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Processo nº 1002423-60.2021.8.11.0045

ID: 299848545

Tribunal: TJMT Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1002423-60.2021.8.11.0045

Data de Disponibilização: 16/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

FRANCISCA DAS CHAGAS MELO SOUSA

Acórdão

Advogados:

HEMELLY BURATTO

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

CARLOS EDUARDO BELLOTTI DE REZENDE

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1002423-60.2021.8.11.0045 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Rescisão do contrato e devolução do dinheiro, … ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1002423-60.2021.8.11.0045 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Rescisão do contrato e devolução do dinheiro, Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material] Relator: Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Turma Julgadora: [DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). DIRCEU DOS SANTOS] Parte(s): [FRANCISCA DAS CHAGAS MELO SOUSA - CPF: 602.403.683-39 (APELADO), HEMELLY BURATTO - CPF: 989.556.081-87 (ADVOGADO), CARLOS EDUARDO BELLOTTI DE REZENDE - CPF: 271.555.918-66 (ADVOGADO), LUIZA LAUTERT SERRA - CPF: 059.410.431-98 (ADVOGADO), RESERVA ADMINISTRADORA DE CONSORCIO LTDA - EPP - CNPJ: 28.904.092/0001-53 (APELANTE), DANIELLY LUCAS TAUGINO - CPF: 024.786.551-60 (ADVOGADO), ACG REPRESENTAÇÕES (APELANTE), AGDA COSTA GOMES - CPF: 048.010.501-40 (APELANTE), AGDA COSTA GOMES - CNPJ: 29.264.147/0001-70 (APELANTE), AGDA COSTA GOMES - CNPJ: 29.264.147/0001-70 (TERCEIRO INTERESSADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES E DANO MORAL. PROMESSA DE CONTEMPLAÇÃO IMEDIATA EM CONTRATO DE CONSÓRCIO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Apelação cível interposta contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, reconhecendo a existência de vício de consentimento, declarando a rescisão do contrato e condenando a ré à restituição integral das quantias pagas e indenização por dano moral. II. Questão em discussão Questões em discussão: (i) saber se a promessa de contemplação imediata caracteriza vício de consentimento a ensejar a rescisão contratual com restituição integral dos valores pagos; e (ii) saber se houve violação de direitos da personalidade que justifique a condenação por dano moral. III. Razões de decidir As mensagens trocadas entre autora e representante da ré evidenciam promessa de contemplação imediata, incompatível com a sistemática legal do consórcio (Lei nº 11.795/2008), demonstrando falha no dever de informação e induzimento em erro. O dano moral restou configurado pela frustração legítima do direito à informação e pela expectativa frustrada de obtenção da casa própria, ultrapassando o mero aborrecimento cotidiano. O valor arbitrado na sentença (R$ 7.000,00) observa os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, considerando a vulnerabilidade da consumidora e a conduta das rés. IV. Dispositivo e tese Recurso desprovido. Tese de julgamento: “1. A promessa de contemplação imediata, feita por representante da administradora de consórcio, sem respaldo contratual, caracteriza vício de consentimento e enseja a rescisão contratual com restituição integral dos valores pagos. 2. A falsa expectativa de contemplação imediata e a frustração da aquisição da casa própria configuram dano moral.” Dispositivos relevantes citados: CC, art. 112; CDC, arts. 6º, III, 14, 30, 34 e 39, IV; Lei nº 11.795/2008, arts. 22 e 30; CPC, art. 85, §§ 2º e 11. Jurisprudência relevante citada: TJMT, RAC nº 1004877-54.2023.8.11.0041, 3ª Câm. de Dir. Priv., Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, j. 19.03.2025; TJMG, RAC nº 5202945-15.2019.8.13.0024, 9ª Câm. Cível, Rel. Des. José Arthur Filho, j. 22.10.2024 R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto por Reserva Administradora de Consórcios Ltda. EPP, contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Lucas do Rio Verde, que nos autos da ação de rescisão de contrato c/c restituição de valores pagos c/c reparação por dano moral, movida por Francisca das Chagas Melo Sousa, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais para declarar a rescisão do contrato de consórcio de adesão nº 40754, além de condenar a requerida à restituição do montante adimplido dos valores pagos pela autora, devidamente corrigidos, bem como ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 7.000,00. Ao final, condenou ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixado em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, do CPC. Inconformada, a ré, ora apelante, defende, em síntese, a ausência de vício de consentimento e inexistência de promessa de contemplação antecipada, devidamente refutada por declaração expressa assinada pela própria autora. Segue afirmando que a devolução dos valores deve ocorrer somente após a contemplação da cota consorcial, nos termos dos arts. 22 e 30 da Lei nº 11.795/2008. Além disso, assevera validade da cobrança da taxa de administração, mesmo que superior a 10%, conforme jurisprudência do STJ. Alega, ainda, ausência de falha na prestação dos serviços ou conduta que enseje dano moral ao caso. Ao final, pugna pela reforma da sentença para que seja afastada a condenação por dano moral e que a restituição dos valores pagos pela apelada ocorra somente após a contemplação da cota consorcial e com as devidas deduções contratuais, inclusive multa e taxa de administração. A apelada apresentou contrarrazões, pugnando pelo desprovimento do apelo (id. 283587440) É o relatório. Inclua-se na pauta. Cuiabá, 11 de junho 2025. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Relator V O T O R E L A T O R Cinge-se dos autos que Francisca das Chagas Melo Sousa move ação de rescisão de contrato c/c restituição de valores pagos c/c reparação por dano moral, em desfavor de Reserva Administradora de Consórcios Ltda. EPP. e ACG Representações, alegando ter sido induzida em erro na adesão a contrato de consórcio imobiliário. Narra que a representante comercial das rés apresentou promessas de que, ao pagar determinada quantia como entrada, seria contemplada com uma carta de crédito de R$ 140.000,00 no prazo de 30 dias, podendo inclusive já procurar um imóvel para aquisição. Aduz que a negociação ocorreu via aplicativo WhatsApp e a autora firmou o contrato n.º 40754 em 06.05.2020, após confiar nas garantias verbais recebidas. Passados os dias prometidos, a contemplação não ocorreu. Sentindo-se enganada, buscou administrativamente a devolução dos valores pagos, sem êxito. Argumenta que jamais foi informada adequadamente sobre o funcionamento real do consórcio, tampouco sobre a inexistência de contemplação imediata, circunstância agravada por sua dificuldade de compreensão e ausência de conhecimento técnico. Sustenta que as rés agiram com má-fé, violando o dever de informação e incorrendo em publicidade enganosa, o que enseja a nulidade do contrato por vício de consentimento, além de configurar falha na prestação do serviço. Diante disso, postula pela rescisão contratual com restituição integral das quantias pagas, acrescidas de correção e juros, bem como indenização por dano moral no valor mínimo de R$ 10.000,00. Decorrida a marcha processual, o douto magistrado a quo, sob o fundamento da existência de vício do consentimento decorrente de falha no dever de informação, configurando prática abusiva e induzimento da autora em erro, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais para declarar a rescisão do contrato de consórcio de adesão nº 40754, além de condenar a requerida à restituição do montante adimplido dos valores pagos pela autora, devidamente corrigidos, bem como ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 7.000,00. Ao final, condenou ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixado em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, do CPC (id. 283587434). Inconformada, a ré, ora apelante, pretende a reforma da sentença para que seja afastada a condenação por dano moral e que a restituição dos valores pagos pela apelada ocorra somente após a contemplação da cota consorcial e com as devidas deduções contratuais, inclusive multa e taxa de administração. Pois bem. De proêmio, é cediço que, conforme dispõe o art. 30 do CDC, “Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.” De igual modo, o art. 34 do mesmo Código preceitua que “o fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos.” Por fim, impende consignar que, de acordo com o art. 112 do CC/2002, “nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.” A interpretação simultânea desses dispositivos em um diálogo entre as normas, evidencia que toda a informação que qualquer preposto ou representante da fornecedora faz chegar ao consumidor integra, ou deveria integrar o contrato, vinculando a “proponente”, tendo maior valia a intenção das partes do que a linguagem literal adotada no ajuste, e que as próprias formalidades do ajuste. In casu, constata-se que há nos autos um conjunto probatório e de elementos indiciários suficientes para demonstrar que a autora foi, deveras, induzida a acreditar que o contrato de consórcio que estava assinando, teria contemplação imediata, a ser realizada no prazo de 30 dias, desde que efetuado o pagamento da quantia de R$ 7.456,00. O que empresta grande e suficiente credibilidade é a conversa via aplicativo de mensagem WhatsApp, entre a autora e a representante da ré, onde após ser indagada pela autora, a mencionada correspondente assim afirmou: “Aí no caso já posso estar vendo alguma casa no valor Sim. Vamos encaixar você na data dia 13 dai si liberado o Crédito já conseguimos comprar sua casa Tudo bem?” (id. 283586890 – Pág. 3). A propósito, colaciono o print da conversa entabulada, confira: Não resta a menor dúvida de que a correspondente gerou na consumidora apelante, a justa expectativa de que estaria diante de um contrato que lhe forneceria o crédito imediato para a aquisição de uma casa, após o pagamento da entrada. Mais importante que a redação do contrato escrito, é a abordagem da correspondente da ré, incutindo na mente da consumidora a ideia de que o crédito seria liberado para aquisição da casa, sobretudo se levarmos em conta a simplicidade da autora, cuja vulnerabilidade técnica, informacional e econômica frente à empresa ré, deve ser presumida. Assim, a tese da apelante de que a autora assinou termos e declarações em que afirma ter ciência das condições do contrato, inclusive a inexistência de promessa de contemplação, não é suficiente para afastar o vício de consentimento originário, quando confrontada com o conjunto probatório que evidencia a existência de tratativas enganosas realizadas por seus prepostos. A esse respeito, segundo a teoria do risco da atividade, decorrente da responsabilidade objetiva albergada pelo art. 14 do CDC, não se afigura admissível que uma empresa amplie a forma de captação de clientela no mercado, chancelando negócios intermediados por corretores que atuam como verdadeiros agentes correspondentes de sua atividade