicial vieram documentos. A parte impetrada apresentou informações no id. 172188408, alegando, em síntese, a incompetência absoluta do Juízo Estadual para reconhecer nulidade de ato administrativo praticado por órgão federal, além da ausência de direito líquido e certo e prova pré-constituída. No id. 179233415, o Ministério Público manifestou-se pela concessão da segurança. É o relatório. Fundamento e decido. O mandado de segurança está previsto no art. 5º, LXIX, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88). LXIX - conceder-se-á Mandado de Segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. No mesmo sentido enuncia o art. 1º da Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009: Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. Portanto, pela localização de sua disposição legal, é considerado direito e garantia fundamental do cidadão, que visa amparar os direitos individuais contra abusos praticados pelo Estado. Nas lições de José Afonso da Silva, que conceitua o mandado de segurança, é considerado “um remédio constitucional, com natureza de ação civil, posto à disposição de titulares de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão, por ato ou omissão de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuição do Poder Público”. (in: Curso de Direito Constitucional Positivo, 18ª ed., São Paulo, Malheiros, 2000). Hely Lopes Meirelles, por sua vez, prossegue dizendo o que entende por direito líquido e certo: Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante. (in Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data, 20ª Edição, Ed. Malheiros, São Paulo). Inicialmente, concernente à alegada incompetência da Justiça Estadual para apreciar o pedido de nulidade de auto de infração lavrado por órgão federal arguida pela parte impetrada, verifica-se dos autos que a autuação não é objeto da presente ação, mas somente o impedimento de renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), fato esse que está dentro das competências da autarquia estadual de trânsito, permitindo, portanto, a análise pela Justiça Estadual. No caso dos autos, a parte impetrante alega ser indevida a negativa de renovação de sua habilitação para dirigir. Sobre o assunto, vejamos o que dispõe o Código de Trânsito Brasileiro (CTB): Art. 148. Os exames de habilitação, exceto os de direção veicular, poderão ser aplicados por entidades públicas ou privadas credenciadas pelo órgão executivo de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, de acordo com as normas estabelecidas pelo CONTRAN. [...]. § 2º Ao candidato aprovado será conferida Permissão para Dirigir, com validade de um ano. § 3º A Carteira Nacional de Habilitação será conferida ao condutor no término de um ano, desde que o mesmo não tenha cometido nenhuma infração de natureza grave ou gravíssima ou seja reincidente em infração média. Da análise dos autos, verifica-se que a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) definitiva do impetrante foi emitida pela autoridade coatora sem nenhuma ressalva, sendo que o impedimento pelas infrações cometidas em 2020 foi lançado somente após 4 (quatro) anos da expedição da CNH definitiva (id. 170093754), frustrando, assim, a expectativa da parte impetrante pela renovação de sua habilitação para dirigir. Com efeito, a situação fática consolidada ao longo de mais de 4 (quatro) anos gerou, na esfera jurídica do particular, uma legítima expectativa quanto à continuidade dos efeitos dela decorrentes, a qual não pode ser ulteriormente frustrada sem que se incorra em flagrante violação aos princípios da confiança legítima, da segurança jurídica e da boa fé objetiva. Nesse sentido, o princípio da proteção da confiança legítima, corolário direto da segurança jurídica e da boa-fé, veda que a Administração adote comportamentos contraditórios (venire contra factum proprium), frustrando as expectativas que ela mesma criou no administrado. Se o particular, agindo de boa-fé, confiou nos efeitos de um ato emanado do Poder Público, e se essa confiança se prolongou no tempo, a ulterior invalidação desse ato, salvo hipóteses excepcionalíssimas, representa uma ofensa a essa confiança legitimamente depositada. Destarte, o princípio da segurança jurídica incide no ordenamento jurídico pátrio em sua dupla dimensão: objetiva, que demanda a estabilidade das relações jurídicas e a previsibilidade dos atos estatais, e subjetiva, que se manifesta na proteção à confiança. A alteração de um cenário consolidado pelo decurso de tempo considerável, especialmente quando o particular pautou suas ações e expectativas com base na aparência de legalidade e definitividade do ato administrativo, abala profundamente a segurança jurídica. Ademais, o princípio da boa-fé objetiva impõe um padrão de conduta leal e ético a todos os sujeitos de uma relação jurídica, inclusive à Administração Pública e obsta que esta se beneficie de sua própria torpeza ou equívoco para, tardiamente, prejudicar o administrado que não concorreu para o vício original e que fruiu dos efeitos do ato de boa-fé. Assim, não obstante a Resolução nº 723, de 06 de fevereiro de 2018, dispor no § 2º do art. 28 que “A não obtenção da CNH, tendo em vista a incapacidade de atendimento do disposto no § 3º do art. 148 do CTB, não exige a instauração do processo administrativo”, o entendimento jurisprudencial é de que nos casos de cassação/não renovação da CNH definitiva com base em infração praticada durante o período de Permissão para Dirigir (PPD) deve ocorrer a prévia instauração de processo administrativo em obediência aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Veja-se o entendimento do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso: EMENTA DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO COMETIDA DURANTE O PERÍODO DA PERMISSÃO PARA DIRIGIR (PPD). CASSAÇÃO DA CNH DEFINITIVA. ILEGALIDADE DO ATO. SEGURANÇA CONCEDIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. SENTENÇA RATIFICADA EM REMESSA NECESSÁRIA. I. Caso em exame: 1. Mandado de segurança impetrado visando impedir a cassação de Carteira Nacional de Habilitação (CNH) definitiva, com fundamento na ilegalidade do procedimento adotado pela autoridade administrativa, que aplicou a penalidade de cassação com base em infração de trânsito gravíssima cometida ainda durante o período da Permissão para Dirigir (PPD). II. Questão em discussão: 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se é cabível a cassação da CNH definitiva com base em infração cometida durante a PPD, sem instauração de processo administrativo; (ii) estabelecer se o ato administrativo de cassação é nulo por violar os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. III. Razões de decidir: 3. O artigo 148, § 3º, do CTB condiciona a expedição da CNH definitiva à inexistência de infrações graves, gravíssimas ou reincidência em infrações médias durante a vigência da PPD, sendo possível o cancelamento do documento se essas infrações forem posteriormente confirmadas. 4. A jurisprudência do STJ distingue os casos de negativa de concessão da CNH definitiva, que prescinde de processo administrativo, daqueles em que há revogação de CNH já concedida, hipótese que exige procedimento formal com garantia de defesa. 5. A cassação da CNH, quando já expedida definitivamente, configura exercício de poder punitivo estatal, demandando observância dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal (CF/1988, art. 5º, LIV, LV e LVII). 6. O ato administrativo de cassação, editado quase quatro anos após a expedição da CNH definitiva, sem oportunizar manifestação da interessada, revela-se nulo por violação dos princípios da legalidade, segurança jurídica e boa-fé administrativa. IV. Dispositivo e tese: 7. Recurso não provido. Sentença ratificada em sede de remessa necessária. Tese de julgamento: “A cassação de CNH definitiva com base em infração praticada durante o período de Permissão para Dirigir exige prévia instauração de processo administrativo, sob pena de nulidade do ato.” ______________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, incisos LIV, LV e LVII; CTB, arts. 148, §§ 3º e 4º, e 265; Lei n. 9.784/1999, art. 2º. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp n. 1.194.029/AC, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, Julgado em 21.3.2019, Publicado no DJe em 28.3.2019; TJMT, agravo de instrumento n. 1029415-91.2024.8.11.0000, Rel. Des. Luiz Octavio Oliveira Saboia Ribeiro, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 05.2.2025, Publicado no DJe em 10.2.2025; TJMT, apelação cível n. 1009827-80.2024.8.11.0006, Rel. Desa. Vandymara Galvao Ramos Paiva Zanolo, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 05.2.2025, Publicado no DJe em 10.2.2025. (N.U 1030660-14.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, RODRIGO ROBERTO CURVO, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 28/05/2025, Publicado no DJE 30/05/2025) destaque nosso. DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. CASSAÇÃO DE CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO (CNH). INFRAÇÃO GRAVÍSSIMA COMETIDA DURANTE O PERÍODO DE PERMISSÃO PARA DIRIGIR (PPD). EMISSÃO DA CNH DEFINITIVA POSTERIOR. NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE DEVIDO PROCESSO ADMINISTRATIVO. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. SEGURANÇA CONCEDIDA. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta contra sentença que denegou a segurança pleiteada, buscando a declaração de nulidade do ato administrativo que cassou a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) do impetrante com base em infração cometida durante a vigência de sua Permissão para Dirigir (PPD), sob alegação de violação ao contraditório e à ampla defesa. II. Questão em discussão 2. O ponto controvertido consiste em verificar se o ato de cassação da CNH, baseado em infração cometida durante o período de validade da PPD, mas expedido após a emissão da CNH definitiva, é nulo por ausência de prévio processo administrativo, com intimação e oportunidade para o contraditório e a ampla defesa. III. Razões de decidir 3. A anulação de ato administrativo que repercute na esfera de interesses individuais deve observar o contraditório e a ampla defesa, conforme o princípio do devido processo legal, especialmente quando o ato já produziu efeitos concretos, como a emissão da CNH definitiva. 4. A tese firmada pelo STF no Tema 138 de repercussão geral (RE 594.296) reforça que o desfazimento de atos administrativos que já geraram efeitos concretos exige regular processo administrativo. 5. No caso, o órgão de trânsito deveria ter instaurado procedimento administrativo antes de cassar a CNH do impetrante, mesmo que o ato estivesse fundamentado em infração cometida durante a vigência da PPD, sendo impositiva a nulidade do ato administrativo. IV. Dispositivo e tese 6. Recurso provido. Segurança concedida. Tese de julgamento: "A cassação da CNH, fundamentada em infração cometida durante a vigência da PPD, mas expedida após a emissão da CNH definitiva, exige prévia instauração de processo administrativo, com garantia do contraditório e da ampla defesa, sob pena de nulidade do ato." _____________________ Dispositivos relevantes citados: CF, art. 5º, LIV e LV. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 594.296 (Tema 138 de repercussão geral). (N.U 1009827-80.2024.8.11.0006, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, VANDYMARA GALVAO RAMOS PAIVA ZANOLO, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 05/02/2025, Publicado no DJE 10/02/2025) destaque nosso. DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUSPENSÃO DE CASSAÇÃO DE CNH DEFINITIVA POR INFRAÇÃO COMETIDA NO PERÍODO DE CNH PROVISÓRIA. AUSÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA CONFIANÇA LEGÍTIMA, SEGURANÇA JURÍDICA E BOA-FÉ. DEFERIMENTO DE TUTELA DE URGÊNCIA. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo de Instrumento contra decisão que indeferiu tutela de urgência para suspensão de ato administrativo que cassou CNH definitiva do agravante em razão de infração cometida durante o período de permissão provisória, dois anos após a expedição da habilitação definitiva e sem instauração de processo administrativo. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar se é legítima a cassação de CNH definitiva, sem prévio processo administrativo, com base em infração cometida durante o período de permissão provisória, quando a própria Administração já havia conferido a habilitação definitiva ao condutor. III. Razões de decidir 3. A expedição da CNH definitiva pela Administração gera presunção de inexistência de óbices à sua concessão, consolidando situação jurídica que não pode ser desconstituída sem o devido processo legal. 4. A cassação de CNH definitiva, ainda que fundada em infração cometida no período provisório, exige instauração de processo administrativo prévio, em respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa. 5. Os princípios da segurança jurídica e da confiança legítima impedem que a Administração, após consolidar situação jurídica favorável ao administrado, revogue unilateralmente o ato sem observância do devido processo legal. 6. A ausência de processo administrativo adequado, conforme art. 265 do CTB, viola o devido processo legal previsto no art. 5º, inc. LIV, da CF/1988. 7. O perigo de dano decorre da necessidade do agravante de possuir CNH válida para obter emprego, sendo iminente o risco de lesão irreparável. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso provido. Tese de julgamento: "A cassação de CNH definitiva, ainda que motivada por infração cometida durante o período de permissão provisória, exige prévia instauração de processo administrativo, em respeito aos princípios do devido processo legal, da segurança jurídica e da confiança legítima, quando a própria Administração já havia expedido a habilitação definitiva" Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, inc. LIV e XV; CTB, art. 148, § 3º, art. 265 a art. 281; CPC/2015, art. 300. Jurisprudência relevante citada: . STF, RE 594.296/MG, Tema 138; STF, Súmula 473; TJ-MT, Agravo nº 1000815-94.2023.8.11.0000, Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, j. 12.04.2023; TJ-BA - Apelação 0041557-03.2010.8.05.0001; TJ-GO - Acórdão 872859; TJ-PA - Remessa Necessária Cível 00036005520138140051. (N.U 1029415-91.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 05/02/2025, Publicado no DJE 10/02/2025) destaque nosso. Por fim, embora a responsabilidade pela autuação que gerou a negativa de renovação da CNH não seja atribuída ao DETRAN/MT, compete à referida autarquia estadual a emissão do documento mencionado, razão pela qual possui legitimidade para figurar no polo passivo do mandado de segurança, na qualidade de autoridade coatora. Desse modo, da análise dos autos, verifico que restou demonstrada a violação a direito líquido e certo da parte impetrante, razão pela qual entendo que no caso dos autos estão presentes os requisitos exigidos para a concessão da segurança. Ante o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, CONCEDO A SEGURANÇA e JULGO EXTINTO o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, confirmando a liminar concedida, para DETERMINAR que a parte impetrada permita a renovação da CNH da parte impetrante, no prazo de 30 (trinta) dias, se por outro motivo não estiver impedido. Eventuais atos de autoridades federais não estão sujeitos a esta sentença, por absoluta ausência de competência da Justiça Estadual, nos termos do art. 109, inciso VIII, da Constituição Federal. Sem custas, por expressa previsão da Constituição Estadual, cabendo à parte impetrante pleitear, na via administrativa, a devolução do valor pago. Sem honorários advocatícios, por expressa previsão do art. 25 da Lei nº 12.016/2009. Sentença sujeita a duplo grau de jurisdição, conforme o art. 14, § 1º, da Lei nº 12.016/2009. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com as baixas e anotações de estilo. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se, expedindo o necessário, com as cautelas de estilo. Primavera do Leste/MT, data da assinatura eletrônica. Lidiane de Almeida Anastácio Pampado Juíza de Direito

