Processo nº 1045195-59.2024.4.01.3500
ID: 282784444
Tribunal: TRF1
Órgão: 5ª Vara Federal Criminal da SJGO
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 1045195-59.2024.4.01.3500
Data de Disponibilização:
29/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANTHONY PATRICIO FREITAS DE ALENCAR
OAB/GO XXXXXX
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TIAGO AZEVEDO BORGES MATEUCCI
OAB/GO XXXXXX
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GILBERTO FARIA BASTOS JUNIOR
OAB/GO XXXXXX
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PAULO ROBERTO BORGES DA SILVA
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária de Goiás 5ª Vara Federal Criminal da SJGO SENTENÇA TIPO "D" PROCESSO: 1045195-59.2024.4.01.3500 CLASSE: AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) POL…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária de Goiás 5ª Vara Federal Criminal da SJGO SENTENÇA TIPO "D" PROCESSO: 1045195-59.2024.4.01.3500 CLASSE: AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) e outros REPRESENTANTES POLO ATIVO: ISMAIL LUIZ GOMES - GO28996 POLO PASSIVO: ALLISON BESERRA SANTOS e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: PAULO ROBERTO BORGES DA SILVA - GO36395, GILBERTO FARIA BASTOS JUNIOR - GO59300, TIAGO AZEVEDO BORGES MATEUCCI - GO31882 e ANTHONY PATRICIO FREITAS DE ALENCAR - GO38382 S E N T E N Ç A SÍNTESE DO PROCESSO 1. Trata-se de ação penal ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de ALLISON BESERRA SANTOS (nome social SARIHMMER MORDECHAI BEN HAIL, vulgo SARIMIR, SARIMI ou SAID), MARÍLIA BORGES e CLEMISSON SOUZA ALVES, imputando-lhes a prática dos seguintes crimes: 1.1. ALLISON BESERRA SANTOS - arts. 149 e 158, §1º, todos do CP, e art. 1º, inc. II, da Lei 9.455/97 e art. 20, caput, da Lei 7.716/89; 1.2. MARÍLIA BORGES - arts. 149 e 158, §1º, todos do CP, e art. 1º, inc. II, da Lei 9.455/97; 1.3. CLEMISSON SOUZA ALVES - art. 1º, inc. II, da Lei 9.455/97, c/c art. 29 do CP. 2. Segundo a peça acusatória, os fatos teriam ocorrido entre agosto de 2020 e dezembro de 2022, em Goiânia/GO, envolvendo a vítima JUNIO MENDES DE FARIA, inicialmente sócio de uma empresa de distribuição de eletrônicos (MULT FORTE) e, posteriormente, submetido a grave regime de dominação pessoal e profissional pelos réus ALLISON e MARÍLIA. 3. A exordial acusatória assevera que JUNIO MENDES DE FARIA foi coagido a transferir bens (imóvel, veículos, estoque de produtos) e a prestar serviços forçados, sem remuneração, sob ameaças armadas, agressões físicas constantes, controle de suas relações pessoais e proibições de contato com familiares. Ademais, impuseram à vítima rotina de trabalhos degradantes e castigos humilhantes, tais como limpeza com escova de dentes, recusa de alimentação e espancamentos com uso de taco de beisebol. 4. O MPF afirma que CLEMISSON é apontado como colaborador direto em episódios de enforcamento da vítima, enquanto que ALLISON também é acusado de discriminação religiosa por ter se recusado a socorrer a vítima JUNIO sob alegação de “sangue impuro”. 5. Os presentes autos aportaram neste Juízo em razão de decisão declinando da competência proferida pela 2.ª Vara das Garantias da Comarca de Goiânia/GO, proferida em 26/09/2024 (decisão de ID 2152085469, fls. 228/230, dos autos do IPL). 6. Na sequência, este Juízo Federal suscitou conflito negativo de competência perante o STJ, nos termos do art. 105, inc. I, letra “d”, da CF/88 e art. 114, inciso I, do CPP (ID 2160426546). 7. O STJ, na decisão de ID 2170255281, fixou a competência deste Juízo Federal para processar e julgar os fatos noticiados nos autos, entendendo que, em tese, estão presentes os elementos para a configuração do crime de redução a condição análoga à de escravo. 8. A denúncia foi recebida em 13/12/2024 em relação aos crimes de extorsão, tortura e discriminação religiosa. Posteriormente, em 26/02/2025, houve recebimento da denúncia quanto ao crime de redução a condição análoga à de escravo. O ofendido foi admitido como assistente de acusação (ID 2163553483 e 2174255063). 9. Devidamente citados, os réus apresentaram resposta à acusação, por defensores constituídos (ALLISON - ID 2166439507 e 2174209274 e MARÍLIA - ID 2166439643 e 2174209484) e pela Defensoria Pública da União (CLEMISSON, ID 2167447424). 10. Afastando as hipóteses de absolvição sumária, determinou-se o prosseguimento do feito, com a designação de audiência de instrução e julgamento (ID 21677016470). 11. Durante a instrução, foram colhidos depoimentos da vítima e testemunhas (ID 2174950788 a 2174956108 e 2175137261 a 2175146955), além de serem interrogados os acusados (ID 2177221530 a 2177232470). 12. Na fase do artigo 402 do Código de Processo Penal, as partes nada requereram. 13. Em suas alegações finais, o Ministério Público reiterou integralmente os termos da denúncia, destacando a suficiência probatória e a gravidade dos fatos, argumentando que as testemunhas relataram a submissão extrema da vítima, coerção armada, ameaças, agressões físicas recorrentes e o temor generalizado em relação a ALLISON e MARÍLIA. 14. O Parquet Federal ressaltou, ainda, que a dívida era usada como subterfúgio para justificar a subjugação e exploração da vítima, destacando que Junio comparecia à empresa diariamente sob coerção e medo, com ausência de qualquer remuneração. Ao final, pontuou que o domínio de ALLISON era exercido por meio de arma de fogo, ameaças e coerção, criando ambiente de terror psicológico e físico contínuo. 15. O assistente de acusação reforçou o pedido condenatório, corroborando integralmente a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal e reforçando a gravidade dos atos praticados, em especial, a condição de vulnerabilidade e submissão imposta a Junio durante mais de 02 (dois) anos. 16. Asseverou, ainda, que os réus utilizaram-se de arma de fogo, violência física e psicológica e pressão financeira para subjugar a vítima, fato que ultrapassa os limites da relação civil ou contratual, evidenciando conduta penalmente relevante. Derradeiramente, ressaltou a gravidade da conduta dolosa praticada com reiteração, a vulnerabilidade da vítima marcada pela dependência emocional, econômica e psicológica. 17. As defesas, por sua vez, pugnaram pela absolvição, invocando o princípio do in dubio pro reo, além de apresentarem pedidos subsidiários de redução ou substituição das penas, em caso de eventual condenação. 18. A defesa de MARÍLIA BORGES reconheceu que houve relação entre as partes, mas sustenta que se tratava de relação empresarial malsucedida, sem dolo ou intenção de reduzir a vítima à condição análoga à de escravo. Alegou, ainda, que não havia impedimento da vítima de se ausentar ou contatar familiares e que o trabalho de Junio era uma compensação informal por perdas financeiras. Na sequência, defendeu a ausência de prova de sua participação ativa nos crimes de extorsão e tortura e que as testemunhas apresentaram contradições e vínculo com a vítima, pugnando, ao final, pela aplicação do princípio do in dúbio pro reo. 19. Já a defesa de ALLISON BESERRA SANTOS alegou ausência de dolo específico para caracterizar a escravidão moderna. Argumentou que a discriminação religiosa foi afirmação isolada e sem lastro probatório. Apontou, por fim, a ausência de prova das ameaças com arma, do enforcamento e de que impedia a liberdade da vítima. 20. Por fim, a defesa de CLEMISSON SOUZA ALVES defendeu a aplicação da excludente de culpabilidade diante da coação moral irresistível, alegando que atuou sob grave ameaça praticada por ALLISON que exercia domínio psicológico e físico, inclusive com ameaças diretas à família do réu. Aponta que agiu movido por medo real e fundado, temendo por sua vida e de seus familiares. 21. É o relatório. Decido. DELIBERAÇÃO JUDICIAL 22. Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, passo à análise do mérito. 23. Para uma melhor compreensão dos fatos, é necessário fazer um breve resumo das imputações contidas na denúncia. DO CRIME DE REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO - ART. 149 DO CP 24. Segundo consta da denúncia, JUNIO era proprietário da empresa MULT FORTE DISTRIBUIDORA DE EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS LTDA, em sociedade com DÉBORA ZULIANELI, cujas atividades iniciaram-se em 2018, encerrando-se em maio de 2021. 25. No início de 2020, JUNIO e DÉBORA contrataram ALISSON como contador, pelo salário de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais). ALISSON prestou serviços à referida empresa, juntamente com o contador Alex Fernandes de Freitas e sua esposa MARÍLIA BORGES, por aproximadamente 5 (cinco) meses, até agosto de 2020. 26. Em agosto de 2020, JUNIO e DÉBORA aceitaram o ingresso de ALLISON como “sócio investidor” da empresa MULT FORTE, ficando acordado entre eles que ALLISON investiria o montante relativo a 50% do estoque, qual seja, cerca de R$450.000,00. Entretanto, ele não fez nenhum aporte financeiro na empresa. 27. Em outubro de 2020, DÉBORA ZULIANELI retirou-se da empresa, pois, deixou de receber sua remuneração e tinha bastante medo de ALLISON, que estava sempre armado, passando a tratá-la como subalterna, desconsiderando sua condição de sócia. 28. Após a saída de DÉBORA da empresa, ALLISON passou a exercer ainda mais domínio em relação a JUNIO, demonstrando um comportamento muito arrogante, dizendo a JUNIO que tinha vinculações com o Exército Brasileiro, que era atirador e possuidor de várias armas de fogo, além de ser muito influente no Estado de Goiás. 29. A denúncia afirma, ainda, que, em determinada ocasião, ALLISON apontou, sem nenhuma razão, uma pistola em direção a JUNIO e acionou o gatilho com a arma desmuniciada e começou a rir de sua atitude, sem dar nenhuma explicação. 30. O MPF assevera que o domínio exercido por ALLISON e MARÍLIA sobre JUNIO era tamanho que o casal chegou a obrigá-lo, no dia 4 de janeiro de 2021, a se separar da esposa VANESSA, acompanhando-o até sua residência e presenciando-o a dizer a ela que tinha uma amante e que precisava sair de casa. 31. Nessa mesma época, conforme a exordial acusatória, ALLISON passou a controlar o celular de JUNIO, sendo que tudo que este recebia no aplicativo WhatsApp era do conhecimento de ALLISON e MARÍLIA. 