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Noberta Pereira Da Silva x Banco Bmg S.A.

ID: 299368482

Tribunal: TJMT Órgão: 11ª VARA CÍVEL DE CUIABÁ Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1008971-45.2023.8.11.0041

Data de Disponibilização: 16/06/2025

Polo Ativo:

NOBERTA PEREIRA DA SILVA

Polo Passivo:

BANCO BMG S.A.

Sentença

Advogados:

RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ALEIR CARDOSO DE OLIVEIRA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 11ª Vara Cível Comarca da Capital GABINETE Autos nº 1008971-45.2023.8.11.0041 Vistos, etc. Trata-se de ação de declaração de inexistência de débito c/c repetiçã… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 11ª Vara Cível Comarca da Capital GABINETE Autos nº 1008971-45.2023.8.11.0041 Vistos, etc. Trata-se de ação de declaração de inexistência de débito c/c repetição de indébito e indenização por danos morais ajuizada por Noberta Pereira da Silva em face de Banco BMG S.A., todos devidamente qualificados nos autos, por meio da qual busca a declaração de inexistência de um débito referente a um contrato de cartão de crédito consignado que alega não ter solicitado. Alega que, em março de 2019, contratou um empréstimo consignado com a instituição financeira requerida, no valor de R$ 1.497,00 (mil, quatrocentos e noventa e sete reais), sob o contrato de número 14840197, com descontos mensais em seu benefício previdenciário de número 177.391.490-9. Aduz que, somente em fevereiro de 2023, percebeu um desconto mensal aproximado de R$ 57,33 (cinquenta e sete reais e trinta e três centavos) sob a rubrica "EMPRÉSTIMO SOBRE A RMC" (Reserva de Margem Consignável), o qual vinha ocorrendo desde abril de 2019. Sustenta que jamais contratou ou utilizou qualquer cartão de crédito da parte requerida e que foi induzida a erro, acreditando ter celebrado um empréstimo consignado simples, com parcelas fixas, quando na verdade se tratava de um contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável, cujos encargos são mais onerosos e sem prazo determinado para quitação. Requereu liminarmente a suspensão dos descontos referentes ao contrato nº 14840197 em seu benefício previdenciário, bem como o deferimento do benefício da justiça gratuita e a prioridade na tramitação do feito. No mérito, requereu a declaração de inexistência do débito, a condenação da parte requerida à repetição do indébito em dobro dos valores descontados indevidamente, totalizando R$ 1.605,24 (mil, seiscentos e cinco reais e vinte e quatro centavos), e ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), além da inversão do ônus da prova. Atribuiu à causa o valor de R$ 11.605,24 (onze mil, seiscentos e cinco reais e vinte e quatro centavos). A autora instruiu a inicial com documentos id. 112226720 a id. 112226727. Por meio da decisão de id. 112845527, foram deferidos os benefícios da justiça gratuita, porém indeferida a tutela de urgência e designada audiência de conciliação. A parte requerida manifestou desinteresse na audiência de conciliação, conforme petições de id. 118750413 e id. 119487040. Realizada audiência de conciliação, esta restou infrutífera devido à ausência da parte autora, conforme termo de id. 120291227. A parte requerida, Banco BMG S.A., apresentou contestação no id. 120456589, alegando, em síntese, a regularidade da contratação do cartão de crédito consignado pela parte autora, que aderiu voluntariamente à proposta mediante assinatura de termo de adesão. Aduz que a parte autora teve plena ciência das condições contratuais, incluindo a reserva de margem consignável (RMC) de 5% para o pagamento mínimo da fatura, e que utilizou o limite do cartão por meio de saques, o que comprovaria a validade do negócio jurídico. Sustenta a legalidade dos descontos e a inexistência de ato ilícito, dano moral ou material a ser indenizado, bem como a impossibilidade de conversão do contrato de cartão de crédito em empréstimo consignado. Preliminarmente, arguiu a ausência de regulamentação da Lei do Superendividamento e a inépcia da inicial. No mérito, pugnou pela total improcedência dos pedidos, com a condenação da autora por litigância de má-fé. A parte requerida instruiu a contestação com documentos id. 120456590 a id. 120460005. A parte autora apresentou impugnação à contestação no id. 125663809. Em decisão de id. 139045547, o feito foi saneado, fixando-se como pontos controvertidos “a ilicitude na conduta do requerido, a falha na prestação dos serviços, a legalidade da cobrança, a existência de fraude na contratação, comprovando-se a imprudência, negligencia e imperícia, a existência de dano, a extensão dos danos e o nexo causal.”