Processo nº 5742093-94.2023.8.09.0137
ID: 336914801
Tribunal: TJGO
Órgão: 7ª Câmara Cível
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5742093-94.2023.8.09.0137
Data de Disponibilização:
29/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GUILHERME KASCHNY BASTIAN
OAB/SP XXXXXX
Desbloquear
PODER JUDICIÁRIOTribunal de Justiça do Estado de GoiásGabinete da Desembargadora Ana Cristina Ribeiro Peternella França Apelação Cível n. 5742093-94.2023.8.09.0137Comarca de Rio Verde Apelante: Adria…
PODER JUDICIÁRIOTribunal de Justiça do Estado de GoiásGabinete da Desembargadora Ana Cristina Ribeiro Peternella França Apelação Cível n. 5742093-94.2023.8.09.0137Comarca de Rio Verde Apelante: Adria da Silva Rocha Apelados: Payway Consultoria e Servicos Ltda e outrosRelatora: Desembargadora Ana Cristina Ribeiro Peternella França EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA C/C REPARAÇÃO POR DANO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. GOLPE DO FALSO INVESTIMENTO. CRIPTOMOEDAS. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. INEXISTÊNCIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. AUSÊNCIA DE PROVAS. FORTUITO EXTERNO. RECURSO DESPROVIDO.I. CASO EM EXAME1. Trata-se de apelação interposta contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos de restituição de valores e de indenização por danos morais, decorrentes de suposta fraude envolvendo investimentos em criptomoedas. O juízo de origem fundamentou a decisão na ausência de vínculo entre a fraude e as rés, em virtude da insuficiência do conjunto probatório apresentado (prints de conversas e de saldo, sem comprovantes de transferências bancárias). A autora alega ter sido vítima de golpe, induzida a realizar aportes financeiros para liberação de suas aplicações. Sustenta a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, a inversão do ônus da prova e a responsabilidade objetiva das entidades de crédito.II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. As questões em discussão consistem em: (i) verificar se as instituições financeiras e de pagamento são civilmente responsáveis pelos prejuízos alegadamente suportados pela apelante, resultantes de fraude praticada por terceiros, diante de eventual falha na prestação do serviço e da suficiência das provas apresentadas; e (ii) avaliar se o conjunto probatório revela-se apto a ensejar a reforma da sentença de improcedência.III. RAZÕES DE DECIDIR3. As instituições financeiras submetem-se ao Código de Defesa do Consumidor e respondem objetivamente por danos decorrentes de fortuito interno relacionado a fraudes e delitos cometidos em transações no âmbito de suas plataformas, nos termos do art. 14 do CDC e da Súmula 479 do STJ.4. A inversão do ônus da prova, embora aplicável, não exime a parte autora da obrigação de apresentar substrato probatório mínimo acerca dos fatos constitutivos de seu direito, conforme art. 6º, VIII, do CDC.5. Os documentos colacionados aos autos — capturas de tela de conversas e de suposto saldo — são insuficientes para demonstrar qualquer liame entre a fraude perpetrada e as instituições recorridas.6. A apelante não juntou comprovantes das transações bancárias realizadas, documentos essenciais à demonstração do dano material e do nexo de causalidade. Intimada para especificar as provas que pretendia produzir, permaneceu inerte, precluindo seu direito.7. Os prejuízos resultam de culpa exclusiva da vítima, que efetuou supostas transferências sucessivas, mesmo diante de exigências manifestamente suspeitas e inverossímeis.8. A conduta da consumidora, ao promover repasses voluntários de valores a terceiros desconhecidos, com base em promessas veiculadas por aplicativo de mensagens, sem adotar as cautelas mínimas para aferir a legitimidade da operação e a idoneidade dos interlocutores, configura fortuito externo, que rompe o nexo causal e afasta a responsabilidade das instituições financeiras.IV. DISPOSITIVO E TESE9. Recurso conhecido e desprovido.Tese de julgamento: "1. A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, não exime a parte autora de apresentar substrato probatório mínimo acerca dos fatos constitutivos de seu direito. 