Processo nº 0004711-56.2009.4.01.3302
ID: 325590436
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 09 - DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0004711-56.2009.4.01.3302
Data de Disponibilização:
15/07/2025
Advogados:
ITAMAR DA SILVA RIOS
OAB/BA XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0004711-56.2009.4.01.3302 PROCESSO REFERÊNCIA: 0004711-56.2009.4.01.3302 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: ESPÓLIO DE RAULINDO …
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0004711-56.2009.4.01.3302 PROCESSO REFERÊNCIA: 0004711-56.2009.4.01.3302 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: ESPÓLIO DE RAULINDO DE ARAUJO RIOS REPRESENTANTES POLO ATIVO: ITAMAR DA SILVA RIOS - BA13331-A POLO PASSIVO:Ministério Público Federal RELATOR(A):NEVITON DE OLIVEIRA BATISTA GUEDES PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 09 - DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 0004711-56.2009.4.01.3302 Processo Referência: 0004711-56.2009.4.01.3302 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES (RELATOR): Trata-se de recurso de apelação interposto por Raulindo de Araújo Rios, ex-Prefeito do Município de Quixabeira/BA, no período de 2001 a 2004, contra sentença proferida em ação civil pública por ato de improbidade administrativa, ajuizada pelo Ministério Público Federal, que julgou parcialmente procedentes os pedidos, condenando o apelante pela prática de atos previstos nos artigos 10, inciso XI, e 11, caput, da Lei n.º 8.429/1992. Na petição inicial, o Ministério Público Federal imputa ao requerido a prática de atos de improbidade administrativa, consistentes na malversação dos recursos públicos destinados à execução dos Convênios n.º 6.21.2001.027-00 e 6.21.2001.023-00, firmados com o Ministério da Integração Nacional, por intermédio da CODEVASF. O primeiro convênio, celebrado em 31.12.2001, previa a construção de uma barragem na localidade de Poço Comprido, com repasse total de R$ 57.500,00, realizado em duas parcelas em 2002, e vigência de 10.07.2002 a 31.03.2003. O segundo, também firmado em 31.12.2001, tinha como objeto a construção de barragem de terra na Fazenda Aroeira, com repasse total de R$ 28.007,63, também em duas parcelas, e vigência inicialmente de 10.07.2002 a 31.03.2003. Em suas razões recursais, Raulindo de Araújo Rios suscita, preliminarmente: a) incompetência da Justiça Federal; b) ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal; c) ilegitimidade passiva; d) imprestabilidade das provas produzidas pela Controladoria-Geral da União (CGU); e) ocorrência da prescrição da pretensão punitiva. No mérito, defende, em síntese, que: a) “Toda a prova dos autos é no sentido da INEXISTÊNCIA de dano. O serviço foi prestado adequadamente”; b) “Inexistiu qualquer prova (...) de que teria ocorrido dano, mormente com a não prestação dos serviços. Da mesma forma, não houve prova de má-fé ou acréscimo patrimonial”; c) “As imputações não ultrapassam a mera irregularidade e o magistério da jurisprudência do STJ, estatui que a lei de Improbidade não deve ser aplicada para punir meras irregularidades administrativas ou transgressões disciplinares”; d) “No caso posto, inexistiram sequer indícios de DESONESTIDADE e DOLO/MÁ-FÉ. Veja que a própria sentença diz que não houve qualquer enriquecimento e, logo, inexistiu qualquer dano ao erário”. Ao final, requer o conhecimento e provimento do recurso (ID 25950037, págs. 06/40). Contrarrazões do MPF (ID 25950037, págs. 43/57). A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo não provimento do recurso (ID 25950037, págs. 63/75). Certidão de óbito do réu juntada (ID 94855037). Decisão homologando o pedido do Ministério Público de habilitação dos herdeiros/sucessores de Raulindo de Araújo Rios (ID 420339459). É o relatório. Desembargador Federal NÉVITON GUEDES Relator PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 09 - DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 0004711-56.2009.4.01.3302 Processo Referência: 0004711-56.2009.4.01.3302 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES (RELATOR): Do pedido de gratuidade de justiça e preparo recursal Analisando os autos, verifica-se que o apelante, por ocasião da interposição de seu recurso, requereu a concessão da gratuidade de justiça (ID 25950037, págs. 06/40). Com efeito, dispõe o art. 4º da Lei n. 1.060/1950 que “a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família”. A mesma lei preceitua, ainda, que se presume pobre “quem afirmar essa condição nos termos da lei” (art. 4º, § 1º). A questão atualmente se encontra disciplinada no Código de Processo Civil, cujo art. 98 dispõe que "a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei". Com efeito, a gratuidade de justiça pode ser requerida em qualquer momento processual, inclusive após a interposição de recurso, segundo dicção do art. 99, caput, do CPC: Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso. O § 2º do art. 99 estabelece que "o juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos", e acrescentando, no § 3º, que se presume "verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural". Sobre o assunto, a jurisprudência desta Corte: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. GRATUIDADE DA JUSTIÇA PARA PESSOA JURÍDICA. DEFERIMENTO, MEDIANTE COMPROVAÇÃO. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. ART. 10 DA LIA. DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ART. 11, I, DA LIA. REVOGAÇÃO. ATIPICIDADE. SENTENÇA REFORMADA. EXTENSÃO DOS EFEITOS À CORRÉ. ART. 1.005 DO CPC E ART. 17, § 11º, DA LEI 8.249/1992. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE, DE OFÍCIO, EM RELAÇÃO À CORRÉ. APELAÇÕES PROVIDAS. 1. Nos termos do art. 98 do CPC "A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça". De acordo com a Súmula 481 do STJ: "Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais". Comprovada a insuficiência de recursos, deve ser deferida a gratuidade de justiça. 