. A parte autora, no id. 139655512, informou não ter mais provas a produzir e pugnou pelo julgamento antecipado da lide. A parte requerida, no id. 143151170, requereu a expedição de ofício à Caixa Econômica Federal para confirmar o crédito em conta da autora e a produção de prova oral, com o depoimento pessoal da requerente. A decisão de id. 156858311 deferiu o pedido da requerida para expedição de ofício à Caixa Econômica Federal. A resposta da Caixa Econômica Federal, confirmando o crédito de R$ 1.458,70 (mil e quatrocentos e cinquenta e oito reais e setenta centavos) na conta da autora em 15.04.2019, foi juntada nos ids. 182829371 a 182829383. Intimadas sobre o ofício, a parte autora, no id. 183440157, manifestou-se afirmando que o recebimento via TED comprova que sua intenção era contratar um empréstimo convencional. A parte requerida, no id. 190855709, reiterou que o recebimento dos valores evidencia a validade do contrato e a má-fé da autora, pugnando pela improcedência da ação. Vieram os autos conclusos. É o relatório. Fundamento. DECIDO. Trata-se de ação de declaração de inexistência de débito c/c repetição de indébito e indenização por danos morais ajuizada por Noberta Pereira da Silva em face de Banco BMG S.A., todos devidamente qualificados nos autos, por meio da qual a parte autora busca a declaração de inexistência de um débito referente a um contrato de cartão de crédito consignado que alega não ter solicitado. Profiro o julgamento antecipado da lide (artigo 355, I, do Código de Processo Civil), porque a matéria prescinde de outras provas, sendo suficientes para o deslinde da causa as provas documentais contidas nos autos, que permitem a formação do convencimento do juiz, conforme regra do artigo 370, do CPC. Além disso, consoante observado na decisão saneadora de id. 139045547, não há irregularidades ou preliminares a serem analisadas. Passo, então, a decidir a causa. Pois bem. A relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, sendo, portanto, regida pelas normas do Código de Defesa do Consumidor. A requerida se enquadra no conceito de fornecedora ao oferecer serviços a uma coletividade de aposentados e pensionistas mediante contraprestação, e o autor, como destinatário final, é consumidor, ainda que por equiparação (artigos 2º e 3º do CDC). A responsabilidade da fornecedora, nos termos do art. 14 do CDC, é objetiva, prescindindo da demonstração de culpa, bastando a comprovação da conduta, do dano e do nexo de causalidade. Ademais, foi deferida a inversão do ônus da prova id. 112845527, cabendo à requerida demonstrar a legalidade dos descontos. O ponto central da controvérsia é a existência de um vínculo jurídico válido que autorizasse os descontos a título de Reserva de Margem Consignável (RMC) no benefício previdenciário da autora. In casu, a parte requerida sustenta a legitimidade da cobrança, argumentando que a autora não apenas aderiu ao contrato de cartão de crédito consignado, como também se beneficiou do crédito concedido, o qual foi depositado em sua conta bancária por meio de TED no valor de R$ 1.458,70, em 15 de abril de 2019, conforme confirmado pelo ofício da Caixa Econômica Federal (id. 182829383). Contudo, a parte autora alega que a disponibilização do valor via transferência bancária, e não por meio de saque com um cartão físico, reforça sua tese de que acreditava estar contratando um empréstimo consignado convencional, e não um cartão de crédito com RMC. Na espécie, a parte requerida, em sua defesa, alega a regularidade da contratação e junta aos autos o "Termo de Adesão a Produtos e Serviços | Cartão de Crédito Consignado" (id. 228), o qual sustenta ter sido assinado eletronicamente pela autora. A parte autora sustenta que foi induzida a erro, por violação ao dever de informação, acreditando contratar um empréstimo consignado, e não um oneroso e "infinito" contrato de cartão de crédito com Reserva de Margem Consignável. Pois bem. A ausência de clareza nas informações, segundo a autora, viciou sua manifestação de vontade, tornando verossímil a alegação de que não anuiu com a modalidade de cartão de crédito e suas específicas condições. A controvérsia central reside na violação do dever de informação, e, nesse ponto, a requerida não