2. Os documentos colacionados aos autos são insuficientes para demonstrar qualquer vínculo entre a fraude perpetrada e as instituições recorridas. 3. Os prejuízos resultam de culpa exclusiva da vítima, que efetuou supostas transferências sucessivas, mesmo diante de exigências manifestamente suspeitas e inverossímeis. 4. A conduta da consumidora, ao promover repasses voluntários de valores a terceiros desconhecidos, motivada por promessas veiculadas em aplicativo de mensagens, sem adotar as cautelas mínimas para aferir a legitimidade da operação e a idoneidade dos interlocutores, configura fortuito externo, que rompe o nexo causal e afasta a responsabilidade das instituições financeiras".Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LXXVIII; CPC, arts. 85, §2º, § 11, 932, 1.010, II e III, 345, I, 373, I, 487, I; CDC, arts. 3º, § 2º, 6º, VIII, 14, 14, § 3º, II.Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp n. 1.951.076/ES, Súmula n. 297, Súmula n. 479; Súmula n. 568; TJGO, AC n. 5819412-79.2024.8.09.0113, AC n. 5106569-94.2023.8.09.0134; TJPR, AC n. 0002944-37.2024.8.16.0058; TJSP, AC n. 1024175-87.2023.8.26.0405. D E C I S Ã O M O N O C R Á T I C A Trata-se de apelação interposta por Adria da Silva Rocha contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Rio Verde, Dr. Gustavo Baratella de Toledo, nos autos da ação de cobrança c/c reparação de dano moral movida em desfavor de Payway Consultoria e Servicos Ltda, Stark Bank S/A Instituição de Pagamento e Z1 Instituição de Pagamento Ltda.Narra a autora, na petição inicial, ter contratado as rés para prestação de assessoria e realização de aportes financeiros voltados à aquisição de criptomoedas, com o objetivo de obter retorno monetário. Aduz que, em 15/09/2023, ao tentar realizar a retirada de seus lucros – no montante de R$ 106.932,00 (cento e seis mil, novecentos e trinta e dois reais) –, foi informada sobre a existência de um plano de devolução parcelado.Historia que, em seguida, as requeridas alegaram um erro na operação, o qual resultou no congelamento de sua conta de criptomoedas, colocando-a sob "controle de risco". Para a liberação, exigiram um depósito correspondente a 30% (trinta por cento) do valor retido. Noticia ter depositado a quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Após o pagamento, as demandadas impuseram novo obstáculo, ao informar que sua "pontuação de reputação" estava em 90 (noventa), enquanto o mínimo necessário para a operação seria 100 (cem) pontos, sendo necessário um novo aporte de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para a correção.Assevera que, diante desta exigência, percebeu tratar-se de um golpe, motivo pelo qual registrou boletim de ocorrência, sem, contudo, obter a restituição dos valores. Diante disso, pugnou pela condenação das rés ao pagamento de R$ 136.932,00 (cento e trinta e seis mil, novecentos e trinta e dois reais) a título de prejuízos materiais, além de indenização por danos morais no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.Citadas, as requeridas Z1 Instituição de Pagamento Ltda e Stark Bank S.A. Instituição de Pagamento apresentaram contestação, respectivamente, nos movimentos 40 e 88.A requerida Payway Consultoria e Serviços Ltda, embora devidamente citada (mov. 46), não apresentou defesa, razão pela qual sua revelia foi decretada, com a ressalva de inaplicabilidade de seus efeitos em relação às matérias de defesa comuns aos demais réus, nos termos do artigo 345, inciso I, do Código de Processo Civil. Sobreveio a sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos (mov. 99): […] Ocorre que os únicos documentos juntados nos autos para comprovar a tese exordial são prints de conversas no aplicativo Telegram com pessoas registradas pelos nomes "Jucie Araujo" e "Roberto Carlos", bem como um print informando a existência de R$ 136.932,00 de saldo, mas que não indica onde há tal valor e nem quem seria responsável por ele.Veja-se que tais documentos não revelam qualquer relação com nenhum dos réus. Não há sequer o logo das empresas requeridas nas imagens retiradas do