Processo nº 1006070-82.2024.8.11.0037
ID: 306711761
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1006070-82.2024.8.11.0037
Data de Disponibilização:
25/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1006070-82.2024.8.11.0037 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Direito de Imagem, Empréstimo consignado] Relato…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1006070-82.2024.8.11.0037 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Direito de Imagem, Empréstimo consignado] Relator: Des(a). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Turma Julgadora: [DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [JACO PEDRO SCHEUER - CPF: 681.843.449-53 (APELADO), MARCIO ADRIANO PARIZOTTO - CPF: 716.037.949-72 (ADVOGADO), BANCO PAN S.A. - CNPJ: 59.285.411/0001-13 (APELANTE), RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA - CPF: 444.850.181-72 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). COMPROVAÇÃO DA CONTRATAÇÃO E DA UTILIZAÇÃO DO PRODUTO FINANCEIRO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. RECONHECIMENTO DA REGULARIDADE DO CONTRATO. AFASTAMENTO DO DANO MORAL. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação cível interposta por instituição financeira contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em ação declaratória de nulidade de contrato cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais, reconhecendo vício de consentimento na contratação de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC). II. Questão em discussão 2. 2. A questão em discussão consiste em verificar: (i) se houve contratação regular do cartão de crédito consignado com margem para saque, com a devida ciência do consumidor; (ii) se a utilização do produto descaracteriza eventual vício de consentimento; e (iii) se são devidos os pleitos de repetição de valores descontados e indenização por danos morais. III. Razões de decidir 3. A existência de obrigação de trato sucessivo afasta as alegações de prescrição e decadência, uma vez que os descontos perduraram até momento próximo à propositura da ação. 4. Restou comprovada, por documentação idônea, a efetiva utilização do cartão de crédito consignado pelo consumidor, mediante saques e compras, descaracterizando o alegado desconhecimento da contratação. 5. A utilização reiterada do produto configura inequívoca ciência das condições contratuais pactuadas, afastando a tese de vício de consentimento e evidenciando a regularidade da contratação. 6. Inexistindo ato ilícito, falha na prestação do serviço ou constrangimento indevido, não se caracteriza situação geradora de dano moral. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso de apelação provido. Sentença reformada para julgar improcedentes os pedidos da inicial. Tese de julgamento: “1. A contratação de cartão de crédito consignado, quando acompanhada de efetiva utilização pelo consumidor, afasta a presunção de vício de consentimento. 2. A inexistência de ato ilícito ou falha na prestação do serviço exclui o dever de indenizar por dano moral.” Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 6º, VIII, e 42, p.u.; CPC, art. 373, II. Jurisprudência relevante citada STJ, AgInt no AREsp 1658793/MS, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, j. 25.05.2020; TJMT, ApCiv 1061678-92.2018.8.11.0041, 4ª Câm. Dir. Privado, j. 17.06.2020. R E L A T Ó R I O EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Cuida-se de Apelação Cível apresentado por BANCO PAN S.A. contra JACO PEDRO SCHEUER, com o objetivo de reformar a sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Primavera do Leste, no bojo da Ação Declaratória de Nulidade de Contrato, com pedido subsidiário de modificação contratual, cumulado com repetição de indébito e indenização por danos morais, sob o n. 1006070-82.2024.8.11.0037, que tramitou perante a 2ª Vara Especializada em Direito que julgou parcialmente procedentes os pedidos autorais formulados na inicial. O apelante, beneficiário do INSS, alegou jamais ter contratado de forma consciente e regular cartão de crédito consignado com margem para saque, sendo surpreendido com descontos mensais em seu benefício previdenciário, os quais se referiam, segundo restou apurado, à amortização mínima da fatura de cartão de crédito, instrumento este que ele afirma não ter solicitado, tampouco utilizado. A sentença reconheceu a existência de vício de consentimento na contratação, destacando que não houve prova efetiva por parte da instituição financeira quanto à regularidade da contratação do cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC), bem como da ciência do consumidor acerca da modalidade contratada. Com base nesse entendimento, julgou parcialmente procedente o pedido inicial para declarar a nulidade do contrato firmado entre as partes, determinando a conversão dos valores descontados em contrato de empréstimo consignado tradicional, com a restituição simples das quantias descontadas indevidamente, acrescidas de correção monetária desde cada desconto e juros moratórios desde a citação. Além disso, condenou o réu ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de indenização por danos morais. Irresignado, o BANCO PAN S.A. interpôs apelação, sustentando, em síntese, a regularidade da contratação, alegando que houve consentimento válido e inequívoco do autor, sendo o contrato celebrado de forma legítima, mediante adesão expressa. Afirma que o saque da reserva de margem representa efetivo uso do cartão e demonstra a ciência do contratante acerca do produto. Requereu a reforma total da sentença, com a improcedência dos pedidos formulados na inicial, afastando-se a nulidade do contrato, a repetição dos valores e, especialmente, a indenização por danos morais, sob o argumento de que não há nos autos qualquer elemento que configure abalo anímico passível de reparação. Em contrarrazões (Id. 289598396), o recorrido JACO PEDRO SCHEUER pugnou pela manutenção integral da sentença, defendendo que restou devidamente comprovado o vício de consentimento, bem como a abusividade da conduta da instituição financeira, ao impor modalidade contratual desfavorável ao consumidor, sem informação adequada ou autorização expressa. Reforçou os fundamentos acolhidos na sentença quanto à inexistência de demonstração da contratação válida do cartão de crédito consignado e a ausência de entrega do cartão físico, reiterando que jamais foi informado de que o contrato possuía natureza rotativa. No mais, postulou, subsidiariamente, o aumento do valor arbitrado a título de danos morais, considerando o caráter pedagógico da medida e a reiteração dessa prática no âmbito do sistema financeiro. É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. DES. LUIZ OCTÁVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO Egrégia Câmara: Conforme já mencionado, cuida-se de Apelação Cível apresentado por BANCO PAN S.A. contra JACO PEDRO SCHEUER, com o objetivo de reformar a sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Primavera do Leste, no bojo da Ação Declaratória de Nulidade de Contrato, com pedido subsidiário de modificação contratual, cumulado com repetição de indébito e indenização por danos morais, sob o n. 1006070-82.2024.8.11.0037, que tramitou perante a 2ª Vara Especializada em Direito que julgou parcialmente procedentes os pedidos autorais formulados na inicial. Presentes os demais pressupostos de admissibilidade recursal, tanto os intrínsecos (cabimento, legitimidade, interesse recursal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer) quanto os extrínsecos (tempestividade, preparo e regularidade formal), conheço do recurso. A controvérsia cinge-se à validade de contrato de cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC), tendo o autor alegado desconhecimento da contratação e ausência de utilização do produto. A sentença reconheceu vício de consentimento, declarou a nulidade contratual, determinou a conversão em empréstimo consignado tradicional com restituição simples dos valores descontados e condenou o réu ao pagamento de R$ 5.000,00 a título de danos morais. O apelante sustenta a regularidade da contratação e a existência de consentimento válido, alegando que o saque da reserva de margem demonstra efetivo uso do cartão e ciência do contratante acerca do produto contratado. Requer a reforma integral da sentença. O apelado, em contrarrazões, pugna pela manutenção da sentença, defendendo a comprovação do vício de consentimento e a abusividade da conduta da instituição financeira. De início, ressalta-se que a controvérsia se submete às normas do Código de Defesa do Consumidor de acordo com a Súmula 297 do STJ, bem como a inversão do ônus da prova, com fundamento no art. 6º, VIII, do mesmo diploma legal. · PRELIMINARES – DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA Inicialmente, cabe a análise das preliminares suscitadas pela parte apelante. O apelante sustenta a ocorrência simultânea de dois fenômenos extintivos de direitos: (i) a decadência do direito de pleitear a anulação do negócio jurídico, com fundamento no art. 178, II, do Código Civil, ao argumento de que o prazo quadrienal para arguição de vício de consentimento findou-se em 2020, considerando que o contrato de cartão de crédito consignado foi celebrado em 2016; e (ii) a prescrição quinquenal prevista no art. 27, do CDC, aduzindo que, por tratar-se de cobranças indevidas de valores referentes a serviços não contratados, o prazo prescricional de cinco anos iniciou-se com o primeiro desconto, em 2016. A análise aprofundada de ambos os institutos revela que as prejudiciais não merecem acolhimento. Primeiramente, quanto à natureza jurídica da relação obrigacional em exame, resta inequívoco tratar-se de obrigação de trato sucessivo, caracterizada pelos descontos mensais continuados na remuneração da autora, que se renovam periodicamente. Tal classificação implica consequências jurídicas determinantes para o deslinde da controvérsia quanto aos prazos extintivos, uma vez que a contagem dos prazos decadencial e prescricional tem início a partir do último pagamento. No caso sub examine, extrai-se da documentação carreada aos autos que os descontos na conta da autora, relativos ao questionado cartão de crédito consignado, perduraram até data próxima ao ajuizamento da demanda, evidenciando a contemporaneidade da pretensão deduzida em juízo, principalmente em razão do termo inicial do prazo prescricional ser o vencimento da última parcela. Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial, in verbis: "AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA CONHECER DO AGRAVO E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. (...) 3. O termo inicial do prazo prescricional da pretensão de repetição do indébito relativo a desconto de benefício previdenciário é a data do último desconto indevido. Precedentes. (...)" (STJ, AgInt no AREsp 1658793/MS, 4ª Turma, Rel. Min. Raul Araújo, j. 25.05.2020 – grifo nosso). O eg. TJMT já assentou: "AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C NULIDADE CONTRATUAL E RESTITUIÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) - PRESCRIÇÃO AFASTADA - ONEROSIDADE EXCESSIVA - JUROS REMUNERATÓRIOS - TAXA MÉDIA DE MERCADO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. O objeto da lide se refere a contrato de cartão de crédito consignado, cuja obrigação é de trato sucessivo, em que o termo inicial do prazo prescricional é o vencimento da última parcela. (...) (TJMT, 1028705-16.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 10/07/2024, Publicado no DJE 14/07/2024 – dgrifo nosso). Quanto à preliminar de decadência, de igual modo, o referido entendimento se aplica. Nesse sentido: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE ABUSIVIDADE CONTRATUAL COM PEDIDO DE CONVERSÃO DO CONTRATO C/C TUTELA DE URGÊNCIA PROVISÓRIA – RELAÇÃO DE CONSUMO – SÚMULA 297 DO STJ. – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA – DECADÊNCIA – INOCORRÊNCIA. – OFENSA À DIALETICIDADE – REJEITADA – CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO – DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO VALOR MÍNIMO DA FATURA - ABUSIVIDADE - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ENVIO, RECEBIMENTO OU UTILIZAÇÃO DO CARTÃO - DEVER DE INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR NÃO RESPEITADO - INDUÇÃO A ERRO NA CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – ART. 14 DO CDC. – DEVOLUÇÃO NA FORMA SIMPLES. – ART. 42, § ÚNICO, DO CDC. – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) 2. Não configurada a decadência, porquanto o caso é de obrigação de trato sucessivo, já que há renovação automática do pacto ao longo do tempo, por meio dos descontos realizados mensalmente. (...) (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10026388520238110006, Relator: SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Data de Julgamento: 25/06/2024, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/06/2024 – grifo nosso). Desta forma, não há que se falar em decadência ou prescrição, ainda que parcial, pois as prestações continuaram a ser debitadas diretamente da conta da apelada. Diante disso, REJEITO as prejudiciais de prescrição e decadência · MÉRITO A controvérsia central reside na verificação da regularidade da contratação do cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável, instrumento financeiro que permite ao titular a utilização de crédito rotativo mediante desconto direto em folha de pagamento ou benefício previdenciário. Conforme se extrai dos autos, o autor alega jamais ter contratado conscientemente o referido produto, afirmando desconhecimento quanto à modalidade contratual e ausência de utilização do cartão. A sentença acolheu parcialmente essa tese, fundamentando-se na ausência de prova quanto à regularidade da contratação e à ciência do consumidor acerca da modalidade contratada. Contudo, a análise pormenorizada dos elementos probatórios constantes dos autos revela aspectos que merecem reavaliação. A instituição financeira apelante apresentou documentação demonstrando que houve efetiva utilização do cartão de crédito através de saques da reserva de margem consignável, circunstância que assume relevância fundamental para a solução da controvérsia. As faturas juntadas aos autos no Id. 289598364 a Id. 289598374, comprovam a efetiva utilização do cartão de crédito pelo autor para compras em estabelecimentos comerciais, ao longo dos anos, conforme quadro comparativo abaixo onde e possível visualizar a evolução do uso do cartão, de forma exemplificativa: Verifica-se que nas faturas abaixo, de forma ilustrativa, apontam as compras efetuadas no cartão de crédito, apesar de sua alegação de desconhecimento da contratação da operação. Veja-se: Os elementos constantes dos autos evidenciam que houve efetiva movimentação financeira através do cartão de crédito consignado, consubstanciada em saques da reserva de margem consignável. Tal circunstância constitui indício robusto de que o contratante possuía conhecimento acerca da existência do produto financeiro e de suas características essenciais. A utilização do cartão de crédito para realização de saques e compras revela comportamento incompatível com o alegado desconhecimento total da contratação. Com base nas provas descritas