32. Alegando que tinham aportado muito recurso na empresa e que JUNIO era seu devedor, ALLISON e MARÍLIA, passaram, também, a obrigar JUNIO a prestar serviços gratuitos a eles, sem nenhuma remuneração, como forma de abatimento da dívida supostamente contraída pelos serviços contábeis prestados e pelos aportes financeiros realizados na empresa MULT FORTE. 33. O MPF aponta, ainda, que, de março de 2021 a dezembro de 2022, JUNIO foi violenta e constantemente agredido por ALLISON e MARÍLIA. 34. No dia 4 de dezembro de 2022, após ter sido violentamente agredido por ALLISON em quase todos os dias da semana, JUNIO decidiu fugir para preservar a própria vida e a de sua família, que estava sendo constantemente ameaçada. Ele afirmou que nunca procurou a polícia ou comentou com familiares ou amigos as agressões que sofria por medo de que ALLISON pudesse matá-los. DO CRIME DE EXTORSÃO - ART. 158, §1º, DO CP 35. A denúncia afirma que ALLISON e MARÍLIA, no período de agosto de 2020 a dezembro de 2022, em Goiânia/GO, constrangeram JUNIO, mediante violência e grave ameaça exercida com emprego de arma de fogo, com o intuito de obter para si indevida vantagem econômica, a entregar a eles bens móveis e imóveis e também valores em dinheiro, como forma de abatimento de suposta dívida contraída por JUNIO. 36. De acordo com o MPF, em agosto de 2020, JUNIO vendeu para ALLISON o ágio de uma casa situada na Rua R-5, Quadra 5, Lote 22, Casa 2, Setor Solar Santa Rita, em Goiânia/GO, financiada pela CAIXA em seu nome, pelo valor de R$70.000,00, com entrada de R$10.000,00 à vista, mais R$10.000,00 para pagamento em novembro de 2020 e o restante para 2021, mas que ALLISON efetuou o pagamento apenas das 02 (duas) primeiras parcelas, e, mesmo assim, tomou posse do imóvel como se fosse legítimo proprietário, alugando-a para terceira pessoa. 37. A exordial acusatória afirma, ainda, que, em 28 de dezembro de 2020, ALLISON constrangeu JUNIO a transferir o veículo FORD/FOCUS, placas OIR-8708, a MARÍLIA como pagamento de parte da suposta dívida. 38. O Parquet Federal assevera que, em março de 2021, JUNIO solicitou a sua madrasta, HILDA PEREIRA DE ASSUNÇÃO, que vendesse seu carro para ajudá-lo a amortizar a dívida, sendo que, no dia 11 de março de 2021, JUNIO depositou na conta de MARÍLIA o valor de R$18.500,00, decorrentes da venda do veículo VW/PARATI 2013, placas NWN-5495. 39. Já em maio de 2021, conforme aponta o MPF, o estoque de material da empresa MULT FORTE, avaliado em cerca de R$500.000,00, foi totalmente adquirido pela empresa S&A GESTÃO E SERVIÇOS, de propriedade oculta de ALLISON, mas registrada em nome da mãe de ANA CARLA SOUZA ANDRADE, também vítima de várias condutas criminosas por parte de ALLISON, conforme comprovam as notas fiscais referidas pelo relatório policial de fls. 104/111 do ID 2152085367, que demonstram a aquisição de aproximadamente R$330.000,00 de materiais da MULT FORTE, os quais posteriormente foram incorporados à empresa GÊNESIS MATERIAIS ELETRÔNICOS (ID 2152085308, pp. 268/274). 40. Por fim, JUNIO também foi constrangido a entregar para ALLISON e MARÍLIA valores obtidos como motorista do aplicativo UBER. 41. O MPF afirma que, de acordo com JUNIO, a exigência por dinheiro era tanta que ele passou a fazer corridas de UBER durante as noites e finais de semana e que 100% do valor obtido era repassado para MARÍLIA e ALLISON, tanto que pedia para seus parentes o valor do aluguel do carro. 42. A denúncia aponta, também, que JUNIO pegou valor superior a R$6.000,00 com sua irmã ÊNIA e repassou, integralmente, ao casal, além de contrair empréstimos em benefício de ALLISON e MARÍLIA, bem como assinar cheques em branco e procurações e comprar o veículo MERCEDEZ BENZ para ALLISON, por meio de financiamento contraído junto ao Banco Safra. DO CRIME DE TORTURA - ART. 1º, INC. II, DA LEI 9.455/97 43. Em relação ao referido delito, a denúncia assevera que ALLISON e MARÍLIA, no período de março de 2021 a dezembro de 2022, submeteram JUNIO, que estava sob seu poder, com emprego de violência e grave ameaça exercida com arma de fogo, a intenso sofrimento físico e mental, como forma de aplicar castigo pessoal, sujeitando-o a constantes e brutais espancamentos com chutes e golpes com um taco de beisebol, além de xingamentos. 44. O MPF afirma que, a partir de março de 2021, ALLISON começou a agredir fisicamente JUNIO, ameaçando-o a pagar a dívida supostamente contraída pelos serviços prestados e pelos aportes financeiros realizados por ALLISON na empresa MULT FORTE. 45. Ademais, conforme afirma a acusação, além de ameaçar matar toda a família da vítima, de março de 2021 a dezembro de 2022, JUNIO foi violenta e constantemente agredido pelo casal ALLISON e MARÍLIA e que as agressões iniciaram-se com tapas no rosto e evoluíram para chutes e golpes com taco de beiseball (que, inclusive, resultaram em várias cicatrizes pelo corpo de JUNIO), culminando com enforcamento, por 03 (três) vezes seguidas, praticado com o auxílio de CLEMISSON SOUZA ALVES, vulgo MAGO, em setembro de 2022. 46. Já MARÍLIA, de acordo com a exordial acusatória, participava das agressões físicas e era quem buscava o taco de beiseball para ALLISON. Assim, enquanto ele agredia JUNIO, ela desferia agressões verbais, chamando-o de vagabundo. 47. Aponta, ainda, o MPF que as várias agressões praticadas em face de JUNIO foram testemunhadas por outros funcionários das empresas e prestadores de serviços. 48. A denúncia narra, também, que, em uma dessas agressões, ALLISON chegou a decepar a orelha de JUNIO, o que foi presenciado tanto por HENRIQUE ADRIANO quanto por HILDA PEREIRA DE ASSUNÇÃO, madrasta de JUNIO, e corroborada pelo Laudo de Exame de Corpo de Delito “Lesões Corporais". 49. Por fim, a denúncia afirma que ALLISON, com o auxílio de CLEMISSON, em data incerta, mas entre junho e outubro de 2022, submeteu JUNIO a intenso sofrimento físico e mental, caracterizado pelo enforcamento de JUNIO, por 03 (três) vezes seguidas, como forma de castigo pessoal, além de tê-lo colocado em cima de um balde, passado uma corda no seu pescoço e dito que iria enforcá-lo. 50. O Parquet Federal aponta que, apesar de CLEMISSON declarar que disse a ALLISON para não fazer tal coisa e ALLISON ter respondido “vou enforcar só para fazer um teste”, eles, de fato, suspenderam a corda e, por 03 (três) vezes seguidas, enforcaram JUNIO, que ficou desacordado. DO CRIME DE RACISMO - ART. 20 DA LEI 7.716/89 51. A denúncia afirma que ALLISON, entre março e abril de 2022, praticou discriminação de religião, ao negar transportar JUNIO MENDES FREITAS em seu carro e prestar-lhe socorro por ocasião de uma queda do telhado da empresa GÊNESIS, sob alegação de que JUNIO possui “sangue impuro” por não ser judeu. 52. O MPF assevera que, em algum dia do período supracitado, JUNIO estava fazendo um serviço no telhado da empresa GÊNESIS e, por não ter se alimentado naquele dia, caiu do telhado, sofrendo alguns cortes e precisando ser socorrido. ALLISON, entretanto, negou-se a colocar JUNIO em seu carro, pois ele tinha “sangue impuro”, ou seja, não era judeu, razão pela qual HENRIQUE ADRIANO levou a vítima ao Centro de Referência em Ortopedia e Fisioterapia – CROF, da Prefeitura Municipal de Goiânia/GO, para ser atendido. Na ocasião, ALLISON ainda obrigou JUNIO a dizer a HENRIQUE ADRIANO que “não era para ter dó dele, pois realmente ele tinha uma dívida para com ALLISON”. 53. A exordial acusatória narra, ainda, que JUNIO deixou a casa de seu pai e sua madrasta no dia 6 de dezembro de 2022 (mesma data em que HILDA fez algumas fotografias de seu abdômen, as quais estão acostadas nas fls. 46/47 do ID 2152085338), permanecendo em local ignorado de sua família até 20 de junho de 2024, quando decidiu comparecer perante a autoridade policial para testemunhar, após ter conhecimento de que ALLISON havia sido preso. 54. Após o resumo das condutas narradas, passemos à análise da autoria e da materialidade dos delitos imputados. DAS PROVAS DA AUTORIA E DA MATERIALIDADE DELITIVAS 55. A pretensão punitiva deve ser parcialmente acolhida. 56. Com efeito, as provas produzidas comprovam a materialidade dos crimes previstos nos arts. 149 e art. 158, §1º, todos do CP, e 1º, inc. II, da Lei 9.455/97 e permitem imputar, sem nenhuma dúvida, sua autoria aos réus ALLISON BESERRA SANTOS e MARÍLIA BORGES. 57. A materialidade delitiva está demonstrada pelos seguintes elementos probatórios: 57.1. Laudo de Exame de Corpo de Delito “Lesões Corporais” contido no ID 2152085367 (Fls. 74/77), que, em resumo, atestou o seguinte, em relação à vítima JUNIO MENDES DE FARIA: "O PERICIADO COMPARECEU AO I.M.L. LÚCIDO E DEAMBULANDO NORMALMENTE. AO EXAME: 1- AUSÊNCIA DE LESÕES CORPORAIS RECENTES. 2- CAÇOSIDADE EM HELIX ORELHA ESQUERDA 3- CICATRIZ COM RETRAÇÃO DE PELE HIPOCROMICA MEDINDO 5 CM NO SEU MAIOR EIXO EM FACE ANTERIOR DO TERÇO DISTAL DA PERNA DIRIETA 4-MANCHA HIPOCROMICA EM FACE POSTERIOR DO TERÇO MÉDIO DO BRAÇO DIREITO MEDINDO 10X6 CM"; 57.2. Termo de Exibição e Apreensão RAI 33839734 e Relatório Policial (Fls. 218/219 do ID 2152085308) comprovando a apreensão, na residência dos acusados ALLISON e MARÍLIA, de diversas armas, dentre elas, 2 fuzis, 3 pistolas, 2 espingardas e distintivo da Polícia Civil, além de diversas munições e carregadores; 57.3. Contrato de financiamento da CAIXA em nome de JUNIO (fls. 227/248 do ID 2152085308), apreendido na residência de ALLISON e MARÍLIA, cujo objeto é uma casa residencial localizada no Residencial Solar Santa Rita; 57.4. Instrumento Particular de Compra e Venda do automóvel Ford Focus, placa OIR 8708, pelo valor de R$20.000,00, impondo a JUNIO o pagamento do restante das parcelas de financiamento - fls. 249/260 do ID 2152085308 e Procuração outorgada por JUNIO a MARÍLIA (fls. 110/111 do ID 2152085367). 