10. Apelações providas. Pedido julgado improcedente, de ofício, em relação à corré Maria Conceição Santana dos Reis Santo (...) (AC 0036456-89.2011.4.01.3300, DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 03/09/2024 PAG.) AÇÃO RESCISÓRIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NULIDADE CITAÇÃO POR EDITAL NÃO CONFIGURADA. DIVERSAS TENTATIVAS INFRUTÍFERAS DE CITAÇÃO PESSOAL POR OFICIAL DE JUSTIÇA. ESGOTAMENTO DOS MEIOS CITAÇÃO. RÉU EM LOCAL INCERTO OU INDETERMINADO. PEDIDO IMPROCEDENTE. 1. Satisfeitos os requisitos legais, devem ser concedidos ao autor os benefícios da justiça gratuita. 2. Não há que se falar em nulidade da citação editalícia, uma vez que foram realizadas inúmeras tentativas de citação do réu, ora autor, por oficial de justiça, promovidas tanto no estado da Bahia quanto no estado de Rondônia, que restaram infrutíferas. 3. Sendo suficientes as diligências empreendidas para a localização do réu nos endereços constantes dos autos, correta a citação por edital que se pretende anular. Precedentes. 4. Pedido rescisório que se julga improcedente. Condenação do autor em custas e honorários, suspensa a exigibilidade por ser beneficiário da justiça gratuita. (AR 1005613-86.2018.4.01.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY, TRF1 - SEGUNDA SEÇÃO, PJe 18/09/2023 PAG.) No caso em análise, a parte ré declarou não possuir condições de arcar com as custas e despesas processuais sem comprometer seu próprio sustento. Diante do cumprimento dos requisitos legais, devem ser concedidos ao autor os benefícios da justiça gratuita. Defiro, pois, o pedido de gratuidade da justiça. Avançando, constata-se que o recurso é tempestivo e a sentença atacada é recorrível via apelação (art. 1.009, caput, do CPC). Portanto, presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, dele conheço. Da Incompetência da Justiça Federal O entendimento jurisprudencial desta Corte é firme no sentido de que as ações civis públicas por ato de improbidade administrativa em que se busca a responsabilização por desvio de verbas federais devem ser processadas e julgadas pela Justiça Federal. Confiram-se: ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRELIMINARES REJEITADAS. ART. 10, I, VIII, XI, E ART. 11, II, VI, DA LEI 8.429/92, NA REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 14.230/2021. RECAPITULAÇÃO. INDEVIDA. EFETIVO PREJUÍZO E DOLO NA CONDUTA DA RÉU. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVO QUANTO À CONDUTA DO ART. 10, XI, LIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Rejeita-se a preliminar de incompetência da Justiça Federal, considerando que nas demandas em que se apura possível malversação de recursos públicos federais a competência é da Justiça Federal. 2. Adequada, outrossim, a via processual eleita, ante a possibilidade da condenação dos agentes políticos - prefeitos - nas sanções da Lei nº 8.429/92. 3. A Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), que regulamentou o art. 37, § 4º,da Constituição Federal de 1988, tem como finalidade impor sanções aos agentes públicos pela prática de atos de improbidade nos casos em que: a) importem enriquecimento ilícito (art. 9º); b) causem prejuízo ao erário (art. 10); e c) atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), neste também compreendida a lesão à moralidade administrativa. 4. Com a superveniência da Lei 14.230/2021, que introduziu consideráveis alterações na Lei 8.429/92, para que o agente público possa ser responsabilizado por ato de improbidade administrativa, faz-se necessária a demonstração do dolo específico, conforme o artigo 1º, §2º, da Lei 8.429/92, ao dispor: "§ 2º considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos artigos 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente". 5. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1.199 (ARE 843989 RG, Relator Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, publicado em 04.03.2022), após analisar as questões submetidas ao respectivo tema em decorrência da superveniência da Lei 14.230/2021 que introduziu as alterações promovidas na Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), fixou as seguintes teses: "1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO;2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei." 6. O d. magistrado de primeiro grau recapitulou a tipificação da conduta das rés e, pelo ato de "pagamento indevido de despesas referentes a exercícios anteriores" com recursos do FUNDEB/FUNDEF, as condenou como incursas em tipo legal não capitulado pelo autor na petição inicial. 7. Em razão da impossibilidade de recapitulação da conduta na forma preconizada pela atual redação da Lei 8.429/92, merece ser reformada a sentença, para afastar a condenação das rés pela conduta da alínea "a4" da petição inicial, enquadrada no art. 10, IX, da Lei 8.429/92. 8. Todavia, merece ser mantida a condenação pela conduta da alínea "a1" da petição inicial, consubstanciada nos "pagamentos de curso superior, com verbas do fundo, em favor da própria ex-prefeita, de um vereador e de servidores municipais que não eram professores" com recursos do FUNDEF/FUNDEB, com fundamento no inciso XI do art. 10 da LIA. 9. Isso porque não obstante a apelante alegue ausência de elemento subjetivo em sua conduta, não é possível desconsiderar o uso indevido de recursos do FUNDEF e do FUNDEB em proveito próprio e de terceiros, cujas funções são estranhas ao magistério da educação básica e do ensino fundamental, pois o próprio nome dos fundos - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério– FUNDEF e Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica – FUNDEB, já preveem a finalidade de seus recursos. Ademais, a apelante limitou-se a negar dolo em sua conduta, não trazendo qualquer elemento apto a justificar o uso dos recursos para finalidades diversas do seu fim, em proveito próprio. 10. Não é possível prosperar a pretensão de que a referida conduta seja caracterizada tão somente como uma irregularidade administrativa, tampouco que não tenha causado prejuízo ao erário, considerando os já tão poucos recursos destinados à educação. 