nos autos, verifica-se que o autor teve acesso aos recursos disponibilizados pelo produto financeiro, utilizando-se efetivamente do crédito posto à sua disposição. Dessa forma, em observância ao ônus probatório previsto no art. 373, II, do CPC, a instituição financeira demonstrou que o consumidor tinha ciência de que estava contratando cartão de crédito com desconto em folha de pagamento, fato comprovado pelas diversas transações realizadas. Assim, inexiste indício de que o apelante tenha sido induzido a erro ao firmar o contrato de cartão de crédito consignado, tampouco se vislumbra falha no dever de informação por parte da instituição financeira. Impõe-se, portanto, o reconhecimento da regularidade da contratação, o que inviabiliza a conversão do contrato em empréstimo consignado comum. Restou demonstrado que o consumidor tinha ciência de que se tratava de contratação de cartão de crédito, com pagamento do valor mínimo da fatura por meio de consignação em folha de pagamento, justificando-se, assim, a continuidade dos descontos. Ressalte-se que não há nos autos prova de que o apelado tenha efetuado o pagamento integral de cada fatura, de modo que, conforme previsto contratualmente, o desconto mínimo foi mantido, postergando-se, assim, o prazo final para a quitação integral da dívida. Vale ressaltar que a jurisprudência deste Tribunal de Justiça tem se firmado no sentido de reconhecer a validade da contratação de cartão de crédito consignado quando comprovada por meio idôneo, como no presente caso, conforme se verifica em recentes julgados: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E NULIDADE CONTRATUAL C/C DEVOLUÇÃO EM DOBRO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) – REGULARIDADE CONTRATUAL DEMONSTRADA – CIÊNCIA E CONSENTIMENTO DO CONSUMIDOR COMPROVADOS –UTILIZAÇÃO DO CARTÃO PARA SAQUES E COMPRAS– INEXISTÊNCIA DE ILICITUDE E DE DANO MORAL – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. (...) A utilização do cartão pelo consumidor afasta a presunção de erro ou dolo na contratação, sendo descabida a alegação de indução em erro. Não se configura dano moral quando ausente ato ilícito ou falha na prestação do serviço bancário. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: “A contratação de cartão de crédito consignado, quando realizada de forma regular e com utilização efetiva pelo consumidor, não configura vício contratual ou dano moral.” Dispositivo relevante citado: Código de Defesa do Consumidor, art. 42, parágrafo único. Jurisprudência relevante citada: TJMT, Apelação n. 1061678-92.2018.8.11.0041, Quarta Câmara de Direito Privado, j. 17/06/2020; TJ-SC, APL: 50035883520218240038, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 26/08/2021; STJ, AgInt no AREsp 1980044/SP, 4ª Turma, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, j. 14/12/2021. (N.U 1020661-08.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 18/03/2025, Publicado no DJE 24/03/2025 – grifo nosso) RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR E BANCÁRIO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE CONTRATAÇÃO. COMPROVAÇÃO DA ADESÃO E UTILIZAÇÃO DO CARTÃO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. TAXA DE JUROS COMPATÍVEL COM A MÉDIA DE MERCADO. INEXISTÊNCIA DE DANOS MORAIS. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Apelação Cível interposta contra sentença que julgou improcedente ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c revisional de contrato, repetição de indébito e danos morais. O autor alegou que contratou um empréstimo consignado, mas a instituição financeira teria, unilateralmente, alterado a modalidade para cartão de crédito consignado, resultando em descontos mensais que mantinham a dívida em caráter supostamente perpétuo. Requereu a conversão do contrato para empréstimo consignado, a restituição em dobro dos valores pagos, indenização por danos morais e a inversão do ônus da prova. II. Questão em discussão Há três questões em discussão: (i) definir se houve vício de consentimento na contratação do cartão de crédito consignado; (ii) estabelecer se há abusividade na taxa de juros praticada; e (iii) determinar se é cabível indenização por danos morais e a repetição do indébito. III. Razões de decidir 1. O apelante firmou contrato de adesão ao cartão de crédito consignado, tendo autorizado expressamente os descontos em folha e realizado saques e compras ao longo dos anos, afastando a tese de desconhecimento ou erro na contratação. 2. A alegação de vício de consentimento não se sustenta, pois o apelante teve ciência inequívoca das condições do contrato e usufruiu dos serviços, configurando a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium). Tese de julgamento: 1. A adesão e a efetiva utilização do cartão de crédito consignado pelo consumidor afastam a alegação de vício de consentimento. 2. A cobrança de juros dentro da média de mercado para a modalidade contratada não caracteriza abusividade. 