58. Além de também comprovar a materialidade delitiva, a prova testemunhal comprova que os réus ALLISON BESERRA SANTOS e MARÍLIA BORGES são os autores dos crimes previstos nos arts. 149 e art. 158, §1º, todos do CP, e 1º, inc. II, da Lei 9.455/97. Confiram-se: 58.1. A testemunha DÉBORA ZULIANELI esclareceu que conhece o acusado ALLISON que se apresentou como contador; que abriu uma empresa tendo como sócio o JUNIO que vendia equipamentos de segurança; que um amigo de nome Sirlon lhe apresentou o ALLISON para que ele prestasse serviços de contabilidade à sua empresa; que contrataram os serviços dele depois de uns 6 meses do primeiro contato; que ele prestava os seus serviços do escritório dele; que sua mãe adoeceu e, por isso, viajou para Cuiabá; que o ALLISON entrou como sócio da empresa, nessa época, sem pagar nada por isso; que, depois disso, ele passou a frequentar a empresa; que ele e o JUNIO passaram a administrar a empresa, ficando na área comercial; conhecia o JUNIO de longa data, pois trabalharam 16 anos em outra empresa; que deixou a empresa Multi Forte no dia 30/10/2020, porque, quando voltou de Cuiabá, percebeu que o JUNIO estava muito submisso ao ALLISON e que o dinheiro das vendas não entrava na conta da empresa, mas era desviado para ALLISON; que foi bloqueada e não tinha acesso ao sistema financeiro da empresa; que os funcionários da empresa saíram sem receber e entraram com processo na justiça do trabalho; que o ALLISON não respeitava o JUNIO e nem os clientes, pois ligava cobrando deles com ameaças; que o ALLISON não lhe devolveu os cheques e notas promissórias assinadas, nem seu certificado digital; que eles passaram a não pagar os fornecedores; que o JUNIO passou a ser totalmente submisso ao ALLISON; que trouxeram o ALLISON pra empresa no intuito de melhorar para todos; soube por terceiros que o JUNIO tinha perdido tudo e estava sendo espancado; que todos os empregados da empresa tinham medo do casal ALLISON e MARILIA; que imputa seu prejuízo à chegada do ALLISON na empresa, tendo em vista que saiu da empresa sem nada; não conhece CLEMISSON; que foi impedida do acesso à empresa, inclusive, pelo JUNIO; que, durante todo o período de viagem a Cuiabá, recebeu apenas R$2.000,00; que, depois de sua saída da empresa, eles emitiram cheques seus, sem o seu consentimento, pois estavam assinados em branco, causando-lhe sérios prejuízos. 58.2. ANA CARLA SOUZA ANDRADE acrescentou que conhece o ALLISON em virtude de um relacionamento extraconjugal que tiveram, há aproximados 8 anos; que ele se apresentou como advogado tributarista, solteiro; que ele se dispôs a ajudar sua mãe a se aposentar; que ele pediu toda a documentação, mas ela nunca conseguiu se aposentar; que tentou terminar o relacionamento depois que descobriu que ele era casado; que, no início do relacionamento ele era calmo, mas na primeira briga ele quebrou um celular e passou a ser uma pessoa estúpida; que passou a ter medo dele, porque ele ameaçava sua família; que presenciou ele agredindo funcionário; que ele andava armado; chegou a trabalhar para o ALLISON, oportunidade em que conheceu a MARILIA; que fazia de tudo, desde limpar a loja até fazer vendas; que nunca recebeu salário, porque ele nunca lhe pagou; que quando dizia que não voltaria, ele batia no JUNIO e dizia "é isso que acontece quando a pessoa não me obedece"; que o JUNIO trabalhava na empresa nessa mesma época; que ele era agredido com taco de baseball, chutes e um objeto parecido com canivete; que ele dizia que lá em Israel eles cortam as pessoas por partes; que a MARILIA sabia das agressões e presenciava tudo; que JUNIO dizia que não fugia, porque tinha medo; que, durante o primeiro ano de relacionamento, não houve ameaças; depois, tentou terminar o relacionamento, mas ele não aceitava e permaneceu com ele por medo, mesmo sabendo que ele era casado; que não procurou a polícia, porque ele dizia ter gente grande do seu lado, tinha medo inclusive, porque sabe que muitas pessoas com medida protetiva são mortas; não foi coagida na polícia civil para prestar seu depoimento; que o rodízio de empregados na empresa do ALLISON era grande, porque sentiam medo; em determinada oportunidade, foi ameaçada e obrigada a bater no JUNIO com o taco de baseball; que se lembra de o ALLISON determinar que levassem o JUNIO para os fundos da empresa, porque tinha arrumado um brinquedinho pra ele; ouviu comentários de que iam amarrar o JUNIO no caibro; que o CLEMISSON ("mago") participou desse momento; que, depois disso, não encontrou com o JUNIO mais. 58.3. DANIELA DAS DORES LOPES, por sua vez, esclareceu que trabalhou no pub do ALLISON no período de novembro/2023 até junho/2024 a convite do Chef Lucas; que foi contratada como cozinheira e depois passou a ocupar a função do Lucas; que presenciou o ALLISON agredir os funcionários com palavras; que conheceu o JUNIO através de vídeo, apenas; que MARILIA disse que ele teria roubado 3 milhões de reais do ALLISON; que, no vídeo, o ALLISON agredia o JUNIO com um taco de baseball até vomitar, sendo obrigado a limpar o vômito; que as imagens eram do sistema de segurança; que a MARILIA também era agressiva com palavras; que esse vídeo estava no celular da MARILIA; que ALLISON e MARILIA andavam com duas armas dentro da bolsa da MARILIA; que não escondiam dos funcionários que andavam armados; que o Lucas foi ameaçado com arma na cabeça dizendo que era para ele não aparecer mais no pub e que não iriam pagar o que deviam; 58.4. A testemunha HENRIQUE ADRIANO BATISTA DE MORAES disse que trabalhava em uma ferragista e ALLISON lhe ofereceu trabalho de vendedor; que trabalhou na empresa dele por quase dois meses; que trabalhava nessa empresa com o JUNIO; que ele fazia de tudo na empresa e soube que ele trabalhava lá para pagar uma dívida com o ALLISON e MARILIA; não sabe se o JUNIO recebia salário; que o ALLISON era agressivo com o JUNIO a ponto de agredi-lo fisicamente; que presenciou chutes e pelas câmeras viu o ALLISON batendo com cinto nele; que o JUNIO não reagia a essas agressões; que o JUNIO era obrigado a limpar o rodapé do escritório com escova de dentes, pois eram muito exigentes com a limpeza; que ele trabalhava no horário comercial, das 08 às 18 horas; que levava o seu almoço de casa; quando o JUNIO caiu do telhado e cortou a cabeça, pessoalmente, o levou para o hospital a pedido do ALLISON, vez que ele não tocava em dinheiro nem em sangue, por ser judeu; que o ALLISON não ameaçava o JUNIO, apenas cobrava dele os horários e o serviço; ALLISON andava armado o tempo todo, ostensivamente; que a MARÍLIA não agredia e era mais amigável, embora ficasse nervosa, especialmente, com JUNIO; que ela sabia das agressões e participava de forma verbal; MARILIA andava com arma na bolsa; que o JUNIO era muito calado e tinha receio de conversar; que passou a ter medo do ALLISON depois que presenciou as agressões, por isso, pediu para sair da empresa; que se sentiu nervoso na delegacia por nunca ter tido problemas com a justiça; não conheceu o CLEMISSON. 58.5. A vítima JUNIO MENDES FREITAS informou que trabalhou 16 anos numa empresa onde era colega da testemunha Débora; que ela lhe propôs abrir uma empresa no mesmo ramo; em 2018, aceitou o convite e montaram a empresa de nome Multi Fort que vendia produtos de segurança; contrataram o escritório de ALLISON para fazer a contabilidade da empresa; que depois de certo tempo, a Débora o convidou para fazer parte da empresa; que ele prometeu fazer um aporte na empresa, mas nunca pagou; que ele começou a frequentar a empresa e administrá-la; que a Débora sentiu que o ALLISON estava ficando diferente e, por isso, pediu para sair da empresa; que em determinada ocasião ele comprou vários computadores na empresa Fujioka, usando o nome da Multi Forte, mas eles nunca apareceram; também, comprou um veículo Mercedes e financiou no nome da empresa, mas esse carro não apareceu; que tinha um veículo Focus que era financiado no nome da Multi Forte e ele desapareceu com o carro; que o ALLISON chegou a colocar uma arma na sua cabeça e efetuou um disparo, sem motivo; que acredita que ele clonou seu celular, pois passou a dar notícias de todas as suas conversas; sofreu ameaças no sentido de ele dizer que tinha conhecimento de onde seus familiares residiam; que viajou com sua ex-esposa pra Maceió e, depois disso, o ALLISON lhe obrigou a falar para sua mulher que tinha um caso extraconjugal; que, por esse motivo, teve que deixar a casa onde moravam, porque era da sua mulher; que vendeu o ágio de sua casa para o ALLISON, pelo valor de R$70.000,00, mas ele passou apenas R$20.000,00, alegando que a casa ficaria pela dívida da reforma que fez na empresa Multi Forte; que a sua viagem para Maceió foi em outubro/2020; que, em dezembro/2020, passou para ALLISON e MARILIA um Focus ano 2013 para pagar essa mesma dívida; que o ALLISON vendeu o estoque da loja Multi Forte; não o questionou, porque já vinha sendo agredido; que trabalhava como uber e era obrigado a entregar seu dinheiro para o ALLISON; o mesmo ocorreu quando trabalhava de diária; que sofria ameaça de todas as ordens; que tudo isso perdurou por cerca de um ano, sendo que tudo piorou depois que a Débora saiu da empresa; que as agressões ocorriam dentro da empresa; que, enquanto o ALLISON batia, a MARILIA filmava; que essas filmagens, inclusive, foram mostradas aos funcionários do pub (de propriedade dos acusados ALLISON e MARILIA) a título de ameaças; que, um dia, despencou do telhado da empresa Genesis de propriedade do ALLISON; nessa ocasião, foi socorrido pelo Henrique, e não se lembra dos detalhes, porque ficou desacordado; que passou a trabalhar nessa empresa, depois que fecharam a empresa Multi Forte; que não percebia qualquer tipo de recompensa ou pagamento; sobre o enforcamento, disse que levaram ele para o fundo da empresa Genesis e amarraram uma corda no caibro; que o ALLISON mandou subir em um balde e ele foi puxando a corda com a ajuda do CLEMISSON; que a MARÍLIA estava na loja e sabia o que estava acontecendo; era ela quem buscava o taco de baseball na camionete para que ALLISON lhe desferisse os golpes; em uma oportunidade ela também lhe bateu com chutes e murros, além das agressões psicológicas; acredita que as agressões se davam em virtude de racismo, pois tudo que fazia consideravam errado ou mal feito; não permitiam que colocasse sua marmita na geladeira e por isso, por várias vezes, ficou sem comer, pois a sua comida azedava; que perguntou a Ana Carla, porque ela dizia a ALLISON que estava "dando de cima" dela e ela disse que ele mandava ela falar isso só pra ele ter motivo pra lhe bater; ele sentia prazer em lhe bater e acredita que seja por racismo, pois é "preto"; que chegou a pegar dinheiro emprestado, no valor de R$18.500,00 com sua madrasta, de 6 a 7 mil reais com sua irmã e R$6.500,00 com sua ex-sogra; todo esse dinheiro foi passado para o acusado ALLISON; que aguentou tudo isso, porque não gostaria que sua família soubesse o que passava e, também, porque sabia que ele era pessoa poderosa e influente; aguentou