Processo nº 1026328-21.2024.8.11.0003
ID: 310627415
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1026328-21.2024.8.11.0003
Data de Disponibilização:
30/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LUIZ HENRIQUE CABANELLOS SCHUH
OAB/RS XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1026328-21.2024.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Bancários, Cartão de…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1026328-21.2024.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Bancários, Cartão de Crédito] Relator: Des(a). MARCOS REGENOLD FERNANDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [IDEMAR ROCHA - CPF: 190.919.152-34 (APELANTE), DEBORAH PACIFICA DO CARMO - CPF: 037.470.091-58 (ADVOGADO), FABIULA ANDREIA CIARINI VIOTT - CPF: 650.713.951-34 (ADVOGADO), BANCO CETELEM S/A - CNPJ: 00.558.456/0001-71 (APELADO), LUIZ HENRIQUE CABANELLOS SCHUH - CPF: 344.711.200-00 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E DANOS MORAIS. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO (RMC). RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO. CONVERSÃO EM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Ação ajuizada por consumidor idoso em face de instituição financeira, visando à declaração de nulidade de contrato de cartão de crédito consignado (RMC), repetição de valores descontados e indenização por danos morais, sob alegação de não ter contratado referido produto, mas sim empréstimo consignado comum. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. (i) Regularidade da contratação de cartão de crédito consignado e da autorização para reserva de margem consignável (RMC) no benefício previdenciário do autor; (ii) existência de falha no dever de informação e vício de consentimento; (iii) possibilidade de conversão do contrato em empréstimo consignado convencional; (iv) direito à restituição dos valores pagos a maior; (v) configuração de danos morais. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A relação jurídica é regida pelo Código de Defesa do Consumidor (Súmula 297/STJ), sendo o autor pessoa idosa e hipervulnerável, o que exige proteção especial. 4. Restou demonstrado que o consumidor não foi devidamente informado sobre as diferenças entre as modalidades de crédito, tampouco utilizou o cartão para compras, recebendo apenas o valor em espécie, em operação típica de empréstimo consignado. 5. Caracterizada a falha no dever de informação e prática abusiva, impõe-se a conversão do contrato para a modalidade de empréstimo consignado, aplicando-se a taxa média de juros de mercado vigente à época da contratação, com repetição simples dos valores descontados a maior, a ser apurada em liquidação de sentença. 6. Não restou comprovado dano à honra ou à imagem do autor capaz de ensejar indenização por danos morais, sendo reconhecido apenas o direito à revisão contratual e restituição de valores. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso de apelação parcialmente provido. Tese de julgamento: "1. Caracterizada a falha no dever de informação na contratação de cartão de crédito consignado (RMC), impõe-se a conversão do contrato para empréstimo consignado convencional, com a adequação dos juros à taxa média de mercado e restituição simples dos valores descontados a maior." "2. A ausência de abalo à honra ou imagem do consumidor afasta a indenização por danos morais em situações de descumprimento contratual por prática comercial abusiva." Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 6º, III, 14 e 51; CC, art. 170. Jurisprudência relevante citada: TJ-MT, Apelação Cível 1041518-75.2022.8.11.0041, Rel. Des. Antonia Siqueira Gonçalves, j. 17/07/2024; TJ-MT, Apelação Cível 1007967-70.2023.8.11.0041, Rel. Des. Marcio Vidal, j. 09/04/2024; STJ, Súmula 297. R E L A T Ó R I O Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação interposto por IDEMAR ROCHA, em face da r. sentença proferida pelo MM. Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis/MT, que julgou improcedente o pedido contido na Ação Declaratória de Nulidade de Contrato c/c Repetição do Indébito e Danos Morais movida em face do BANCO CETELEM S/A. Inconformado, o autor interpôs Apelação, insistindo na tese de que jamais teve intenção de contratar cartão de crédito consignado, alegando sua condição de idoso e hipossuficiente, bem como a falta de clareza na informação prestada pela instituição financeira. Pede a reforma da sentença para declarar a nulidade do contrato e determinar a conversão da dívida em empréstimo consignado comum, com a restituição dos valores pagos. (ID. 291584419) Em contrarrazões, o Banco apelado defende a manutenção integral da sentença, reiterando a validade do contrato, a inexistência de falha na prestação do serviço e a adequação das cláusulas contratuais à legislação vigente. (ID 292706351). É o relato do necessário. Em Pauta. V O T O R E L A T O R Egrégia Câmara: Consta nos autos que IDEMAR ROCHA ajuizou ação de Ação Declaratória de Nulidade de Contrato c/c Repetição do Indébito e Danos Morais em face de BANCO CETELEM S/A., alegando que embora tenha requerido a contratação de um empréstimo consignado, foi surpreendido com descontos mensais referentes a um cartão de crédito consignado (RMC), modalidade que afirma jamais ter contratado ou utilizado. Sustenta que houve falha no dever de informação, vício de consentimento e que a contratação lhe causou danos de ordem material e moral, pugnando pela declaração de nulidade do contrato, restituição dos valores descontados e indenização por danos morais. Após a instrução processual, o juiz singular assim sentenciou o processo: (...) Julgo o processo no estado em que se encontra. Trata-se de matéria unicamente de direito e prescinde da produção de outras provas, vez que as provas constantes nos autos são aptas para o deslinde da lide, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil. O entendimento jurisprudencial uníssono neste sentido: (STJ, 4ª T., REsp 2.832-RJ, rel.. Min. Sálvio de Figueiredo). (STJ, REsp. 38.931-3). Moacir Amaral Santos (Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 15. ed., Saraiva: São Paulo, v. 2, 1993) nos ensina que "a prova tem por finalidade convencer o juiz quanto à existência ou inexistência dos fatos sobre que versa a lide". (RTJ 115/789). Impende destacar, ainda, que a produção probatória, conquanto seja uma garantia do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, não elide o poder-dever inerente ao julgador de evitar que, sob tal pretexto, se transforme o processo em infindáveis diligências inúteis. No mérito. O autor alega que não contratou empréstimo na modalidade cartão de crédito e sim, empréstimo consignado. No que se refere aos descontos impugnados, vale dizer que o banco réu juntou ao feito o contrato firmado entre as partes (Id. 174723590), que prevê a contratação de empréstimo na modalidade de cartão de crédito consignado, contendo a assinatura do requerente, comprovando, portanto, a existência da contratação com autorização de desconto em folha. Ademais, conforme a petição inicial, bem como os documentos colacionados aos autos, evidenciam o relacionamento estabelecido entre a parte autora e a instituição financeira, em virtude da contratação em discussão, que engloba empréstimo, disponibilização de cartão de crédito e seus respectivos descontos. Destarte, é insustentável qualquer tese de configuração de vício de consentimento, pois nenhuma prova a esse respeito foi produzida nos autos e depois porque, se pretendia apenas obter empréstimo, não deveria ter aceitado, tampouco feito o uso do valor disponibilizado, como afirmado pelo próprio autor. Saliento ainda que, instados a especificarem as provas que pretendiam produzir, a parte requerente pleiteou pelo julgamento antecipado da lide. Diante destes fatos, não há como declarar a nulidade do contrato ou a inexigibilidade do débito dele originado, nem sequer seria possível falar-se em conversão do contrato firmado em empréstimo consignado, pois vislumbrada a regularidade na contratação. Além disso, não foi também demonstrada a ofensa ao direito de informação ou qualquer outra prerrogativa conferida ao consumidor. Concernente ao argumento de existências de cláusulas abusivas e excesso de cobrança, também não merece prosperar, dado que a instituição financeira, por sua vez, argui a impossibilidade de revisão dos contratos firmados entre as partes, porquanto este foi celebrado por livre vontade, impondo-se a sua observância, por fazerem lei entre os litigantes. O pacto escrito na espécie está albergado pelo CDC, figurando o requerido como fornecedor e o requerente como consumidor, nos termos