11. Apelação parcialmente provida (itens 6 e 7). (AC 0002508-82.2014.4.01.4002, JUIZ FEDERAL CLODOMIR SEBASTIAO REIS, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 13/03/2025 PAG.) No presente caso, busca-se a responsabilização do recorrente por malversação na aplicação de recursos oriundos do Ministério da Integração Nacional, por intermédio da CODEVASF, de natureza sabidamente federal. Registre-se, ainda, que, nas demandas em que se apura possível malversação de recursos públicos federais, a competência é da Justiça Federal, ainda que tais verbas tenham sido incorporadas ao patrimônio do município. Essa é precisamente a situação dos autos, nos quais se discute a malversação e a ausência de prestação de contas de recursos federais repassados ao ente municipal. Nesse sentido: (AC 0001935-05.2013.4.01.3315, JUIZ FEDERAL CLODOMIR SEBASTIAO REIS, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 13/03/2025 PAG.). Ademais, relevante à controvérsia o entendimento no sentido de que “o autor da presente ação é o Ministério Público Federal, órgão federal, o que atrai a competência da Justiça Comum Federal para o processamento e julgamento do feito, conforme art. 109, I, da Constituição Federal” (AC 0000607-61.2009.4.01.3903, Juiz Federal Érico Rodrigo Freitas Pinheiro (Conv.), TRF1 - Quarta Turma, PJe 30/05/2022). Preliminar rejeitada. Da ilegitimidade passiva O réu alega sua ilegitimidade passiva ao argumento de que os fatos que lhe são imputados caracterizariam, na verdade, crimes de responsabilidade e não atos de improbidade administrativa. Contudo, sem razão. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 976.566, em regime de repercussão geral, definiu a seguinte tese: "O processo e o julgamento de prefeito municipal por crime de responsabilidade (Decreto-lei 201/67) não impede sua responsabilização por atos de improbidade administrativa previstos na Lei 8.429/92, em virtude da autonomia das instâncias" (RE 976.566, Rel. Ministro Alexandre de Moraes, Pleno, Julgamento: 13/09/2019 Publicação: 26/09/2019). Nesse sentido: (AC 0047630-88.2013.4.01.3700, DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA, TRF1 - TERCEIRA TURMA, PJe 05/02/2025) e (AC 0000613-34.2010.4.01.4000, DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, TRF1 - QUARTA TURMA, e-DJF1 02/07/2021). Também não merece acolhimento a alegação de que o réu foi incluído na ação apenas por ter exercido o cargo de prefeito, sem participação direta nas irregularidades, pois essa tese se confunde com o mérito da causa e será com ele juntamente apreciada. Preliminar afastada. Da ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal A legitimidade ativa do Ministério Público Federal está devidamente amparada na previsão expressa do art. 129, inciso III, da Constituição Federal de 1988, especialmente quando presente o interesse de ente público federal na demanda. Nos termos da jurisprudência do STJ, o Ministério Público Federal possui legitimidade ativa para a propositura de ação civil pública em defesa do patrimônio público, nos termos da Súmula 329/STJ (AgInt nos EDcl no REsp 1461454/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 31/08/2020, DJe 03/09/2020; AgRg no REsp 1253805/SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 11/12/2012, DJe 04/02/2013). No mesmo sentido, a Jurisprudência da Segunda Seção desta Corte: AÇÃO RESCISÓRIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. IRREGULARIDADES CONSTATADAS NA APLICAÇÃO DE VERBAS REPASSADAS PELO MINISTÉRIO DO INTERIOR PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA PRAÇA NO MUNICÍPIO DE PACARAIMA/RR. CONDENAÇÃO DO EX-PREFEITO. REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL, DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO MPF E DA UNIÃO, DE CERCEAMENTO DE DEFESA E DE VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. CONDENAÇÃO DEVIDAMENTE MOTIVADA. SANÇÕES APLICADAS DE ACORDO COM A NORMA LEGAL. REDISCUSSÃO DA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE. PEDIDO IMPROCEDENTE. 1. Ação rescisória ajuizada por ex-prefeito municipal em desfavor do Ministério Público Federal, objetivando rescindir sentença proferida pelo juízo federal da 1ª Vara da Seção Judiciária de Roraima, confirmada pela Terceira Turma deste Tribunal, que, nos autos da ação de improbidade administrativa 0002588-49.2005.4.01.4200 (reunida com a ação de improbidade 2005.42.00.002245-8, ajuizada pelo Município de Pacaraima/RR), julgou procedente o pedido para condenar o requerido nas sanções previstas no art. 12, incisos II e III, da Lei 8.429/92, pela pelas irregularidades constatadas na aplicação de verbas repassadas pelo Ministério do Interior para a construção de uma praça no município de Pacaraima/RR. (...) 6. A União manifestou seu interesse em integrar o feito, tendo sido admitida no processo na condição de litisconsorte ativa, ratificando, assim, o interesse federal na causa, a teor do art. 109, I, da CF, e, em consequência, a competência da Justiça Federal. 7. O Ministério Público Federal possui legitimidade ativa para a propositura de ação civil pública em defesa do patrimônio público, nos termos da Súmula 329/STJ (AgInt nos EDcl no REsp 1461454/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 31/08/2020, DJe 03/09/2020; AgRg no REsp 1253805/SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 11/12/2012, DJe 04/02/2013). (...)Condenação do autor ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, estes fixados no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa atualizado (art. 85, § 2º, do CPC), cuja exigibilidade, contudo, fica suspensa pelo prazo de 05 (cinco) anos, a teor do art. 98, § 3º, do CPC. (AR 0071763-71.2015.4.01.0000, JUIZ FEDERAL ÉRICO RODRIGO FREITAS PINHEIRO (CONV.), TRF1 - SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF1 02/09/2022 PAG.) Preliminar afastada. Da ilegalidade das provas produzidas pela CGU O réu argumenta que a fiscalização de recursos municipais compete ao Poder Legislativo local, com apoio dos Tribunais de Contas estaduais ou do TCU, em caso de repasses federais, mas nunca à CGU – órgão de controle interno da União. Defende que a atuação da CGU é inconstitucional, tornando nulo o relatório por ela produzido, o qual fundamenta toda a acusação, ensejando o reconhecimento da ilicitude das provas (teoria dos frutos da árvore envenenada) e, consequentemente, a nulidade da ação. O Juízo a quo rejeitou a preliminar, nos seguintes termos (ID 25950102, pág. 278): (...). 