tudo para proteger quem amava; que ele exercia muito poder sobre seu psicológico; que apenas uma vez pediu para ele não lhe bater, porque não tinha se recuperado da última surra, mas ele não lhe poupou; por isso, em novembro, mostrou seus hematomas para sua madrasta que tirou fotografia e, em seguida, fugiu; que ele chegou a cortar sua orelha com uma pancada de cabo de vassoura; sempre arrumava uma desculpa para informar nos centros de atendimento médico; que o ALLISON nunca fez parte do contrato social da empresa; que assinava os documentos sem ler, pois agia sob coação; o ALLISON lhe contou que havia clonado seu celular e acreditou, porque ele sabia tudo que fazia, inclusive de sua viagem a Maceió; que a casa cujo ágio foi vendido para o ALLISON continua no seu nome, mas está na posse do ALLISON; que a empresa vendia de 250 a 300 mil por mês e as retiradas eram estipuladas pela Débora; que a suposta dívida que tinha com ALLISON era decorrente da reestruturação da empresa que foi feita por ele; que nunca procurou a polícia, só compareceu na delegacia quando foi intimado; que dormiu na empresa Genesis apenas duas vezes; que ia e vinha da sua casa todos os dias; que fazia serviços gerais e não recebia salário; que morava com seus pais, por isso, não tinha despesas; que eles nunca lhe questionaram sobre seu salário; os R$18.500,00 oriundos da venda do veículo de sua madrasta, disse que seria para investir na empresa Multi Fort; que ficou desaparecido por dois anos, até saber que o ALLISON tinha sido preso por outro motivo; não sabe como a polícia o encontrou, mas talvez seja porque o ALLISON possuía em seu poder notas promissórias assinadas em branco em seu nome; que o acusado se apresentava como Sarimer, dizia que seu pai era policial aposentado e seu irmão também era policial; que ele se dizia israelense, mas o delegado lhe disse que ele é brasileiro; que ele tem grande poder de persuasão; que a Ana Carla e a mãe dela, também, foram vítimas do ALLISON, pois gerou prejuízo no importe de um milhão pra elas; que elas tinham medo dele; que o ALLISON lhe mostrou duas armas, uma pistola 9mm e um fuzil; sabe que um prestador de serviços esteve no pub para cobrar do ALLISON e filmou as ameaças, ocasionando a sua prisão; acredita que, na verdade, não existia dívida nenhuma, pois o ALLISON fez dívida em nome da empresa, e não pagou; que, portanto, é credor, pois passou cerca de 100 mil reais em espécie para ele. 58.6. Em seu seu interrogatório, o réu CLEMISSON declarou que estava trabalhando na demolição onde seria construído o pub; que isso se deu em 2021; que conheceu o JUNIO na empresa Gênesis; que ele foi apresentado como pessoa que devia muito ao ALLISON e que, por isso, era mal tratado; que o JUNIO aguentava tudo calado; que presenciou, algumas vezes, agressões psicológicas e físicas praticadas contra JUNIO; confirmou que participou do enforcamento praticado contra JUNIO, porque tinha receio de fazerem o mesmo consigo; que sua participação consistiu em ajudar a levantar o JUNIO quando foi enforcado; que a MARILIA não estava presente; que presenciou ela agredindo a vítima verbalmente, apenas; que ela também andava armada; não teve acesso a nenhum conteúdo do celular deles (MARILIA e ALLISON); que a MARILIA era mais agressiva nas palavras; que saiu da empresa e depois o ALLISON esteve na sua residência, oportunidade em que relatou que o JUNIO estava desaparecido; que deixou a empresa, porque ALLISON nunca lhe pagou o que prometera, bem assim o fez com seu pai; que o ALLISON, também, passou a ofender sua família; que tinha receio de se envolver ainda mais e acabar como o JUNIO; que ficou de quatro a cinco meses trabalhando com ALLISON, sem receber salário; não estava presente no dia em que JUNIO caiu do telhado; que presenciou uma outra queda que ele sofreu, mas não essa; acredita que o ALLISON não tinha a intenção de matar o JUNIO com o enforcamento, mas de impor-lhe mais medo; que lhe foi prometido pelo ALLISON salário a partir de R$10.000,00 quando da inauguração do pub, porém, quando estava próximo disso acontecer, foi bloqueado nas redes sociais do ALLISON; que, depois do enforcamento do JUNIO, não chamou a polícia, por receio do ALLISON, pois ele se dizia muito rico, influente e poderoso; que dizia ser judeu e israelense; que passou a ter medo do ALLISON depois que presenciou os atos de violência praticados contra o JUNIO; que auxiliou no enforcamento por receio, vez que temia por sua família (sua esposa estava grávida e seu pai é idoso); que o JUNIO foi enforcado, porque fez alguma coisa na obra que o ALLISON não gostou; que tentou demovê-lo, sem sucesso, da ideia; todos que trabalhavam para o ALLISON tinham medo dele; 58.7. A acusada MARILIA asseverou que era proprietária do pub; que os fatos não ocorreram da forma como foram relatados pelas testemunhas; que o JUNIO era sócio da Débora e, segundo ela, ele não era honesto; que contrataram o escritório do Alex (contador) em sociedade com o ALLISON (área administrativa) para administrarem a empresa; que foram procurados pela Débora; que depois, em junho de 2020, o ALLISON passou a administrar a empresa pertencente a Débora e JUNIO; que a empresa era muito bagunçada e o JUNIO não efetuava o pagamento dos funcionários corretamente; que a Débora fez uma viagem antes de sair da empresa; que fizeram uma reforma na loja da qual JUNIO e Débora não participaram; que possuíam procuração do JUNIO para administrar a loja; nega que ocorreram as ameaças e agressões declinadas pelas testemunhas; o CLEMISSON trabalhava como diarista na construção do pub pelo valor de R$120,00; que possui arma de fogo, pois é CAC, mas não andava armada; que nunca presenciou agressão praticada pelo ALLISON contra ninguém; que também não agrediu qualquer um dos envolvidos; que as denúncias tem origem nas dívidas contraídas pelo JUNIO e Débora, pois eles não pretendem pagá-los; que o JUNIO caiu do telhado durante a obra do pub, mas prestaram total assistência; que o ALLISON não limpou o sangue por outras questões não relacionadas a preconceito religioso; que o JUNIO trabalhou esporadicamente para o ALLISON, mediante pagamento; que a dívida que o JUNIO tem com eles é proveniente do pagamento de funcionários e fornecedores que estava atrasado, além da reforma da loja; que ele chegou a assinar nota promissória; que, antes de sumir, ele mandou mensagem informando que ia pagar a dívida que tinha com eles; que a dívida é de aproximados R$3.000.000,00; sobre a casa, disse que comprou o ágio e pagou; que não conhece o carro Paraty; 58.8. Por fim, o acusado ALLISON disse que, em 2018, foi procurado pela Débora e JUNIO para prestar serviços de administração à empresa deles; que possui armas, porque é CAC, mas não costuma andar armado; que os fatos objeto desta ação decorrem das dívidas contraídas pelo JUNIO; que nunca agrediu o JUNIO com taco de baseball; que as lesões existentes no corpo de JUNIO decorrem dos três acidentes de moto que ele sofrera ao longo da vida; que possui uma granada desativada que ganhou do seu barbeiro; que é vítima de perseguição da vítima; que seu pai é policial militar aposentado; que o CLEMISSON ficou chateado porque não o contratou como empregado e, também, ficou devendo mil reais para o pai dele; não entende porque ele se autoincriminou, mas que não existe construção onde ele disse que houve o enforcamento, então, não sabe onde a corda seria amarrada; 59. Além dos depoimentos prestados acima, foram inquiridas diversas testemunhas durante as investigações policiais, que apontaram a má índole do casal (ID 2152085308, fls. 98, 106, 111/113, 148/154, 168/170, 177/178, 356/357, 368/370, 372/374 e 377/381; ID 2152085367, fls. 49/52, 124/128 e 193/194). 60. Dentre os depoimentos prestados no âmbito policial, é importante ressaltar o de HILDA PEREIRA DE ASSUNÇÃO, madrasta de JUNIO. Ela afirmou, em seu depoimento perante a autoridade policial (fls. 43/45 do ID 2152085338), que, em março de 2021, JUNIO chegou em casa machucado e “pedindo pelo amor de Deus para que a depoente lhe entregasse seu carro”, sem, todavia, declinar o motivo, mas ela disse ser evidente que ele estava com medo de morrer e simplesmente fez o que ele lhe pediu. Afirmou, ainda, que vendeu seu veículo VW/Parati, placa NWN-5495, no dia 11/03/2021 pelo preço de R$18.500,00, valor depositado na conta de MARILIA. Nessa oportunidade, informou que era fiadora no contrato de aluguel da sala comercial onde funcionava a empresa Multi Fort, sendo que, depois que ALLISON entrou no negócio, os alugueis deixaram de ser pagos, tendo que arcar com R$12.000,00 de prejuízo, mais R$3.000,00 de honorários advocatícios. 61. No mesmo sentido, VANESSA BORGES DOS SANTOS, ex-mulher de JUNIO, ao ser inquirida pela autoridade policial, confirmou que ele arcava com todas as despesas da casa e que, em dezembro de 2020, passou a se mostrar transtornado, deixou de se alimentar, até que em um determinado dia chegou em casa, na companhia de ALLISON e MARILIA, falando que tinha outra pessoa e imediatamente deixou o local (fls. 39/41 do ID 2152085338). 62. Portanto, as provas colhidas demonstram, sem deixar nenhuma dúvida, que os acusados ALLISON e MARILIA submeteram a vítima JÚNIOR a tratamento degradante, humilhante, típico das priscas eras da escravidão, subjugando-o, açoitando-o constantemente, ameaçando-o de matá-lo, enfim, praticando os mais bárbaros atos, típicos de selvagens. 63. Confiram-se, mais uma vez, os seguintes trechos estarrecedores dos depoimentos das testemunhas inquiridas judicialmente: 63.1. ANA CARLA SOUZA ANDRADE: (...) quando dizia que não voltaria, ele batia no JUNIO e dizia "é isso que acontece quando a pessoa não me obedece"; que o JUNIO trabalhava na empresa nessa mesma época; que ele era agredido com taco de baseball, chutes e um objeto parecido com canivete; que ele dizia que lá em Israel eles cortam as pessoas por partes; que a MARILIA sabia das agressões e presenciava tudo; que JUNIO dizia que não fugia, porque tinha medo (...). 63.2. DANIELA DAS DORES LOPES: (...) conheceu o JUNIO através de vídeo, apenas; que MARILIA disse que ele teria roubado 3 milhões de reais do ALLISON; que, no vídeo, o ALLISON agredia o JUNIO com um taco de baseball até vomitar, sendo obrigando a limpar o vômito; que as imagens eram do sistema de segurança; que a MARILIA também era agressiva com palavras; que esse vídeo estava no celular da MARILIA; que ALLISON e MARILIA andavam com duas armas dentro da bolsa da MARILIA; que não escondiam dos funcionários que andavam armados (...). 