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Processo nº 1026925-70.2024.8.11.0041

ID: 310290619

Tribunal: TJMT Órgão: Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo Classe: APELAçãO / REMESSA NECESSáRIA Nº Processo: 1026925-70.2024.8.11.0041

Data de Disponibilização: 30/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

RENATA JAQUELINE DE FRANCA GOES

Acórdão

Advogados:

REGINALDO DO PRADO GOES

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 1026925-70.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (1728) Assunto: [CNH - Carteira… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 1026925-70.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL (1728) Assunto: [CNH - Carteira Nacional de Habilitação] Relator: Des(a). MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA Turma Julgadora: [DES(A). MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, DES(A). DEOSDETE CRUZ JUNIOR, DES(A). MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO] Parte(s): [DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.829.702/0001-70 (APELANTE), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0001-44 (APELANTE), RENATA JAQUELINE DE FRANCA GOES - CPF: 025.255.731-02 (APELADO), REGINALDO DO PRADO GOES - CPF: 902.913.101-25 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO E RATIFICARAM A SENTENÇA. PARTICIPARAM DO JULGAMENTO O EXCELENTÍSSIMO SR. DES. RELATOR MÁRIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA,1ª VOGAL EXMA. SRA. DESA. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO E 2º VOGAL EXMO. SR. DES. DEOSDETE CRUZ JÚNIOR. E M E N T A EMENTA DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL - MANDADO DE SEGURANÇA - RECURSO DE APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO - PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA - INOVAÇÃO RECURSAL - NÃO CONHECIMENTO – MÉRITO - CASSAÇÃO DE CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO DEFINITIVA - INFRAÇÃO COMETIDA DURANTE PERÍODO DE PERMISSÃO PARA DIRIGIR - AUSÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO PRÉVIO - EXPEDIÇÃO DA CNH DEFINITIVA PELO PRÓPRIO DETRAN-MT -VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA CONFIANÇA LEGÍTIMA, SEGURANÇA JURÍDICA E BOA-FÉ - SENTENÇA RATIFICADA - RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame. 1. Recurso de Apelação Cível e Reexame Necessário contra sentença que concedeu a segurança para determinar que o DETRAN-MT se abstenha de suspender a CNH da impetrante, mantendo sua plena validade, após ter sido cassada sem prévio processo administrativo. II. Questão em discussão. 2. A questão em discussão consiste em verificar: (i) se é admissível a apresentação da preliminar de ilegitimidade passiva apenas em sede recursal; e (ii) se é legítima a cassação de CNH definitiva, sem prévio processo administrativo, com base em infração cometida durante o período de permissão, quando a própria Administração já havia conferido a habilitação definitiva à impetrante. III. Razões de decidir 3. A preliminar de ilegitimidade passiva constitui inovação recursal inadmissível quando apresentada apenas na fase de apelação, sem ter sido previamente suscitada em primeiro grau, não se enquadrando nas exceções de matérias cognoscíveis de ofício. 4. O objeto da impetração não é questionar a infração de trânsito em si, mas o procedimento de cassação da habilitação, matéria inserida na competência exclusiva do DETRAN-MT enquanto órgão estadual de trânsito, conforme art. 22, II, do CTB. 5. O art. 265 do CTB estabelece expressamente que as penalidades de cassação do documento de habilitação serão aplicadas por decisão fundamentada da autoridade de trânsito competente, em processo administrativo, assegurado ao infrator amplo direito de defesa. 6. Os arts. 148, §§3º e 4º do CTB e arts. 21 e 28, §2º da Resolução CONTRAN nº 723/2018, invocados pelo recorrente, aplicam-se à hipótese de não concessão inicial da CNH definitiva, situação diversa da cassação posterior de habilitação já expedida. 7. A expedição da CNH definitiva pelo DETRAN-MT gera presunção de inexistência de óbices à sua concessão e consolida situação jurídica que não pode ser desconstituída sem o devido processo legal, conforme entendimento do STF fixado no RE 594.296/MG (Tema 138). 8. A cassação de CNH definitiva, sem processo administrativo prévio, afronta os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88), bem como os princípios da segurança jurídica, da confiança legítima e da boa-fé objetiva que regem as relações entre Administração e administrados. IV. Dispositivo e tese 9. Preliminar de ilegitimidade passiva não conhecida. Sentença ratificada. Recurso desprovido. 10. Tese: A cassação de CNH definitiva, ainda que motivada por infração cometida durante o período de permissão para dirigir, exige prévia instauração de processo administrativo, em respeito aos princípios do devido processo legal, da segurança jurídica e da confiança legítima, quando a própria Administração já havia expedido a habilitação definitiva. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LIV e LV; CTB, arts. 22, II, 148, §§ 3º e 4º, e 265; CPC/2015, art. 1.013, § 1º; Resolução CONTRAN nº 723/2018, arts. 21 e 28, § 2º. Jurisprudência relevante citada: STF - RE 594.296/MG, Tema 138; TJ-MT, Agravo de Instrumento nº 10294159120248110000, 3ª Câmara de Direito Público e Coletivo. R E L A T Ó R I O RELATÓRIO Egrégia Câmara: Trata-se de Recurso de Apelação Cível c/c Reexame Necessário interposto pelo DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO ESTADO DE MATO GROSSO - DETRAN/MT, em face da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Especializada da Fazenda Pública da Comarca de Cuiabá/MT, que nos autos do Mandado de Segurança n. 1026925-70.2024.8.11.0041, impetrado por RENATA JAQUELINE DE FRANCA GOES contra ato do Apelante, concedeu a segurança para determinar à autoridade indigitada coatora que se abstenha de suspender a Carteira Nacional de Habilitação da Impetrante, mantendo sua plena validade, salvo decisão final em sentido contrário oriunda do pleno exercício e tramitação da autotutela administrativa. Consequentemente julgou o processo, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil. (Id. 285681891) Em suas razões, sustentou o Apelante, preliminarmente, ilegitimidade passiva dizendo não ser o responsável pela infração que motivou o bloqueio da CNH, já que a multa foi aplicada pela Prefeitura Municipal de Cuiabá, autoridade competente para responder pela autuação e notificação. Argumentou ausência de direito líquido e certo, visto que o mandado de segurança exige prova pré-constituída, o que não foi apresentado pela impetrante/recorrida. Asseverou que conforme o art. 148, §3º e §4º do CTB, e a Resolução CONTRAN nº 723/2018, a não concessão da CNH definitiva por infração cometida durante a Permissão Para Dirigir não configura cassação, e, portanto, não exige processo administrativo. Apontou que a autora/apelada era proprietária do veículo e não indicou o real condutor no prazo legal, assumindo assim a responsabilidade pela infração. Aduziu que o Judiciário não pode substituir a Administração na análise de conveniência e oportunidade dos atos administrativos. Por fim, requereu seja conhecido e provido o Recurso de Apelação pelas razões acima levantadas, a fim de que seja reformada a sentença