1. Da imprestabilidade da prova colhida pela CGU. O artigo 17 da Lei nº 10.683/2003 disciplina “à Controladoria-Geral da União compete assisti direta e imediatamente Presidente da República no desempenho de suas atribuições quanto aos assuntos e providências que, no âmbito do Poder Executivo, sejam atinentes à defesa do patrimônio Público, ao controle interno, à auditoria pública, à correição, à prevenção e ao combate à corrupção, às atividades de ouvidoria e ao incremento da transparência da gestão no âmbito da administração pública federal. A norma descrita reconhece portanto, a competência da CGU para fiscalizar a aplicação dos recursos financeiros provenientes do orçamento da União, ainda quando repassados aos demais ente federais como o município requerido, realizando o controle interno do Executivo na defesa do patrimônio público (art. 74 da CF/88). Nesse sentido, importa destacar pronunciamento do Supremo Tribunal Federal quanto à matéria: EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSOS PÚBLICOS FEDERAIS REPASSADOS AOS MUNICÍPIOS. FISCALIZAÇÃO PELA CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO – CGU. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. I – A Controladoria-Geral da União pode fiscalizar a aplicação de verbas federais onde quer que elas estejam sendo aplicadas, mesmo que em outro ente federado às quais foram destinadas. II. A fiscalização exercida pela CGU é interna, pois feita exclusivamente sobre verbas provenientes do orçamento do Executivo. III – Recurso a que se nega provimento. (RMS 25943, RICARDO LEWANDOWSKI, STF) Devidamente demonstrada a competência da CGU para a execução dos atos fiscalizatórios questionados pelo requerido, hão há que se falar em ilegalidade da prova por ela produzida. A decisão proferida pelo Juízo a quo fundamentou-se em entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, o qual se encontra em harmonia com a jurisprudência dominante desta Corte. Confira-se: PROCESSUAL PENAL E PENAL. OPERAÇÃO MAUS CAMINHOS. REAFIRMAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. REJEIÇÃO DA PRELIMINAR DE ILICITUDE DA ATUAÇÃO DA CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO – CGU. CRIME DE PECULATO. AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA AJUSTADA. REDUÇÃO DA PENA-BASE. 1. Trata-se de apelações interpostas pelos Réus contra sentença que rejeitou as preliminares suscitadas e julgou procedente a pretensão punitiva do Estado para condená-los como incursos nas penas do artigo 312 (peculato), caput, c/c os artigos 30 e 71, todos do Código Penal. (...). 10. Preliminar de ilicitude da atuação da Controladoria-Geral da União – CGU rejeitada. No que tange ao controle interno federal das verbas repassadas pela União a título de complementação, cabe apontar que a titularidade é da Controladoria Geral da União (CGU), órgão com natureza e status ministerial, que centraliza o controle interno da Administração Pública Federal, tendo sua competência definida no art. 51 da Lei nº 13.844/2019. Sobre o tema, cabe ressaltar que "a CGU pode fiscalizar a aplicação de verbas federais onde quer que elas estejam sendo aplicadas, mesmo que em outro ente federado às quais foram destinadas. Ressalte-se que, nesses casos, a fiscalização exercida pela CGU é interna, pois feita exclusivamente sobre verbas provenientes do orçamento do Executivo". (RMS 25.943). No caso concreto, compete à CGU realizar ações de fiscalização, eis que os valores pagos à D'FLORES pelo INC foram provenientes de verbas repassadas pela União (SUS e FUNDEB). (...). Apelações dos Réus parcialmente providas, para ajustar a dosimetria, reduzindo a pena-base, ficando o Relator parcialmente vencido apenas quanto à fixação do regime inicial do corréu M.M. (ACR 0009516-86.2017.4.01.3200, DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA, TRF1 - TERCEIRA TURMA, PJe 13/07/2023 PAG.) Preliminar rejeitada. Da prescrição da pretensão punitiva estatal O réu alega a ocorrência da prescrição com base no art. 23, I, da Lei nº 8.429/92, que estabelece o prazo de cinco anos após o término do mandato para o ajuizamento da ação. Afirma que os fatos ocorreram em 2004, com o fim do mandato em 31/12/2004, e que, embora a ação tenha sido proposta em 11/12/2009, a citação só ocorreu em 09/02/2012, ultrapassando o prazo de 90 dias previsto por analogia ao art. 10 do Código Penal e ao art. 202, I, do Código Civil. Assim, sustenta que não houve interrupção válida da prescrição e requer o seu reconhecimento. Nesse ponto, é importante destacar que, no julgamento do ARE 843.989/PR, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que o novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 não possui caráter retroativo. Dessa forma, os novos marcos temporais aplicáveis devem ser considerados a partir da publicação da referida lei. (ARE 843.989/PR, Relator: Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, Julgamento em 18/08/2022 e Publicação em 12/12/2022). Desse modo, não se aplica ao presente caso os prazos prescricionais previstos pela Lei 14.230/2021. Passo a análise da prescrição sob a égide das regras vigentes antes da publicação da Lei 14.230/2021. Nos termos do artigo 37, §5º, da Constituição Federal: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento. Por outro lado, o artigo 23 da Lei n. 8.429/92, vigente à época do ajuizamento da ação (11/12/2009), assim dispunha: Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; O Juízo a quo rejeitou a prejudicial de prescrição, nos seguintes termos (ID 25950114, págs. 107/143): (...) entendo não operada a prescrição da pretensão condenatória. De fato, o mandato do acionado