Telegram ou no suposto print de informações de ativos.Assim, percebe-se que a parte autora não se desincumbiu de seu ônus probatório, já que não comprovou os fatos mínimos constitutivos de seu direito, fato que lhe incumbia mesmo sob a égide do Código de Defesa do Consumidor.Consigno, ainda, a fim de que dúvidas não pairem, que a autora foi intimada acerca da produção de novas provas, mas silenciou, nada requerendo.Desse modo, a improcedência do pleito exordial é a medida impositiva, já que ausente qualquer indício probatório da tese autoral.Ante o exposto, com base no art. 487, I, do CPC, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados por ADRIA DA SILVA ROCHA em face de PAYWAY CONSULTORIA E SERVIÇOS LTDA e STARK BANK 01 PAGAMENTOS NEGÓCIOS LTD.Condeno a parte autora ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% do valor da causa, nos termos do art. 85, §2º, do CPC. […] Irresignada, a parte autora interpõe apelação (mov. 105).Em proêmio, tece comentários sobre o preenchimento dos pressupostos de admissibilidade recursal.Após breve síntese dos fatos, salienta que, embora tenha apresentado provas documentais contundentes – como comprovantes de transferências bancárias, diálogos demonstrando a articulação da fraude e boletim de ocorrência policial –, o magistrado singular julgou improcedente sua pretensão, sob o fundamento de insuficiência probatória quanto ao vínculo das apeladas com o ilícito perpetrado.Argumenta que a sentença impugnada desconsiderou aspectos relevantes da relação consumerista existente, notadamente ao deixar de aplicar a inversão do ônus da prova, prevista no artigo 6º, inciso VIII, da Lei 8.078/1990, comprometendo o pleno exercício da ampla defesa.Enfatiza a responsabilidade objetiva das instituições financeiras, com fulcro no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor e na súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça, diante da falha na prestação dos serviços, evidenciada pela utilização de suas plataformas na consecução de atividades fraudulentas. Aponta, ainda, a ocorrência de culpa in vigilando e omissão no controle das operações realizadas por terceiros.Sustenta que o prejuízo material encontra-se suficientemente demonstrado pelos comprovantes das transferências realizadas, no total de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), montante auferido, direta ou indiretamente, pelas apeladas em decorrência da fraude sofrida.Pondera que o dano moral decorre claramente da angústia e sofrimento causados pela perda patrimonial significativa e da expectativa frustrada de retorno financeiro falsamente prometido por terceiros, agravado pela negligência das instituições recorridas.Requer a reforma da sentença para que os pleitos iniciais sejam julgados procedentes, com a condenação solidária das rés à restituição dos valores solvidos e ao pagamento de indenização por danos morais. Subsidiariamente, pleiteia a anulação do ato judicial recorrido, com o retorno dos autos à origem para reabertura da fase instrutória, caso se entenda pela insuficiência do conjunto probatório.Preparo recolhido.Nas contrarrazões aviadas, a Z1 Instituição de Pagamento Ltda rechaça todos os termos do recurso e pugna pelo seu desprovimento (mov. 109).A Stark Bank S.A. Instituição de Pagamento apresenta contrarrazões, oportunidade em que suscita o desrespeito ao princípio da dialeticidade. No mérito, rechaça todos os termos a apelação e roga pela manutenção da sentença (mov. 110).É o relatório. Passo a decidir monocraticamente, com fulcro no artigo 932 do Código de Processo Civil.O artigo 932 do Código de Processo Civil amplia os poderes do relator, possibilitando o julgamento monocrático dos recursos, em observância ao princípio da razoável duração do processo, no intuito de desobstruir as pautas dos Tribunais.O verbete sumular n. 568 do Superior Tribunal de Justiça permite o julgamento monocrático com base em jurisprudência dominante, nos seguintes termos: O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.A adoção deste rito não representa supressão de instância ou ofensa ao princípio da colegialidade, mas sim um