3. A mera discordância do consumidor com os termos do contrato firmado, após usufruir dos serviços, não gera direito à repetição do indébito ou indenização por danos morais. Dispositivos relevantes citados: Código de Defesa do Consumidor, arts. 6º, VIII, e 42, parágrafo único; Código Civil, art. 205; Código de Processo Civil, arts. 85, §11º, e 98, §3º. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp nº 95.539/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, j. 14.10.1996; TJDF, Acórdão 1385848, 07006145720218070001, Rel. Des. Diaulas Costa Ribeiro, 8ª Turma Cível, j. 11.11.2021; TJMT, RAC nº 1036956-96.2017.8.11.0041, Rel. Des. José Zuquim Nogueira, 3ª Câmara de Direito Privado, j. 04.12.2019. (N.U 1001077-39.2024.8.11.0055, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCOS REGENOLD FERNANDES, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 25/03/2025, Publicado no DJE 30/03/2025 – grifo nosso) DIREITO DO CONSUMIDOR E CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). COMPROVAÇÃO DA CONTRATAÇÃO E UTILIZAÇÃO DO CARTÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (...) III. RAZÕES DE DECIDIR O contrato foi regularmente firmado, com termo de adesão identificando a natureza da contratação, e com posterior utilização do cartão por parte do consumidor, afastando vício de consentimento. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor, conforme Súmula 297/STJ. Ausência de demonstração de falha no dever de informação ou de abusividade contratual. Descontos mensais autorizados e referentes a valores efetivamente disponibilizados ao autor. Exercício regular de direito pela instituição financeira. IV. DISPOSITIVO E TESE (...) Tese de julgamento: “1. A contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável, acompanhada de utilização pelo consumidor, afasta a alegação de vício de consentimento. 2. Não há direito à restituição de valores descontados regularmente nos termos contratados, quando comprovada a validade e a execução da avença.” (TJMT, 1001161-37.2022.8.11.0014, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 02/04/2025, Publicado no DJE 05/04/2025 – grifo nosso) “DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. LEGALIDADE DA CONTRATAÇÃO. SENTENÇA IMPROCEDENTE. RECURSO DESPROVIDO. (...) III. Razões de decidir 3. A documentação acostada aos autos comprova a regularidade da contratação, evidenciando a assinatura da contratante no termo de adesão ao regulamento para utilização do cartão consignado, a solicitação de saque e a efetiva disponibilização do crédito em conta bancária. Ausência de vícios de consentimento que justifiquem a anulação do contrato. Precedentes desta Câmara reconhecem a validade da modalidade de crédito com RMC quando demonstrada a ciência do consumidor sobre as condições pactuadas. IV. Dispositivo e tese (...) Tese de julgamento: “Ausentes elementos capazes de ensejar a nulidade contratual há que ser mantida a r. sentença que julgou improcedente os pedidos ante a constatação da legalidade do contrato”. (...)” (TJMT, 1016938-78.2022.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARIA HELENA GARGAGLIONE POVOAS, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 02/04/2025, Publicado no DJE 08/04/2025 – grifo nosso). Contudo, poder-se-ia arguir que a mera utilização não afasta, per se, vício originário na formação contratual, especialmente quando configurada indução em erro quanto à natureza do produto financeiro contratado. Contudo, a evidência da utilização do cartão indica a necessidade de superação do vício inicial de consentimento invocado na inicial, pois evidencia comportamento contraditório (venire contra factum proprium). Diante disso, restando comprovado que a parte apelante contratou o serviço de cartão de crédito e dele usufruiu, não há que se falar em nulidade ou conversão da operação. Conclui-se, ainda, que a caracterização dos danos morais pressupõe a demonstração de abalo psíquico, constrangimento ou lesão à dignidade da pessoa humana. No caso em apreço, considerando-se que houve efetiva utilização do produto financeiro pelo autor, não se verifica a presença dos elementos configuradores do dano moral indenizável. A simples contratação de produto financeiro, quando acompanhada de sua regular utilização, não configura conduta abusiva ou ilícita por parte da instituição financeira, afastando-se, consequentemente, o dever de indenizar. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO da apelação para reformar integralmente a sentença recorrida, julgando IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial. Consequentemente, declaro válido e eficaz o contrato de cartão de crédito consignado celebrado entre as partes, mantendo-se os descontos realizados no benefício previdenciário do autor, vez que decorrentes de contratação regular e utilização efetiva do produto financeiro. Em razão do resultado do julgamento, inverto a condenação dos honorários advocatícios em benefício do recorrente e majoro de 10% para 15% sobre o valor atualizado da causa, ressalvada a suspensão da exigibilidade, conforme art. 98, § 3º, do mesmo diploma legal. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 17/06/2025
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