do artigo 3º, do referido Diploma Legal. No presente caso, cumpre registrar que o contrato reveste-se de verdadeiro pacto por adesão, no qual as cláusulas não resultam do livre entendimento das partes, o que possibilita a pretensa revisão, nos termos do artigo 5º, XXXII, da Carta Magna, que estabelece ao Estado o dever de promover a proteção efetiva ao consumidor, tratando-se de direito e garantia fundamental. Cumpre ao Poder Judiciário intervir nas relações contratuais, com fulcro no dispositivo acima mencionado e no artigo 6º, V, do CDC, quando se tornem excessivamente onerosas ao consumidor, resultando no agravamento substancial das obrigações assumidas contratualmente. Vale destacar que, por meio da revisão, ora pleiteada também nos autos, não está a se negar validade ao pacta sunt servanda, mas apenas tornando relativo o referido princípio, face à boa-fé contratual, proporcionando a defesa do consumidor em caso de pactos abusivos, sem que isto enseje insegurança jurídica. A incidência do CDC, norma de ordem pública, torna relativa a aplicação do princípio pacta sunt servanda, sem, contudo, ofendê-lo. Ressalta-se que é necessária e imperativa a adequação de tal princípio aos novos tempos e à hodierna realidade das relações de consumo. Além disso, tratando-se de contratos firmados por instituição financeira, tal posicionamento é ainda reforçado, pois inexiste a comutatividade contratual e a efetiva igualdade das partes. A parte autora busca também a revisão dos juros cobrados pela instituição financeira; porém, no que tange à limitação dos juros pactuados, o Supremo Tribunal Federal já decidiu pela inconstitucionalidade da aplicação imediata do § 3º, do artigo 192, da Constituição Federal, atribuindo a essa norma o caráter da não auto-aplicabilidade, por se tratar de disposição legal dependente de regulamentação em lei complementar. A edição da Emenda Constitucional 20/2003 revogou, entre outros dispositivos, o § 3º do artigo 192 da Carta da República. Dessa forma, a discussão sobre sua eficácia imediata perdeu significância. Destarte, partindo do princípio que o § 3º, do artigo 192, da CF, foi revogado, embora esta magistrada já tenha reiteradamente decidido de forma diversa, o STF decidiu pela inconstitucionalidade da aplicação do mencionado dispositivo de lei, não podendo, portanto, ser considerado nem mesmo para reger relações passadas, sob sua égide. Conclui-se daí que, ainda que árduos ao consumidor, prevalecem os juros contratados. Registra-se que não é possível a limitação da taxa de juros com base na Lei de Usura, visto queas disposições do Decreto 22.626/33 não são aplicáveis às operações de crédito efetuadas por instituições do Sistema Financeiro Nacional, de acordo com o enunciado de Súmula 596, do Supremo Tribunal Federal: “Súmula 596 A irresigação trazida pelo demandante não prospera. Ora, clarividente está que o autor aceitou os encargos contratuais cobrados. Logo, insurgir-se contra os encargos contratuais, afronta o princípio do "non venire contra factum proprium". Valendo-se dos ensinamentos de Pontes de Miranda sobre o mencionado princípio, salientou a Min. Nancy Andrighi, no julgamento do REsp nº 605.687/AM, j. em 2.6.2005, DJ 20.6.2005, p. 273: "(...) nos termos de princípio invocável em nosso sistema jurídico, 'a ninguém é lícito venire contra factum proprium, isto é, exercer direito, pretensão ou ação, ou exceção, em contradição cm o que foi a sua atitude anterior, interpretada objetivamente, de acordo com a lei' (cfr. PONTES DE MIRANDA, Tratado de direito privado, Campinas: Bookseller, 2000, p. 64). " O principal efeito da aplicação desse princípio, no dizer de Paulo Mota Pinto, "será o da inibição do exercício de poderes jurídicos ou direitos, em contradição com o comportamento anterior" (aut. cit., em artigo sobre a proibição do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) no direito civil, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra - Volume Comemorativo, pág 269 - 322. "Figuras Particulares da Boa Fé objetiva e venire contra factum proprium", Luciano de Camargo Penteado, Revista de Direito Privado, vol. 27, p. 262.) O entendimento sobre as matérias ventiladas na exordial já se encontra pacificado na jurisprudência e sumuladas junto ao STJ e STF. Em face dos argumentos acima expendidos, vê-se que a taxa