prolatada, denegando a ordem mandamental. (Id. 285681895 - Pág. 1/30). Contrarrazões apresentadas, pugnando pela rejeição da preliminar. No mérito, pelo desprovimento do recurso (Id. 285681905 - Pág. 1/6). A Procuradoria Geral de Justiça manifestou pelo desprovimento do recurso, para manter inalterada e ratificada a sentença. (Id. 289300878) É o relatório. V O T O R E L A T O R V O T O Egrégia Câmara: Como relatado, cuida-se de recurso de apelação/remessa necessária interposto pelo DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO DE MATO GROSSO - DETRAN/MT contra a sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Especializada da Fazenda Pública da Comarca de Cuiabá/MT que, nos autos do Mandado de Segurança nº 1026925-70.2024.8.11.0041, impetrado por RENATA JAQUELINE DE FRANÇA GÓES, concedeu a segurança para determinar que a autoridade coatora se abstenha de suspender a Carteira Nacional de Habilitação da impetrante, mantendo sua plena validade, salvo decisão final em sentido contrário oriunda do pleno exercício e tramitação da autotutela administrativa. Consequentemente julgou o processo, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil. I - DA PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA Em suas razões recursais, o DETRAN/MT suscita, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, sustentando que não detém responsabilidade sobre o lançamento, suspensão e cobrança das multas aplicadas pelo Município de Cuiabá. Pois bem. Sabe-se que conforme disposto no art. 1.013, § 1º, do Código de Processo Civil, em sede de apelação, somente podem ser apreciadas as matérias postas e decididas em juízo. Nessa perspectiva, o provimento judicial está adstrito, não somente aos pedidos formulados pela parte na exordial, mas também à causa de pedir, haja vista que a legislação processual civil adota a Teoria da Substanciação (art. 282, III, CPC/73, atual art. 319, inciso III, CPC). “Teoria da Substanciação: Consiste que na ação deve constar não somente a causa de pedir próxima, mas também a causa de pedir remota, conforme artigo 282, inciso III do Código de Processo Civil”. Em relação à preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pelo DETRAN/MT, constato que tal arguição não foi apresentada perante o juízo de origem, constituindo matéria nova trazida apenas em sede recursal, o que impede seu conhecimento por este Egrégio Tribunal de Justiça, em observância à vedação à inovação recursal. Este Egrégio Tribunal de Justiça têm reiteradamente decidido que o efeito devolutivo da apelação restringe-se às questões efetivamente submetidas ao contraditório e decididas na instância originária. Vejamos: [...] 1. Os pleitos formulados pelo Apelante não podem ser atendidos, posto não terem sido formulados e discutidos perante o juízo de primeiro grau, tratando-se, portanto, de inovação recursal e impossibilidade deste Sodalício apreciar tais questões, sob pena de supressão de instância e ofensa ao princípio do juiz natural, o que não é admitido em nosso ordenamento jurídico. 2. Conforme estabelece o art. 1013, §1º, do atual Código de Ritos, somente poderão ser objeto de apreciação de Recurso de Apelação, aquelas matérias postas e decididas em juízo. 3. Recurso de Apelação Não Conhecido. (N.U 0000705-66.2016.8.11.0030, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, MARIA EROTIDES KNEIP, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 05/07/2021, Publicado no DJE 15/07/2021). (Destaquei). [...] 2- A apresentação de matéria nova na fase recursal, só tem cabimento quando: - se tratar de fato novo; ou, - matéria de ordem pública, sob pena de configurar inovação recursal, estando alcançada pela preclusão consumativa, impondo-se o não conhecimento de suas razões, para que não haja supressão de instância. Precedentes. (STJ – 1ª S - EDcl na AR n. 4.961/SP – rel. Ministro Herman Benjamin – j. 23/3/2022 - DJe 24/6/2022); (STJ – 3ª T - EDcl no AgRg no REsp n. 1.504.986/SC – rel. Ministro Moura Ribeiro – j. 16/6/2015 - DJe 26/6/2015); (N.U 1043847-15.2024.8.11.0001, TURMA RECURSAL CÍVEL, WALTER PEREIRA DE SOUZA, Primeira Turma Recursal, Julgado em 10/02/2025, Publicado no DJE 13/02/2025) (Destaquei). Embora essa regra comporte exceções para matérias cognoscíveis de ofício, como as de ordem pública, a alegação de ilegitimidade passiva não se enquadra nessa categoria excepcional, pois exige uma detalhada análise dos elementos fáticos e probatórios do processo, devendo ser apresentada em momento processual oportuno, sob pena de preclusão. Observo que o apelante não demonstrou qualquer circunstância excepcional ou fato novo que o impossibilitasse de apresentar a preliminar de ilegitimidade passiva perante o juízo de primeiro grau, evidenciando que nada impedia sua discussão no momento processual apropriado. Importante salientar que, embora o sistema processual garanta à parte sucumbente a prerrogativa de submeter à decisão a uma reanálise por instância superior, tal garantia não abrange a possibilidade de introduzir argumentos completamente novos, não debatidos anteriormente. O mecanismo de devolução da matéria ao tribunal via apelação, conforme previsto no art. 1.013, §1º do CPC, circunscreve-se às questões efetivamente impugnadas e decididas na origem, sendo vedada a ampliação desse escopo para abranger teses inéditas. Consequentemente, a pretensão do DETRAN/MT de alegar sua ilegitimidade passiva somente agora, em grau recursal, caracteriza evidente inovação processual inadmissível, que deve ser rejeitada por este Colegiado, em respeito aos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Ressalvo, por pertinente, que mesmo se ultrapassássemos este óbice formal, a alegação estaria fadada ao insucesso, uma vez que o DETRAN/MT é precisamente a autoridade responsável pelo ato coator combatido na ação mandamental – a cassação da CNH da impetrante sem o devido processo administrativo. Destaco que o objeto da impetração não é questionar a infração de trânsito em si, mas sim o procedimento administrativo de cassação da habilitação, matéria inserida na competência exclusiva do órgão estadual de trânsito, conforme preconiza o art. 22, II, do CTB. Por tais fundamentos, não conheço da preliminar de ilegitimidade passiva, por configurar indevida inovação recursal. MÉRITO Após detida análise dos autos, verifico que o recurso interposto pelo DETRAN/MT não merece prosperar. No tocante à alegação de ausência do direito líquido e certo do Apelado, tal argumento não comporta acolhimento. O instrumento constitucional do mandado de segurança, previsto no artigo 5º, inciso LXIX da Carta Magna e disciplinado pela Lei nº 12.016/2009, constitui ferramenta processual específica para a proteção de direito subjetivo evidente, passível de comprovação imediata, quando este for violado por autoridade pública ou seus delegados. Na hipótese vertente, constata-se que a impetrante teve seu direito violado pela inobservância dos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal (art. 5º, LIV e LV, CF/88), bem como pela afronta ao comando expresso do artigo 265 do Código de Trânsito Brasileiro, que exige procedimento administrativo prévio à cassação do documento de habilitação. A documentação carreada aos autos evidencia, sem necessidade de dilação probatória, que a CNH definitiva da impetrante foi regularmente expedida pelo próprio DETRAN/MT em outubro