encerrou-se em 31.12.2004 e a presente ação foi proposta em 11.12.2009. Neste contexto, não foi ultrapassado o período previsto no inciso I, art. 23 da Lei n° 8.429/92, sendo irrelevante para a análise da prescrição o fato de a citação ter ocorrido em data posterior (09.02.2012- fl. 771). Ressalte-se que o art. 219 do Código de Processo Civil vigente à época estabelecia o seguinte: Art. 219. A citação válida toma prevento o juizo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. § 1º A Interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação. (...) Por oportuno, registro que a discussão quanto à prescritibilidade ou imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento do dano ao erário, tema do RE 852475, cuja repercussão geral foi reconhecida pelo STF, não possui qualquer relevância para o deslinde do presente feito, haja vista que, como acima consignado, a pretensão autoral não se encontra fulminada pela prescrição. Afastadas as preliminares e a prejudicial de mérito, passo à análise do mérito (...). No caso, não está prescrita a pretensão da pretensão punitiva estatal. Como previsto pelo artigo 23, inciso I, da Lei nº 8.429/92 (redação original) o prazo prescricional, na hipótese de o ato ímprobo ser praticado por ex-agente público, é de 5 (cinco) anos, contados do fim do mandato ou da dispensa do cargo em comissão. Nesse contexto, não há que se falar em prescrição, pois o mandato do ex-prefeito e apelante, Raulindo de Araújo Rios, encerrou-se em 31/12/2004, conforme informado pelo próprio réu na apelação, e a presente ação foi proposta em 11/12/2009 (ID 25959532, pág. 01), antes, portanto, do transcurso do prazo prescricional de 5 (cinco) anos. A esse respeito, confira-se ementa do STJ: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO QUE RECEBE A INICIAL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO MONOCRÁTICA RECORRIDA. SÚMULA 284 DO STF. PRESCRIÇÃO PARA O AJUIZAMENTO DA AÇÃO DE IMPROBIDADE. CONTADO A PARTIR DO TÉRMINO DO EXERCÍCIO DO CARGO. INDÍCIOS DE COMETIMENTO DE ATO ÍMPROBO. IN DUBIO PRO SOCIEDATE. RECEBIMENTO DA INICIAL. IMPUTAÇÃO DE ATOS DOLOSOS NÃO EXTINTOS PELA LEI 14.230/2021. NÃO APLICAÇÃO DO TEMA 1.199/ST. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Cuida-se, na origem, de Agravo de Instrumento contra decisão que recebeu a inicial em Ação Civil de Improbidade Administrativa, a qual tem como causa de pedir a inobservância às regras e princípios que regem a maneira pela qual o Poder Público adquire bens e serviços. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE RECURSAL 2. A parte agravante, no caso em espécie, insiste nos argumentos já analisados na decisão recorrida, não impugnado especificamente os fundamentos da decisão atacada - notadamente de que "a averiguação do transcurso do prazo prescricional da pretensão punitiva por ato de improbidade administrativa deve ser feita individualmente, a partir do término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança, consoante dispõe o art. 23, I, da Lei 8.429/1992 (AgInt no REsp 1.536.133/CE, Rel. Ministra Regina Helena Consta, Primeira Turma, DJe 14.8.2018)." (fl. 255, grifei). 3. Ao assim proceder, descumpriu o ônus da dialeticidade. Incide o teor da Súmula 283/STF. (AgRg no RMS 43.815/MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 27/5/2016). PRESCRIÇÃO APLICADA AOS PARTICULARES: MESMA SISTEMÁTICA ATRIBUÍDA AOS AGENTES PÚBLICOS - SÚMULA 634 DO STJ 4. Ainda que superado o óbice acima, verifica-se que o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que, nos termos do artigo 23, I e II, da Lei 8429/92, com redação anterior às alterações da Lei 14.230/21, aos particulares, réus na ação de improbidade administrativa, aplica-se a mesma sistemática atribuída aos agentes públicos para fins de fixação do termo inicial da prescrição. Nessa linha, a Súmula 634/STJ: "Ao particular aplica-se o mesmo regime prescricional previsto na lei de improbidade administrativa para os agentes públicos." A propósito: AgInt no REsp n. 1.725.544/PE, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, DJe de 11/4/2024, AgInt no REsp 1.868.436/RN, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 2/12/2020, AgInt no AREsp 1.710.507/RS, Rel. Min. Herman Benjamin Segunda Turma, DJe 13/4/2021 e AgRg no REsp 1.541.598/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 13.11.2015. 5. Cuida-se de prescrição ordinária, instituto de direito material. Nessas hipóteses, o STJ entende que deve prevalecer a garantia do ato jurídico perfeito e a segurança jurídica, de modo que o ato de improbidade administrativa praticado antes da alteração legislativa deve ser regulado pela lei em vigor ao tempo da sua prática (MS 9.157/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, Corte Especial e DJ 7/11/2005). 6. No caso dos autos, o Prefeito Municipal se manteve no cargo entre os anos de 2009 a 2016 (fl. 106). Assim, a averiguação do transcurso do prazo prescricional da pretensão punitiva por ato de improbidade administrativa deve ser feita individualmente, a partir do término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança, consoante dispõe o art. 23, I, da Lei 8.429/92 (AgInt no REsp 1.536.133/CE, Rel. Min. Regina Helena Consta, Primeira Turma, DJe 14/8/2018). 7. Considerando que o final do mandato do Prefeito Municipal ocorreu em 2016 e a Ação Civil Pública foi proposta em 11/5/2017, não transcorreu o prazo quinquenal da prescrição impeditivo da propositura da ação. RECEBIMENTO DA INICIAL: IN DUBIO PRO SOCIETATE 8. O Tribunal de origem assim consignou (fls. 105-107): "Quanto à preliminar de ilegitimidade passiva, constata-se que esta se confunde com o mérito e com ele será analisada oportunamente pelo juízo de origem. (...) Em uma análise preliminar e diante dos elementos probatórios trazidos aos autos, vislumbra-se a possibilidade de cometimento de ato ímprobo praticado pelos corréus, uma vez que aparentemente houve fraude em procedimento licitatório, no qual se anulou a concorrência em razão da participação de empresas pertencentes à mesma família, não podendo se afastar tal hipótese neste momento processual. O douto juízo de origem demonstrou claramente os indícios de autoria e de materialidade, o que impossibilita o indeferimento da inicial". 