63.3. HENRIQUE ADRIANO BATISTA DE MORAES: (...) o ALLISON era agressivo com o JUNIO a ponto de agredi-lo fisicamente; que presenciou chutes e pelas câmeras viu o ALLISON batendo com cinto nele; que o JUNIO não reagia a essas agressões; que o JUNIO era obrigado a limpar o rodapé do escritório com escova de dentes, pois eram muito exigentes com a limpeza; que ele trabalhava no horário comercial, das 08 às 18 horas; que levava o seu almoço de casa; quando o JUNIO caiu do telhado e cortou a cabeça, pessoalmente, o levou para o hospital a pedido do ALLISON, vez que ele não tocava em dinheiro nem em sangue, por ser judeu; que o ALLISON não ameaçava o JUNIO, apenas cobrava dele os horários e o serviço; ALLISON andava armado o tempo todo, ostensivamente; que a MARÍLIA não agredia e era mais amigável, embora ficasse nervosa, especialmente, com JUNIO; que ela sabia das agressões e participava de forma verbal; MARILIA andava com arma na bolsa; que o JUNIO era muito calado e tinha receio de conversar; que passou a ter medo do ALLISON depois que presenciou as agressões (...). 64. Conclui-se, assim, que os acusados praticaram os crimes previstos nos arts. 149, 158, §1º, todos do CP, e 1º, inc. II, da Lei 9.455/97. 65. O art. 149 do CP dispõe que: Art. 149 Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (grifo nosso) 66. O crime previsto no art. 149 do Código Penal é de ação múltipla e de conteúdo variado, de modo que a configuração de uma das hipóteses previstas no dispositivo já o configura. 67. Assim, ainda que, em tese, se entenda que não houve efetiva restrição de liberdade de locomoção da vítima, sujeitar o indivíduo a condições degradantes de trabalho já se enquadraria no tipo penal. 68. Nesse sentido, o STJ já decidiu que "o crime de redução a condição análoga à de escravo pode ocorrer independentemente da restrição à liberdade de locomoção do trabalhador, uma vez que esta é apenas uma das formas de cometimento do delito, mas não é a única. O referido tipo penal prevê outras condutas que podem ofender o bem juridicamente tutelado, isto é, a liberdade de o indivíduo ir, vir e se autodeterminar, dentre elas submeter o sujeito passivo do delito a condições degradantes de trabalho" (REsp n. 1.223.781/MA, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 29/8/2016). (grifo nosso) 69. No caso em análise, as provas demonstram, cabalmente, que JÚNIO foi submetido a condições degradantes de trabalhos, consistentes em constantes xingamentos e agressões físicas, realização de trabalhos humilhantes (limpeza de rodapé com escova de dentes), dentre outras. 70. Além disso, em razão das dívidas inventadas pelos acusados ALLISON e MARÍLIA, a vítima foi compelida a prestar serviços sem remuneração aos investigados, além de o submeterem a agressões físicas e ameaças frequentemente, culminando na sessão de enforcamento e separação de sua esposa. O temor da vítima ficou ainda evidenciado quando de sua oitiva em juízo, pois se recusou a fornecer seu endereço residencial, revelando tamanho terror que lhe foi imposto pelos acusados. 71. Registre-se, ainda, como bem ressaltou o MPF em suas alegações finais, que "MARÍLIA e ALLISON suprimiram de tal forma a liberdade individual de JUNIO que este ficou totalmente sujeito às suas vontades, perdendo a capacidade de decidir por si mesmo (até mesmo no que diz respeito a seus relacionamentos íntimos, como seu casamento), o que resultou em total vulnerabilidade de sua integridade física, psíquica e liberdade de locomoção, pois, apesar de pernoitar na casa de seu pai e madrasta, retornava, dia após dia, para prestar serviços ao casal, submetendo-se a seus desmandos". 72. Ademais, como também apontado pelo Parquet Federal, "embora não se trate da dívida clássica geralmente constatada em casos de redução a condição análoga à de escravo (como, por exemplo, dívidas contraídas com o empregador ou preposto no momento da arregimentação ou no curso do trabalho, com a venda de mercadorias), é certo que o elemento “dívida” estava presente e se caracterizava pela disparidade dos alegados “investimentos” realizados na loja, tais como prestação de serviços de contabilidade e assessoria financeira, aquisição de computadores que não foram entregues, gastos não comprovados com reforma, causando uma dívida eterna e impagável, no valor de três milhões de reais, como informado pela própria defesa na manifestação ID 2176405369. Infere-se, assim, que não se tratava de uma dívida certa, passível de ser aferida mediante análise contábil da empresa, tanto que as notas promissórias que teoricamente garantem essa dívida estão em branco. A dívida, ainda que existente a princípio, foi usada, na verdade, como pretexto para sujeitar JUNIO a prestar serviços forçados aos réus, sem remuneração, e a submetê-lo a condições degradantes e desumanas de trabalho. Se fosse uma dívida real e lícita, talvez fosse possível cogitar de eventual prática do crime de exercício arbitrário das próprias razões, tipificado pelo artigo 345 do Código Penal, e argumentar que ALLISON e MARÍLIA usaram meios “arbitrários”, como violência e grave ameaça, para buscar satisfazer uma pretensão “legítima”. Mas não: a dívida tinha, a cada momento, valor diferente e aumentava em progressão geométrica, começando em R$1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil reais) até chegar à cifra de R$3.000.000,00 (três milhões de reais) em curto espaço de tempo, e, ainda que JUNIO tenha entregado sua empresa, seus bens (casa, carro etc.), realizado empréstimos, trabalhado de UBER, envidando esforços para quitá-la, estes nunca eram suficientes, pois ALLISON sempre lhe exigia mais e mais, lhe agredia mais e mais, enquanto a dívida crescia inexplicavelmente, de modo que JUNIO nunca poderia se ver livre dela, o que indica uma exploração contínua, demonstrando o dolo de ALLISON e MARÍLIA de realmente subjugar JUNIO (o que se verifica também - repita-se - pelas agressões e ameaças) e perpetuar a situação de escravidão, e não simplesmente receber o que lhes era devido “por direito”". 73. Portanto, devem os réus serem condenados pela prática do crime tipificado no art. 149 do Código Penal. 74. Por sua vez, delito previsto no art. 158, § 1º, do CP, prevê que: Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa. § 1º - Se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma, aumenta-se a pena de um terço até metade. 75. Para imputar o crime de extorsão, o MPF afirma, em sua peça acusatória, que a vítima JÚNIO foi obrigada a: a) vender aos réus a casa, situada na Rua R-5, Quadra 5, Lote 22, Casa 2, Setor Solar Santa Rita, em Goiânia/GO; b) transferir a propriedade do veículo FORD/FOCUS, placas OIR-8708, para a acusada MARÍLIA; c) foi obrigado a entregar aos réus o montante de R$18.500,00, provenientes da venda do veículo VW/PARATI 2013, placas NWN-5495; d) os réus desviaram/subtraíram o estoque da empresa MULT FORTE, avaliado em cerca de R$500.000,00; e e) entregar para ALLISON e MARÍLIA os valores obtidos como motorista do aplicativo UBER. 76. Pois bem. O conjunto probatório também comprova a materialidade do crime de extorsão e que os réus ALLISON e MARÍLIA são seus autores. 77. Com efeito, conforme se extrai dos autos, no mês de agosto de 2020, o acusado JUNIO MENDES DE FREITAS firmou com o corréu ALLISON SARAMI acordo verbal para a transferência do ágio de imóvel situado na Rua R-5, Quadra 5, Lote 22, Casa 2, Setor Solar Santa Rita, em Goiânia/GO, financiado pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL em nome de JUNIO. 78. O valor ajustado foi de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), sendo pactuada a entrada de R$ 10.000,00 à vista, mais R$ 10.000,00 com vencimento para novembro daquele ano, restando o saldo a ser pago ao longo do ano de 2021. 79. Apesar de ter quitado apenas as duas primeiras parcelas, ALLISON se apossou do bem, passando a utilizá-lo como legítimo proprietário, inclusive colocando-o para locação a uma funcionária do PUB THEODOOR PRINCE, estabelecimento comercial de sua titularidade. 80. O conteúdo da negociação foi admitido por ALLISON e MARÍLIA BORGES em seus respectivos interrogatórios judiciais, bem como na manifestação defensiva constante no ID 2176407234, além de ter sido apreendido na residência dos réus o contrato de financiamento do mencionado imóvel. 81. A despeito de sustentarem a existência de suposta dívida de JUNIO e alegarem que houve a quitação integral do valor avençado no contrato de compra e venda (ID 2176408456), não foi apresentada nenhuma comprovação de pagamento, limitando-se a afirmar que os valores foram entregues em espécie, com base na alegada preferência do vendedor por esse tipo de pagamento. 82. Posteriormente, no dia 28 de dezembro de 2020, o corréu ALLISON, alegando que JUNIO possuía débito com ele em razão de serviços prestados à empresa MULT FORTE, o constrangeu a transferir o veículo FORD/FOCUS, placas OIR-8708, à acusada MARÍLIA BORGES, como forma de compensação parcial da suposta dívida. JUNIO, temeroso diante da postura intimidadora de ALLISON, acabou por entregar o bem, sem resistência. 83. Já em março de 2021, encontrando-se em situação de extrema vulnerabilidade financeira e psicológica, JUNIO recorreu à sua madrasta, HILDA PEREIRA DE ASSUNÇÃO, a quem solicitou a venda do veículo VW/PARATI 2013, placas NWN-5495. O valor obtido com a venda, R$ 18.500,00 (dezoito mil e quinhentos reais), foi depositado, em 11 de março daquele ano, diretamente na conta bancária de MARÍLIA, conforme extratos bancários e depoimento de HILDA (ID 2152085338). 84. No mês de maio de 2021, identificou-se que todo o estoque de materiais da empresa MULT FORTE, avaliado em aproximadamente R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), foi adquirido pela empresa S&A GESTÃO E SERVIÇOS, cuja propriedade real se atribui a ALLISON, embora formalmente registrada em nome de ANA CARLA SOUZA ANDRADE. 85. As notas fiscais anexadas (ID 2152085367, pp. 104/111) indicam a aquisição de cerca de R$ 330.000,00 em materiais, posteriormente direcionados à empresa GÊNESIS MATERIAIS ELETRÔNICOS (ID 2152085308, pp. 268/274). 