de 2022 e, subsequentemente, cassada de maneira abrupta e unilateral, sem que lhe fosse oportunizado o exercício do direito de defesa através do devido processo administrativo. Importante esclarecer que a caracterização do direito líquido e certo não se relaciona com a complexidade da questão jurídica em debate, mas com a possibilidade de demonstração imediata dos fatos alegados, requisito plenamente atendido no caso em análise pelos documentos juntados à inicial. Adentrando ao mérito propriamente dito, compartilho do entendimento de que o cancelamento de CNH definitiva em razão de infração cometida durante o período de permissão, sem a instauração do devido processo administrativo, configura ato manifestamente ilegal. O artigo 265 do CTB estabelece, com clareza, que "as penalidades de suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação serão aplicadas por decisão fundamentada da autoridade de trânsito competente, em processo administrativo, assegurado ao infrator amplo direito de defesa". Trata-se de norma cogente que concretiza, no âmbito administrativo do trânsito, as garantias constitucionais do devido processo legal. O caso presente apresenta peculiaridade que não pode ser ignorada: a impetrante obteve sua Permissão Para Dirigir (PPD) e, após o período regulamentar solicitou sua CNH definitiva, que foi regularmente expedida pelo DETRAN/MT, em 26/10/2022, sem quaisquer impedimentos ou ressalvas. Este ato administrativo gerou legítima expectativa de regularidade e consolidou situação jurídica favorável à impetrante. Surpreendentemente, em 19/06/24 - quase dois anos depois - ao consultar seu documento pela plataforma digital, a impetrante descobriu que sua CNH havia sido cassada, sem qualquer notificação prévia, sob alegação de infração cometida durante o período de permissão. O DETRAN/MT sustentou a desnecessidade de procedimento administrativo nestes casos, invocando o artigo 148, §§3º e 4º do CTB e os artigos 21 e 28, §2º da Resolução CONTRAN nº 723/2018. Contudo, tais dispositivos disciplinam situação jurídica diversa: a não concessão inicial da CNH definitiva quando verificada a existência de infrações graves ou gravíssimas durante o período probatório. No presente caso, não se está diante de uma "não concessão" da CNH definitiva, mas sim de sua cassação posterior, após ter sido regularmente expedida. São situações jurídicas distintas, com tratamentos normativos diversos. A expedição da CNH definitiva pela autoridade competente constitui ato administrativo que gera direitos ao administrado. Eventual anulação desse ato, sob alegação de não preenchimento dos requisitos legais, deve observar o procedimento legal adequado, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa. Esta compreensão encontra respaldo na jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, que no julgamento do RE 594.296/MG, com repercussão geral reconhecida (Tema 138), firmou entendimento no sentido de que a anulação de atos administrativos que repercutem na esfera de interesses do cidadão exige prévio processo administrativo, com garantia do contraditório e da ampla defesa. Merece nota, ainda, que a impetrante afirmou não ter sido sequer notificada da autuação que fundamentou a cassação de sua CNH, o que lhe impediu de exercer o direito de indicar o real condutor do veículo no momento da infração - seu ex-companheiro Sr. Fabrício Matheus Miguel Santana, conforme Formulário de Identificação do Condutor acostado aos autos (Id. 285681857 - Pág. 1). Esta circunstância reforça a ilegalidade do procedimento adotado pelo DETRAN/MT. A concessão da CNH definitiva pelo próprio DETRAN/MT demonstra que, à época, a autarquia considerou preenchidos todos os requisitos legais para sua expedição. A posterior cassação desse documento, sem processo administrativo prévio, além de violar garantias constitucionais, afronta os princípios da segurança jurídica, da confiança legítima e da boa-fé objetiva, que regem as relações entre Administração e administrados. Nesse sentido: DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUSPENSÃO DE CASSAÇÃO DE CNH DEFINITIVA POR INFRAÇÃO COMETIDA NO PERÍODO DE CNH PROVISÓRIA. AUSÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO . VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA CONFIANÇA LEGÍTIMA, SEGURANÇA JURÍDICA E BOA-FÉ. DEFERIMENTO DE TUTELA DE URGÊNCIA. RECURSO PROVIDO. I . Caso em exame. 1. Agravo de Instrumento contra decisão que indeferiu tutela de urgência para suspensão de ato administrativo que cassou CNH definitiva do agravante em razão de infração cometida durante o período de permissão provisória, dois anos após a expedição da habilitação definitiva e sem instauração de processo administrativo. II. Questão em discussão. 2 . A questão em discussão consiste em verificar se é legítima a cassação de CNH definitiva, sem prévio processo administrativo, com base em infração cometida durante o período de permissão provisória, quando a própria Administração já havia conferido a habilitação definitiva ao condutor. III. Razões de decidir. 3. A expedição da CNH definitiva pela Administração gera presunção de inexistência de óbices à sua concessão, consolidando situação jurídica que não pode ser desconstituída sem o devido processo legal. 4. A cassação de CNH definitiva, ainda que fundada em infração cometida no período provisório, exige instauração de processo administrativo prévio, em respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa. 5. Os princípios da segurança jurídica e da confiança legítima impedem que a Administração, após consolidar situação jurídica favorável ao administrado, revogue unilateralmente o ato sem observância do devido processo legal. 6. A ausência de processo administrativo adequado, conforme art. 265 do CTB, viola o devido processo legal previsto no art. 5º, inc . LIV, da CF/1988. 7. O perigo de dano decorre da necessidade do agravante de possuir CNH válida para obter emprego, sendo iminente o risco de lesão irreparável. IV . Dispositivo e tese. 8. Recurso provido. Tese de julgamento: "A cassação de CNH definitiva, ainda que motivada por infração cometida durante o período de permissão provisória, exige prévia instauração de processo administrativo, em respeito aos princípios do devido processo legal, da segurança jurídica e da confiança legítima, quando a própria Administração já havia expedido a habilitação definitiva" Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, inc . LIV e XV; CTB, art. 148, § 3º, art. 265 a art. 281; CPC/2015, art . 300. Jurisprudência relevante citada:. STF, RE 594.296/MG, Tema 138; STF, Súmula 473; TJ-MT, Agravo nº 1000815-94 .2023.8.11.0000, Rel . Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, j. 12.04 .2023; TJ-BA - Apelação 0041557-03.2010.8.05 .0001; TJ-GO - Acórdão 872859; TJ-PA - Remessa Necessária Cível 00036005520138140051. (TJ-MT - AGRAVO DE INSTRUMENTO: 10294159120248110000, Relator.: LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, Data de Julgamento: 05/02/2025, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 10/02/2025) (Destaquei) Ante o exposto, NÃO CONHEÇO da preliminar de ilegitimidade passiva por constituir indevida inovação recursal e, quanto ao mérito, NEGO PROVIMENTO ao recurso, mantendo inalterada a sentença que concedeu a segurança. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 17/06/2025