mecanismo de celeridade e eficiência processual, em plena consonância com a norma prevista no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal. O princípio da dialeticidade consiste no dever do recorrente em declinar os motivos de seu inconformismo, isto é, as razões de fato e de direito que levam à cassação ou à reforma do ato decisório impugnado, nos termos do artigo 1.010, incisos II e III, do Código de Processo Civil.Depreende-se das razões recursais que a apelante enunciou os motivos de fato e de direito pelos quais entende que a sentença deve ser reformada, permitindo o exercício do contraditório pelas partes apeladas e a análise da argumentação por esta instância recursal.Assim, verifica-se que os pressupostos de admissibilidade recursal foram preenchidos, sendo de rigor o conhecimento do apelo. Afastada a tese preliminar, passa-se ao exame do mérito.A controvérsia recursal consiste em definir se as instituições financeiras e de pagamento apeladas respondem civilmente pelos prejuízos suportados pela apelante, decorrentes de fraude praticada por terceiros, bem como se o conjunto probatório autoriza a reforma da sentença de improcedência. A resolução da lide perpassa a análise da distribuição do ônus probatório e a eventual incidência de alguma excludente de responsabilidade. As instituições financeiras estão sujeitas ao Código de Defesa do Consumidor, na condição de fornecedores, nos termos do artigo 3º, § 2º, do apontado diploma legal, e da Súmula n. 297 do Superior Tribunal de Justiça.Consoante a redação da súmula 479 da Corte Superior, encampando a responsabilidade objetiva prevista no artigo 14 do Código Consumerista, em razão do risco da atividade, As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.Todavia, a parte autora não está isenta de apresentar lastro probatório mínimo quanto aos fatos constitutivos de seu direito, conforme exige o artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil. A inversão do ônus da prova, prevista no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, revela-se um mecanismo de equilíbrio processual, mas não implica isenção completa do dever de comprovar os fatos constitutivos do direito suscitado. Sua incidência condiciona-se à verossimilhança das alegações ou à hipossuficiência da demandante.Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a inversão do ônus da prova não dispensa a comprovação mínima, pela parte autora, dos fatos constitutivos do seu direito, tal como no caso em apreço. A propósito: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. INDENIZAÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REGRA DE INSTRUÇÃO. COMPROVAÇÃO MÍNIMA DOS FATOS ALEGADOS. SÚMULAS 7 E 83 DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. É assente nesta Corte Superior o entendimento de que a inversão do ônus da prova é regra de instrução e não de julgamento. 2. "A jurisprudência desta Corte Superior se posiciona no sentido de que a inversão do ônus da prova não dispensa a comprovação mínima, pela parte autora, dos fatos constitutivos do seu direito" (AgInt no Resp 1.717.781/RO, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 05/06/2018, DJe de 15/06/2018).[...](STJ, AgInt no AREsp n. 1.951.076/ES, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 21/2/2022, DJe de 25/2/2022) (destacado). Exigir um substrato probatório mínimo do autor constitui medida indispensável para garantir a segurança jurídica e a paridade de armas, evitando-se impor ao réu o ônus de produzir prova diabólica, consistente em demonstrar fato negativo.No caso em apreço, a análise detida dos autos revela significativa fragilidade probatória, que inviabiliza o acolhimento do recurso. A apelante fundamenta sua pretensão em capturas de tela de conversas mantidas por meio do aplicativo Telegram e em boletim de ocorrência (mov. 01, arq. 07).Como bem destacado pelo juízo de origem, os documentos colacionados não estabelecem qualquer liame entre a fraude, o dano sofrido e as instituições financeiras apeladas. As imagens de tela não contêm logotipos, menções ou elemento gráficos capazes de identificá-las. De forma decisiva, a