e, ao mesmo tempo, queira restringir a sua responsabilidade quando esses negócios, por algum motivo, já não se afiguram convenientes. Nesse sentido, soa a jurisprudência: “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO – IMPROCEDÊNCIA – PRELIMINAR DE INADMISSIBILIDADE POR AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE RECURSAL – REJEIÇÃO – MÉRITO: CONTRATAÇÃO DE CONSÓRCIO PARA AQUISIÇÃO DE IMÓVEL– ALEGADA OFERTA ENGANOSA COMO SE FOSSE UM EMPRÉSTIMO PESSOAL PARA AQUISIÇÃO DE IMÓVEL RESIDÊNCIA (PARCELAMENTO PRÓPRIO) – PROPOSTA VEICULADA E ABORDAGEM MALICIOSA DA CONSUMIDORA AUTORA ATRAVÉS DE MENSAGEM DE ÁUDIO VIA WHATSAPP - INDUÇÃO DA AUTORA EM ERRO – ARTIGOS 30, 34 E 37, §1º, TODOS DO CDC E ART.112 DO CC/2002 – RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRADORA ATRAVÉS DE CORRESPONDENTES – DEVER DE RESTITUIÇÃO IMEDIATA DOS VALORES PAGOS À RÉ E A SEUS REPRESENTANTES – INAPLICABILIDADE DO TEMA 315 DO STJ – IMPOSSIBILIDADE DE ABATIMENTO DE TAXA DE ADMINISTRAÇÃO, MULTA E SEGURO – DANO MORAL INDENIZÁVEL – OCORRÊNCIA – RECURSO PROVIDO. (...) Se abordagem do representante da empresa de consórcio se revela apta a gerar na consumidora a justa expectativa de que estaria diante de um empréstimo pessoal, através de uma espécie de “parcelamento próprio” e não de aquisição de um consórcio, tem-se que tal engodo se revela apto a justificar a resolução do pacto, não havendo se falar desistência do negócio por parte da consorciado, o que afasta a aplicação do Tema 315 do STJ, de modo que não se pode exigir da consumidora autora que aguarde o encerramento do grupo, devendo os valores desembolsados pela autora serem restituídos de imediato, com juros de mora legais desde a citação válida e correção monetária pelo INPC a partir do desembolso.” (RAC n. 1004817-40.2019.8.11.0003, 2ª Câm. de Dir. Priv., Rela. Desa. Marilsen Andrade Addario, j. 04.10.2023 - negritei) “APELAÇÃO – AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE ADESÃO COM RESTITUIÇÃO DE QUANTIA PAGA C.C ANULAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS C.C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – CONSÓRCIO DE MÓVEL – COMPROVAÇÃOD E PROPAGANDA ENGANOSA – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - APLICABILIDADE – POSSIBILIDADE DA RESCISÃO DO CONTRATO E DA IMEDIATA RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO, BEM ASSIM DA CONDENAÇÃO POR COMPENSAÇÃO MORAL, EM VALOR RAZOÁVEL. Demonstrado, pelo conjunto probatório, a existência de ilícito decorrente de propaganda enganosa, de venda de consórcio de imóvel, sem a qual, o autor não contrataria, é de ser possibilitada a rescisão do contrato, com a imediata devolução de valor já pago. A ação de indenização tem por pressuposto a demonstração do ilícito e da obrigação de indenizar, que se verificados, levam à procedência do pleito indenizatório, com arbitramento de valor razoável para a compensação moral.” (RAC n. 1008734-53.2019.8.11.0040 – 4ª Câm. de Dir. Priv., Rel. Des. Guiomar Teodoro Borges, j. 25.08.2021 – negritei) Logo, tenho que agiu com acerto o douto magistrado ao considerar que a autora foi ludibriada no negócio jurídico entabulado, denotando claramente a falta de informação e esclarecimento quanto à transação efetuada, restando a nulidade bastante evidente no caso. Nesse sentido, bem pontuou o juízo a quo: “Pelo que se observa da petição inicial, o demandante firmou com a requerida o contrato de consórcio n. 40754, regido nos artigos 10 a 15 da Lei n. 11.795/2008. O contrato de consórcio tem como finalidade precípua viabilizar a contemplação aos consorciados referente ao crédito necessário para a aquisição de bem ou serviço, a qual ocorre através de sorteio ou lance, na forma estipulada entre as partes, conforme estabelece a regra do art. 22, “caput” e parágrafo primeiro da Lei n. 11.795/2008[2]. A tese do requerente é de que a segunda requerida, através de seus prepostos, teria lhe prometido a imediata contemplação, em inobservância a regra supramencionada, desde que efetuasse o adimplemento do valor de R$ R$ 7.456,00, (sete mil quatrocentos e cinquenta e seis reais). O fato é que a autora efetuou o pagamento da quantia (Id n. 53486318). O referido valor somente foi realizado em razão da afirmação da promessa de contemplação, conforme se verifica pelas tratativas estabelecidas com o vendedor credenciado (Id n. 53486316). Tal conduta reforça a falha na prestação de serviço e o descumprimento do dever de boa-fé, violando o direito básico à informação clara e precisa, previsto no art. 6º, III, do CDC. Se não houvesse a promessa de contemplação, não haveria razão para que o requerente ter efetuado o pagamento da quantia despendida e, mesmo que, hipoteticamente, tivesse sido um erro, deveria a requerida, em caso de ausência de lance vencedor, ter restituído tal quantia ao consumidor/demandante de forma imediata, o que não ocorre neste processo. Sendo assim, não seria oportuno exigir o pagamento antecipado do consumidor se não houvesse a informação da sua contemplação. Portanto, as empresas requeridas nitidamente utilizam e se beneficiam de informações falsas com o intuito de formalizar o negócio jurídico, obtendo vantagem imediata com o pagamento do lance e, em seguida, tenta se esquivar do pagamento da obrigação. Assim, trata-se de prática abusiva em clara violação do art. 39, inciso IV do CDC. Além disso, há violação da regra do art. 52, inciso I do Código de Defesa do Consumidor. (id. 283587434). Assim, ante o evidente vício na contratação, a conduta da empresa apelante se revelou apta a justificar a resolução do pacto diante da nulidade ocorrida, não havendo se falar em desistência do negócio pelo consorciado, sendo devida a restituição integral do valor pago, sem os descontos pretendidos pela apelante. Ademais, as cláusulas contratuais que condicionam a devolução das quantias ao encerramento do grupo ou à contemplação da cota, como prevê a Lei nº 11.795/2008 em seus arts. 22 e 30, não se aplicam quando se constata vício de consentimento e falha na prestação do serviço, hipóteses em que se impõe a restituição imediata e integral das quantias indevidamente recebidas, sob pena de convalidação da prática abusiva. Nesse sentido: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. REJEIÇÃO. "GOLPE DO CONSÓRCIO". PROPAGANDA ENGANOSA. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. ANULAÇÃO DO NEGÓCIO. RESTITUIÇÃO IMEDIATA DAS PARCELAS. DANO EXTRAPATRIMONIAL. CONFIGURAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Constatado que as razões recursais combatem especificamente os fundamentos da sentença, demonstrando as razões pelas quais veicula seu inconformismo, é de ser rejeitada a preliminar de ofensa ao princípio da dialeticidade. 2. A anulação de um ato jurídico depende da demonstração inequívoca da existência de vício de consentimento, resultante de erro, dolo ou coação, capaz de atingir a manifestação de vontade do agente, interferindo na elaboração do negócio jurídico que se pretende anular. 3. Comprovada a lesão ocorrida, em homenagem aos princípios da proteção ao consumidor hipervulnerável e da boa-fé objetiva, deve ser decretada a anulação do negócio jurídico com a imediata restituição das partes ao status quo ante. (...).” (TJMG, RAC n.º 52029451520198130024, 9ª Câmara Cível, Rel. Des. José Arthur Filho, j. 22.10.2024 - destaquei). O mesmo se diga quanto à cobrança da taxa de administração, pois tal prerrogativa somente subsiste quando a avença se mostra hígida, o que não é o caso dos autos, pois a contratação foi viciada desde sua origem, em virtude de falsa promessa e omissão quanto ao efetivo funcionamento do consórcio. A propósito: “A administradora de consórcio responde pela conduta de seus prepostos que induzam o consumidor a erro mediante promessa de contemplação indevida. O descumprimento da promessa autoriza a rescisão contratual, a restituição integral dos valores pagos e a indenização por dano moral.” (RAC n.º 1004877-54.2023.8.11.0041, 3ª Câmara de Direito Privado, minha relatoria, j. 19.03.2025 - destaquei). No que tange à ocorrência do dano moral em si, não há dúvida de sua incidência no caso dos autos. Afinal, os elementos probatórios e indiciários dão prova dos dissabores extraordinários experimentados pela autora. Afinal, a frustração do legítimo sonho da casa própria, alimentado por promessas infundadas e pela aplicação indevida das economias da apelada, excede o mero dissabor cotidiano, alcançando esfera de lesão à dignidade e à personalidade da consumidora. Em relação ao do quantum indenizatório, o princípio do livre convencimento confere ao magistrado a prudente prerrogativa de arbitrar o valor que entender justo, sempre de acordo com as peculiaridades do caso concreto, fazendo uma correspondência entre a ofensa e o valor da condenação, observando os princípios que norteiam o dano moral tais como: a posição social do ofendido, a capacidade econômica do causador e a extensão da dor sofrida, sob pena de propiciar o locupletamento ilícito à vítima, ao mesmo tempo o valor deve ser significativo para que não passe despercebido, coibindo a conduta negligente do agente causador. Nesta trilha, entendo que a indenização imposta no ato sentencial no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais) pelo dano moral, mostra-se adequada, em razão das particularidades do caso em questão, dos fatos assentados, bem como, observados os princípios da moderação e razoabilidade, além de que cumprirá a finalidade de inibir a apelante à repetição da falha no serviço, considerando-se a sua capacidade econômica. Sobre o tema, assim já se manifestou esta Terceira Câmara: “RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – CONSÓRCIO – DANO MORAL – OCORRÊNCIA – DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL – FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PROVIDO EM PARTE. Na espécie, restou comprovada a falha na prestação de serviços, uma vez que, após o autor aderir ao consórcio, a empresa vendedora foi desidiosa no trato com o consumidor, demonstrando desinteresse na solução dos problemas, não se tratando de mero descumprimento contratual, razão pela qual o dever de indenizar é medida que se impõe. O arbitramento do valor da indenização decorrente de dano moral deve ser feito de acordo com os aspectos do caso, sempre com bom senso, moderação e razoabilidade, atentando-se à proporcionalidade com relação ao grau de culpa, extensão e repercussão dos danos e à capacidade econômica das partes.” (RAC n. 1013938-92.2019.8.11.0003, 3ª Câm. de Dir. Priv., minha relatoria, j. 25.10.2021 - negritei). Portanto, por estes termos e estribado nessas razões, tenho que a r. sentença está em consonância com a legislação pátria, doutrina e jurisprudência, devendo ser mantida por seus próprios fundamentos. Restando desprovido o recurso, majoro a condenação em honorários advocatícios para 12% (doze por cento), atendendo ao que dispõe o art. 85, §11, do CPC. Pelo exposto, conheço do recurso e lhe NEGO PROVIMENTO. Cuiabá, 11 de junho 2025. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 11/06/2025