86. O conjunto probatório também revela que JUNIO foi reiteradamente coagido por ALLISON e MARÍLIA a entregar valores obtidos como motorista do aplicativo UBER. A vítima relatou em juízo (vídeo contido no ID 2174951921) que era obrigada a trabalhar durante noites e finais de semana, entregando integralmente o produto de seu trabalho ao casal. JUNIO afirmou, inclusive, que chegou a contrair empréstimos com familiares, dentre os quais sua irmã ÊNIA, de quem obteve mais de R$ 6.000,00 (seis mil reais), tudo repassado aos réus. Relatou, ainda, que assinou cheques em branco, outorgou procurações, contratou financiamentos e adquiriu um veículo MERCEDES BENZ em nome de ALLISON, vendido por este logo em seguida. O próprio ALLISON admitiu em juízo o recebimento, justificando, contudo, que JUNIO teria agido “para agradá-lo”. 87. A testemunha HENRIQUE ADRIANO corroborou que JUNIO realizava trabalhos e serviços apenas para repassar dinheiro a ALLISON, tendo presenciado exigências semanais e entrega de valores trocados. 88. A irmã da vítima, ÊNIA MENDES DE FREITAS TAVARES, também confirmou que o irmão recorreu a ela diversas vezes, afirmando que os valores seriam utilizados no pagamento de aluguel de veículo de aplicativo, inclusive mencionando a pessoa de THIAGO ALENCAR MENDES, apontado como proprietário do carro. 89. O corréu CLEMISSON SOUZA ALVES, por sua vez, confirmou que ALLISON, a quem se referia como “SARAMI”, obrigava JUNIO a trabalhar como motorista por aplicativo, utilizando da conta cadastrada em nome de MARÍLIA. Asseverou que, mesmo após trabalhar como garçom até o final da noite, JUNIO era compelido a fazer corridas de madrugada, sendo os valores depositados diretamente na conta da corré. 90. Os autos reúnem ainda vasta documentação e inúmeros depoimentos que demonstram a conduta reiterada de ALLISON e MARÍLIA de obter vantagens econômicas mediante intimidação e violência, notadamente com uso de arma de fogo não só contra a vítima JÚNIO, mas também contra outros funcionários, prestadores de serviços e terceiros. O comportamento agressivo e ameaçador do casal foi relatado por diversas testemunhas, que apontaram a utilização de armamento ostensivo como forma de ameaça, coação e dominação psicológica. 91. Em juízo, a testemunha DANIELA DAS DORES LOPES narrou um episódio em que o funcionário do PUB, LUCAS FERREIRA FROES ARAÚJO, ao tentar cobrar verbas trabalhistas, foi ameaçado por ALLISON com arma de fogo apontada à cabeça, na presença de MARÍLIA. Na ocasião, foi advertido a não relatar o ocorrido e informado de que seus algozes sabiam onde ele morava. 92. Apesar de a defesa de ALLISON sustentar que ele foi absolvido na esfera estadual quanto a esse episódio e alegar que a vítima teria desmentido o depoimento policial em juízo, causa estranheza a narrativa de que dezenas de pessoas, muitas delas sem vínculo entre si, teriam arquitetado uma trama articulada com o único propósito de prejudicar os réus, imputando-lhes crimes gravíssimos, sem motivação plausível além de desavenças trabalhistas ou financeiras. 93. A análise global do conjunto probatório revela, de forma clara e convergente, a atuação constante dos acusados ALLISON e MARÍLIA, em conjunto, constrangendo a vítima JÚNIO, mediante violência ou grave ameaça, com o objetivo de obter vantagem econômica. 94. Por fim, o crime de tortura, tipificado no art. 1º, inc. II, da Lei 9.455/97, também foi devidamente comprovado. 95. Com efeito, restou sobejamente comprovado nos autos que, entre março de 2021 e dezembro de 2022, os réus ALLISON BESERRA SANTOS e MARÍLIA BORGES submeteram a vítima JUNIO MENDES DE FREITAS, que se encontrava sob o controle e influência direta do casal, a intenso sofrimento físico e mental, mediante emprego de violência e grave ameaça, inclusive com utilização de arma de fogo, com o objetivo de lhe impor castigos pessoais. 96. Os relatos constantes da fase policial e reiterados em juízo revelam que JUNIO foi reiteradamente agredido por ALLISON, com apoio direto e frequente de MARÍLIA, sob a justificativa de uma suposta dívida contraída em razão de aportes financeiros feitos por ALLISON na empresa MULT FORTE, da qual a vítima era sócio. 97. As agressões físicas, inicialmente esporádicas, foram se tornando mais intensas e brutais, passando de tapas no rosto a chutes, socos e golpes com taco de beisebol, instrumento que inclusive deixou cicatrizes, conforme atestado em laudo pericial (ID 2152085367, pp. 74/77). 98. Em setembro de 2022, o ápice da violência culminou com um episódio de enforcamento, praticado por ALLISON com o auxílio do corréu CLEMISSON SOUZA ALVES, conhecido como “MAGO”. 99. Segundo os autos, JUNIO foi suspenso com uma corda no pescoço por 03 (três) vezes consecutivas, desmaiando após o ato, e tendo que ser reanimado com água. O fato foi confessado por CLEMISSON em sede policial (ID 2152085367, p. 127) e confirmado em juízo, ocasião em que alegou ter agido por temor de sofrer represálias por parte de ALLISON. 100. A conduta de MARÍLIA não se limitava à omissão ou consentimento. Pelo contrário, ficou evidenciado que participava ativamente dos atos de violência, seja instigando ALLISON, seja executando diretamente as agressões, inclusive utilizando objetos como cabo de rodo e pedaço de ferro, como narrado pelas testemunhas ANA CARLA SOUZA ANDRADE e DANIELA DAS DORES LOPES. Esta última relatou, inclusive, que MARÍLIA chegou a filmar uma agressão contra JUNIO e que exibia os vídeos a outros funcionários, como forma de intimidação, reforçando o caráter de dominação e medo imposto pelo casal à vítima e a terceiros. 101. Os depoimentos de ELLEN CRISTINA PINTO VIANA, HENRIQUE ADRIANO BATISTA DE MORAES, ANA CARLA SOUZA ANDRADE e do próprio CLEMISSON confirmam que as agressões físicas se somavam a reiterados xingamentos, humilhações e ameaças de morte contra JUNIO e seus familiares. Além disso, os vídeos exibidos em juízo, bem como os relatos de testemunhas, evidenciam a gravidade dos atos, o sofrimento contínuo imposto à vítima e a consciência dos réus quanto ao caráter punitivo e opressor das agressões. 102. Dessa forma, os elementos constantes nos autos, como os registros de lesões (incluindo a decepação parcial da orelha de JUNIO), os depoimentos testemunhais harmônicos e a coerência da narrativa da vítima demonstram de forma robusta que JUNIO foi submetido a tortura continuada, tanto de ordem física quanto psicológica, como forma de coação, castigo e manutenção de controle pessoal, moral e financeiro. 103. A tese defensiva, lastreada apenas em negativas genéricas de autoria e tentativa de descredibilizar as testemunhas, mostra-se inócua diante da prova documental e testemunhal colhida. As marcas físicas visíveis à época dos fatos, corroboradas por fotografias e testemunhos de familiares (como sua filha VITÓRIA MATOS DE FREITAS e o concunhado MAX RONY ARAÚJO), evidenciam a continuidade e gravidade das agressões, inclusive no episódio em que JUNIO apareceu visivelmente debilitado e com hematomas no pescoço, típicos de enforcamento, durante o velório de seu sogro. 104. Em relação à tipificação penal, a conduta de ALLISON BESERRA SANTOS subsume-se ao tipo previsto no artigo 1º, inc. II, da Lei 9.455/1997 (Lei de Tortura), por submeter alguém, com emprego de violência e grave ameaça, a intenso sofrimento físico e mental, como forma de aplicar castigo pessoal, sendo agravada pelo concurso de pessoas e pelo emprego de arma de fogo. 105. Da mesma forma, MARÍLIA BORGES incorre no mesmo tipo legal em razão de sua comprovada participação direta e consciente nos atos, seja na execução das agressões, seja na instigação, no reforço do sofrimento e na manutenção do ambiente de dominação sobre a vítima. O dolo direto de ambos os réus encontra-se amplamente demonstrado, sendo inadmissível qualquer alegação de ausência de intenção de causar sofrimento. 106. Por sua vez, a versão de CLEMISSON, no sentido de que teria agido sob coação moral irresistível é crível e encontra acolhida no conjunto probatório. 107. De acordo com a peça de acusação, CLEMISSOM participou do enforcamento da vítima, realizado por ALLISON, em data incerta, mas entre junho e outubro de 2022, submetendo JUNIO a intenso sofrimento físico e mental, caracterizado no enforcamento de JUNIO, por 03 (três) vezes seguidas, como forma de castigo pessoal. ALLISON, então, colocou JUNIO em cima de um balde, passou uma corda no seu pescoço e disse que iria enforcá-lo. 108. Apesar de CLEMISSON declarar que disse a ALLISON para não fazer tal coisa e ALLISON ter respondido “vou enforcar só para fazer um teste”, eles, de fato, suspenderam a corda e, por 03 (três) vezes seguidas, enforcaram JUNIO, que ficou desacordado, conforme comprovou o conjunto probatório. 109. Todavia, em seu interrogatório, CLEMISSON confessou detalhadamente como se deram os fatos, mas alegou que o fez por se sentir coagido e pelo temor de que fosse a próxima vítima dos atos de crueldade praticados pelo acusado ALLISON. 110. De fato, conforme demonstrou o conjunto probatório, as intimidações provocadas pelos acusados eram reais e que eles não tinham o menor pudor de andar armados, se autodeclarando ricos, poderosos e influentes. 111. Além disso, o acusado CLEMISSON foi fiel ao descrever em juízo seu sentimento de pavor ao presenciar cenas de terror das quais o acusado ALLISON submeteu JUNIO, mostrando-se capaz da prática de verdadeiras atrocidades. 112. No mesmo sentido, a testemunha ANA CARLA confessou aos prantos em juízo que, também fora obrigada por ALLISON a agredir JUNIO com o taco de baseball e, por várias vezes, foi dito em juízo que todos os empregados tinham medo do casal ALLISON e MARILIA. 113. Portanto, conclui-se que CLEMISSON não participou voluntariamente do ato de tortura, porque a conduta de ALLISON produzia um ambiente de terror psicológico, com constante ameaça e utilização de armas, que efetiva obrigava os outros funcionários a agiram como ele ordenava. 114. Dessa forma, deve ser acolhida a tese da defesa de que CLEMISSON agiu sob a excludente de culpabilidade da coação moral irresistível, já que, como foi dito, tudo leva a crer que ele atuou tão somente em razão da grave ameaça praticada por ALLISON, que exercia verdadeiro domínio psicológico sobre os seus empregados. 115. Por todo o exposto, resta cabalmente demonstrado que os réus ALLISON BESERRA SANTOS, MARÍLIA BORGES e CLEMISSON SOUZA ALVES praticaram, de forma dolosa, o crime de tortura, previsto no artigo 1º, inc. II, da Lei 9.455/1997. 