demonstrou de forma inequívoca que a autora, pessoa idosa e hipervulnerável, compreendeu e anuiu com as condições específicas e mais onerosas do cartão de crédito com Reserva de Margem Consignável (RMC), em detrimento de um empréstimo consignado tradicional. Com base nos argumentos apresentados, a controvérsia não reside na existência de uma transação, mas na sua verdadeira natureza e na validade do consentimento da autora. Embora a instituição financeira apresente um termo de adesão eletrônico e o comprovante da transferência de valores, tais documentos, por si sós, não são suficientes para comprovar que a consumidora, cuja real intenção era obter um empréstimo consignado convencional, foi devidamente informada e consentiu de forma inequívoca com a contratação de um produto distinto e mais oneroso: o cartão de crédito com Reserva de Margem Consignável (RMC). A forma como a operação foi conduzida, com a liberação do crédito via TED diretamente na conta da autora, assemelha-se à prática de um empréstimo comum, o que reforça a alegação de que foi induzida a erro. A falha no dever de informação, pilar essencial das relações de consumo, configura um vício de consentimento que macula o negócio jurídico. Nesse contexto, a medida que se revela mais justa e equilibrada não é a simples declaração de inexistência do vínculo, o que ignoraria o valor efetivamente recebido pela autora, mas sim a conversão do negócio para a modalidade que a consumidora genuinamente pretendia contratar. Em respeito ao princípio da conservação dos negócios jurídicos e à boa-fé, a conversão do contrato de cartão de crédito com RMC para um empréstimo consignado simples, com a aplicação das taxas de juros pertinentes a essa modalidade, é a solução que melhor repara a falha na prestação do serviço, adequando a relação contratual à vontade original da parte vulnerável e coibindo a vantagem excessiva obtida pela instituição financeira. Nesse sentido: “DIREITO DO CONSUMIDOR. AGRAVO REGIMENTAL. PRESCRIÇÃO DECENAL. AFASTADA. DECLARATÓRIA. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO COM RESERVA DE MARGEM. VÍCIO DE CONSENTIMENTO CONSTATADO. PRÁTICA ABUSIVA. CONVERSÃO DA MODALIDADE CONTRATUAL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INSS. RESTITUIÇÃO SIMPLES. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Agravo Regimental interposto contra decisão monocrática que deu parcial provimento à apelação da autora, para reconhecer vício de consentimento na contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), convertendo-a em empréstimo consignado convencional, com limitação dos juros remuneratórios à taxa média de mercado, e determinando a restituição simples dos valores pagos indevidamente, além da fixação de sucumbência recíproca. O banco pretende a reforma da decisão, sustentando a regularidade da contratação e a ocorrência de prescrição parcial. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) definir se incide a prescrição trienal, quinquenal ou decenal para a pretensão de revisão contratual com repetição de indébito; (ii) verificar a existência de vício de consentimento na contratação da modalidade de cartão de crédito consignado com reserva de margem; (iii) determinar se é devida a conversão do contrato e a restituição de valores pagos indevidamente na forma simples. III. RAZÕES DE DECIDIR Aplica-se o prazo prescricional decenal previsto no art. 205 do Código Civil às ações fundadas em responsabilidade contratual, contado a partir de cada pagamento, conforme jurisprudência consolidada do STJ (EREsp 1.523.744/RS e EREsp 1.281.594/SP). A contratação mediante cartão de crédito consignado com reserva de margem, sem adequada informação ao consumidor quanto à natureza da operação, seus encargos e forma de amortização, caracteriza vício de consentimento, violando os deveres de transparência e informação previstos no art. 6º, III e IV, do CDC. Restando evidenciado que a autora pretendia contratar empréstimo consignado tradicional, é legítima a conversão do contrato com base no princípio da conservação dos negócios jurídicos (art. 170 do CC). A restituição dos valores pagos a maior deve ocorrer na forma simples, diante da ausência de comprovação de má-fé da instituição financeira, conforme art. 42, parágrafo único, do CDC e precedentes do STJ. A fixação dos juros remuneratórios com base na taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central, visa à restauração do equilíbrio contratual e à prevenção do enriquecimento sem causa. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: Aplica-se o prazo prescricional decenal às ações que discutem responsabilidade contratual e repetição de indébito, contado a partir de cada pagamento. A ausência de informação clara e adequada sobre a natureza do contrato de cartão de crédito consignado com RMC configura vício de consentimento. É legítima a conversão da contratação em empréstimo consignado convencional, aplicando-se a taxa média de juros de mercado. A restituição dos valores pagos indevidamente deve ocorrer na forma simples, salvo prova de má-fé do fornecedor. Dispositivos relevantes citados: CC, arts. 205 e 170; CDC, arts. 6º, III e IV, 42, parágrafo único, e 51, §1º; CPC, arts. 1.021, §4º, e 98, §3º. Jurisprudência relevante citada: STJ, EREsp 1.523.744/RS, rel. Min. Og Fernandes, Corte Especial, j. 20.02.2019; STJ, EREsp 1.281.594/SP, rel. p/ acórdão Min. Felix Fischer, Corte Especial, j. 15.05.2019; STJ, AgInt no REsp 2.094.937/MT, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. 26.02.2024; STJ, AgInt no AREsp 2.405.232/SC, rel. Min. Humberto Martins, 3ª Turma, j. 11.12.2023; TJMT, Ap. Cív. 1034561-92.2021.8.11.0041, rel. Des. Dirceu dos Santos, j. 08.05.2024. (TJMT RAC nº 1007729-05.2022.8.11.0003, 4ª Câm. Dir. Priv., Rel. Desa. Serly Marcondes Alves, j. 10.06.2025 – negritei). Dessa forma, os descontos realizados no benefício previdenciário do autor são ilegítimos e configuram falha na prestação do serviço. Cumpre ressaltar que a responsabilidade da requerida é objetiva, conforme disposição do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, não podendo o autor ser responsabilizado e amargar as consequências da sua desídia. Até porque, sendo a sua atividade de risco, deve ser prudente quando do aperfeiçoamento do negócio jurídico. O Código Civil, em seu artigo 186 dispõe que aquele que causa dano a outrem, seja por ação ou omissão, comete ato ilícito, in verbis: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Em complemento, o artigo 927, do Código Civil prevê a obrigação de reparar civilmente os danos causados, em especial quando a atividade do causador importar em risco para os direitos do outro, como é o presente caso. “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” Avançando na elucidação da celeuma, sendo constatada a cobrança indevida na conta do autor, por certo que o mesmo faz jus a repetição do indébito, contudo, na forma simples e não em dobro como pretendido, após a devida apuração, em sede de liquidação de sentença, do que foi efetivamente descontado de forma errônea. A propósito: “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. AUSÊNCIA. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. TR. PREVISÃO CONTRATUAL. INCIDÊNCIA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DOBRO. IMPOSSIBILIDADE. [...] 3. A jurisprudência iterativa da Terceira e Quarta Turma orienta-se no sentido de admitir, em tese, a repetição do indébito, ficando relegado às instâncias ordinárias o cálculo do montante, a ser apurado, se houver, mas sempre na forma simples. Precedentes. 4. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.” (STJ, REsp n. 401.589/RJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 04.10.2004 – negritei) “Direito civil. Agravo no agravo de instrumento. Repetição do indébito. Forma simples. - O entendimento dominante neste STJ é no sentido de admitir a repetição do indébito na forma simples, e não em dobro, salvo prova da má-fé. Negado provimento ao agravo.” (STJ, AgRg no AG n. 570.214/MG, Rela. Min. Nancy Andrighi, j. 28.06.2004 – negritei). Quanto ao dano moral, a falha na prestação dos serviços pela instituição financeira é evidente. A requerida, diante da vulnerabilidade da autora, uma pessoa idosa, induziu a contratação de um produto financeiro complexo e oneroso (cartão de crédito com Reserva de Margem Consignável - RMC) quando a intenção clara da consumidora era obter um empréstimo consignado convencional. Essa conduta, que viola o dever de informação, configura vício de consentimento e gera o dever de indenizar. Embora a autora tenha recebido o valor do crédito em sua conta, o ponto central da controvérsia é a abusividade do contrato ao qual esse valor foi atrelado. Os descontos mensais em seu benefício previdenciário foram direcionados quase que integralmente para o pagamento de juros e encargos, sem amortizar o saldo principal, transformando uma operação de