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Artur Otavio Varella Caldeira Filho x Cia Energetica De Minas Gerais - Cemig

ID: 322825849

Tribunal: TJMG Órgão: 1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 5204012-15.2019.8.13.0024

Data de Disponibilização: 11/07/2025

Polo Ativo:

ARTUR OTAVIO VARELLA CALDEIRA FILHO

Polo Passivo:

CIA ENERGETICA DE MINAS GERAIS - CEMIG

Intimação

Advogados:

THIAGO DA COSTA E SILVA LOTT

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

HENRIQUE CARVALHO BRITO

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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Belo Horizonte / 1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte Avenida Raja Gabaglia, 1753, … PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Belo Horizonte / 1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte Avenida Raja Gabaglia, 1753, Luxemburgo, Belo Horizonte - MG - CEP: 30380-900 PROCESSO Nº: 5204012-15.2019.8.13.0024 CLASSE: [CÍVEL] PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) ASSUNTO: [Abatimento proporcional do preço, Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material, Fornecimento de Energia Elétrica, Práticas Abusivas, Irregularidade no atendimento, Água e/ou Esgoto] AUTOR: ARTUR OTAVIO VARELLA CALDEIRA FILHO CPF: 467.406.786-34 RÉU: CIA ENERGETICA DE MINAS GERAIS - CEMIG CPF: 17.155.730/0001-64 SENTENÇA Vistos, etc. I – RELATÓRIO ARTUR OTÁVIO VARELLA CALDEIRA FILHO ajuizou a presente AÇÃO COMINATÓRIA C/C PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS em face de CEMIG - COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS Consta na inicial (ID 97361215) que o autor é titular da unidade consumidora nº 3000906764, cujo consumo médio, conforme declarações da própria CEMIG, era de aproximadamente 106 kW/mês em 2018. Contudo, em janeiro de 2019, foi emitida conta de consumo no valor de R$ 6.605,99(seis mil seiscentos e cinco reais e noventa e nove centavos), referente a 7.013 kW, sem que houvesse qualquer alteração no padrão de consumo do imóvel. Diante disso, o autor protocolou 65 reclamações administrativas, sendo realizada visita técnica por representante da ré, que confirmou a leitura, mas indicou, de forma informal, possível vício no medidor, negando-se, entretanto, à substituição do equipamento. A partir de Janeiro de 2019, o Autor continuou recebendo as contas de consumo alteradas pela ré até que, em maio de 2019, a ré instalou novo medidor, o qual passou a registrar o dobro do consumo real. Para comprovação da divergência, o autor, às suas expensas, instalou medidor homologado pelo INMETRO, cujos registros confirmaram a inconsistência. Apesar disso, a ré ameaçou proceder ao corte de energia a partir de 27/03/2019, o que motivou o ajuizamento da ação nº 9016595.45.2019.813.0024 perante o Juizado Especial Cível de Belo Horizonte, o qual deferiu liminar para impedir o corte até o deslinde da controvérsia, porém julgou extinto o feito sem resolução do mérito. Por Fim, requereu, a concessão da antecipação dos efeitos da tutela ao Autor, para se impor imediatamente a obrigação de não fazer à Ré no sentido de: A) Se abster de suspender o fornecimento de energia elétrica ao Autor; B) Se abster de realizar cobranças e quaisquer negativações do nome do Autor sobre os meses de Janeiro/2019, Fevereiro/2019 Março/2019, bem como sobre as contas de Abril/2019 - Dezembro de 2019; O provimento jurisdicional no sentido de se condenar a Ré, ao pagamento de uma indenização por danos materiais no importe do valor referente aos lucros cessantes em eventuais aluguéis perdidos pelo Autor em razão de eventual corte de energia; O provimento jurisdicional no sentido de se condenar a Ré, ao pagamento de uma indenização pelos danos morais; O provimento jurisdicional no sentido de se confirmar ao final a antecipação de tutela conferida e declarar definitivamente nulos os procedimentos de apuração de débitos pretéritos de valores eventualmente devidos pelo Autor a Ré, em razão das medições abusivas apuradas nas contas vencidas em Janeiro, Fevereiro e Março de 2019 além das demais contas de Abril a Dezembro-2019. Documentos instrutórios da inicial ao ID 97361221 e ss. Guia de custas iniciais ao ID 97443720 e ss. Complementação da petição inicial ao ID 97445444 e ss. Ao ID 97648857, o juízo da 34ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte declinou da competência do presente feito para uma das Varas de Fazenda Pública e Autarquias desta Comarca. Ao ID 2037479941, decisão antecipando parcialmente os efeitos da tutela pretendida para determinar que a CEMIG se abstenha de interromper os serviços de fornecimento de energia no imóvel do autor. Em relação ao pedido para que a Cemig se abstenha de realizar cobranças e quaisquer negativações em nome do autor “sobre os meses de Janeiro/2019, Fevereiro/2019 Março/2019, bem como sobre as contas de Abril/2019 - Dezembro de 2019”, intimado a dizer quais contas ainda se encontram em aberto. Ao ID 2139769991, intimação da ré a cumprir a liminar deferida. Ao ID 2726421465, a parte Ré apresenta cumprimento da liminar. Ao ID 2787356415, demonstrou quais os débitos da parte autora ainda se encontram em aberto. Ao ID 2787231531, foi aberta vista ao autor sobre os documentos juntados pela ré, tendo este deixado transcorrer o prazo sem qualquer manifestação, conforme ID 3453621403. Ao ID 9440975844, a parte autora manifestou que a ré teria destruído o objeto litigioso, ao realizar, desde o ajuizamento da demanda, mais de três substituições do medidor de energia no imóvel, sem prévio aviso ou consentimento, ressaltando tratar-se de sítio sob cuidados de caseiros na sua ausência. Aduz ser devido o valor de R$ 6.655,71 (seis mil, seiscentos e cinquenta e cinco reais e setenta e um centavos), correspondente ao consumo efetivo no período de tramitação da ação, requerendo autorização para depósito judicial da quantia, sem disponibilização à ré até a prolação de sentença. A parte ré apresentou contestação ao ID 9473134208, arguindo, preliminarmente, a inépcia do pedido de dano moral por ausência de quantificação. No mérito, alegou que a fatura de janeiro de 2019 registrou consumo de 7.013 kWh, no valor de R$ 6.605,69, sendo a instalação desligada em 01/02/2019 por inadimplência (nota nº 1124191487). Sustentou que, após reclamações do autor, foram gerados serviços para vistoria, com religação em 13/02/2019 e nova verificação em 14/02/2019, constatando-se medidor em funcionamento normal. Em 28/05/2019, foi emitida nota de serviço para correção do faturamento com base em laudo de aferição nº 025981/2019, sendo realizados acertos nas faturas emitidas nos meses 01/2019 até 05/2019. Por fim, afirmou não ser possível determinar se o consumo decorreu de uso efetivo ou fuga de energia nas instalações internas. Ao fim, requereu sejam julgados totalmente improcedentes os pedidos da inicial. Ao ID 9572211959, o réu foi intimado para ciência da manifestação de ID 9440975844 e dos documentos anexos. Em resposta ao ID 9600522391, informou ter solicitado informações internas sobre o débito e os documentos juntados, mas, diante da ausência de retorno, requereu dilação de prazo por 5 (cinco) dias para apresentar resposta ao despacho. Ao ID 9610218318, a Parte Ré, apresenta o débito atualizado do autor afirmando que perfaz o montante total de R$ 45. 066,80 (quarenta e cinco mil e sessenta e seis reais e oitenta centavos), referente às faturas vencidas de 16/09/2020 a 27/09/2022, da Instalação nº 3999906764. Requereu o regular prosseguimento do feito. Impugnação em ID 9731124006. Devidamente intimada, a parte ré informou em ID 9870866255 que não possuía mais provas a produzir, requerendo assim o julgamento antecipado da lide e o depoimento pessoal da parte autora caso seja designada uma Audiência de Instrução e Julgamento. A parte autora, por sua vez, Regular andamento do feito, com despacho saneador e preclusão de provas orais e periciais, outorgando-se inversão do ônus da prova a favor do consumidor e julgando-se antecipadamente o feito pelas provas documentais constantes nos autos; Autorizar o imediato depósito judicial das contas de consumo do Autor após ajuizamento da ação; Julgar procedentes os pedidos realizados na inicial, com resolução de mérito, para declarar inexistente o débito discutido nestes autos e condenar a empresa requerida ao pagamento da quantia de no mínimo R$20.000,00 (doze mil reais), à título de indenização por danos morais e Tornar definitiva a tutela de urgência concedida, deferindo-se ao autor quitar todos os débitos que porventura se venceram durante o curso da ação (ID 9886283953). Intimadas as partes para apresentação das alegações finais, conforme ID 10258368106, a parte ré apresentou suas razões finais ao ID 10285556564, enquanto a parte autora o fez ao ID 10292676262. É o relatório. Decido. II – FUNDAMENTAÇÃO Em observância aos atos processuais praticados, bem como às alegações e provas colacionadas pelas partes, observa-se que a demanda comporta julgamento antecipado do mérito, uma vez que não há necessidade de produção de outras provas, a teor do que dispõe o inciso I do art. 355 do CPC. II.I PRELIMINAR DE INÉPCIA DO PEDIDO DE DANO MORAL A ré aponta a inépcia do pedido de dano moral, afirmando que o autor não trouxe aos autos a quantificação do valor do referido dano. No entanto, a alegação não merece prosperar. Pela leitura da exordial, é possível inferir a pretensão do autor, que alega que o valor deverá ser arbitrado pelo consciencioso juízo, sugerindo que não seja inferior ao importe de 30 salários-mínimos. Sendo suficientes os argumentos em sede de cognição sumária. Ainda, a petição inicial preenche os requisitos do artigo 319 do CPC/15, sendo absolutamente claros tanto a causa de pedir quanto os pedidos, não havendo que se falar em inépcia da inicial. Assim, rejeito a preliminar. II.II – DA DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO DÉBITO A CEMIG Distribuição S/A é pessoa jurídica prestadora de serviços públicos de geração e fornecimento de energia elétrica, sob a modalidade de concessão. Por conseguinte, a controvérsia deve ser analisada sob o prisma da responsabilidade objetiva, nos termos do disposto no §6 do artigo 37 da Constituição Federal: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa….”. Ressalto, ainda, que, em se tratando de concessionárias prestadoras de serviço público, aplica-se a norma inserta no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, que reforça a responsabilidade objetiva dos fornecedores de serviço pelos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços: “Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.” Neste passo, cabe ressaltar que a responsabilidade objetiva de que trata o §6º do artigo 37 da CRFB e o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor é aquela em que basta a constatação de nexo de causalidade entre qualquer conduta comissiva ou omissão culposa e o dano verificado. Uma vez afirmada pela parte autora a inexistência do débito, evidencia-se tratar-se de prova negativa, comumente designada de "prova diabólica", e, neste caso, compete à ré comprovar a licitude dos valores cobrados. No caso em tela, cinge-se a controvérsia quanto à legalidade do procedimento de apuração de débitos pretéritos, fundado na impossibilidade de se determinar se o consumo decorreu de uso efetivo ou de fuga de energia nas instalações internas. Contudo, tal irregularidade não restou comprovada, uma vez que a própria ré procedeu ao refaturamento, com base no laudo de aferição nº 025981/2019, das faturas emitidas entre os meses de 01/2019 a 05/2019, reconhecendo, assim, que as leituras anteriormente realizadas não estavam corretas. Saliente-se que a referida irregularidade, ao