116. Por fim, em relação ao delito previsto no art. 20, caput, da Lei 7.716/89, não restou provado nos autos que, de fato, o acusado ALLISON tenha se recusado a prestar socorro à vítima JUNIO por ele não ser judeu. 117. A testemunha HENRIQUE ADRIANO BATISTA DE MORAES, quem prestou socorro, disse apenas que, quando o JUNIO caiu do telhado e cortou a cabeça, pessoalmente, o levou para o hospital a pedido do ALLISON, pois ele ele não tocava em dinheiro nem em sangue, por ser judeu. 118. De fato, esse testemunho, por si só, não é suficiente para demonstrar que o réu ALLISON, de forma consciente e dolosa, praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, conforme exige o referido tipo penal. 119. Por outro lado, diferentemente do que sustenta o MPF, além de testemunha HENRIQUE ADRIANO não ter confirmado em juízo que ALLISON teria dito que JUNIO possuía “sangue impuro”, o fato de ter relatado que ALLISON não o ajudou a socorrer JUNIO justificando que “por ser judeu, não lidava com sangue” (arquivo de vídeo 002 ID 2175146539, trecho 00:00:00 a 00:01:50) NÃO permite que se infira "que, de fato, ALLISON negou transportar JUNIO em seu veículo em razão de discriminação religiosa". 120. Dessa forma, diante da fragilidade do conjunto probatório em relação a esse imputação, há que se aplicar o princípio do in dubio pro reu e absolvê-lo da referida imputação. 121. Ante o exposto, ACOLHO PARCIALMENTE A PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL, para: 121.1. CONDENAR ALLISON BESERRA SANTOS pela prática dos delitos previstos nos arts. 149, art. 158, §1º, c/c art. 71, todos do CP; art. 1º, inc. II, da Lei 9.455/97 c/c art. 71 do CP; e MARILIA BORGES, dos crimes tipificados nos arts. 149, 158, §1º, c/c art. 71, todos do CP, e 1º, inc. II, da Lei 9.455/97 c/c art. 29 e 71 do Código Penal; 121.2. ABSOLVER CLEMISSON SOUZA ALVES da imputação que lhe é feita na denúncia, nos termos do art. 22 do Código Penal, e ALLISON BESERRA SANTOS, particularmente, do crime do art. 20, caput, da Lei 7.716/89, nos termos do art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal. DOSIMETRIA DAS PENAS 122. Em atenção aos comandos dos arts. 59 e 68, ambos do Código Penal, passo à dosimetria das penas, com observância dos seguintes fundamentos: ALLISON BESERRA SANTOS Art. 149 do CP 123. A culpabilidade, consistente no grau de reprovabilidade da conduta, é extremamente elevada. O réu submeteu a vítima não apenas a condições degradantes de trabalho. Ele, em razão das constantes ameaças e espancamento, dominou a vítima, subjugou-a, passando a exercer um controle sobre ela que praticamente aniquilou sua vida, em vários aspectos (social, financeiro, emocional). Obrigou-a a separar-se de sua esposa; a desfazer-se de praticamente todos os seus bens; trabalhar durante jornada exaustivas para pagar uma dívida impagável, que não existia; arruinou seu psicológico, incutindo um temor tão grande na vítima, demonstrado em seu depoimento judicial, que ela certamente necessitará de longo tratamento médico e psicológico para quem sabe, em um dia, se recuperar desses graves danos. Não há registro de antecedentes. Não há elementos que permitam aquilatar sua conduta social. O réu demonstrou ter personalidade cruel, autoritária e prazer em causar sofrimento à vítima. A motivação e as circunstâncias dos crimes são próprias das espécies delitivas. Não foram apuradas consequências extrapenais do crime. Não há que se falar no comportamento da vítima. 124. Diante de tais circunstâncias moduladoras, fixo as penas-base em 04 (quatro) anos de reclusão e 100 (cem) dias-multa, as quais torno DEFINITIVAS, em razão da ausência de agravantes e/ou atenuante e de causas de aumento e/ou de diminuição de pena. Art. 158, §1º, c/c art. 71, todos do CP 125. A culpabilidade merece reprovação no grau máximo, devido à frieza, premeditação, indiferença com o sofrimento alheio, além da manipulação emocional da vítima. Não há elementos que permitam aquilatar sua conduta social. O réu demonstrou ter personalidade cruel, autoritária e prazer em causar sofrimento à vítima. A motivação e as circunstâncias dos crimes são próprias das espécies delitivas. O delito perpetrado causou sérias consequências, porquanto a vítima entregou ao réu não só o seu patrimônio, mas, também, de terceiros (empréstimo que contraiu com sua irmã e venda do veículo Parati de sua madrasta). Não há que se falar no comportamento da vítima. 126. Diante de tais circunstâncias moduladoras, fixo as penas-base em 06 (seis) anos de reclusão e 100 (cem) dias-multa. 127. O crime em questão foi praticado por duas pessoas (o réu e Marília Borges) e com o emprego de arma. Em razão disso, elevo as penas em metade, fixando-as em 09 (nove) anos de reclusão e 150 (cento e cinquenta) dias-multa. 128. Como houve reiteração da conduta por pelo menos 05 (cinco) vezes, em circunstâncias semelhantes de tempo, lugar e maneira de execução, devendo a subsequente ser havida como mera continuação da primeira, com fulcro no art. 71 do Código Penal, elevo as penas em 1/3 (um terço), fixando-as em 12 (doze) anos de reclusão e 200 (duzentos) dias-multa, as quais torno DEFINITIVAS, à míngua de outros elementos a considerar. Art. 1º, inc. II, da Lei 9.455/97 129. A culpabilidade, consistente no grau de reprovabilidade da conduta, é extremamente. O réu não só torturou a vítima fisicamente, mas também psicologicamente. O réu, além das torturas físicas, obrigou a vítima a separar-se de sua esposa, a desfazer-se de praticamente todos os seus bens, a trabalhar durante jornada exaustivas, enfim, arruinou sua vida de uma tal forma que ela certamente necessitará de longo tratamento médico e psicológico para quem sabe, em um dia, se recuperar desses graves danos. Não há registro de antecedentes. Não há elementos que permitam aquilatar sua conduta social. O réu demonstrou ter personalidade cruel, autoritária e prazer em causar sofrimento à vítima. A motivação e as circunstâncias dos crimes são próprias das espécies delitivas. Não foram apuradas consequências extrapenais do crime. Não há que se falar no comportamento da vítima. 130. Diante de tais circunstâncias moduladoras, fixo a pena-base em 04 (quatro) anos de reclusão. 131. Como houve reiteração da conduta por inúmeras vezes (por mais de 07 vezes), em circunstâncias semelhantes de tempo, lugar e maneira de execução, devendo a subsequente ser havida como mera continuação da primeira, com fulcro no art. 71 do Código Penal, elevo as penas em 2/3 (dois terços), fixando-as em 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão, a qual torno DEFINITIVA, à míngua de outros elementos a considerar. 132. Diante da condição econômica do acusado, que considero elevada, fixo o valor do dia-multa em 01 (um) salário-mínimo, segundo o valor vigente à época dos fatos, incidindo a partir daí a correção monetária (art. 49, § 1º, do CP). 133. Em razão do concurso material de crimes (art. 69 do CP), as penas devem ser somadas, razão pela qual CONDENO o réu ALLISON BESERRA SANTOS à pena total de 22 (vinte e dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 20 (vinte) dias de reclusão e 300 (trezentos) dias-multa. 134. O regime inicial de cumprimento de pena será o fechado, conforme art. 33, § 2º, alínea "a", do CP. 135. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos em razão da quantidade de pena aplicada. MARÍLIA BORGES Art. 149 do CP 136. A culpabilidade, consistente no grau de reprovabilidade da conduta, é extremamente elevada. A submeteu a vítima não apenas a condições degradantes de trabalho. Ela, em razão das constantes ameaças e espancamento, dominou a vítima, subjugou-a, passando a exercer um controle sobre ela que praticamente aniquilou sua vida, em vários aspectos (social, financeiro, emocional). Obrigou-a a separar-se de sua esposa; a desfazer-se de praticamente todos os seus bens; trabalhar durante jornada exaustivas para pagar uma dívida impagável, que não existia; arruinou seu psicológico, incutindo um temor tão grande na vítima, demonstrado em seu depoimento judicial, que ela certamente necessitará de longo tratamento médico e psicológico para quem sabe, em um dia, se recuperar desses graves danos. Não há registro de antecedentes. Não há elementos que permitam aquilatar sua conduta social. A ré demonstrou ter personalidade cruel, autoritária e prazer em causar sofrimento à vítima. A motivação e as circunstâncias dos crimes são próprias das espécies delitivas. Não foram apuradas consequências extrapenais do crime. Não há que se falar no comportamento da vítima. 137. Diante de tais circunstâncias moduladoras, fixo as penas-base em 04 (quatro) anos de reclusão e 100 (cem) dias-multa, as quais torno DEFINITIVAS, em razão da ausência de agravantes e/ou atenuante e de causas de aumento e/ou de diminuição de pena. Art. 158, §1º, do CP 138. A culpabilidade merece reprovação no grau máximo, devido à frieza, premeditação, indiferença com o sofrimento alheio, além da manipulação emocional da vítima. Não há elementos que permitam aquilatar sua conduta social. A réu demonstrou ter personalidade cruel, autoritária e prazer em causar sofrimento à vítima. A motivação e as circunstâncias dos crimes são próprias das espécies delitivas. O delito perpetrado causou sérias consequências, porquanto a vítima entregou ao réu não só o seu patrimônio, mas, também, de terceiros (empréstimo que contraiu com sua irmã e venda do veículo Parati de sua madrasta). Não há que se falar no comportamento da vítima. 139. Diante de tais circunstâncias moduladoras, fixo as penas-base em 06 (seis) anos de reclusão e 100 (cem) dias-multa. 140. O crime em questão foi praticado por duas pessoas e com o emprego de arma. Em razão disso, elevo as penas em metade, fixando-as em 09 (nove) anos de reclusão e 150 (cento e cinquenta) dias-multa. 141. Como houve reiteração da conduta por pelo menos 05 (cinco) vezes, em circunstâncias semelhantes de tempo, lugar e maneira de execução, devendo a subsequente ser havida como mera continuação da primeira, com fulcro no art. 71 do Código Penal, elevo as penas em 1/3 (um terço), fixando-as em 12 (doze) anos de reclusão e 200 (duzentos) dias-multa, as quais torno DEFINITIVAS, à míngua de outros elementos a considerar. Art. 1º, inc. II, da Lei 9.455/97 142. A culpabilidade, consistente no grau de reprovabilidade da conduta, é extremamente. A réu não só torturou a vítima fisicamente, mas também psicologicamente. A acusada, além das torturas físicas, obrigou a vítima a separar-se de sua esposa, a desfazer-se de praticamente todos os seus bens, a trabalhar durante jornada exaustivas, enfim, arruinou sua vida de uma tal forma que ela certamente necessitará de longo tratamento médico e psicológico para quem sabe, em um dia, se recuperar desses graves danos. Não há registro de antecedentes. Não há elementos que permitam aquilatar sua conduta social. A ré demonstrou ter personalidade cruel, autoritária e prazer em causar sofrimento à vítima. A motivação e as circunstâncias dos crimes são próprias das espécies delitivas. Não foram apuradas consequências extrapenais do crime. Não há que se falar no comportamento da vítima. 143. Diante de tais circunstâncias moduladoras, fixo a pena-base em 04 (quatro) anos de reclusão. 144. Como houve reiteração da conduta por inúmeras vezes (por mais de 07 vezes), em circunstâncias semelhantes de tempo, lugar e maneira de execução, devendo a subsequente ser havida como mera continuação da primeira, com fulcro no art. 71 do Código Penal, elevo as penas em 2/3 (dois terços), fixando-as em 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão, a qual torno DEFINITIVA, à míngua de outros elementos a considerar. 148. Diante da condição econômica da acusada, que considero elevada, fixo o valor do dia-multa em 01 (um) salário-mínimo, segundo o valor vigente à época dos fatos, incidindo a partir daí a correção monetária (art. 49, § 1º, do CP). 149. Em razão do concurso material de crimes (art. 69 do CP), as penas devem ser somadas, razão pela qual CONDENO a ré MARÍLIA BORGES à pena total de 22 (vinte e dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 20 (vinte) dias de reclusão e 300 (trezentos) dias-multa. 150. O regime inicial de cumprimento de pena será o fechado, conforme art. 33, § 2º, alínea "a", do CP. 152. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos em razão da quantidade de pena aplicada. DA MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA 153. Nos termos do art. 387, §1º, do Código de Processo Penal, o juiz, ao proferir sentença condenatória, "decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta." 154. No caso dos autos, o réu ALLISON BESERRA SANTOS respondeu à presente ação penal preso (cf. fl. 188 do ID 2152085367), estando presentes os requisitos do art. 312 do CPP, na medida em que demonstrou possuir personalidade inteiramente voltada para a prática de crimes de natureza grave (praticados com violência e grave ameaça), evidenciando manifesta periculosidade, especialmente para a vítima JUNIO e testemunhas, o que justifica o seu encarceramento provisório, diante do risco patente de que poderá colocar a ordem pública novamente em risco. 155. Nesse sentido, é preciso registrar que, conforme lição de Júlio Fabbrini Mirabete, "o conceito de ordem pública não se limita a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também a acautelar o meio social e a própria credibilidade da justiça em face da gravidade do crime e de sua repercussão." (Código de Processo Penal Interpretado, Ed. Atlas, 7ª ed., p. 690). 156. Além disso, finda a instrução processual e prolatada sentença condenatória, mostra-se inconteste a necessidade da prisão cautelar do acusado, visto que as provas coligidas aos autos confirmaram a ocorrência dos graves crimes relatados na denúncia. 157. Confira-se, nesse sentido, o seguinte precedente do STJ: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE TORTURA MAJORADO PELA PRÁTICA CONTRA CRIANÇA, DUAS VEZES. NEGATIVA DO APELO EM LIBERDADE. CABIMENTO. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. REITERAÇÃO DELITIVA. PRISÃO DURANTE TODA A INSTRUÇÃO. CONDENAÇÃO A LONGA PENA EM REGIME FECHADO. TESE DE FALTA DE CONTEMPORANEIDADE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. DEFICIÊNCIA DA DEFESA TÉCNICA APRESENTADA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. SUPOSTA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. INOCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a manutenção da custódia cautelar no momento da sentença condenatória, em hipóteses em que o acusado permaneceu preso durante toda a instrução criminal, não requer fundamentação exaustiva, sendo suficiente para a satisfação do art. 387, § 1.º, do Código de Processo Penal, o entendimento de que permanecem inalterados os motivos que levaram à decretação da medida extrema em um primeiro momento, desde que estejam, de fato, preenchidos os requisitos legais do art. 312 do mesmo diploma. 2. A evidente gravidade da conduta pelo qual o Agravante foi condenado - tortura contra criança -, somada a reconhecida inclinação à prática de condutas criminosas violentas, comprovada por outros registros por delitos de ameaça e lesão corporal praticados no âmbito da violência doméstica, inclusive contra a sua própria genitora e também contra sua ex-companheira, mãe da vítima dos autos ora tratados, justifica a segregação cautelar para a garantida da ordem pública, com base na periculosidade do Réu, demonstrada tanto pela reiteração delitiva, quanto pelo modus operandi empregado na empreitada criminosa, revelador da perniciosidade social da ação(...) (AgRg no RHC n. 183.666/RJ, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Sexta Turma, julgado em 12/3/2024, DJe de 15/3/2024). (grifamos) 158. Por sua vez, a sentenciada MARÍLIA BORGES também teve a prisão preventiva decretada nos autos nº 5745304-71.2024.8.09.0051. No entanto, a ordem de prisão não foi cumprida porque a acusada não foi encontrada pelos agentes policiais (cf. Relatório final - fl. 294 do ID 2152085367) e está foragida. Confira-se: Conforme relatório policial anexo, os agentes de polícia desta unidade policial, com o apoio de unidade de inteligência da Polícia Civil do Estado de Goiás, já se deslocaram em todos os endereços conhecidos a fim de darem cumprimento ao Mandado de Prisão Preventiva existente contra MARILIA BORGES, mas em nenhum de seus vários possíveis endereços ela foi localizada. Inclusive, consta do relatório que os policiais contactaram os advogados da investigada, que prometeram apresentá-la nesta delegacia, mas isso não aconteceu até o presente momento. 159. A manutenção da custódia cautelar da sentenciada é necessária porque permanecem presentes e reforçados os pressupostos autorizadores de sua prisão preventiva, em razão das provas coligidas aos autos no transcorrer da instrução processual e de sua condenação à pena de 22 (vinte e dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 20 (vinte) dias de reclusão e 300 (trezentos) dias-multa. 160. Além disso, o fato de estar foragida até a presente data demonstra, sem deixar nenhuma dúvida, que ela não medirá esforços para tentar se eximir do cumprimento da reprimenda que lhe foi aplicada, o que reforça a necessidade de manutenção de sua prisão preventiva para assegurar a regular aplicação da lei penal. 161. Ante o exposto, MANTENHO a prisão preventiva dos condenados ALLISON BESERRA SANTOS e MARÍLIA BORGES, ante a persistência do quadro fático-jurídico, nos termos dos arts. 312, 313, I, e 387, § 1º, todos do Código de Processo Penal. 162. Observo que os documentos, bens, armas e munições apreendidos em poder dos acusados ALLISON e MARÍLIA foram constritos no âmbito do Inquérito Policial nº 5362934-11.2024.8.09.0051, que teve como vítima MARCELO CORREA DE MELLO e outros, tendo originado a ação penal nº 5585674-76.2024.8.09.0051, que tramita na Justiça Estadual (cf. Relatório Final de fls. 261/303 do ID 2152085367). Dessa forma, não é possível a decretação de perdimento desses bens no presente feito. 163. CONDENO os réus ao pagamento das custas processuais, pro rata (art. 804 do CPP). 164. Muito embora tenha ficado evidente que o produto da extorsão é imensurável, ao menos foi possível identificar o valor do estoque da empresa Mult Forte desviado para a empresa dos réus e o valor dos dois veículos Ford Focus e VW Paraty. 165. Sendo assim, nos termos do art. 387, inc. IV, do CPP, CONDENO os réus no pagamento da quantia de R$538.500,00 (quinhentos e trinta e oito mil e quinhentos reais), a título de mínimo indenizatório, a serem revertidos para a vítima JUNIO MENDES DE FARIA, que deverá ser devidamente corrigido desde a data da prática de cada fato criminoso. 166. A publicação e o registro são automáticos. PROVIDÊNCIAS DE IMPULSO PROCESSUAL 167. A Secretaria da 5ª Vara Federal deverá: 167.1. INTIMAR as partes desta sentença; 167.2. EXPEDIR guia de execução provisória para o condenado ALLISON BESERRA SANTOS após o recebimento de eventual recurso, a fim de que o Juízo da Execução possa analisar a concessão de eventuais direitos cabíveis (Resolução/CNJ nº 113 de 20/04/2010, art. 9º); 167.3. RECOMENDAR o condenado ALLISON BESERRA SANTOS na prisão em que se encontra; 167.4. OFICIAR à SR/DPF/GO solicitando informações sobre o cumprimento ou não do mandado de prisão preventiva da condenada MARÍLIA BORGES; 167.5. AGUARDAR o prazo recursal; 167.6. Após o trânsito em julgado: 167.6.1. EXPEDIR e ENCAMINHAR a guia de execução definitiva para os apenados; 167.6.2. OFICIAR, novamente, à SR/DPF/GO solicitando informações sobre o cumprimento ou não do mandado de prisão preventiva da condenada MARÍLIA BORGES; 167.6.3. LANÇAR o nome dos réus no rol dos culpados (art. 5º, LVII, CRFB); 167.6.4. COMUNICAR ao Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Goiás acerca da suspensão dos direitos políticos (artigo 15, inciso III, da Constituição Federal); 167.6.5. IMPLEMENTAR as providências necessárias à execução junto ao SEEU/CNJ e, após, ARQUIVAR os presentes autos, observadas as baixas e cautelas de estilo; 167.6.6. INTIMAR os condenados para recolherem os valores das custas processuais e multa, no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de comunicação e inscrição na dívida ativa (art. 51 do CP); 167.6.7. CERTIFICAR nos autos de nº 1053125-31.2024.4.01.3500 (ref. ao pedido de liberdade provisória de MARÍLIA) acerca desta sentença e ARQUIVAR referidos autos, após as baixas e anotações de praxe. Goiânia/GO, data e assinatura eletrônicas. EDUARDO DE MELO GAMA Juiz Federal da 5ª Vara
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