de juros pré-fixada entre o mutuante e o mutuário é juridicamente perfeita, vez que as entidades financeiras não são subordinadas ao limite de juros especificado na Lei da Usura. Ainda que se admita inexistir estipulação do Conselho Monetário Nacional quanto ao patamar de juros aplicáveis às operações bancárias, na ausência desta, ao contrário do que alegam o autor, não tem lugar a limitação constante da Lei de Usura. É que, conforme salientado, tal limitação não se aplica às instituições financeiras. Com efeito, ao disponibilizar determinada quantia pecuniária a seu cliente, a instituição financeira está a realizar serviço típico e inerente ao seu ramo negocial, sendo lógico admitir-se que, para tal, tem gastos expressivos e, obviamente, almeja lucro. Assim, a taxa final de juros pactuada com o réu representa a remuneração do capital por este utilizado e leva em consideração todo o custo da operação, incluídas as despesas operacionais, administrativas e tributárias, além do custo de captação, das taxas de risco e do lucro, como já dito. Sobre o tema é o voto do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, - citando, inclusive, estudo efetuado por Professores da Fundação Getúlio Vargas -, que: "as instituições financeiras são responsáveis pela intermediação dos recursos entre os poupadores, agentes com recursos momentaneamente ociosos, e os tomadores de empréstimos, que utilizam estes recursos seja na aquisição de bens de consumo seja na realização de investimentos. O spread bancário é a diferença entre a taxa de juros paga ao poupador e a cobrada do tomador do empréstimo, constituindo-se, portanto, na remuneração do serviço de intermediação. Assim como os preços, os juros são obtidos mediante o somatório de diversos componentes do custo final do dinheiro, tais como custo de captação, a taxa de risco, custos administrativos (pessoal, estabelecimento, material de consumo, etc.) e tributário e, finalmente o lucro do banco (...) O spread bancário, na verdade, segundo estudos do Banco Central mencionado pelo Professores da Fundação Getúlio Vargas, pode ser decomposto em risco de inadimplência, equivalente a 15,8%, despesas administrativas a 19,2%, impostos indiretos a 8,2%, impostos diretos a 21%, margem do Banco a 35,7%, sendo que essa margem é ' margem média do setor bancário calculada sobre todos os empréstimos'. O raciocínio que desenvolvem mostra que também a correlação do prazo do empréstimo com a taxa de inadimplência repercute sobre o spread. Assim por exemplo 'em um empréstimo mensal o tomador de empréstimo paga um spread de 30% caso a taxa de inadimplência seja de 1% dos empréstimos concedidos. Já nos empréstimos semanais, esse spread sobe para quase 100%. Os valores chegam a 140% no caso de empréstimos mensais com taxa de inadimplência de 5% e a 540% nos empréstimos semanais com a mesma taxa de inadimplência'. Por outro lado, os custos de captação variam conforme a fonte da qual o banco obtém o dinheiro que repassará ao mutuário, podendo citar-se, v.g., as cadernetas de poupança, os depósitos remunerados dos correntistas e aplicadores e moeda estrangeira. Evidentemente, o banco deverá devolver o dinheiro devidamente remunerado com o índice contratado ou previsto na lei, conforme a espécie. Concluindo, os gastos com pessoal, com o estabelecimento - alugado ou não - com o material de consumo (papel, equipamentos veículos, material de limpeza, alimentação, etc.) e com os impostos e taxas recolhidas às entidades fazendárias igualmente são contabilizados para o cálculo da taxa de juros, pois representam o quanto se gasta com o suporte físico da instituição. A taxa de risco, por sua vez, decorre dos prejuízos que a instituição tem com os devedores que não pagam ou demoram excessivamente para quitar as suas dívidas. O descumprimento da obrigação por parte destes, obviamente, tem reflexo obrigatório no custo do dinheiro emprestado a todos os mutuários, sobretudo num período de alto índice de inadimplência, para viabilizar possa a instituição remunerar as fontes de custeio pelos índices respectivos e pagar as despesas administrativas e tributárias. Finalmente, à taxa de juros deve ser acrescido o lucro do banco, sem o qual não poderá o mesmo crescer, acumular patrimônio e remunerar os seus acionistas." (Trecho do voto no REsp nº 271.214-RS).