recorrente não juntou aos autos os comprovantes das transferências bancárias, documentos essenciais à demonstração do próprio dano material e, fundamentalmente, do nexo de causalidade, pois sem eles não há como verificar as contas destinatárias dos valores e sua eventual vinculação com as recorridas.Ademais, intimada para especificar as provas que pretendia produzir (mov. 93), a apelante permaneceu inerte, deixando transcorrer a oportunidade de requerer, por exemplo, a expedição de ofícios às instituições financeiras com vistas à identificação dos titulares das contas recebedoras. Ao optar pelo silêncio, assumiu o risco de sua inércia processual, resultando na preclusão do direito à produção de novas provas.A responsabilidade objetiva das fornecedoras e a possibilidade de inversão do ônus probatório não autorizam, por si só, a procedência do pedido com base em meras alegações desprovidas de comprovação fática. A verossimilhança da narrativa, requisito essencial para a aplicação do artigo 6º, VIII, do Diploma Consumerista, resta completamente comprometida quando a documentação apresentada pela própria parte não corrobora os fatos invocados.A ausência de elementos mínimos que vinculem a conduta das apeladas ao evento danoso impede o reconhecimento do dever de indenizar.Ainda que superada a carência probatória, o recurso não prosperaria. O acervo documental evidencia que o prejuízo resultou de culpa exclusiva da consumidora, circunstância que rompe o nexo de causalidade e afasta a responsabilidade civil dos fornecedores, conforme prevê o artigo 14, § 3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor.A apelante, ao que tudo indica, foi vítima do chamado "golpe do falso investimento", no qual, após ser cooptada com promessas de lucros elevados em operações com criptomoedas, realizou transferências a terceiros.As próprias mensagens apresentadas demonstram que, mesmo diante de exigências sucessivas e inverossímeis – como pagamentos para "descongelar a conta" e para "aumentar a pontuação de reputação" – a fim de liberar o seu dinheiro, a autora continuou a realizar depósitos, movida pela expectativa de ganho rápido e desproporcional à realidade do mercado.A conduta da recorrente, ao transferir voluntariamente quantias a terceiros desconhecidos, com base em promessas veiculadas por aplicativo de mensagens, sem adotar as cautelas mínimas para aferir a legitimidade da operação e a idoneidade dos interlocutores, configura a excludente de culpa exclusiva da vítima. Ressalte-se que a fraude não decorreu de suposta falha na segurança intrínseca ao sistema bancário — como invasão de conta ou transações não autorizadas —, mas sim de engano (ato voluntário) que a própria consumidora anuiu, caracterizando fortuito externo, excludente de responsabilidade.Sobre o tema, trago à colação os seguintes arestos: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. GOLPE EM LEILÃO ELETRÔNICO. TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA PARA CONTA DE TERCEIRO FRAUDADOR. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE AFASTADA. CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido de indenização por danos materiais e morais decorrentes de fraude sofrida pelo autor em leilão eletrônico, com pagamento efetuado mediante transferência bancária à conta de terceiro fraudador, titular de conta na instituição financeira apelada.2. A sentença reconheceu a ausência de responsabilidade do banco por inexistência de nexo causal entre a conduta da instituição financeira e o evento danoso.I I. QUESTÃO EM DISCUSSÃO3. A questão em discussão consiste em saber: (i) se o recurso de apelação atende ao princípio da dialeticidade; e (ii) se a instituição financeira responde objetivamente pelos danos materiais e morais suportados pelo consumidor em decorrência de fraude praticada por terceiro em leilão eletrônico, com utilização de conta bancária aberta junto ao banco apelado. III. RAZÕES DE DECIDIR4. Rejeição da preliminar de ausência de dialeticidade, diante da adequada impugnação dos fundamentos da sentença, com exposição suficiente das razões de fato e de direito que justificam