crédito em uma dívida praticamente perpétua, situação que não teria ocorrido em um empréstimo consignado simples. Dessa forma, a medida mais justa para retornar as partes ao estado em que deveriam estar (status quo ante) não é simplesmente cancelar o débito, mas adequar o negócio jurídico à vontade original da consumidora. Isso se alcança com a conversão da modalidade de cartão de crédito para empréstimo consignado, recalculando-se toda a dívida com base nas taxas de juros apropriadas para essa modalidade e determinando a restituição, em forma simples de todos os valores pagos indevidamente ou em excesso. Ademais, se a requerida não se desincumbiu do ônus de provar a regularidade do serviço contratado, deve responder pelo dano experimentado pela consumidora, tendo este direito à sua reparação integral, segundo a norma do art. 6º, VI, do CDC. Por conseguinte, se retirarmos a conduta imputada como causadora do dano, certo que este desapareceria, ensejando concluir pela existência do elo entre a conduta da requerida e o dano sofrido pelo autor. Neste diapasão, o dever de indenizar independe da existência de culpa, bastando à configuração do nexo causal e do resultado danoso já configurado. Outro não é o entendimento do e. TJMT ao julgar questão semelhante: “DIREITO DO CONSUMIDOR E CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO NÃO CONTRATADO. REVELIA. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. CONVERSÃO DO CONTRATO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta por instituição financeira contra sentença que reconheceu a inexistência de contratação válida de cartão de crédito consignado, converteu o negócio jurídico em empréstimo pessoal, condenou à restituição em dobro dos valores descontados indevidamente e fixou indenização por danos morais em R$ 8.000,00, diante da revelia da parte ré. II. Questão em discussão 2. Há três questões em discussão: (i) saber se a revelia justifica a procedência integral dos pedidos iniciais; (ii) saber se é legítima a conversão do contrato de cartão de crédito para a modalidade de empréstimo consignado; (iii) saber se é cabível a condenação à restituição em dobro e à indenização por dano moral. III. Razões de decidir 3. A revelia gera presunção relativa de veracidade dos fatos alegados na petição inicial (art. 344 do CPC), não afastada no caso concreto por ausência de prova em sentido contrário pela instituição financeira. 4. Inexistindo comprovação de contratação válida e consciente, inclusive quanto ao desbloqueio e uso do cartão, restou caracterizado vício de consentimento, autorizando a conversão do negócio jurídico para empréstimo consignado, conforme previsto no art. 170 do CC. 5. Os descontos realizados sobre benefício previdenciário, sem base contratual válida, configuram falha na prestação de serviço, gerando responsabilidade objetiva nos termos do art. 14 do CDC. 6. A restituição em dobro é devida por se tratar de cobrança indevida posterior a 30/03/2021, bastando a violação à boa-fé objetiva para sua incidência (STJ, EREsp 1413542/RS, Tema 929). 7. A condenação por dano moral é cabível diante da insegurança financeira gerada pelo desconto indevido, que transcende o mero aborrecimento, afetando a dignidade do consumidor hipervulnerável. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso desprovido. Tese de julgamento: "1. A ausência de comprovação da contratação de cartão de crédito consignado autoriza a conversão do negócio jurídico para a modalidade de empréstimo consignado com base na expectativa legítima do consumidor. 2. É devida a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente após 30/03/2021, desde que configurada conduta contrária à boa-fé objetiva, independentemente de má-fé. 3. A cobrança indevida em benefício previdenciário autoriza indenização por dano moral quando ultrapassa o mero dissabor e compromete a estabilidade financeira do consumidor." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 5º, X; CC, arts. 170, 421, 884; CPC, arts. 344, 373, II, 396; CDC, arts. 6º, III e VIII, 14, 39, V, 42, p.u., 46. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula nº 297; STJ, EREsp 1413542/RS, Corte Especial, j. 21.10.2020; TJMT, ApCiv nº 1003247-19.2023.8.11.0087, j. 17.10.2023. (RAC nº 1036250-69.2024.8.11.0041, 5ª Câm. Dir. Priv., Rel. Des. Luiz Octavio Oliveira Saboia Ribeiro, j. em 08.06.2025 – negritei). Nessa trilha, frente às provas carreadas aos autos, não resta dúvida quanto à ocorrência dos fatos relatados na peça exordial, sendo imperiosa a condenação da requerida pelo dano extrapatrimonial. Destarte, na espécie, não se faz necessário qualquer outra prova para demonstrar o dano sofrido, uma vez que, reafirmo, os fatos apresentados são mais do que suficientes para demonstrar o dano causado ao autor, pois, foi verificado o vício de consentimento na contratação do serviço e, via de consequência dos descontos efetuados em seu benefício do INSS. Assim sendo, no que se refere ao quantum a ser fixado, é de se ressaltar que não existe uma tabela precisa onde há valores pré-fixados para cada tipo de dano moral, mormente pelo fato de este ser imensurável. Nesta ótica, o princípio do livre convencimento confere ao magistrado a prudente prerrogativa de arbitrar o valor que entender justo, sempre de acordo com as peculiaridades do caso concreto, fazendo uma correspondência entre a ofensa e o valor da condenação, observando os princípios que norteiam o dano moral tais como: a posição social do ofendido, a capacidade econômica do causador e a extensão da dor sofrida, sob pena de propiciar o locupletamento ilícito a vítima, ao mesmo tempo o valor deve ser significativo para que não passe despercebido coibindo a conduta negligente do agente. Não é demais ressaltar que o valor indenizatório devido no dano moral tem dupla função: compensatória em relação ao dano sofrido e penalizadora pela conduta negligente do agente causador. Logo, considerando o grau de responsabilidade da requerida frente ao dano causado e o abalo moral sofrido pela autora, esta deve ser condenada ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de dano moral, valor esse que cumprirá a finalidade de inibir a demandada na repetição da falha, considerando-se a sua capacidade econômica, bem como a imediata reparação do erro. Deixo de enfrentar os demais argumentos deduzidos no processo, porque desnecessários para diminuir a autoridade desta sentença, conforme art. 489, § 1º, IV do CPC, agindo, este Juízo, em obediência também ao comando Constitucional do art. 5º, LXXVIII. Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial por Noberta Pereira da Silva em face do Banco BMG S.A., e, por conseguinte, resolvo o mérito da causa, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para: a) Declarar a nulidade parcial do Contrato nº 14840197, referente ao "Cartão de Crédito Consignado com Reserva de Margem Consignável (RMC)", em razão do vício de consentimento decorrente da falha no dever de informação, e, com base no princípio da conservação dos negócios jurídicos (art. 170 do Código Civil), converter a referida operação em um contrato de empréstimo consignado simples; b) Determinar o recálculo da dívida, utilizando como principal o valor efetivamente creditado à autora em 15/04/2019, qual seja, R$ 1.458,70 (mil, quatrocentos e cinquenta e oito reais e setenta centavos). Sobre este valor, deverão incidir juros remuneratórios correspondentes à taxa média de mercado para as operações de crédito pessoal consignado para beneficiários do INSS, na data da contratação (março/abril de 2019), a ser apurada em sede de liquidação de sentença. Do montante devido, deverão ser amortizadas todas as parcelas já descontadas do benefício previdenciário da autora; c) Condenar a requerida ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescido de juros e correção monetária pela Taxa Selic até a vigência da Lei n. 14.905/2024, quando então será aplicado o IPCA para correção e Selic para juros, abatido desta o valor do IPCA, ambos a partir da citação e do arbitramento, respectivamente; d) Condenar o Banco BMG S.A. a restituir, na forma simples, os valores pagos a maior pela autora, a serem apurados em liquidação de sentença, acrescido de juros e correção monetária pela Taxa Selic até a vigência da Lei n. 14.905/2024, quando então será aplicado o IPCA para correção e Selic para juros, abatido desta o valor do IPCA, ambos a partir da citação e do desembolso, respectivamente. e) Condenar a requerida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios de sucumbência, que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor total da condenação, nos termos do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil. Transitado em julgado, remetam-se os autos imediatamente ao arquivo, mediante as anotações necessárias. P. I. C. Olinda de Quadros Altomare Juíza de Direito

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