9. O acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência do STJ, firmada no sentido de que a presença de indícios de cometimento de atos previstos na Lei de Improbidade Administrativa autoriza o recebimento da peça vestibular, devendo prevalecer na fase inicial o princípio do in dubio pro societate. Sendo assim, somente após a regular instrução processual é que se poderá concluir pela existência ou não de eventual prática de ato de improbidade administrativa. Nesse sentido: REsp 1.567.026/RS, Rel. Min. Francisco Falcão Segunda Turma, DJe de 27/8/2018 e STJ, AgInt no AREsp 952.487/MS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 18/9/2018. 10. Ademais, registre-se que "constatada a presença de indícios da prática de ato de improbidade administrativa, é necessária instrução processual regular para verificar a presença ou não de elemento subjetivo, bem como do efetivo dano ao erário, sendo que para fins do juízo preliminar de admissibilidade, previsto no art. 17, §§ 7º, 8º e 9º, da Lei 8.429/92, é suficiente a demonstração de indícios razoáveis de prática de atos de improbidade e autoria, para que se determine o processamento da ação, em obediência ao princípio do in dubio pro societate, a fim de possibilitar o maior resguardo do interesse público" (AgRg no REsp 1.384.970/RN, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29/9/2014). ATRIBUIÇÃO DE ATO DOLOSO DO ART. 10 DA LEI 8.429/1992: NÃO APLICAÇÃO DO TEMA 1.199/STF 11. Por fim, inaplicável o Tema 1.199/STF, uma vez que foram imputados aos réus atos dolosos capitulados no art. 10, incisos VII e XII, da Lei 8.429/92, os quais não tratam de tipos extintos pela Lei 14.230/21 e nem sequer foram alterados por ela. Acerca da matéria, o acórdão de origem consignou (fl. 107, grifei): "Ademais, como assentou o C. STF, são imprescritíveis os atos dolosos de improbidade e, visto que o autor imputa aos réus o cometimento doloso de ato ímprobo, não há que se falar em prescrição, matéria a ser reanalisada quando do julgamento do mérito da causa". 12. E no que toca a eventual prescrição interfases, também no Tema 1.199/STF ficou assentado que o "novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei". CONCLUSÃO 13. Agravo Interno não provido. (AgInt no AREsp n. 1.865.853/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 11/6/2024, DJe de 24/6/2024.) No mesmo sentido, já decidiu esta Corte Regional: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. ART. 10, VIII DA LEI 8.429/92. FRACIONAMENTO INDEVIDO COM EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DOLO NAS CONDUTAS DOS MEMBROS DA COMISSÃO DE LICITAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. COMPROVADO DOLO NA CONDUTA DO EX-PREFEITO. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. PARCIAL PROVIMENTO. 1. O prazo prescricional a ser aplicado ao particular que praticou ou se beneficiou do ato de improbidade é o mesmo fixado para responsabilização do servidor público. O prefeito à época dos fatos permaneceu no mandato até 31.12.2004. O prazo prescricional teve início após o término do mandato, não havendo que se falar em prescrição, haja vista o ajuizamento em 16/04/2009. Preliminar rejeitada. (...) 5.Dado parcial provimento à apelação da defesa para absolver os membros da comissão de licitação e manter a condenação do ex-prefeito, mantendo-se a sentença integralmente em seus demais termos. (AC 0005233-62.2009.4.01.3600, JUIZ FEDERAL MARLLON SOUSA (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA, PJe 24/03/2023 PAG.) Vale ressaltar, ainda, que é a distribuição da ação de improbidade administrativa que interrompe a fluência do prazo prescricional, segundo dicção do art. 312 do CPC, e não o despacho que determina a citação dos réus, como sustentou o apelante Raulindo de Araújo Rios. Ademais, a regra insculpida no parágrafo 1º do art. 240 do CPC prevê que a prescrição retroagirá à data da propositura da ação. Confira-se: Art. 312. Considera-se proposta a ação quando a petição inicial for protocolada, todavia, a propositura da ação só produz quanto ao réu os efeitos mencionados no art. 240 depois que for validamente citado. Art. 240. A citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). § 1º A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data de propositura da ação. Outrossim, conforme orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, "o prazo quinquenal de prescrição, na ação de improbidade administrativa, interrompe-se com a propositura da ação, independentemente da data da citação, que, mesmo efetivada em data posterior, retroage à data do ajuizamento da ação (arts. 219, § 1º e 263 - CPC), ressalvada a hipótese (não ocorrente) de prescrição intercorrente" (STJ, REsp 1.374.355/RJ, Rel. Ministro Olindo Menezes (Desembargador Federal Convocado TRF/1ª Região), Primeira Turma, DJe de 28/10/2015). Logo, para fins prescricionais, deve ser considerada como marco interruptivo da prescrição a data do ajuizamento da ação, haja vista o disposto no art. 219, § 1º, c/c o art. 263, ambos do Código de Processo Civil, que expressamente prescreve que a interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação. Prejudicial de prescrição rejeitada. Passo, então, ao exame do mérito do recurso interposto Na inicial, o MPF acusa o requerido de improbidade administrativa por suposta má gestão de recursos públicos referentes aos Convênios n.º 6.21.2001.027-00 e n.º 6.21.2001.023-00, firmados com o Ministério da Integração Nacional via CODEVASF. O primeiro convênio, de R$ 57.500,00, destinava-se à construção de uma barragem em Poço Comprido; o segundo, no valor de R$ 28.007,63, previa obra similar na Fazenda Aroeira. Ambos foram celebrados em 31.12.2001, com repasses feitos em 2002 e prorrogações de vigência até 2003. Narra a ocorrência de fortes indícios de simulação no Convite n.