arrepio da legalidade, é ato típico, antijurídico e culpável, ou seja, constitui-se em crime, cuja comprovação da materialidade desafia o acionamento das autoridades policiais, com realização de perícia criminal no local dos fatos e objetos do crime. Nada disto consta dos autos, sequer por meras informações. Neste sentido, caberia à ré comprovar que cumpriu integralmente as normas legais ao realizar a averiguação de possível fraude, considerando que seria impossível para o autor a produção de tal prova. Ademais, ainda que se admitam os procedimentos de apuração de débitos pretéritos relativos a eventuais valores devidos pelo autor, tais elementos não podem ser considerados como prova irrefutável e inequívoca da veracidade da aferição realizada. Ressalte-se que há controvérsia quanto à própria execução do referido procedimento, uma vez que a ré não comprovou, de forma efetiva, a realização das vistorias no imóvel da parte autora, razão pela qual não se pode afirmar a licitude da cobrança ora discutida. Além disso, a ré, em sede de contestação, limitou-se a juntar aos autos meras telas extraídas de seu sistema interno (ID 9473134208), o que, por si só, não comprova a veracidade do procedimento adotado, tampouco a regularidade das ações por ela realizadas. Logo, a parte autora, enquanto tecnicamente hipossuficiente, não possui o condão de realizar prova negativa, no sentido de demonstrar que não houve fraude. Pelo contrário, a parte ré sequer requereu a produção de prova judicial visando comprovar a veracidade de irregularidade, tendo, inclusive, pugnado pelo julgamento antecipado da lide, conforme se verifica de manifestação de ID 9870866255. Desta feita, infere-se que a requerida não se desincumbiu do ônus de provar o alegado, bem como eventual ocorrência de manipulação ou desvio e legalidade do débito. Portanto, deve o débito ora questionado ser considerado indevido e, portanto, nulo. Ainda, considerando a declaração de inexistência do débito arbitrado pela autora, referente aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2019 além das demais contas de Abril a Dezembro-2019, deve ser realizado novo cálculo a fim de determinar o montante a ser pago referente ao consumo do referido mês. Neste sentido, já determinou este Eg. Tribunal de Justiça de Minas Gerais: EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. SERVIÇO PÚBLICO. ENERGIA ELÉTRICA. REVISÃO DE FATURAMENTO. IRREGULARIDADE NO MEDIDOR. AUSÊNCIA DE PROVA DE FRAUDE. CRITÉRIO DE CÁLCULO MAIS BENÉFICO AO CONSUMIDOR. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta em ação anulatória de débito oriundo de procedimento de inspeção técnica que identificou irregularidade ("by pass") no medidor de energia elétrica de unidade consumidora atendida pela CEMIG. Após constatação e substituição do equipamento, registrou-se aumento expressivo no consumo. A distribuidora promoveu cobrança suplementar com base no art. 130, III, "a", da Resolução ANEEL nº 414/2010, utilizando a média dos três maiores valores de consumo dos últimos doze ciclos. O pedido principal da parte autora consistiu na anulação do débito e na revisão da metodologia de cálculo aplicada. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se é legítima a cobrança suplementar por consumo não registrado em razão de irregularidade constatada no medidor, à luz da Resolução ANEEL nº 414/2010; e (ii) estabelecer qual o critério de cálculo mais adequado para o acerto de faturamento no caso de ausência de prova de fraude pelo consumidor. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A Resolução ANEEL nº 414/2010 autoriza a distribuidora a proceder à apuração de diferenças de consumo em caso de irregularidade detectada no medidor, mediante instauração de procedimento administrativo adequado (arts. 129 e 130). 4. A constatação de discrepância de consumo, após a regularização do equipamento, indica fornecimento de energia não integralmente faturado, o que justifica o acerto de faturamento, sob pena de enriquecimento sem causa do consumidor. 5. A distribuidora não demonstrou, contudo, a prática de fraude por parte do consumidor, tampouco submeteu o medidor a avaliação técnica em laboratório, conforme exigência do art. 129, §6º, da Resolução ANEEL nº 414/2010. 6. Diante da ausência de prova de conduta ilícita do consumidor, impõe-se a aplicação de critério de apuração mais benéfico, adotando-se a média de consumo dos 12 ciclos completos anteriores à constatação da irregularidade, em conformidade com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 7. O uso da média dos três maiores consumos previstos no art. 130, III, "a", da Resolução ANEEL nº 414/2010, mostra-se excessivamente gravoso e desproporcional quando não há comprovação de dolo ou fraude. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: "1. A constatação de irregularidade no medidor de energia elétrica, sem prova de fraude pelo consumidor, autoriza a cobrança suplementar, desde que observados os critérios legais e o contraditório. 2. A ausência de avaliação técnica do medidor em laboratório impede a imputação de dolo ao consumidor. 3. O critério de cálculo do acerto de faturamento, em tais hipóteses, deve ser a média de consumo dos 12 meses anteriores à constatação da irregularidade, em atenção aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade". Dispositivos relevantes citados: Resolução ANEEL nº 414/2010, arts. 129, §6º, e 130, III, "a". Jurisprudência relevante citada: TJMG, Ap. Cív. nº 1.0313.11.003105-8/001, Rel. Desª Hilda Teixeira da Costa; TJMG, Ap. Cív. nº 1.0024.11.191771-2/001, Rel. Des. Caetano Levi Lopes. V.v. DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSO ADMINISTRATIVO. FATURAMENTO A MENOR DE ENERGIA ELÉTRICA. TERMO DE OCORRÊNCIA E INSPEÇÃO. EQUIPAMENTO DE MEDIÇÃO LOCALIZADO EM ÁREA EXTERNA. INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. RECURSO PROVIDO. - A apuração do consumo não faturado decorreu de irregularidade no medidor externo, denominada "by-pass", devidamente descrita no Termo de Ocorrência e Inspeção (TOI), acompanhada pelo locatário do imóvel, mas sem comprovação de culpa do titular do contrato. - O art. 167, parágrafo único, da Resolução Normativa ANEEL nº 414/2010 (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.435128-4/001, Relator(a): Des.