[1] Há que se considerar, ainda, que a política de juros altos é estimulada pelo próprio Governo, por ser mecanismo de contenção do consumo e, via de consequência, da inflação. Nesta linha de raciocínio, constata-se que, mesmo após várias e recentes reduções, a taxa básica de juros hoje vigente - denominada taxa SELIC e estipulada pelo Banco Central do Brasil - é da ordem de 6,50% ao ano. Ou seja: "como imaginar que, tendo despesas de manutenção (aluguéis, pessoal, propaganda, impostos, etc.) mais os riscos próprios da atividade e a exigência de um mínimo lucro para suportar esses encargos, estivessem as instituições financeiras limitas a emprestar por uma taxa de 12% a.a.?" (trecho do voto do Ministro Ari Pargendler no REsp nº 271.214-RS). Não há como reconhecer a abusividade necessária à revisão do pacto entabulado entre as partes. Assim, prevalece a taxa de juros avençada, até porque, inexistem provas que os juros contratados violaram a taxa média de mercado praticada no momento de sua celebração. Neste sentido, é pacífico o entendimento do STJ: (Resp nº 337.031/RS, 3ª Turma, rel. Min. Castro Filho, ementa parcial). "AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS VEDADA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. JUROS REMUNERATÓRIOS ACIMA DE 12 % AO ANO. ABUSIVIDADE NÃO DEMONSTRADA. (Súm. 596/STF). (REsp nº 334.742/RS, 4a Turma, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, ementa parcial). Não há, portanto, como modificar a taxa contratualmente ajustada. Destarte, flagrante a inexistência de cláusulas abusivas em relação ao contrato, objeto da presente demanda. Também não restou comprovada a existência de cobrança excessiva por parte do demandado, que ensejasse a extinção do contrato, desse modo, não há falar-se em danos morais. Ainda, não tendo falha na avença perpetrada pelas partes, não há repetição de valores descontados, muito menos em dobro, por mais que se utilize conceitos e institutos ligados ao direito consumerista e considerada a vulnerabilidade do consumidor. Ex Positis, e de tudo mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na inicial. Condeno o autor nos pagamentos das custas processuais e honorários advocatícios, estes a favor do advogado do requerido, em verba que arbitro em R$ 2.000,00 (dois mil reais), observando o artigo 85, § 8º, do CPC. Entretanto, resta suspensa sua cobrança vez que o demandante é beneficiário da Justiça Gratuita. Revogo a decisão proferida no Id. 184122116, portanto, deixo de apreciar o pedido de embargos de declaração. Transitada em julgado ou havendo desistência do prazo recursal, ao arquivo com baixa e anotações necessárias. (...)” (ID. 291584417). Irresignado, o apelante interpôs o presente recurso, por meio do qual objetiva a reforma da sentença para reconhecer a falha no dever de informação e converter a operação em empréstimo consignado tradicional, com a restituição dos valores cobrados a maior e condenação da instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais. Pois bem. I. A controvérsia se volta a regularidade da contratação de cartão de crédito consignado pelo autor e a correspondente autorização para reserva de margem consignável (RMC) em seu benefício previdenciário, especialmente diante da alegação de falha no dever de informação e vício de consentimento. Inicialmente, destaca-se que a relação jurídica em análise é de consumo, submetendo-se às disposições do Código de Defesa do Consumidor, nos termos da Súmula 297 do STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”. Ademais, conforme informado nos autos e não impugnado pela instituição financeira, o autor conta com 72 anos, enquadrando-se na definição de pessoa idosa estabelecida no art. 1º do Estatuto do Idoso. Tal condição impõe o reconhecimento de sua hipervulnerabilidade no mercado de consumo, demandando proteção especial e reforçada, tanto pelo Código de Defesa do Consumidor quanto pelo próprio Estatuto, especialmente no que tange ao dever de informação qualificada. O caso posto consiste em verificar se houve clareza e transparência das informações prestadas ao consumidor quando da contratação do serviço financeiro, bem como na adequação do produto às suas reais necessidades. O contrato juntado aos autos pelo banco apelado, embora contenha a assinatura do apelante, apresenta características