º 020/2002, destacando que a empresa vencedora, São Luiz Construtora e Serviços Ltda., teria sido criada a pedido de Raulindo Rios, com sócios "laranjas", sem certidões regulares, obras registradas, vínculos empregatícios ou recolhimentos ao INSS. Depoimentos de um sócio e da ex-contadora reforçam essas alegações. O processo licitatório carecia de documentação essencial (habilitação jurídica, regularidade fiscal, qualificação técnica, projeto básico e orçamento), sendo ainda referendado por parecer do procurador jurídico do município, filho do demandado. Foram identificadas coincidências suspeitas nos valores das propostas, ausência de datas e propostas apresentadas após o julgamento do certame. Quanto ao Convênio n.º 6.21.2001.023-00, firmado com a CODEVASF, também houve irregularidades semelhantes: proposta vencedora no valor exato do repasse (R$ 46.030,52), ausência de documentos exigidos para habilitação e suspeita de violação da proposta da empresa Freitas Brandão Ltda. para montagem das demais. A CODEVASF instaurou tomada de contas especial e inicialmente imputou débito de R$ 182.904,48 ao réu, mas posteriormente reconheceu a inexistência de dano ao erário e arquivou o procedimento. Pois bem. Inicialmente, no que se refere à incidência da Lei 14.230/2021, no caso em espécie, passo a expor as seguintes considerações. Em 26/10/2021, foi publicada a referida lei que modificou consideravelmente a Lei 8.429/92 (Lei da Improbidade Administrativa). Como já pacificado, a referida norma legal aplica-se ao caso dos autos, eis que atinge as ações em curso, considerando que o seu art. 1º, § 4º, determina, expressamente, a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, conforme já reconheceu o STF, no julgamento do ARE 843.989/PR, fixando, a propósito, a seguinte tese: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - dolo; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é irretroativa, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. (ARE 843.989/PR, Rel. Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, Julgamento: 18/08/2022 Publicação: 12/12/2022.) Passo, então, ao exame da apelação interposta, à luz das inovações legislativas advindas da Lei 14.230/21. Conforme já exposto, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública por ato de improbidade administrativa em face de Raulindo de Araújo Rios, ex-Prefeito do Município de Quixabeira/BA, cuja gestão compreendeu o período de 2001 a 2004. Na inicial, imputam-se ao réu condutas tipificadas nos artigos 10, inciso XI, e 11, caput, da Lei nº 8.429/1992, consistentes na má gestão e na aplicação irregular de recursos públicos federais vinculados à execução dos Convênios nº 6.21.2001.027-00 e nº 6.21.2001.023-00, celebrados com o Ministério da Integração Nacional, por intermédio da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba – CODEVASF. Com as alterações introduzidas pela Lei 14.230/21, os arts. 10, inciso XI, e 11, caput, da Lei 8.429/92 passaram a ter a seguinte redação: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (...) XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; (...). Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (...). De acordo com a nova redação dada pela Lei 14.230/2021, os arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92 passaram a exigir, para fins de configuração do ato ímprobo, a prática de conduta dolosa, excluindo-se, por conseguinte, a possibilidade de condenação por conduta culposa ou dolo genérico. Confira-se: Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (...). Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (...). Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (Grifei) Portanto, a partir da nova lei, é necessária a comprovação do dolo específico para a condenação por ato de improbidade administrativa. No caso em apreço, não há qualquer comprovação do dolo específico exigido pela Lei de Improbidade Administrativa, tampouco evidência de prejuízo efetivo ao erário. A sentença recorrida foi proferida pelo eminente Juiz Federal Rafael Ianner Silva, da Vara Única da Subseção Judiciária de Campo Formoso/BA, nestes termos, no que importa (ID 25950114, págs. 107/143): (...) Afastadas as preliminares e a prejudicial de mérito, passo à análise do mérito. Como acima consignado, o Ministério Público Federal imputa ao réu a prática de atos de improbidade administrativa previstos no inciso VIII e XI do art. 10 e, subsidiariamente, no caput do art. 11, todos da Lei 8.429/92, assim descritas nos dispositivos legais: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1° desta lei, e notadamente: (...). VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente; XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: Compulsando os autos, observo que o procedimento investigatório instaurado pela Procuradoria da República em Campo Formoso decorreu de representação encaminhada pelo Ministro de Controle e da Transparência, em face de fiscalização empreendida pela CGU no Município de Quixabeira (f 1. 31). No que interessa ao presente feito, o Relatório de Fiscalização n. 00749, de 26.03.2006, refere que, no período de 04.04.2005 a 19.06.2006, a equipe da CGU fez as seguintes constatações quanto aos convênios celebrados com o Ministério da Integração Nacional (fls. 33-51): - CONSTATAÇÃO 3.1.1 - CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIO E APROVAÇÃO DE RECURSOS LIBERADOS PARA OBRA JÁ EXISTENTE. A constatação realizada pela equipe da CGU - e encampada pelo Ministério Público Federal em sua exordial - merece ser rechaçada. De fato, o Relatório Técnico de Viagem realizada no período de 19.11.2009 a 20.11.2009 deixa evidente a existência de três barragens (ou aguadas) nas localidades de Aroeira e Poço Comprido, lançando por terra a alegação de não construção das barragens objeto dos dois convênios celebrados com o Ministério da Integração Nacional Ademais, como se pode observar dos depoimentos transcritos no próximo tópico, as testemunhas ouvidas em juízo afirmaram que as duas barragens foram construídas na gestão de RAULINDO, além de indicarem a existência