(a) Renato Dresch , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/06/2025, publicação da súmula em 18/06/2025)(grifo nosso) Assim, determino que o cálculo das faturas impugnadas pela autora referente aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2019 além das demais contas de Abril a Dezembro-2019, seja realizado com base na média dos volumes utilizados nos 12 (doze) últimos ciclos. II.II – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS Dispõe o artigo 37, §6º, da Constituição da República, que: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.' A Constituição da República, em seu artigo 5º, inciso V, consagra o direito à indenização por danos morais: “É assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Ainda, os artigos 186 e 927 do Código Civil dispõe, respectivamente, que: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Conforme preconiza os artigos supracitados, haverá responsabilidade civil de indenizar àquele que sofreu dano moral e/ou material quem praticou a conduta antijurídica e causou diretamente o prejuízo. O dano moral é aquele que atinge a honra subjetiva da pessoa, na extensão que lhe causa um sentimento de humilhação, fugindo, assim, da normalidade psicológica do sujeito. Logo, o requerente deve pormenorizar a situação sofrida, em razão da qual pleiteia a compensação. No caso em tela, ressalte-se que a parte autora vem suportando inegáveis desconfortos e angústias, considerando que teve o fornecimento de energia elétrica de sua residência interrompido no período compreendido entre 01/02/2019 e 13/02/2019, tendo a própria ré confessado a realização do corte. Neste sentido, entende o Eg. Tribunal de Justiça de Minas Gerais: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA - CEMIG - INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA - IRREGULARIDADE DA COBRANÇA - DANO MORAL - VALOR INDENIZATÓRIO – MAJORAÇÃO. 1. A cobrança indevida e corte de energia elétrica sem a demonstração de regularidade do procedimento adotado pela concessionária de energia enseja o dever de indenizar danos morais causados ao consumidor. 2. Impõe-se a majoração do valor dos danos morais se arbitrados em montante desproporcional ao dano sofrido e ao seu caráter pedagógico. 3. Recurso provido para majorar o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) para R$ 6.000,00 (seis mil reais). (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.276344-9/001, Relator(a): Des.(a) Manoel dos Reis Morais, 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/09/2024, publicação da súmula em 06/09/2024) (grifo nosso) Desta feita, comprovado o dever da parte ré em indenizar, hei por bem em fixar a quantia de R$3.000,00 (três mil reais) a título de indenização por danos morais, observando-se os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. O valor da indenização será atualizado monetariamente desde a publicação da sentença, conforme Súmula 362 do STJ e acrescido de juros moratórios a partir da data da citação, por se tratar de responsabilidade contratual. Observo, ainda, que eventual valor requerido na inicial não enseja a parcial procedência do pedido, sendo o quantum pleiteado a título de danos morais meramente estimativo (Súmula 326 do STJ). Quanto ao dano material, da detida análise dos autos, verifico que não há indicação expressa dos prejuízos materiais causados, bem como não há comprovação da existência dos referidos danos. Apenas há, no bojo deste procedimento, indicativos estimados de prejuízos que poderiam vir a ocorrer, o que não possui o condão de suscitar uma condenação a título de danos materiais. Assim, a improcedência do pedido de indenização por danos materiais é medida que se impõe. III – DISPOSITIVO Pelo exposto, confirmo a liminar e julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais, extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para: a) declarar nulo o débito impugnado em nome do autor, no montante de R$ 6.605,99 (seis mil seiscentos e cinco reais e noventa e nove centavos). referente a fatura do mês de janeiro de 2019, em nome da autora; b) bem como condenar a ré ao pagamento do montante de R$3.000,00 (três mil reais) a título de indenização por danos morais, decorrentes do indevido corte no fornecimento de energia na residência do autor, devidamente atualizado pelos índices do IPCA-E, desde a data de publicação desta sentença, e acrescido de juros pela taxa legal, desde a data da citação. c) além de determinar que o cálculo das faturas impugnadas referente aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2019 além das demais contas de Abril a Dezembro-2019, sejam realizados com base na média dos volumes utilizados nos 12 (doze) últimos ciclos, bem como para determinar o cancelamento das multas e encargos decorrentes dos débitos nestes autos impugnados, que porventura possam ter sido cobrados em faturas posteriores. Em razão da sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% (dez por cento) do valor do proveito econômico obtido, na proporção de 70% (setenta por cento) para a parte ré e 30% (trinta por cento) para o autor. Transitada em julgado esta sentença, cumpridas as diligências de praxe, arquivem-se os autos com baixa. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se. Belo Horizonte, data da assinatura eletrônica. RICARDO SAVIO DE OLIVEIRA Juiz de Direito 1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte

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