que corroboram a tese de falha no dever de informação. Trata-se de documento extenso (seis páginas), com letras de tamanho reduzido, o que dificulta a compreensão por um idoso de 72 anos, conforme alegado pelo recorrente. A modalidade de cartão de crédito consignado se caracteriza, essencialmente, pela disponibilização de um cartão de crédito ao contratante, com autorização para reserva de margem consignável para pagamento do valor mínimo da fatura, ficando o restante do débito sujeito ao acúmulo de encargos rotativos próprios dessa modalidade creditícia, significativamente superiores aos praticados em empréstimos consignados convencionais. No entanto, como bem pontuado pelo apelante, não há nos autos qualquer indicativo de que o cartão tenha sido efetivamente utilizado para compras ou outras transações típicas desse meio de pagamento. O valor contratado foi apenas disponibilizado em sua conta bancária mediante saque, tal qual ocorreria em um empréstimo consignado comum, com a diferença crucial no que tange à forma de amortização e aos encargos aplicados. Ademais, é fato incontroverso que o apelante possuía margem consignável disponível para contratar um empréstimo consignado convencional, conforme demonstrado pelo extrato de empréstimos juntado aos autos. Sendo assim, não se mostra razoável presumir que o consumidor optaria por uma modalidade creditícia mais onerosa e potencialmente perpétua quando poderia, com as mesmas garantias para a instituição financeira, contratar produto mais vantajoso. A propósito, é notório que o empréstimo consignado convencional oferece menor risco ao credor e, consequentemente, menores taxas de juros ao consumidor, além de contar com número definido de parcelas, data certa para quitação e maior previsibilidade quanto ao custo total da operação. O dever de informação, previsto no artigo 6º, III, do CDC, impõe ao fornecedor a obrigação de prestar informações claras, precisas e adequadas sobre os produtos e serviços oferecidos. Tal dever ganha ainda maior relevância em se tratando de contratos financeiros complexos, especialmente quando o contratante é pessoa idosa. A ausência de informações adequadas quanto às diferenças substanciais entre as modalidades de crédito, os encargos aplicáveis e, sobretudo, quanto à potencial perpetuidade da dívida na modalidade contratada, caracteriza falha grave no dever de informação e, consequentemente, prática abusiva por parte da instituição financeira. Nesse sentido, é relevante destacar que o contrato já perdura por aproximadamente sete anos, com descontos mensais no valor de R$ 59,56, totalizando cerca de R$ 4.429,74 em pagamentos, sem perspectiva de término, o que evidencia a característica “impagável” da dívida contraída nessa modalidade, conforme apontado pelo apelante. Diante da evidente falha no dever de informação e da prática abusiva caracterizada, entendo que deve ser aplicado o princípio da conservação dos negócios jurídicos, previsto no art. 170 do Código Civil, para converter a operação de cartão de crédito consignado em empréstimo consignado convencional. Sobre o tema, cito precedentes deste Tribunal de Justiça: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C NULIDADE CONTRATUAL, RESTITUIÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS –EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NA MODALIDADE DE CARTÃO DE CRÉDITO – FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO – CONVERSÃO DA MODALIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – REPETIÇÃO DE INDÉBITO NA FORMA SIMPLES – AUSÊNCIA DE DANO MORAL – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA -RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Configura prática abusiva, que viola aos princípios da lealdade, boa-fé e transparência, a concessão de empréstimo pessoal consignado na modalidade de cartão de crédito, sem o consentimento do contratante, de forma que o empréstimo deve ser convertido para a modalidade de empréstimo consignado, mediante repetição do indébito na forma simples, a ser apurado em liquidação de sentença . Para caracterização do dano moral, a esfera íntima e ética da parte precisa ter sido abalada, já que meros aborrecimentos da vida cotidiana não configuram a reparação em testilha. Indenização excluída. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10415187520228110041, Relator.: ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Data de Julgamento: 17/07/2024, Terceira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 22/07/2024) Destaquei EMENTA APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS – CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) – CONVERTIDO EM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – SAQUE DE LIMITE DE CARTÃO DE CRÉDITO – VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO – ILEGALIDADE CONSTATADA – TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS – ADEQUAÇÃO À MÉDIA PRATICADA NA ÉPOCA DO SAQUE – RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO – FORMA SIMPLES – DANO MORAL – NÃO CONFIGURADO – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Sendo o objetivo do contratante a obtenção de empréstimo, por meio de mútuo, na forma de consignado, com desconto em folha de pagamento, na modalidade RMC (reserva de margem consignável), e, no entanto, contratar cartão de crédito como se fosse financiamento, lesa o consumidor, e viola o dever de transparência, de modo que devida a conversão da modalidade contratual e adequação da taxa de juros à média de mercado, para as operações da mesma natureza, disponibilizada pelo Banco Central à época do saque. 2 . As parcelas imotivadamente descontadas devem ser restituídas na forma simples quando não constatada a intenção dolosa. 3. A cobrança injustificada não configura, por si só, o dano moral. Ademais, se não demonstrados os requisitos caracterizadores da reparação civil, não é cabível a indenização a título de dano moral. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1007967-70.2023.8.11 .0041, Relator.: MARCIO VIDAL, Data de Julgamento: 09/04/2024, Quinta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/04/2024) Destaquei Tais precedentes evidenciam a orientação jurisprudencial no sentido de reconhecer a abusividade da contratação de cartão de crédito consignado quando o consumidor não é devidamente informado sobre as características do produto, especialmente quando há indícios de que sua real intenção era contratar empréstimo consignado tradicional. II. Assim, diante da conversão do contrato para empréstimo consignado convencional, os valores já descontados do Apelante devem ser considerados como pagamento parcial do empréstimo, aplicando-se a taxa média de juros aplicada pelo mercado para empréstimo consignado à época da contratação. Havendo valores pagos a maior, deverá haver a repetição do indébito, na forma simples, visto não estar caracterizada a má-fé da instituição financeira, mas sim prática comercial abusiva decorrente de falha no dever de informação. A quantificação precisa dos valores deverá ser apurada em fase de liquidação de sentença, com a observância dos parâmetros acima estabelecidos. III. No que tange ao pleito de indenização por danos morais, tenho que, embora evidente a falha na prestação do serviço e caracterizada a prática abusiva, os elementos constantes dos autos não revelam a ocorrência de lesão a direitos da personalidade do apelante que ultrapasse o mero descumprimento contratual. A jurisprudência deste Tribunal tem se firmado no sentido de que situações análogas à do caso em comento, embora reconheçam a conversão do contrato e eventual repetição de indébito, não ensejam reparação por danos morais, conforme precedentes anteriormente citados. Desse modo, nesse ponto específico, mantenho o entendimento adotado na sentença recorrida. DISPOSITIVO Diante do exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto por IDEMAR ROCHA, para: a) Declarar a abusividade da contratação de cartão de crédito consignado, convertendo a operação em empréstimo consignado convencional; b) Determinar que os valores já descontados sejam considerados como pagamento parcial do empréstimo, aplicando-se a taxa de juros praticada no mercado para empréstimo consignado à época da contratação; c) Determinar a restituição, na forma simples, dos valores eventualmente pagos a maior, a ser apurado em fase de liquidação de sentença; d) Inverte-se o ônus da sucumbência, condenando-se a parte apelada ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais foram fixados em R$ 4.000,00. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 24/06/2025
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