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Utc Engenharia S.A. x Gabriel Cruz Freitas Souza e outros

ID: 314903251

Tribunal: TST Órgão: 3ª Turma Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA Nº Processo: 0102850-02.2017.5.01.0482

Data de Disponibilização: 03/07/2025

Polo Ativo:

UTC ENGENHARIA S.A.

Polo Passivo:

GABRIEL CRUZ FREITAS SOUZA PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. - PETROBRAS

ACORDAO

Advogados:

DR. FABIO GOMES DE FREITAS BASTOS

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DRA. EDNA MARIA LEMES

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

DRA. CHEYENNE SARDINHA DE MORAES

OAB/RJ XXXXXX Desbloquear

A C Ó R D Ã O 3ª Turma GMLBC/bb/vam AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. MULTA PREVISTA NO ARTIGO 467 DA CLT. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N.º 388 DO TST. TRANS… A C Ó R D Ã O 3ª Turma GMLBC/bb/vam AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. MULTA PREVISTA NO ARTIGO 467 DA CLT. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N.º 388 DO TST. TRANSCENDÊNCIA DA CAUSA NÃO RECONHECIDA. 1. Cinge-se a controvérsia a saber se empresa em recuperação judicial sujeita-se à sanção prevista no artigo 467 da CLT. 2. Constatado o preenchimento dos demais requisitos processuais de admissibilidade, o exame do Recurso de Revista sob o prisma do pressuposto de transcendência revelou que: a) não demonstrada a transcendência política da causa, na medida em que o acórdão recorrido revela consonância com a atual, notória e iterativa jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, nos termos da Súmula n.º 333 desta Corte uniformizadora; b) não se verifica a transcendência jurídica, visto que ausentes indícios da existência de questão nova acerca da controvérsia ora submetida a exame, mormente diante da incidência do disposto na Súmula n.º 333 desta Corte superior, a obstaculizar a pretensão recursal; c) não identificada a transcendência social da causa, uma vez que não se cuida de pretensão recursal formulada em face de suposta supressão ou limitação de direitos sociais assegurados na legislação pátria; e d) não há falar em transcendência econômica, pois o valor arbitrado à condenação - R$ 44.681,45 (quarenta e quatro mil seiscentos e oitenta e um reais e quarenta e cinco centavos), à p. 315 - não se revela elevado ou desproporcional ao pedido formulado e deferido na instância ordinária. 3. Configurado o óbice relativo ao não reconhecimento da transcendência da causa quanto ao tema sob exame, resulta inviável o processamento do Recurso de Revista. 4. Agravo de Instrumento não provido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº TST-AIRR - 102850-02.2017.5.01.0482, em que é Agravante UTC ENGENHARIA S.A. e são Agravados GABRIEL CRUZ FREITAS SOUZA e PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. - PETROBRAS. Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pela primeira reclamada, em face da decisão monocrática por meio da qual se denegou seguimento ao seu Recurso de Revista. Sustenta a reclamada que seu Recurso de Revista merece processamento, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade previstos no artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho. Não foram apresentadas contraminuta nem contrarrazões. Autos não submetidos a parecer da douta Procuradoria-Geral do Trabalho, à míngua de interesse público a tutelar. É o relatório. V O T O I - CONHECIMENTO O Agravo de Instrumento é tempestivo (intimação da decisão de admissibilidade em 29/10/2024, terça-feira, e razões recursais protocolizadas em 8/11/2024). Regular a representação da parte recorrente (procuração acostada à p. 548 e substabelecimento acostado à p. 549). Regular o preparo. Dispensado o depósito recursal, por se tratar de empresa em recuperação judicial, e custas recolhidas (pp. 332 e 333). Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do Agravo de Instrumento. II - MÉRITO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO A ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/17. MULTAS PREVISTAS NO ARTIGO 467 DA CLT. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXAME DA TRANSCENDÊNCIA DA CAUSA. O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região denegou seguimento ao Recurso de Revista interposto pela primeira reclamada, sob os seguintes fundamentos: RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / VERBAS RESCISÓRIAS / MULTA DO ARTIGO 467 DA CLT. A Lei nº 13.015/2014, aplicável aos recursos interpostos das decisões publicadas a partir de 22/09/2014 (consoante interpretação do TST estampada no artigo 1º do Ato 491/SEGJUD.GP), inseriu o §1º-A no artigo 896 da CLT, com a seguinte redação: "Art. 896. (...) § 1º-A. Sob pena de não conhecimento, é ônus da parte: I - indicar o trecho da decisão recorrida que consubstancia o prequestionamento da controvérsia objeto do recurso de revista; II - indicar, de forma explícita e fundamentada, contrariedade a dispositivo de lei, súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho que conflite com a decisão regional; III - expor as razões do pedido de reforma, impugnando todos os fundamentos jurídicos da decisão recorrida, inclusive mediante demonstração analítica de cada dispositivo de lei, da Constituição Federal, de súmula ou orientação jurisprudencial cuja contrariedade aponte. IV - transcrever na peça recursal, no caso de suscitar preliminar de nulidade de julgado por negativa de prestação jurisdicional, o trecho dos embargos declaratórios em que foi pedido o pronunciamento do tribunal sobre questão veiculada no recurso ordinário e o trecho da decisão regional que rejeitou os embargos quanto ao pedido, para cotejo e verificação, de plano, da ocorrência da omissão. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)". Diante deste contexto, não podem ser admitidos recursos cujas razões não indiquem o trecho da decisão recorrida que consubstancia o prequestionamento da controvérsia, que não apontem de forma explícita e fundamentada, contrariedade a dispositivo de lei, súmula ou orientação jurisprudencial do TST que conflite com a decisão regional, que não contenham impugnação de todos os fundamentos jurídicos da decisão recorrida, com demonstração analítica de cada dispositivo de lei, da Constituição Federal, de súmula ou orientação jurisprudencial cuja contrariedade aponte. No caso em apreço, não cuidou o recorrente de "indicar o trecho da decisão recorrida que consubstancia o prequestionamento da controvérsia objeto do recurso de revista", conforme determina o inciso I, acima. Salienta-se, por oportuno, que a transcrição do inteiro teor da parte meritória do tema recorrido, de forma aleatória, sem qualquer destaque das razões de decidir, como se observa no caso, é providência inócua, na medida em que a parte transfere ao julgador o ônus de pinçar na decisão recorrida o trecho que traz a tese objeto da insurgência recursal, na mão contrária do comando do referido dispositivo legal. Nesse sentido, a Colenda Corte: "EMBARGOS REGIDOS PELA LEI Nº 13.015/2014. RECURSO DE REVISTA NÃO CONHECIDO. REQUISITO ESTABELECIDO NO ARTIGO 896, § 1º-A, INCISO I, DA CLT. INDICAÇÃO DO TRECHO DA DECISÃO REGIONAL QUE CONSUBSTANCIA O PREQUESTIONAMENTO DA CONTROVÉRSIA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. Nos termos da jurisprudência firmada nesta Subseção, acerca dos pressupostos intrínsecos do recurso de revista, insertos no artigo 896, § 1º-A, da CLT, é indispensável a transcrição do trecho exato da decisão recorrida que consubstancie o prequestionamento da matéria trazida ao debate, cabendo à parte a demonstração, clara e objetiva, dos fundamentos de fato e de direito constantes da decisão regional no tema debatido, não se admitindo, para tanto, a mera indicação das páginas correspondentes, paráfrase, sinopse, transcrição integral do acórdão recorrido, do relatório, da ementa ou apenas da parte dispositiva, pois, para fins de cumprimento da exigência legal, é imprescindível a transcrição textual do trecho da decisão recorrida. Portanto, a discussão sobre o cumprimento dos pressupostos intrínsecos do artigo 896, § 1º-A, da CLT está superada pela jurisprudência desta Subseção, o que impõe a incidência do artigo 894, § 2º, da CLT. Precedentes. Embargos não conhecidos." (E-ED-RR - 60300-98.2013.5.21.0021, Ac. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, in DEJT 25.5.2018) (g.n.) Em razão do exposto, não há como se admitir o apelo, face a patente deficiência de fundamentação. CONCLUSÃO NEGO seguimento ao recurso de revista. Sustenta a agravante que seu Recurso de Revista merece processamento porque comprovado o preenchimento dos pressupostos de admissibilidade previstos no artigo 896, 1º-A, I, da CLT. Alega que a transcrição do acórdão recorrido é suficiente para discutir os elementos fático-jurídicos envolvidos na lide. No que se refere à questão de fundo, assevera que a multa do artigo 467 da CLT não é devida por empresas em recuperação judicial, devido ao fato de que as verbas rescisórias estariam contidas no plano de recuperação judicial. Esgrime com afronta ao artigo 467 da CLT e à Lei nº 11.101/05, bem como aponta contrariedade à súmula nº 388 do TST, além de transcrever arestos para o cotejo de teses. Ao exame. Verifica-se, inicialmente, que a transcrição contida nas razões do Recurso de Revista é suficiente para o exame do tema em debate, bem como que houve cotejo do dispositivo com o acórdão recorrido, razão por que se considera atendida a exigência contida no artigo 896, § 1º-A, I e III, da Consolidação das Leis do Trabalho. Superado o óbice erigido pelo Tribunal Regional, prossegue-se no exame dos demais requisitos de admissibilidade do Recurso de Revista, nos termos da Orientação Jurisprudencial n.º 282 da SBDI-I desta Corte superior. O Tribunal Regional manteve a condenação da reclamada ao pagamento das multas previstas no artigo 467 da CLT sob os seguintes fundamentos: RECURSO DA RÉ UTC MULTA DO ART. 467, DA CLT O Juízo de primeiro grau decidiu quanto à matéria: "5. Extinção do contrato de trabalho. Verbas decorrentes (...) Dessa forma, a dispensa sem justa causa do reclamante torna devidas as parcelas a seguir especificadas (...) h) acréscimo do art. 467 da CLT, diante do não pagamento das parcelas resilitórias incontroversas até a data da audiência, ainda que se trate de empresa em recuperação judicial (TRT1, Súmula 40). (...) O acréscimo do art. 467 da CLT incide sobre "as verbas rescisórias", isto é, todas as parcelas cujo fato gerador seja a extinção contratual e que sejam incontroversas, as quais, no caso dos autos, são férias proporcionais com 1/3, 13º salário proporcional e indenização compensatória de 40% do FGTS." Salienta o recorrente que a decisão comporta reparos, eis que "as verbas rescisórias listadas no TRCT do Obreiro não poderiam ter sido pagas em primeira audiência, pois os valores constantes em tal documento foram relacionados no Plano de Recuperação Judicial da Recorrente, restando suspensa a exigibilidade do crédito trabalhista, a teor do disposto no artigo 6º, da Lei 11.101/05, principalmente porque o deferimento da Recuperação Judicial ocorreu em data anterior à da realização da audiência inicial". Requer a recorrente a reforma do julgado para extirpar da condenação a obrigatoriedade quanto ao pagamento da multa prevista no artigo 467 da CLT. Analiso. Como se vê da própria defesa da primeira ré, ela confessou não haver quitado os valores constantes no TRCT do autor, por conta da recuperação judicial noticiada. Não restando controvérsia acerca do inadimplemento das verbas rescisórias, é devida à parte autora a multa do art. 467 da CLT. É bem de ver que o dispositivo celetista impõe como suporte fático à incidência da multa tão somente o inadimplemento das verbas rescisórias incontroversas, não se permitindo ressalvas estranhas à questão, como a alegação de impossibilidade de quitação do quantum resilitório em virtude de má situação financeira. Ademais, destaco que a dispensa do empregado se deu em 14/07/2017, ou seja, em momento anterior ao deferimento do processamento da recuperação judicial da primeira ré, o qual ocorreu em 17/08/2017 (ID 7cf7bf0). E, ainda que assim não fosse, a isenção da multa em comento não se estende às empresas em recuperação judicial, aplicando-se somente à massa falida, consoante estipula a Súmula nº 40 deste Regional: "Recuperação judicial. Multa do artigo 467 da CLT. Incidência. É aplicável a multa do artigo 467 da CLT à empresa, em processo de recuperação judicial, que não quitar as parcelas incontroversas na audiência inaugural." Por fim, todas as parcelas que integram as verbas rescisórias devem compor a base de cálculo da multa do artigo 467 da CLT, inclusive os depósitos de FGTS atinentes à própria rescisão e à multa de 40% (art. 18, caput e § 1º, da Lei nº 8.036/1990), que possuem natureza rescisória. Todavia, a mesma sorte não alcança os depósitos atinentes a toda a contratualidade não realizados a tempo e modo - excetuando-se, repiso, aqueles devidos por conta exclusiva da rescisão. Nisto estão os depósitos não recolhidos apesar do pagamento tempestivo de salários, férias e outras parcelas típicas do contrato de trabalho. No mesmo sentido, aliás, é a jurisprudência do C. TST: "(...) INCIDÊNCIA DA MULTA PREVISTA NO ARTIGO 467 DA CLT SOBRE O VALOR DEVIDO RELATIVO AO FGTS NÃO DEPOSITADO NO CURSO DO CONTRATO DE TRABALHO.1 - Segundo a jurisprudência desta Corte, os depósitos do FGTS devidos no decorrer do contrato de trabalho não têm natureza rescisória, e sobre eles não incide a multa do art. 467. 2 - Nesse contexto, está superado o aresto colacionado, ante o disposto na Súmula nº 333 do TST e no art. 896, § 8º, da CLT. (...)" (TST - ARR: 9872620105010004, Relator: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento: 18/04/2018, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/04/2018) (Grifo nosso) De toda sorte, é bem de ver que a sentença deferiu a base de cálculo da multa do art. 467 da CLT sobre todas as parcelas cujo fato gerador seja a extinção contratual, quais sejam: saldo de salário, aviso prévio, férias com 1/3, 13º salário proporcional e multa de 40% do FGTS. Nada a alterar. Nego provimento ao recurso. Conforme se extrai dos presentes autos, cuida-se de controvérsia acerca da condenação da primeira reclamada, empresa em recuperação judicial, na multa do artigo 467, da CLT. Consoante se depreende do excerto transcrito, o Tribunal Regional, soberano no exame do conjunto fático-probatório dos autos, consignou que "não restando controvérsia acerca do inadimplemento das verbas rescisórias, é devida à parte autora a multa do art. 467 da CLT". Salientou que na "própria defesa da primeira ré, ela confessou não haver quitado os valores constantes no TRCT do autor, por conta da recuperação judicial noticiada". Fixadas tais premissas fáticas, e constatando-se que o Recurso de Revista atende aos demais requisitos processuais de admissibilidade, passa-se ao exame do apelo sob o prisma do pressuposto de transcendência da causa, previsto no artigo 896-A da Consolidação das Leis do Trabalho. Destaca-se, inicialmente, que não resta demonstrada a configuração da transcendência política da causa, na medida em que a decisão proferida pelo Tribunal Regional se encontra em consonância com a iterativa e notória jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, no sentido da inaplicabilidade da Súmula n.º 388 às empresas em recuperação judicial. Nesse sentido, atente-se para os seguintes arestos de Turmas deste Tribunal Superior (sem destaques no original): "AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. MULTAS DOS ARTS. 467 E 477 DA CLT. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N.º 388 DO TST. Cotejando o teor da decisão agravada com o pedido de reforma, verifica-se que a controvérsia foi dirimida em sintonia com a jurisprudência do TST, consubstanciada na Súmula n.º 388, no sentido de que a penalidade do art. 467 e a multa do § 8.º do art. 477 da CLT não se aplicam à massa falida, situação que não se confunde com a recuperação judicial. Óbices da Súmula n.º 333 do TST e do art. 896, § 7.º, da CLT. MULTA DO § 2.º DO ART. 1.026 DO CPC. A despeito das razões expostas pela parte agravante, deve ser mantida a decisão monocrática, que denegou seguimento ao Agravo de Instrumento, pois subsistentes seus fundamentos. Não demonstrada a configuração de pelo menos uma das hipóteses previstas no art. 896 da CLT, inviável o trânsito do Recurso de Revista. Agravo Interno conhecido e não provido" (Ag-AIRR-10043-44.2022.5.15.0143, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 14/04/2025). MULTA DO ART. 467 DA CLT. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL (INCIDÊNCIA DO ÓBICE DA SÚMULA 333 DO TST). A decisão do Tribunal Regional está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior que se orienta no sentido de que as empresas em recuperação judicial não estão isentas do pagamento das multas dos artigos 467 e 477 da CLT, não se lhes aplicando a diretriz traçada pela Súmula 388 do TST, restrita às hipóteses de massa falida. Precedentes. Incidência da Súmula 333 do TST. Agravo de instrumento conhecido e não provido. 3 (AIRR-0020478-97.2022.5.04.0203, 2ª Turma, Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 28/04/2025). MULTA PREVISTA NO ARTIGO 467 DA CLT. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA Nº 388 DO TST ÀS EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DECISÃO REGIONAL EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA ITERATIVA DO TRIBUNAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 333 DO TST. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA DA CAUSA.Não merece provimento o agravo que não desconstitui os fundamentos da decisão monocrática pela qual foi mantida a condenação na multa do artigo 467 da CLT, com fundamento na Súmula nº 388 do TST, visto que a jurisprudência desta Corte superior se firmou no sentido de que não se aplica por analogia o teor da Súmula nº 388 do TST às empresas em recuperação judicial, sendo devida, nessa hipótese, a condenação ao pagamento das multas previstas nos artigos 467 e 477 da CLT.Agravo desprovido, por não se vislumbrar a transcendência da causa" (AIRR-1000688-70.2023.5.02.0708, 3ª Turma, Relator Ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 27/05/2025). "AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. MULTAS DOS ARTS. 467 e 477, § 8º, DA CLT. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ÓBICE DO ART. 896, § 7º, DA CLT E DA SÚMULA Nº 333 DO TST. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO. I. A jurisprudência desta Corte Superior entende que os termos da Súmula nº 388 do TST, que isenta a massa falida do pagamento das penalidades dos arts. 467 e 477, § 8º, da CLT, não se aplicam às empresas em recuperação judicial. II. Fundamentos da decisão agravada não desconstituídos, mantendo-se a intranscendência, por não atender aos parâmetros legais (político, jurídico, social e econômico). III. Agravo de que se conhece e a que se nega provimento, com aplicação da multa de 1% sobre o valor da causa atualizado, em favor da parte agravada, com fundamento no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015" (AIRR-0010309-42.2024.5.03.0063, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 11/03/2025). "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. MULTAS DOS ARTS. 467 E 477 DA CLT. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. 1. Tendo em vista a finalidade precípua desta instância extraordinária na uniformização de teses jurídicas, a existência de entendimento sumulado ou representativo de iterativa e notória jurisprudência, em consonância com a decisão recorrida, configura impeditivo ao processamento do recurso de revista, por imperativo legal. 2. Na hipótese dos autos, o Tribunal Regional destacou que, "sendo incontroverso nos autos que a reclamada não efetuou o pagamento das verbas rescisórias, mesmo porque foram objeto da condenação, faz jus, a parte autora, a essas penalidades, sendo inaplicável o teor da Súmula nº 388, do C. TST". Assim, o acórdão regional, nos moldes em que proferido, encontra-se em conformidade com iterativa, notória e atual jurisprudência desta Corte Superior, no sentido de que é devido o pagamento das multas previstas nos arts. 467 e 477, § 8º, da CLT, ainda que a empresa se encontre em recuperação judicial. Agravo de instrumento conhecido e desprovido" (AIRR-1000070-71.2024.5.02.0262, 5ª Turma, Relatora Ministra Morgana de Almeida Richa, DEJT 13/12/2024). II - RECURSO DE REVISTA DA PRIMEIRA RECLAMADA. LEI Nº 13.467/2017. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. MULTA DO ART. 467 DA CLT. CABIMENTO. INCIDÊNCIA SOBRE A INDENIZAÇÃO DE 40% DO FGTS. NATUREZA DE VERBA RESCISÓRIA. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. O Tribunal Regional manteve a sentença quanto à aplicação da multa do art. 467 da CLT. Dessa forma, o acórdão encontra-se em consonância com o entendimento consolidado desta Corte no sentido de que a isenção das multas dos arts. 467 e 477, § 8ª, da CLT, prevista na Súmula nº 388, não se aplica às empresas em recuperação judicial. Com relação ao pedido subsidiário de exclusão da indenização de 40% do FGTS na base de cálculo da multa do art. 467 da CLT, sem razão a recorrente, pois é jurisprudência sedimentada deste Tribunal que a multa de 40% sobre o FGTS constitui verba de natureza rescisória e assim, o atraso de seu pagamento atrai incidência da multa prevista no art. 467 da CLT. Recurso de revista não conhecido. (RRAg-100543-07.2019.5.01.0482, 6ª Turma, Relator Ministro Antonio Fabricio de Matos Goncalves, DEJT 25/04/2025). "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO DO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. INDENIZAÇÕES PREVISTAS NOS ARTIGOS 467 E 477 DA CLT. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA DA CAUSA. O entendimento jurisprudencial, consubstanciado na Súmula 388 do TST, é o de que a Massa Falida não se sujeita às indenizações dos artigos 467 e 477 da CLT. Decorre da dicção desse verbete que as restrições nele impostas devem ser aplicadas apenas após a decretação de falência, não alcançando as empresas que ainda se encontrem em recuperação judicial. Precedentes. Assim, a revisão do julgado em sede extraordinária é inviável, incidindo a hipótese prevista na Súmula 333 do TST. Não demonstrada, no particular, a transcendência do recurso de revista por nenhuma das vias do artigo 896-A da CLT. Agravo de instrumento conhecido e desprovido" (AIRR-1000815-41.2020.5.02.0052, 7ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 09/05/2025). MULTAS DOS ARTIGOS 467 E 477, § 8º, DA CLT. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INAPLICABILIDADE DA DIRETRIZ TRAÇADA NA SÚMULA 388 DO TST. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 896, § 7º, DA CLT E DA SÚMULA 333 DO TST. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que as empresas em recuperação judicial não estão isentas da aplicação das multas dos artigos 467 e 477 da CLT, diante da restrita aplicabilidade da diretriz traçada pela Súmula 388 do TST às hipóteses de massa falida. Incidência dos óbices da Súmula 333 do TST e do artigo 896, § 7º, da CLT. Recurso de revista de que não se conhece" (RR-0000755-50.2023.5.19.0006, 8ª Turma, Relator Ministro Sergio Pinto Martins, DEJT 13/05/2025). Tampouco resta demonstrada a existência de questão nova acerca da controvérsia ora submetida a exame, mormente diante da incidência, na hipótese, do disposto na Súmula n.º 333 desta Corte superior a obstaculizar a pretensão recursal. Afasta-se, daí, a possibilidade de reconhecimento da transcendência jurídica em torno da questão controvertida. Não se identifica, ainda, a transcendência social da causa, uma vez que não se cuida de pretensão recursal formulada em face de suposta supressão ou limitação de direitos sociais assegurados na legislação pátria. Não há, por fim, transcendência econômica no caso dos autos, pois o valor arbitrado à condenação - R$ 44.681,45 (quarenta e quatro mil seiscentos e oitenta e um reais e quarenta e cinco centavos), à p. 315 - não se revela elevado ou desproporcional ao pedido formulado e deferido na instância ordinária. Configurado o óbice relativo ao não reconhecimento da transcendência da causa quanto ao tema sob exame, resulta inviável o processamento do Recurso de Revista, no particular. Com esses fundamentos, nego provimento ao Agravo de Instrumento. ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, afastando a transcendência da causa, negar provimento ao Agravo de Instrumento. Brasília, 30 de junho de 2025. Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001) Lelio Bentes Corrêa Ministro Relator

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