o inconformismo.5. A responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços, prevista no art. 14 do CDC, exige a demonstração do defeito na prestação do serviço, o que não ocorreu, pois não há comprovação de falha direta da instituição financeira na abertura da conta ou na movimentação dos valores transferidos.6. Inexistência de elementos probatórios aptos a demonstrar participação, colaboração ou omissão da instituição financeira apelada que tenha contribuído para o golpe.7. Configuração de culpa exclusiva de terceiro, afastando o nexo de causalidade entre a conduta do banco e o dano sofrido pelo consumidor, nos termos do art. 14, § 3º, II, do CDC.8. Inaplicabilidade da Súmula 479 do STJ, por tratar-se de fortuito externo. IV. DISPOSITIVO E TESE9. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A ausência de impugnação específica não configura violação ao princípio da dialeticidade quando o apelante apresenta argumentos capazes de demonstrar o seu inconformismo com a sentença. 2. A instituição financeira não responde objetivamente por danos decorrentes de fraude praticada por terceiro em leilão eletrônico, quando ausente demonstração de falha na prestação do serviço bancário. 3. Configura-se fortuito externo a atuação exclusiva de terceiro fraudador, afastando o nexo de causalidade e a responsabilidade civil do banco. Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 6º, VIII, 14, § 3º, II; CPC, arts. 373, I e 1.010, II. Jurisprudências relevantes citadas: STJ, Súmula nº 297; STJ, Súmula nº 479; TJGO, Apelação Cível nº 5158451-43.2021.8.09.0174, Rel. Des. Ana Cristina Ribeiro Peternella França, 7ª Câmara Cível, j. 07.02.2023; TJGO, Apelação Cível nº 5428342-80.2023.8.09.0051, Rel. Des. Anderson Máximo de Holanda, 10ª Câmara Cível, j. 01.04.2024; TJGO, Apelação Cível nº 5626028-50.2021.8.09.0116, Rel. Des. Mônica Cezar Moreno Senhorelo, 5ª Câmara Cível, j. 11.03.2024. (TJGO, Apelação Cível N. 5819412-79.2024.8.09.0113, Rel. Desª ALICE TELES DE OLIVEIRA, 11ª Câmara Cível, julgado em 27/06/2025) (destacado). DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. GOLPE DE TERCEIRO. RESPONSABILIDADE CIVIL. INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE O DANO E A CONDUTA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais de indenização por danos morais e materiais decorrentes de fraude na emissão de boleto bancário falso, alegando responsabilidade da instituição financeira. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em verificar: (i) se há responsabilidade civil da instituição financeira em decorrência de fraude praticada por terceiro; e (ii) se o fortuito externo ou a culpa exclusiva da vítima excluem o nexo causal necessário à configuração da responsabilidade objetiva prevista no Código de Defesa do Consumidor. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, conforme o enunciado da Súmula nº 297 do STJ e o artigo 14 do CDC, que trata da responsabilidade objetiva. 4. A responsabilidade do fornecedor pressupõe nexo causal entre a conduta do prestador de serviços e o dano sofrido pelo consumidor, o que não foi demonstrado nos autos. 5. Evidenciada a culpa exclusiva da consumidora, que não observou as diligências básicas ao efetuar a transação em canal fraudulento, repassando informações pessoais a terceiros de má-fé. 6. A fraude caracteriza fortuito externo, causa excludente de responsabilidade, conforme artigo 14, § 3º, inciso II, do CDC. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: "1. A fraude praticada por terceiro, caracterizando fortuito externo, exclui a responsabilidade civil da instituição financeira." "2. A ausência de nexo causal entre o dano sofrido pelo consumidor e a conduta da instituição financeira inviabiliza o dever de indenizar." Dispositivos relevantes citados: CDC, art. 14, caput e § 3º, II; CPC, art. 373, I. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula nº 297; TJGO, Apelação Cível nº 5457982-57.2021.8.09.0162, Rel. Des. Eduardo Abdon Moura, julgado em 06/11/2023. (TJGO, Apelação Cível n. 5106569-94.2023.8.09.0134, Rel. Des. HÉBER CARLOS DE OLIVEIRA, 1ª Câmara Cível, julgado em 27/01/2025) (destacado). Em contexto semelhante, outros tribunais pátrios decidiram: Direito Bancário. Apelação Cível. Ação Indenizatória. Golpe do Falso Investimento em criptomoedas (Bitcoin). Transação realizada voluntariamente pela vítima. Ausência de falha na prestação do serviço. Culpa exclusiva da vítima. Recurso conhecido e desprovido. I. CASO EM EXAME1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. A questão em discussão consiste em saber se há responsabilização da instituição financeira pela transferência de valores de forma voluntária pela vítima de golpe de falso investimento em criptomoedas, bem como a responsabilização ao pagamento de danos morais. III. RAZÕES DE DECIDIR3. Ausência de responsabilidade civil da instituição financeira. Ocorrência de “Golpe do falso investimento em criptomoedas (bitcoin)”. Ausência de falha na prestação dos serviços da instituição financeira. Culpa exclusiva da vítima que afasta a responsabilidade objetiva da instituição financeira, conforme o art . 14, § 3º do CDC. Hipótese dos autos que caracteriza fortuito externo. Inaplicabilidade da súmula nº 479 do STJ. 4. Alegação de falha na prestação do serviço por ausência de mecanismo de segurança. Inocorrência. Comprovação de adoção do Mecanismo Especial de Devolução (MED), ferramenta disponibilizada pelo Banco Central, instituída por meio da Resolução nº 103/2021. Restituição parcial do valor transferido voluntariamente pelo apelante. Cumprimento das diligências que lhe cabiam. 5. Manutenção da sentença de improcedência, com fixação de honorários recursais. IV. DISPOSITIVO6. Apelação cível conhecida e desprovida. Dispositivos relevantes citados: CDC, art. 14, § 3º; CPC . Bacen, Resolução nº 103/2021.Jurisprudência relevante citada: TJPR, Apelação Cível 0036636-96.2023.8.16.0014, Rel. Substituto Alexandre Kozechen, 10ª Câmara Cível, j. 05.10.2024; TJPR, Apelação Cível 0002010-76.2023.8.16.0038, Rel. Desembargador Fabio André Santos Muniz, 13ª Câmara Cível, j. 12.04.2024; Súmula nº 479/STJ. (TJPR, Apelação Cível n. 0002944-37.2024.8.16.0058, Rel. Des. José Laurindo de Souza Netto,16ª Câmara Cível, julgado em 12/05/2025, Data de Publicação: 12/05/2025) (destacado). Ação de indenização por danos morais e materiais. Alegação do autor de que foi vítima do "golpe do falso investimento". Realização de transferências para terceiro após promessa de investimento encontrada na internet, com retorno em dobro do valor. Sentença de improcedência . Pretensão de reforma. Descabimento. O apelante realizou as transferências de forma livre e espontânea. Ausência de responsabilidade das instituições financeiras . Falha na prestação dos serviços dos réus não demonstrada. Excludente de responsabilidade. Art. 14, § 3º, II, do CDC . Sentença mantida. Recurso desprovido. (TJSP, Apelação Cível n. 1024175-87.2023.8.26.0405, Rel. Des. Simões de Almeida, 13ª Câmara de Direito Privado, julgado em 05/06/2024, Data de Publicação: 05/06/2024) (destacado). Dessa forma, seja pela ausência de comprovação mínima dos fatos constitutivos do direito ou pela demonstração de que o evento danoso ocorreu por culpa exclusiva da vítima, a manutenção da sentença de improcedência mostra-se a medida correta. Tem-se por prequestionada toda a matéria discutida no processo para viabilizar eventual acesso aos Tribunais Superiores, evitando-se a interposição de embargos de declaração com este único e exclusivo intuito, ainda que inexista pronunciamento explícito acerca de algum questionamento apresentado pelos recorrentes.Na confluência do exposto, conheço do recurso de apelação, porém nego-lhe provimento para manter inalterada a sentença recorrida por seus próprios e jurídicos fundamentos. Nos termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, majora-se os honorários sucumbenciais para 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, suspensão a exigibilidade, por ser a parte beneficiária da gratuidade da justiça. Intimem-se. Cumpra-se. Goiânia, data da assinatura digital. Desembargadora Ana Cristina Ribeiro Peternella FrançaR E L A T O R A/AC 35
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear