Processo nº 1000855-39.2023.8.11.0077
ID: 335836116
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1000855-39.2023.8.11.0077
Data de Disponibilização:
28/07/2025
Polo Passivo:
Advogados:
PAULO EDUARDO SILVA RAMOS
OAB/RS XXXXXX
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RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000855-39.2023.8.11.0077 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Bancários] Relator: …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000855-39.2023.8.11.0077 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Bancários] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [BANCO C6 S.A. - CNPJ: 31.872.495/0001-72 (APELANTE), RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA - CPF: 444.850.181-72 (ADVOGADO), FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO - CNPJ: 15.581.638/0001-30 (APELANTE), PAULO EDUARDO SILVA RAMOS - CPF: 438.987.260-53 (ADVOGADO), JUAREZ GONCALVES DE PAULA - CPF: 274.470.901-82 (APELADO), CANDIDO NISVALDO FRANCA COELHO JUNIOR - CPF: 018.643.181-39 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO MEDIANTE FRAUDE. GOLPE DA FALSA PORTABILIDADE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. DANO MORAL CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS DESPROVIDOS. I. Caso em exame 1. Recursos de apelação interpostos contra sentença da Vara Única da Comarca de Vila Bela da Santíssima Trindade que julgou procedente ação ajuizada por Juarez Gonçalves de Paula, reconhecendo a inexistência de relação jurídica válida em contratação de empréstimo consignado supostamente celebrada em ambiente virtual mediante fraude praticada por terceiro. Determinou-se a restituição em dobro dos valores descontados e fixou-se indenização por danos morais no valor de R$ 7.000,00. II. Questão em discussão 2. 2. Há quatro questões em discussão: (i) saber se a apelação preenche os requisitos do princípio da dialeticidade recursal; (ii) saber se a Facta Financeira S.A. possui legitimidade passiva para figurar no polo da demanda; (iii) saber se a contratação foi válida, diante da alegação de fraude na portabilidade do empréstimo; (iv) saber se são devidas a repetição em dobro dos valores descontados e indenização por danos morais. III. Razões de decidir 3. A preliminar de ausência de dialeticidade recursal foi corretamente rejeitada, porquanto as razões recursais guardam correlação temática e crítica à fundamentação da sentença. 4. A Facta Financeira S.A. atuou na cadeia de fornecimento da operação bancária, tendo inclusive intermediado a negociação por meio de preposta, o que lhe confere legitimidade passiva. 5. Demonstrada fraude na contratação, na medida em que a suposta portabilidade foi, na verdade, nova contratação de crédito realizada sem consentimento válido, mediante transferência de valores à empresa terceira fraudadora. 6. A responsabilidade das instituições financeiras é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC e da Súmula 479/STJ, sendo a fraude caracterizada como fortuito interno. 7. É devida a restituição em dobro dos valores descontados, na forma do art. 42, p.u., do CDC, por conduta contrária à boa-fé objetiva, ainda que ausente má-fé subjetiva. 8. O dano moral é in re ipsa, caracterizado pela contratação fraudulenta e os descontos indevidos em benefício previdenciário de natureza alimentar, sendo adequado o valor fixado. IV. Dispositivo e tese 9. Recursos de apelação conhecidos e desprovidos. Tese de julgamento: 1. A repetição em dobro dos valores descontados indevidamente é cabível quando demonstrada conduta contrária à boa-fé objetiva, independentemente da prova de má-fé. 2. Configura responsabilidade objetiva das instituições financeiras o golpe de falsa portabilidade realizado mediante intermediação de prepostos, com contratação não autorizada de empréstimo consignado. 3. O dano moral decorrente de fraude bancária em benefício previdenciário é presumido, sendo desnecessária a prova de abalo psíquico.” Dispositivos relevantes citados: F/1988, art. 5º, inc. X; CDC, arts. 6º, inc. VI e VIII; 14; 42, p.u.; CC/2002, arts. 166, II, e 171, II. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 479; STJ, REsp 1.771.984/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª T., j. 20.10.2020; STJ, EREsp 1.413.542/RS, Corte Especial, j. 21.10.2020; TJ-MT, Ap. Cív. 1030951-82.2022.8.11.0041, Rel. Des. Guiomar Borges, j. 14.11.2023. R E L A T Ó R I O EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Cuidam-se de recursos de apelação cível, interpostos por BANCO C6 S.A. (ID. 196689964) e FACTA FINANCEIRA S.A. CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (ID. 296689961), com o objetivo de reformar a sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Vila Bela da Santíssima Trindade, nos autos da ação declaratória de inexistência de relação jurídica C/C indenização por danos morais e pedido de tutela antecipada nº 1000855-39.2023.8.11.0077, manejada por JUAREZ GONCALVES DE PAULA. A sentença recorrida julgou procedentes os pedidos formulados pelo autor para declarar a inexistência da relação jurídica contratual relativa ao contrato de empréstimo consignado nº 010122910440 celebrado com as rés; condenar as rés à devolução em dobro dos valores indevidamente descontados, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC, com correção monetária a partir de cada desconto e juros legais desde a citação e condenar solidariamente as rés ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), acrescido de juros de 1% ao mês desde a citação e correção monetária a partir desta sentença (Súmula 362 do STJ). Alega o recorrente C6 Bank que o contrato impugnado foi regularmente formalizado por meio digital, mediante identificação biométrica facial e outros mecanismos eletrônicos que, segundo afirma, comprovam a manifestação inequívoca de vontade do consumidor. Destaca que não se trata de simples “selfie”, mas de sistema estruturado com micropontos faciais, conforme práticas seguras de autenticação. Sustenta que os documentos anexados (telas do sistema, prova de vida e comprovantes de TED) são suficientes para demonstrar a regularidade da contratação. Aponta, ainda, culpa exclusiva do consumidor por ter transferido os valores contratados a terceiros, sem realizar qualquer consulta aos canais oficiais do banco. Requer a improcedência da ação ou, subsidiariamente, a compensação dos valores recebidos por Juarez Gonçalves, e a exclusão da condenação à devolução em dobro, invocando o artigo 42, parágrafo único, do CDC, sustentando ausência de má-fé. Por sua vez, a FACTA FINANCEIRA S.A. CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, sustenta preliminar de ilegitimidade passiva, afirmando que não celebrou contrato com o autor, tampouco participou da suposta fraude. Alega que o contrato foi firmado exclusivamente com o C6 Bank e que não há prova de sua vinculação à avença. No mérito, reitera os argumentos de culpa exclusiva de terceiro, excludente prevista no artigo 14, § 3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, e a inexistência de responsabilidade por ausência de nexo causal. Argumenta que eventual fraude foi praticada por criminosos que também lesaram a instituição, sendo esta igualmente vítima. Requer, ao final, a reforma da sentença para o reconhecimento de sua ilegitimidade e, subsidiariamente, a improcedência da ação quanto à sua responsabilidade. Em contrarrazões (Id. 296689970), o recorrido JUAREZ GONÇALVES DE PAULA alega, preliminarmente, a inadmissibilidade do recurso do banco apelante por violação ao princípio da dialeticidade, posto que, segundo sustenta, as razões recursais não impugnam especificamente os fundamentos da sentença, mas apenas reiteram argumentos genéricos da contestação. No mérito, defende a manutenção da sentença, sustentando ter sido vítima de golpe praticado por fraudadores que se passaram por representantes do C6 Bank, oferecendo-lhe falsa portabilidade de contrato do Banco do Brasil. Esclarece que jamais contratou o novo empréstimo, e que, ludibriado, transferiu os valores recebidos em sua conta para a empresa “Conection Soluções Ltda.”, induzido em erro pelos fraudadores. Alega que os elementos carreados aos autos, tais como ausência de documentos com assinatura, indicam que a contratação não se deu com consentimento válido, sendo evidente a falha na prestação do serviço bancário e o direito à indenização. Reforça a responsabilidade objetiva da instituição financeira com base na Súmula 479 do STJ e a necessidade de restituição em dobro dos valores indevidamente descontados. Por fim, pugna pelo não conhecimento ou desprovimento dos recursos. Em conformidade com a norma insculpida no art. 178 do Código de Processo Civil, não se vislumbra hipótese que enseje a intervenção obrigatória do Ministério Público. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Conforme relatado, cuidam-se de recursos de apelação cível, interpostos por BANCO C6 S.A. (ID. 196689964) e FACTA FINANCEIRA S.A. CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (ID. 296689961), com o objetivo de reformar a sentença proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Vila Bela da Santíssima Trindade, nos autos da ação declaratória de inexistência de relação jurídica C/C indenização por danos morais e pedido de tutela antecipada nº 1000855-39.2023.8.11.0077, manejada por JUAREZ GONCALVES DE PAULA. A sentença recorrida julgou procedentes os pedidos formulados pelo autor para declarar a inexistência da relação jurídica contratual relativa ao contrato de empréstimo consignado nº 010122910440 celebrado com as rés; condenar as rés à devolução em dobro dos valores indevidamente descontados, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC, com correção monetária a partir de cada desconto e juros legais desde a citação e condenar solidariamente as rés ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), acrescido de juros de 1% ao mês desde a citação e correção monetária a partir desta sentença (Súmula 362 do STJ). A controvérsia trazida à apreciação desta instância recursal cinge-se à validade da contratação de empréstimo consignado firmada em ambiente virtual e à responsabilização civil das instituições financeiras BANCO C6 S.A. e FACTA FINANCEIRA S.A. por alegada fraude perpetrada por terceiros. Com efeito, o autor JUAREZ GONÇALVES DE PAULA ajuizou ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c indenização por danos morais, afirmando ter sido vítima de golpe no qual terceiros, se passando por representantes do banco, ofereceram portabilidade de dívida existente com o Banco do Brasil, oportunidade em que, em vez da pretendida portabilidade, foi efetivada nova contratação de empréstimo junto ao C6 Bank. Relata o autor que, após o crédito dos valores em sua conta, foi orientado a transferi-los à empresa CONECTION SOLUÇÕES LTDA, na equivocada crença de que se tratava de etapa necessária à portabilidade. Posteriormente, constatou tratar-se de fraude. A sentença de primeiro grau acolheu a tese do autor, reconhecendo a inexistência de contratação válida, diante da ausência de demonstração do consentimento livre e esclarecido. Condenou, portanto, solidariamente as rés à devolução em dobro dos valores descontados, além de fixar indenização por danos morais em R$ 7.000,00. Analisando os autos, verifica-se que a controvérsia gravita em torno da ocorrência de fraude na contratação e da consequente responsabilidade civil das instituições financeiras envolvidas. · DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE Em sede de contrarrazões, o apelado suscitou, em preliminar, a ausência de dialeticidade recursal, sustentando que a apelante não teria impugnado de forma específica os fundamentos adotados na sentença, o que atrairia a incidência do art. 932, III, do Código de Processo Civil. A admissibilidade do recurso, em especial no que tange à observância do princípio da dialeticidade, merece análise preliminar. Conforme dispõe o art. 1.010, II e III, do CPC, a apelação deve conter, sob pena de inadmissibilidade, a exposição dos fatos e do direito e as razões do pedido de reforma, modificação ou invalidação da decisão. Referido princípio consagra a exigência de que o recorrente, ao interpor o recurso, formule impugnação específica e articulada aos fundamentos lançados na decisão recorrida, delineando, com clareza e precisão, as razões jurídicas pelas quais entende que tais fundamentos padecem de equívoco e, por conseguinte, merecem reforma. Examinando-se detidamente as razões recursais apresentadas pelo BANCO C6 S.A., verifica-se que, embora se trate de argumentação essencialmente repetitiva em relação à contestação, houve sim impugnação específica de diversos pontos da sentença, notadamente quanto à conclusão do juízo de origem de que a contratação se deu de forma fraudulenta, bem como quanto à ausência de consentimento válido e esclarecido do consumidor. Contudo, importa sublinhar que, embora tenha reproduzido argumentos constantes na inicial, a mera reiteração das teses não implica, por si só, transgressão ao princípio da dialeticidade, desde que os fundamentos estejam articulados com a insurgência contra os termos da sentença, o que se observa no presente caso. A dialeticidade exige que o recorrente demonstre, de forma clara e objetiva, os pontos da decisão que pretende ver reformados, o que foi atendido minimamente pela recorrente. Na hipótese em exame, verifica-se que a argumentação desenvolvida pelo apelante, ainda que parcialmente reproduza fundamentos constantes da petição inicial, guarda pertinência temática com o conteúdo da decisão, não configurando, por si só, violação ao referido princípio. O Superior Tribunal de Justiça já pacificou entendimento nesse sentido: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. [...] II - O acórdão recorrido adotou entendimento consolidado nesta Corte, segundo o qual, a repetição dos argumentos elencados na petição inicial ou na contestação não implica, por si só, ofensa ao princípio da dialeticidade. [...]” (AgInt no REsp 1695125/SP, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/02/2018, DJe 21/02/2018). Considerando que as razões recursais guardam pertinência com a fundamentação da sentença apelada, rejeita-se a preliminar. · DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DA FACTA FINANCEIRA S/A A apelante, FACTA FINANCEIRA S.A. CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, suscita preliminar de ilegitimidade passiva, alegando não ter participado da relação contratual questionada nos autos. Conforme se depreende da análise dos autos, embora o contrato de empréstimo consignado tenha sido formalizado nominalmente com o Banco C6 S.A., a operação financeira envolveu necessariamente a participação da Facta Financeira, que figura como instituição responsável pela concessão do crédito e pelos descontos realizados em folha de pagamento do autor. Verifica-se que a negociação em torna da portabilidade do empréstimo foi realizada por iniciativa de uma funcionária identificada como Carla Ferreira, gerente financeiro credenciada pelo Banco Facta (Id. 296689875): Verifica-se que ela fez a intermediação e de intermediação e de representação perante da Instituição Bancária demandada, com o objetivo de negociar condições favoráveis para a portabilidade do empréstimo consignado e que as condições da portabilidade se encontram comprovadas através de mensagem eletrônica, tendo o recorrido acredito que estaria realizando a portabilidade para outra instituição com vantagens. No sistema financeiro nacional, é comum a divisão de responsabilidades entre instituições bancárias e financeiras, especialmente em operações de crédito consignado, onde uma entidade pode atuar como correspondente ou parceira comercial da outra. Neste contexto, ambas as instituições integram a cadeia de fornecimento do serviço financeiro, respondendo solidariamente perante o consumidor pelos eventuais vícios ou falhas na prestação do serviço. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de que as instituições financeiras que participam da cadeia de fornecimento de serviços bancários respondem solidariamente pelos danos causados ao consumidor, independentemente da delimitação interna de responsabilidades entre elas. APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL C/C SUSPENSÃO DE DÉBITO, REPETIÇÃO DO INDÉBITO E CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS E MATERIAIS - PRELIMINAR - ILEGITIMIDADE PASSIVA - REJEITADA - GOLPE DA FALSA PORTABILIDADE - RESPONSABILIDADE CIVIL - APLICAÇÃO DO CDC - DEVER DE SEGURANÇA - FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO - DANO MORAL CONFIGURADO - VALOR ADEQUADO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. No caso, está configurada a legitimidade passiva da ré, porquanto houve a comprovação da contratação entre as partes. Configura falha na prestação do serviço a conduta da instituição financeira que deixa de exercer dever de segurança sobre as operações bancárias, máxime se absolutamente atípicas e destoam das comumente realizadas pelo consumidor, que foi ludibriado por suposto correspondente bancário, com acesso a dados pessoais e informações sobre os empréstimos existentes. Se ausente comprovação da autenticidade das operações firmadas por terceiro em nome do consumidor, é caso de declarar a inexistência da relação jurídica, bem como resta configurada situação geradora de danos morais . No arbitramento do valor dos danos morais, há que levar em conta as circunstâncias do caso concreto, é dizer, as condições das partes, o comportamento da parte e, principalmente, a finalidade da reparação do dano moral, que é, de um lado, compensar o dano ocorrido, e, de outro desestimular a conduta abusiva. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1030951-82.2022.8 .11.0041, Relator.: GUIOMAR TEODORO BORGES, Data de Julgamento: 14/11/2023, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/11/2023) Portanto, rejeita-se a preliminar de ilegitimidade passiva da Facta Financeira S.A., mantendo-se sua inclusão no polo passivo da demanda. · MÉRITO Superadas as questões preliminares, passa-se à análise do mérito propriamente dito, que envolve a discussão acerca da validade do contrato de empréstimo consignado e a responsabilidade civil das instituições financeiras pelos danos alegadamente causados ao consumidor. Insta consignar, primeiramente, que a controvérsia se submete às normas do Código de Defesa do Consumidor de acordo com a Súmula 297 do STJ, atraindo a incidência da responsabilidade civil objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, bem como a inversão do ônus da prova, com fundamento no art. 6º, VIII, do mesmo diploma legal. Conforme documentado nos autos, o autor JUAREZ GONÇALVES DE PAULA teve descontado de sua folha de pagamento valores relativos a contrato de empréstimo consignado que afirma não ter celebrado. Os fatos demonstram que o autor foi procurado por indivíduos que se identificaram como representantes do Banco C6 S.A., oferecendo-lhe suposta portabilidade de contrato existente junto ao Banco do Brasil (contrato nº 125551296 no valor total de R$ 8.308,59 para pagamento em 70 parcelas de R$ 206,23 no benefício previdenciário). Foi oferecido a portabilidade do empréstimo com a redução do valor da parcela para R$ 132,32. Entretanto, foi realizado um empréstimo consignado nº 010122910440, no valor de R$ 11.114,88, sendo liberado o valor de R$ 4.833,34 via TED. E que a portabilidade somente seria concretizada após a transferência do valor recebido (R$ 4.833,34) para conta da empresa Conection Soluções Ltda. A empresa em questão, ficaria responsável por receber esse dinheiro e “amortizar” a dívida junto ao Banco C6 Bank que supostamente, teria realizado a portabilidade do crédito. Acreditando na proposta o recorrido efetuou a transferência: Relatou que dias depois, ao consultar seu extrato previdenciário, tomou conhecimento de que na verdade ocorreu a realização de empréstimo, ao invés de portabilidade, cujas parcelas daquela operação bancária estão sendo decotadas do seu benefício previdenciário. Os elementos probatórios indicam que o autor, induzido pelos fraudadores, transferiu valores recebidos em sua conta para a empresa "Conection Soluções Ltda.", acreditando tratar-se de procedimento regular relacionado à portabilidade prometida Id. 296689873. Posteriormente, constatou-se que nunca houve autorização válida para a contratação do empréstimo consignado, caracterizando-se evidente fraude praticada por terceiros. O ordenamento jurídico brasileiro estabelece, por meio do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade objetiva dos fornecedores de serviços pelos danos causados aos consumidores em decorrência de defeitos na prestação de seus serviços. Esta responsabilidade independe da comprovação de culpa, exigindo apenas a demonstração do nexo causal entre o serviço defeituoso e o dano experimentado pelo consumidor. No caso em exame, conforme amplamente demonstrado, o Apelado foi abordado por pessoa que se apresentou como preposta da empresa FACTA FINANCEIRA S.A. CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, oferecendo-lhe a portabilidade de um empréstimo consignado já existente em instituição financeira. De outro lado, é inegável que o Apelado agiu de boa-fé ao confiar na proposta que lhe foi apresentada, certo de que estava realizando uma portabilidade de crédito, o que naturalmente implicaria redução do valor das parcelas da dívida objeto da transferência entre instituições financeiras. A expectativa legítima de economia, aliada à falta de informação clara em sentido contrário, reforça o equívoco induzido pela conduta da parte adversa. Nos termos dos artigos 166, inciso II, e 171, inciso II, do Código Civil, é nulo o negócio jurídico quando ilícito, e anulável aquele eivado de vício decorrente de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. O Banco C6 S.A. sustenta que a contratação foi realizada por meio de sistema digital seguro, incluindo identificação biométrica facial e outros mecanismos eletrônicos que comprovariam a manifestação inequívoca de vontade do consumidor. Argumenta que o sistema utilizado vai além de simples "selfie", envolvendo análise de micropontos faciais conforme práticas seguras de autenticação. Embora seja reconhecida a evolução tecnológica dos sistemas de autenticação bancária, é necessário considerar que a sofisticação dos mecanismos de segurança deve ser proporcional aos riscos inerentes à atividade desenvolvida. No presente caso, os elementos probatórios demonstram que, independentemente da tecnologia empregada, houve falha na prestação do serviço que permitiu a efetivação de contratação fraudulenta. A prova dos autos indica que o autor jamais manteve contato direto com representantes legítimos do banco, sendo toda a operação intermediada por fraudadores que se utilizaram de dados pessoais do consumidor para viabilizar a contratação irregular. Esta circunstância evidencia que os mecanismos de segurança adotados pela instituição financeira mostraram-se insuficientes para impedir a fraude. À luz das provas constantes dos autos, não remanescem dúvidas quanto à ocorrência do vício de consentimento nas contratações impugnadas, e manifesta a invalidade dos negócios jurídicos firmados em tais condições. A conduta adotada pelo Apelado decorreu diretamente da confiança legítima que lhe foi transmitida pela preposta da correspondente bancária, a qual se apresentou e agiu durante todo o tempo como representante autorizada do Banco Apelante, com plena aparência de regularidade institucional. As instituições financeiras alegam a configuração de excludente de responsabilidade civil com fundamento no artigo 14, § 3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, sustentando que eventual fraude foi praticada por terceiros criminosos que também lesaram as instituições, sendo estas igualmente vítimas. Ainda de acordo como o entendimento da Corte Superior, em casos de fraude na portabilidade de crédito, as instituições financeiras envolvidas na operação são consideradas integrantes da mesma cadeia de fornecimento, sendo solidariamente responsáveis pelos danos causados ao consumidor, além de a falha na prestação de serviços bancários, como a ausência de verificação adequada do consentimento do consumidor, configurar responsabilidade solidária entre as instituições financeiras envolvidas. No caso específico das instituições financeiras, a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, cristalizada na Súmula 479, estabelece que "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". Esta argumentação não merece prosperar. A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a culpa exclusiva de terceiro somente configura excludente de responsabilidade civil quando o evento danoso decorrer de fato totalmente estranho à atividade do fornecedor, situação que não se verifica no caso em análise. A propósito: RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. PORTABILIDADE DE OPERAÇÕES DE CRÉDITO. 1. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC .2015. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA N. 284/STF. 2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS APLICADOS PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU EM JULGAMENTO DE ACLARATÓRIOS. AFASTAMENTO PELO ACÓRDÃO DE ORIGEM. PRETENSÃO DE RESTABELECIMENTO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE DISPOSITIVO LEGAL VIOLADO. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA N. 284/STF. 3. ACÓRDÃO RECORRIDO FUNDAMENTADO EXCLUSIVAMENTE EM CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICO-PROBATÓRIAS. REEXAME INVIÁVEL EM RECURSO ESPECIAL. SÚMULA N. 7/STJ. 4. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR. SOLIDARIEDADE ENTRE OS INTEGRANTES DA CADEIA DE CONSUMO. FRAUDE RECONHECIDA PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. DEFEITO NO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS ENVOLVIDAS NA TRANSFERÊNCIA DA OPERAÇÃO E COMPARTILHAMENTO DE DADOS DO CONSUMIDOR. 5. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO.1. Discute-se a responsabilidade civil das instituições financeiras envolvidas em operação de portabilidade de empréstimo consignado realizada mediante fraude. [...] 5. As instituições financeiras envolvidas na operação de portabilidade, ainda que concorrentes, passam a integrar uma mesma cadeia de fornecimento, impondo-se a ambas o dever de apurar a regularidade do consentimento e da transferência da operação, recaindo sobre elas a responsabilidade solidária em relação aos danos decorrentes de falha na prestação do serviço. 6. "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias" (Súmula n. 479/STJ). 7. Reconhecida a fraude na assinatura do contrato que deu ensejo à operação de portabilidade, impõe-se a restituição do consumidor ao status quo ante, sem, contudo, se olvidar dos fatos ocorridos ao longo da tramitação processual. 8. No caso concreto, o consumidor manteve o pagamento das prestações mensais no decorrer do processo, de modo que a dívida originária estaria extinta pelo pagamento. Nessa hipótese, o restabelecimento do contrato original resulta na transferência para o consumidor de responsabilidade e encargo, que não lhe pertence, de regularizar a situação financeira decorrente da própria falha do serviço, o que nem mesmo é objeto da presente demanda. 9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. (STJ - REsp: 1771984 RJ 2018/0198451-4, Relator.: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 20/10/2020, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/10/2020 – grifo nosso). Esta orientação jurisprudencial reconhece que as fraudes bancárias constituem fortuito interno, inerente à própria atividade empresarial desenvolvida pelas instituições financeiras, não configurando excludente de responsabilidade civil. O fundamento desta construção pretoriana reside na constatação de que o risco da atividade bancária deve ser suportado pelo fornecedor do serviço, e não transferido ao consumidor. No presente caso, a fraude foi viabilizada por falhas no sistema de segurança adotado pelo banco, que permitiu a contratação sem a devida verificação da identidade e da vontade do consumidor. Esta circunstância demonstra que o evento danoso não decorreu de fato totalmente alheio à atividade bancária, mas sim de deficiência nos mecanismos de controle e segurança que incumbia à instituição implementar. · RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES DESCONTADOS Caracterizada a responsabilidade da casa bancária, de rigor seja compelida à restituição dos valores cobrados indevidamente. No tocante à repetição do indébito, o juízo a quo determinou a restituição em dobro dos valores indevidamente descontados, com fundamento no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe: "Art. 42. (...) Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável." O dispositivo legal em comento, ao estabelecer a repetição em dobro como regra geral, também prevê expressamente uma exceção: a hipótese de "engano justificável". Essa exceção representa verdadeira cláusula de escape normativa que permite afastar a sanção pecuniária quando ausente o elemento volitivo reprovável na conduta do fornecedor. Contudo, deve ser observado o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos EREsp 1413542/RS, no sentido de que a má-fé não é requisito necessário para a devolução em dobro, bastando a violação ao dever de boa-fé objetiva, a saber: "DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA.HERMENÊUTICA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC. REQUISITO SUBJETIVO. DOLO/MÁ-FÉ OU CULPA. IRRELEVÂNCIA. PREVALÊNCIA DO CRITÉRIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. MODULAÇÃO DE EFEITOS PARCIALMENTE APLICADA. ART. 927, § 3º, DO CPC/2015. IDENTIFICAÇÃO DA CONTROVÉRSIA. 1. Trata-se de Embargos de Divergência que apontam dissídio entre a Primeira e a Segunda Seções do STJ acerca da exegese do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor - CDC. A divergência refere-se especificamente à necessidade de elemento subjetivo para fins de caracterização do dever de restituição em dobro da quantia cobrada indevidamente. 2. Eis o dispositivo do CDC em questão: "O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável"(art. 42, parágrafo único, grifo acrescentado)." (...)" 28. Com essas considerações, conhece-se dos Embargos de Divergência para, no mérito, fixar-se a seguinte tese: A REPETIÇÃO EM DOBRO, PREVISTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC, É CABÍVEL QUANDO A COBRANÇA INDEVIDA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA, OU SEJA, DEVE OCORRER INDEPENDENTEMENTE DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS. 29. Impõe-se MODULAR OS EFEITOS da presente decisão para que o entendimento aqui fixado - quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público - se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão. RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO 30. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido fixou como requisito a má-fé, para fins do parágrafo único do art. 42 do CDC, em indébito decorrente de contrato de prestação de serviço público de telefonia, o que está dissonante da compreensão aqui fixada. Impõe-se a devolução em dobro do indébito. CONCLUSÃO 31. Embargos de Divergência providos." (Corte Especial, j. Em 21/10/2020, DJe 30/3/2021 – grifo nosso) Assim sendo, o Superior Tribunal de Justiça fixou tese jurídica pela Corte Especial sobre o assunto (EAREsp 600663/RS, EAREsp 622897/RS, EAREsp 664888/RS, EAREsp 676608/RS e EREsp 1413542/RS precedentes prévios necessários), no Tema 929: ''a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo.'' No caso em análise, os descontos realizados na folha de pagamento do autor decorreram de contrato não celebrado validamente, caracterizando cobrança indevida. A circunstância de que a instituição financeira não implementou mecanismos eficazes para impedir a fraude demonstra, no mínimo, negligência na prestação do serviço, justificando a aplicação da penalidade legal. A propósito: “CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. SERVIÇOS BANCÁRIOS. COBRANÇA INDEVIDA. CULPA DA CONCESSIONÁRIA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC. PRESSUPOSTO. MÁ-FÉ. PRESCINDIBILIDADE. DEFINIÇÃO DO TEMA PELA CORTE ESPECIAL DO STJ (EARESP 600.663/RS, DJE DE 30 .3.2021). MODULAÇÃO DOS EFEITOS. PREVISÃO DE QUE OS RETROMENCIONADOS EARESP SÓ PRODUZIRIAM EFEITOS AOS INDÉBITOS POSTERIORES À DATA DE PUBLICAÇÃO DE SEU ACÓRDÃO. SOLUÇÃO EXCEPCIONAL NO CASO CONCRETO. INDÉBITO E ACÓRDÃO EMBARGADO ANTERIORES À PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO DOS EARESP 600.663/RS. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Nos presentes Embargos, discute-se a prescindibilidade ou não de se aferir a má-fé como condição essencial para se exigir a restituição em dobro de quantia cobrada indevidamente, nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. DISCIPLINA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 2. Consoante o art. 42, parágrafo único, do CDC, na relação de consumo, o pagamento de cobrança indevida, a restituição do indébito dar-se-á em dobro, salvo se o fornecedor provar, no caso concreto, o engano justificável. A norma analisada não exige culpa, dolo ou má-fé do fornecedor quando este cobra - e recebe - valor indevido do consumidor. Ao fornecedor, a imputação que se lhe faz a lei é objetiva, independentemente de culpa ou dolo. DEFINIÇÃO PELA DA CORTE ESPECIAL DO STJ 3. A Corte Especial do STJ definiu a questão, em data posterior à prolação do acórdão embargado, no julgamento dos EAREsp 600.663/RS (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, DJe de 30 .3.2021.). Assentou a tese: "A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art . 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo. modulação dos efeitos". MODULAÇÃO DOS EFEITOS 4. A regra geral é a devolução, na forma dobrada, dos valores debitados. Contudo, no caso concreto, há um detalhe, em especial, que o exime da aplicação do entendimento prevalecente no STJ. É o fato de os anteditos EAREsp 600.663/RS terem trazido critério de modulação de efeitos na aplicação de sua tese. Consoante os itens 24 a 27 da sua ementa, ficou estabelecido que, não obstante a regra geral, "o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação deste acórdão" .5. Ora, a data dos indébitos (a partir de 03.2014), ou mesmo a publicação do acórdão ora embargado (17.12 .2019), são anteriores ao julgamento e publicação do acórdão dos EAREsp 600.663/RS, da Corte Especial do STJ (DJe de 30.3.2021) .6. Portanto, excepcionalmente, a solução do caso concreto contará com comando distinto do atual posicionamento vigente no STJ, por atender ao critério de modulação previsto nos EAREsp 600.663/RS.Logo, o embargado não deverá devolver, de forma dobrada, os valores debitados na conta da embargante. CONCLUSÃO. 8. Embargos de Divergência não providos.” (STJ - EAREsp: 1501756 SC 2019/0134650-5, Relator.: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 21/02/2024, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 23/05/2024 – grifos e destaques nosso) A jurisprudência pátria não destoa do entendimento, in verbis: “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DO DÉBITO CUMULADA COM REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS - DESCONTOS EM FOLHA INEXIGÍVEIS - DANOS MORAIS - QUANTUM INDENIZATÓRIO - RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - MÉTODO BIFÁSICO - ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO DO CDC - DEVOLUÇÃO EM DOBRO - MUDANÇA ENTENDIMENTO STJ - AEREsp n. 600.663/RS - CASO CONCRETO - MODULAÇÃO DOS EFEITOS - AUSÊNCIA DE PROVA DA MÁ-FÉ - RESTITUIÇÃO SIMPLES - A indenização mede-se fundamentalmente pela extensão do dano, devendo ser observada a gravidade das lesões e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na fixação do patamar reparatório - Conforme o método bifásico, para o arbitramento da indenização por danos morais, estabelece-se, primeiramente, um valor que corresponda ao interesse jurídico lesado e, após, pondera-se eventuais circunstâncias específicas do caso que atenuem ou agravem a intensidade da lesão (e de sua respectiva reparação) - A orientação até então vigente junto à 2ª Seção do STJ exigia, para fins de condenação à restituição em dobro, a prova da má-fé do fornecedor na cobrança declarada indevida, ou seja, estava centrada no elemento volitivo da conduta (culpabilidade). Essa prova estava a cargo do consumidor, já que a má-fé não se presume - A partir do novo entendimento firmado pelo STJ, no julgamento dos embargos de divergência AEREsp n. 600.663/RS, consolidou-se que a regra do CDC é a restituição em dobro em favor do consumidor, ao passo que a restituição se dará de forma simples, excepcionalmente, se tiver havido engano justificável por parte do fornecedor e pretenso credor na cobrança reputada indevida - Com a nova orientação jurisprudencial do STJ, o ônus da prova recai sobre a parte que alega a ocorrência do engano justificável. Assim, ao fornecedor incumbirá comprovar que a cobrança decorreu de engano justificável, a fim de afastar a pretensão de devolução em dobro em favor do consumidor - Nos termos da modulação dos efeitos determinada pelo STJ, não se exigirá a prova da má-fé apenas nas cobranças realizadas após a publicação do acórdão, o que ocorreu em 30 .03.2021 - No presente caso, como a contratação impugnada é anterior à modificação do entendimento pelo STJ, a ausência de prova da má-fé do fornecedor afasta a pretensão de restituição em dobro dos valores desembolsados pelo consumidor. V.V. - A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, após extensa controvérsia quanto à correta aplicação do art. 42 do CDC, chegou a um consenso sobre a matéria, com a sedimentação do entendimento segundo o qual "a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer indepedentemente da natureza do elemento volitivo" (EAREsp 600.663/RS), tendo modulado os efeitos do referido julgado, de modo que o novel entendimento somente se aplica às cobranças realizadas após a data de publicação do acórdão, ou seja, depois de 30/03/2021 - Antes de o STJ ter deliberado em precedente vinculativo quanto à adequada interpretação a ser atribuída ao art. 42 do CDC, prevalecia na jurisprudência pátria o entendimento segundo o qual para repetição dobrada das quantias indevidamente cobradas do consumidor afigurava-se imprescindível a demonstração de má-fé do credor quanto à cobrança irregular - Os valores descontados indevidamente devem ser restituídos na forma dobrada prevista no artigo 42, parágrafo único, do CDC, quando não evidenciado nos autos engano justificável do credor, ficando evidente a má-fé do banco em exigir quantias sem lastro contratual ou benefício ao cliente.” (TJ-MG - AC: 50029784220228130134, Relator.: Des.(a) Fernando Lins, Data de Julgamento: 30/03/2023, Câmaras Cíveis / 20ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/04/2023) “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA - NEGÓCIO JURÍDICO - REPETIÇÃO DO INDÉBITO - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - DESCONTOS EM BENEDÍCIO PREVIDENCIÁRIO - APELANTE ANALFABETO - PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. - A validade do negócio jurídico firmado por pessoa analfabeta depende de escritura pública ou da participação de procurador constituído por instrumento público - A nova orientação jurisprudencial do STJ é no sentido de que "a restituição em dobro do indébito ( parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetivava: VV: EMENTA: REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC. REQUISITO SUBJETIVO. DOLO, MÁ-FÉ OU CULPA. IRRELEVÂNCIA. PREVALÊNCIA DO CRITÉRIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independente da natureza do elemento volitivo.” (TJ-MG - Apelação Cível: 50014653020238130352 1.0000 .24.193292-0/001, Relator.: Des.(a) Newton Teixeira Carvalho, Data de Julgamento: 04/07/2024, 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 08/07/2024 – grifo nosso) “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO C/C REPARAÇÃO DE DANOS – SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTES OS PEDIDOS INICIAIS – REFORMADA – PRÁTICA COMERCIAL ABUSIVA – ONEROSIDADE EXCESSIVA – DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO SUB JUDICE – RECONHECIMENTO DA INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA SUB EXAMINE – DEVIDA A DEVOLUÇÃO DOS VALORES EFETIVAMENTE PAGOS PELO CONSUMIDOR – DEVOLUÇÃO EM DOBRO FACE A CONDUTA QUE CONTRARIA A BOA-FÉ OBJETIVA, INDEPENDENTE DO ELEMENTO VOLITIVO – ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC E RESP Nº 1.413.542/RS – DANO MORAL CONFIGURADO – INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.” (TJ-PR 0004881-87.2022.8.16 .0079 Dois Vizinhos, Relator.: substituta fabiana silveira karam, Data de Julgamento: 05/04/2024, 7ª Câmara Cível, Data de Publicação: 08/04/2024 – grifo nosso) “RECURSO INOMINADO. BANCÁRIO. CARTÃO DE CRÉDITO. TARIFA DENOMINADA “ENCARGOS FINANC ROTATIVO” DECLARADA INDEVIDA. INSURGÊNCIA RECURSAL EXCLUSIVAMENTE QUANTO À FORMA DA REPETIÇÃO. RECLAMADO QUE ENTENDE NÃO SER CABÍVEL A REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO POIS AUSENTE A MÁ-FÉ. DESNECESSIDADE DE PROVA DA MÁ-FÉ DO FORNECEDOR PARA A RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. ENTENDIMENTO FIRMADO NO STJ. DESCONTOS OCORRERAM APÓS 30/03/2021. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.” (TJ-PR 00018226920238160075 Cornélio Procópio, Relator.: Letícia Zétola Portes, Data de Julgamento: 11/08/2024, 3ª Turma Recursal, Data de Publicação: 12/08/2024) O eg. TJMT já assinalou em sentido similar, senão vajamos: “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZATÓRIA – CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO – ACORDO – QUITAÇÃO – PERMANÊNCIA DOS DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO – ILICITUDE - REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO – AUSÊNCIA DE ENGANO JUSTIFICÁVEL – CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA - EXEGESE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC - DANO MORAL CONFIGURADO – VALOR ARBITRADO EM CONSONÂNCIA COM O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE – RECURSO DESPROVIDO. Demonstrado nos autos que a parte autora firmou acordo com a instituição bancária para quitação de dívida referente a contrato de cartão de crédito consignado e que mesmo depois do efetivo cumprimento permaneceram os descontos lançados na folha de pagamento do benefício previdenciário, deve ser mantida a sentença que declarou inexistente o débito e determinou a restituição dos valores cobrados indevidamente. A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva. (EAREsp nº 676.608/RS). A falha na prestação do serviço bancário, consubstanciada no desconto do vencimento da parte autora de inúmeras parcelas indevidas referentes a contrato de cartão de crédito consignado já quitado, obrigando o consumidor a recorrer ao Poder Judiciário, caracteriza ato ilícito passível de indenização por danos morais. O valor da indenização por dano moral deve ser fixado proporcionalmente à intensidade e extensão da lesão causada ao consumidor, observada a conduta e o perfil das partes, e com atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.” (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10160758820238110041, Relator.: JOSE ZUQUIM NOGUEIRA, Data de Julgamento: 18/06/2024, Quinta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/06/2024 – grifo nosso) “AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C PEDIDO DE DEVOLUÇÃO DE VALORES – CLONAGEM DE CARTÃO DE CRÉDITO – MOVIMENTAÇÃO ATÍPICA DO PERFIL DE COMPRAS DA CONSUMIDORA – AUTORIZAÇÃO DA COMPRA – FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO – DANO MORAL CONFIGURADO – QUANTUM ADEQUADO – RESTITUIÇÃO DOS VALORES COBRADOS INDEVIDAMENTE EM DOBRO MANTIDO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. A inobservância do perfil de compras do consumidor constitui negligência interna independente da fraude perpetrada para a obtenção dos dados bancários sigilosos, nos termos do disposto no artigo 186 do Código Civil O arbitramento do valor da indenização decorrente de dano moral deve ser feito de acordo com os aspectos do caso, sempre com bom senso, moderação e razoabilidade, atentando-se à proporcionalidade com relação ao grau de culpa, extensão e repercussão dos danos e à capacidade econômica das partes, devendo ser mantido o valor arbitrado na sentença, quando se apresenta consentâneo com a realidade do caso concreto. In casu, a despeito de não identificado o elemento volitivo do banco recorrente, a cobrança de dívida não contratada pela correntista – que, adotados por ele métodos mais eficazes de segurança, nem sequer existiria – denota engano inescusável/conduta contrária à boa-fé objetiva, a autorizar a pretendida repetição dobrada.” (N.U 1000635-69.2023.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 03/04/2024, Publicado no DJE 06/04/2024 – grifo nosso) “RECURSOS DE APELAÇÃO CIVEL - Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica c/c Reparação de Danos Morais e Materiais – seguro não contratado – desconto indevido – devolução em dobro – dano moral configurado – recursos desprovidos. Nos termos do art. 14, do CDC, por ser objetiva a responsabilidade do prestador de serviço, como na espécie em julgamento, responde pelos danos causados ao consumidor, independentemente de culpa. Inexistindo prova da contratação válida, os descontos efetuados nos proventos de aposentadoria são irregulares, capaz de gerar danos de ordem moral, tendo em vista a privação de parte dos rendimentos. A fixação dos danos morais deve ser segundo os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, não podendo ser em valor irrisório, tampouco fonte de enriquecimento sem causa, exercendo função reparadora do prejuízo e de prevenção da reincidência da conduta lesiva. “1. "A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo" (EAREsp 600.663/RS, Rel. Min. MARIA TEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. para Acórdão Min. HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/10/2020, DJe de 30/03/2021).” (N.U 1000926-97.2019.8.11.0039, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em 06/02/2024, Publicado no DJE 08/02/2024 – grifo nosso) No tocante à restituição em dobro dos valores, prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, esta é devida, pois ausente qualquer engano justificável por parte da instituição ré, que não adotou mecanismos eficazes de segurança. · DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS A sentença condenou as instituições financeiras ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), reconhecendo que o autor sofreu abalo psíquico em decorrência dos descontos indevidos realizados em sua folha de pagamento. O dano moral está configurado pela própria natureza dos fatos. O desconto indevido de valores da remuneração do trabalhador gera não apenas prejuízo patrimonial, mas também constrangimento, angústia e abalo psicológico, especialmente considerando a natureza alimentar do salário e a dificuldade enfrentada pelo consumidor para resolver a questão. Em relação à indenização por danos morais, é certo que a Súmula 479 do STJ estabelece que as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. Friso, ainda, possuir entendimento de que descontos indevidos sobre benefício previdenciário, por si só, não geram dano moral n re ipsa. Nesse sentido: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – DESCONTO DE SEGURO DE VIDA EM CONTA CORRENTE – CONTRATAÇÃO NÃO DEMONSTRADA – REPETIÇÃO DO INDÉBITO – DEVIDA RESTITUIÇÃO DE VALORES EM DOBRO – DANO MORAL – NÃO CONFIGURAÇÃO – AUSÊNCIA DE LESÃO – DEVER REPARATÓRIO INEXISTENTE – ÔNUS SUCUMBENCIAL RECÍPROCO – MANUTENÇÃO – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (...) A cobrança indevida gera o direito à restituição do indébito, contudo não configura, por si só, o dano moral, que exige a efetiva demonstração de que houve ofensa aos direitos da personalidade. Nos termos do art. 86 do CPC, se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas.” (RAC n.º 1038997-60.2022.8.11.0041, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Dirceu Dos Santos, j. 03.04.2024 – destaquei). APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL – DESCONTOS EM CONTA CORRENTE – AUSÊNCIA DE CONTRATO – ÔNUS DA PROVA – 373, INCISO II, DO CPC – COBRANÇA INDEVIDA – FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO – RESTITUIÇÃO EM DOBRO DO VALOR – ART. 42, CDC – VIOLAÇÃO DA BOA-FÉ OJETIVA – DANO MORAL - INOCORRÊNCIA – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. No caso, houve descontos indevidos na conta bancária onde a autora recebe seus proventos, não logrando a instituição bancária em comprovar a regularidade da contratação, sequer apresentando contrato entabulado entre as partes, razão pela qual deve ser declarada a inexistência do débito. Merece ser mantida a repetição dobrada dos valores descontados indevidamente, ao passo que a conduta do banco, concernente em descontar da conta corrente da consumidora, valores por serviços não contratados, viola, por certo, a boa-fé objetiva. Precedentes. O mero desconto com base em débito declarado inexistente, apesar de caracterizar a falha na prestação do serviço, não demonstra, por si só, que tenha sido afetada a esfera personalíssima da autora, portanto, não restando caracterizado o dano moral que dá ensejo à reparação civil.” (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1000047-51.2023.8.11.0039, Relator: CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Data de Julgamento: 08/05/2024, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/05/2024 – grifo nosso) Destaco, entretanto, que a jurisprudência do STJ entende que a ocorrência de fraudes contra o sistema bancário, dos quais resultam danos a terceiros ou a correntistas, inserem-se na categoria doutrinária de fortuito interno, porquanto fazem parte do próprio risco do empreendimento, não excluindo a obrigação do fornecedor de indenizar o consumidor. Com efeito, AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. OCORRÊNCIA. CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR NÃO CONFIGURADA. REVISÃO. VERIFICAÇÃO DAS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DO STJ. INCIDÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONHECIDO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. As instituições financeiras submetem-se ao Código de Defesa do Consumidor, respondendo objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. Súmulas n. 297 e 479 do STJ. 2. Rever o entendimento do tribunal de origem acerca da culpa exclusiva da vítima demanda o reexame do suporte fático-probatório dos autos, o que é vedado em recurso especial, ante a incidência da Súmula n. 7 do STJ. 3. A incidência da Súmula n. 7 do STJ quanto à interposição pela alínea a do permissivo constitucional impede o conhecimento do recurso especial pela divergência jurisprudencial sobre a mesma questão. 4. Agravo interno desprovido.” (AgInt no AREsp n. 1.997.142/DF, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 24/6/2024, DJe de 27/6/2024.) No caso em tela o dano moral está consubstanciado na CONTRATAÇÃO MEDIANTE FRAUDE contra o sistema bancário que resultou em danos ao autor/consumidor, através de descontos indevidos consignados em seu benefício previdenciário, que possui verba de caráter alimentar de idoso, violando, então, o direito da personalidade e ensejando a respectiva reparação por dano moral, pois os fatos ultrapassam o mero aborrecimento cotidiano.Trata-se de dano moral in re ipsa, oriundo do próprio fato, dispensando-se a comprovação do efetivo prejuízo, sendo estes evidenciados pelas circunstâncias do fato. Em sentido similar: “AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO – EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS – CONTRATOS APRESENTADOS – IMPUGNAÇÃO DA ASSINATURA PELA AUTORA – ÔNUS DO BANCO EM COMPROVAR A AUTENTICIDADE – STJ – REPETITIVO (TEMA 1061) - RESP 1.846.649/MA – RESTITUIÇÃO EM DOBRO – DANO MORAL - SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Conforme entendimento firmado no REsp/MA 1 .846.649, sob o rito dos recursos repetitivos, o STJ definiu que “Na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a sua autenticidade (CPC, arts. 6º, 368 e 429, I)”. A má prestação no serviço, consubstanciado em contrato firmado sem que o consumidor tenha participado do ato, isto é, mediante fraude, por si só impõe o dever se indenizar. O arbitramento do valor da indenização decorrente de dano moral deve ser feito de acordo com os aspectos do caso, sempre com bom senso, moderação e razoabilidade, atentando-se à proporcionalidade com relação ao grau de culpa, extensão e repercussão dos danos e à capacidade econômica das partes.” (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 00027123020138110032, Relator.: CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Data de Julgamento: 10/07/2024, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/07/2024 – grifo nosso) “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C PEDIDO DE TUTELA DE ANTECIPADA, REPETIÇÃO DE INDÉBITO E CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS – EMPRÉSTIMO NÃO CONTRATADO – ORIGEM DO DÉBITO DESCONHECIDA PELO AUTOR – AUSÊNCIA DE CONTRATO – ÔNUS DA PROVA DO RÉU – ARTIGO 373, II, DO CPC –AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA – ATO ILÍCITO CONFIGURADO – INSCRIÇÃO DO NOME DO CONSUMIDOR NOS CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO – DANO MORAL CONFIGURADO – INDENIZAÇÃO PROPORCIONAL E RAZOÁVEL – QUANTUM MANTIDO – FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO –RESTITUIÇÃO EM DOBRO DO VALOR – ART. 42 DO CDC – VIOLAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA – RESTITUIÇÃO DOS VALORES DEPOSITADOS NA CONTA DO CONSUMIDOR INDEVIDA – SAQUES REALIZADOS IMEDIATAMENTE APÓS O DEPÓSITO – ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA NÃO CONFIGURADO – JUROS DE MORA – DATA DO EVENTO DANOSO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Nas ações declaratórias de inexistência de débito, cabe à demandada comprovar a legitimidade da cobrança, nos termos do artigo 373, inciso II, do CPC. Em que pesem as alegações do banco apelante, não há uma prova nos autos capaz de demonstrar a legalidade da operação questionada, mormente porque não apresentou nenhum documento em contestação. A inscrição do nome do consumidor nos cadastros restritivos de crédito, por débito inexistente, configura-se ato ilícito passível de reparação, e o dano moral, daí decorrente, presume-se, dispensando a produção de prova. Deve ser mantido o valor da indenização fixado dentro dos padrões de razoabilidade e proporcionalidade, bem como por estar de acordo com os precedentes desta c. Câmara. Merece ser mantida a repetição dobrada dos valores descontados indevidamente, ao passo que a conduta do banco, concernente em descontar da conta corrente do consumidor, valores por serviços não contratados, viola, por certo, a boa-fé objetiva. Precedentes. Os valores decorrentes do empréstimo não permaneceram em posse do apelado, sendo imediatamente sacado logo após o depósito, conforme evidenciado pelo extrato bancário anexado aos autos. Aplicação do Enunciado nº. 54 do STJ, segundo o qual, os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual.” (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10157803220238110015, Relator.: ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Data de Julgamento: 10/07/2024, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/07/2024 – grifo nosso) “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C CONDENATÓRIA DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO E COM INDENIZATÓRIA POR DANO MORAL – CONTRATAÇÃO DIGITAL - EMPRÉSTIMO POR MEIO DE FRAUDE BANCÁRIA – DESCONTO CONSIGNADO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO – COMPROVADO – DANO MORAL IN RE IPSA – QUANTUM INDENIZATÓRIO RAZOÁVEL - RECURSO DESPROVIDO. I - Apesar de a parte autora ter recebido o valor decorrente do empréstimo não solicitado, o montante foi devolvido judicialmente a título de caução. Pelo deslinde processual extraiu-se que de fato o demandante pensou estar em contato com o representante do banco qual possui conta, o que em nenhum momento foi esclarecido, tendo sido prestadas inclusive informações falsas para que o negócio fosse selado, enganando e confundindo o autor. II - A jurisprudência do STJ entende que a ocorrência de fraudes contra o sistema bancário, dos quais resultam danos a terceiros ou a correntistas, inserem-se na categoria doutrinária de fortuito interno, porquanto fazem parte do próprio risco do empreendimento, não excluindo a obrigação do fornecedor de indenizar o consumidor. III - A devolução dos valores deve ser feita em dobro, por força do disposto no art. 42, parágrafo único, do CDC. Tal norma assenta o direito do consumidor à “repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso”, nos casos em que o erro não é justificável, tal qual a hipótese dos autos.” (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10009631220228110010, Relator.: TATIANE COLOMBO, Data de Julgamento: 02/10/2024, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/10/2024) “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DEBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C DANOS MORAIS COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - DESCONTO INDEVIDO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO - FATO NEGATIVO - ÔNUS DA PROVA DO REQUERIDO - RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES - DANOS MORAIS – EXISTÊNCIA - QUANTUM INDENIZATÓRIO - RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – MANUTENÇÃO DA R. SENTENÇA – RECURSO DESPROVIDO. Quando o Autor alega a inexistência de contratação, por se tratar de prova de fato negativo, compete ao Réu, pretenso credor, o ônus da prova acerca da existência e da legitimidade da dívida. A instituição financeira que mantém sistemas inseguros para a contratação de seus serviços facilita a fraude na utilização de dados de terceiro, devendo responder pela reparação do dano moral se da operação decorrer uma indevida cobrança. Ausente nos autos prova de que a parte autora tenha firmado contrato de empréstimo consignado com o banco requerido, deve ser declarada a inexistência da relação jurídica, determinando-se a restituição dos valores descontados indevidamente. O desconto indevido na folha de pagamento ou benefício previdenciário decorrente de empréstimo não contratado gera indubitável perturbação à esfera moral do consumidor, eis que este necessita do dinheiro para sua mantença. A indenização por dano moral deve ser arbitrada segundo o prudente arbítrio do julgador, sempre com moderação, observando-se as peculiaridades do caso concreto e os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de modo que o quantum arbitrado se preste a atender ao caráter punitivo da medida e de recomposição dos prejuízos, sem importar, contudo, enriquecimento sem causa da vítima.” (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1002876-26.2021.8.11.0087, Relator: SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Data de Julgamento: 14/11/2023, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/11/2023) Nesse contexto, aplicável a teoria do dano moral in re ipsa, pois decorrem dos próprios fatos que deram origem à propositura da ação, sendo desnecessária a prova do efetivo prejuízo (STJ - AgInt no AREsp: 2035509 MS 2021/0399512-6, Relator.: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Publicação: DJ 03/05/2022). Com relação ao quantum indenizatório, lembro que este deve atender ao caráter sancionatório e inibitório, suficiente a desestimular a repetição da conduta lesiva, considerando o grau da ofensa e a condição socioeconômica do ofensor e do ofendido, de forma a não causar o enriquecimento ilícito nem ser irrisório a ponto de tornar a medida inócua. Assim, sopesando os aspectos fáticos e probatórios específicos destes autos, bem como tendo em vista os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, entendo que o valor do dano moral, fixado na origem foi realizado de modo adequado (R$ 7.000,00), adequando-se às circunstâncias do caso concreto e às finalidades compensatória, punitiva e pedagógica da indenização. Não procede, portanto, a alegação de que o valor fixado resultaria em enriquecimento sem causa da autora, tampouco de que seria desproporcional ou irrazoável, considerando os parâmetros jurisprudenciais e as peculiaridades do caso concreto. Ante o exposto, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO a ambos os recursos de apelação mantendo integralmente a sentença recorrida. Em razão do resultado do julgamento, majoro os honorários advocatícios em 5% sobre o valor atualizado da causa, com as ressalvas do art. 98, § 3º, do CPC, na forma do que estabelece o art. 85, § 11, do CPC. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 22/07/2025
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