de uma terceira barragem na região, construída na década de 1990. - CONSTATAÇÃO 3.1.2 - PREPARAÇÃO FRAUDULENTA DE LICITAÇÃO Quanto a este ponto entendo restar plenamente comprovado o caráter fraudulento dos Convites 011/2002 e 020/2002. De início, constato que o relatório acostado à fl. 290 evidencia que a empresa São Luiz Construções e Serviços Ltda. apenas solicitou emissão de certidão negativa de débitos tributários à Receita Federal em 09.07.2001 ou seja, em data anterior às licitações sob comento. Quanto ao Convite n. 020/2002, chama atenção que, entre o pedido de abertura de processo administrativo (fl. 238) e a data de homologação do certame, transcorreram apenas 10 (dez) dias, com diversos atos sendo praticados na mesma data por órgãos distintos da prefeitura (Gabinete da Prefeitura, Departamento de Contabilidade, Secretaria de Obras, Procuradoria Jurídica e Comissão Permanente de 4110 Licitação). Situação semelhante pode ser observada quanto ao Convite n. 011/2002 (fls. 295/326). Ademais, é observo que a equipe de fiscalização da CGU constatou "coincidência de valores entre a proposta da empresa São Luiz Construtora e Serviços Ltda. e o plano de aplicação do plano de trabalho, reforçando a suspeita de conhecimento antecipado dos valores do repasse por parte do licitante vencedor. O valor da proposta, que está sem data, foi de R$ 94.985,99, aproximadamente o valor do repasse pelo concedente de R$ 95.000,00". Noutro giro, a inexistência de concorrência efetiva entre os participantes dos certames citados e seu caráter fraudulento também são corroborados pelos depoimentos colhidos nos autos. Em depoimento prestado perante a Procuradoria da República em Campo Formoso (fls.150/151) o sócio da empresa São Luiz Construções e Serviços Ltda. qualificou-se como lavrador e disse que: a) conhecia RAULINDO há mais de 30 anos; b) que RAULINDO o convidou para constituir uma "firma"; c) que entregou seus documentos pessoais a RAULINDO; d) que, após isso, passou a desempenhar a atividade de pedreiro para o município, percebendo por dia de trabalho; e) que apenas tomou conhecimento de que a empresa estava em seu nome ao final do mandato de RAULINDO, no ano de 2004; f) que RAULINDO sempre mandava alguém para procurar o depoente para assinar documentos, os quais achava guardar relação com as diárias de pedreiro; g) afirmou não saber o que era uma licitação e sequer sabe quantas licitações participou e em quantas se sagrou vencedor; h) apenas recebeu valor da prefeitura para pagamento de suas diárias em razão da sua atividade de pedreiro; i) que não sabe informar se a empresa São Luiz ainda estaria ativa; j) que nunca estudou, sabendo apenas escrever o seu nome. Em sede judicial (arquivo PKT_33871-48049, constante da mídia acostada à fl. 1397 dos autos), Luiz Pereira Souza disse: a) que constituiu a empresa São Luiz por orientação de RAULINDO, para que "tivesse trabalho no município"; b) que não sabe informar se a empresa possuía pendências quando da participação de certames licitatórios, pois apenas recebia ordens; c) que não tinha conhecimento sobre licitação e recebia "tudo pronto", pois apenas "fazia o trabalho"; d) que sempre exerceu a profissão de lavrador e pedreiro; e) que não escolheu o nome, o ramo de atividade e nem a sede da empresa, pois recebeu "tudo pronto" para assinar; f) que seus documentos pessoais ficavam sempre em um escritório na cidade de Quixabeira/BA; g) que não sabe quem escolheu o "ponto" onde a empresa funcionava; h) que não era o depoente quem determinava o valor do seu serviço e que recebia por diária pelo serviço feito; i) que não sabe afirmar como a empresa era escolhida para realizar obras públicas; j) que eram servidores da prefeitura quem indicavam qual serviço a ser feito; I) que, depois que RAULINDO encerrou seu mandato, não manteve mais contratos ou prestou serviços à Prefeitura de Quixabeira, passando a trabalhar como pedreiro autônomo; m) que todas as obras públicas das quais participou no Município de Quixabeira na gestão de RAULINDO foram concluídas; n) que não se envolvia com a parte burocrática da empresa São Luiz (pagamento de pessoal e de impostos); o) que, atualmente, apenas presta serviço "particular e para a LMarquezzo, nos Municípios de Jacobina e Feira de Santana; p) que ainda utiliza o veículo descrito à fl. 1380 para trabalho; q) que o aludido veículo pertence ao depoente e foi comprado no Estado de São Paulo; r) que colocou o adesivo da São Luiz no veículo há aproximadamente uns 06 a 07 meses; s) que já possuiu um ônibus e com ele fazia transporte escolar para a Prefeitura de Quixabeira, sempre que algum ônibus contratado "dava problema" ou na falta de algum motorista; t) que tais transportes eram realizados na época em que o depoente estava executando as obras para a Prefeitura; u) que, ao final, vendeu o aludido ônibus a RAULINDO, mas, por conta do estado do veículo, foi levado ao desmanche. Ao seu turno, Marleide Rodrigues dos Santos prestou depoimento na Procuradoria da República (fls. 156/157), onde disse: a) que foi contadora da empresa São Luiz Construções e Serviços Ltda, cujo proprietário é Luiz Pereira; b) que trabalhou nessa empresa no mesmo período que laborou na empresa Jalmir Ribeiro Rios e Cia. Ltda; c) que deixou de trabalhar na São Luiz após o Sr. Itamar Rios ter transferido as atividades de contabilidade para o Sr. Jotan; d) que tanto o Sr. Jalmir Ribeiro Rios quanto o Sr. Luiz possuíam formação apenas de primeiro grau e não eram pessoas esclarecidas. Em sede judicial (mídia acostada à fl. 1334 dos autos), Marleide Rodrigues dos Santos disse: a) que foi contadora da empresa São Luiz; b) que os sócios eram dois, um deles Luiz Pereira; c) que Luiz Pereira era uma pessoa simples; d) que Luiz Pereira era quem comparecia a seu escritório de contabilidade; e) que a São Luiz prestava serviços para a Prefeitura de Quixabeira; f) que foi Itamar Rios quem ligou para a depoente, informando que iria "passar a contabilidade" da empresa para um contador de prenome Jotan, cunhado de Itamar Rios; g) que possuía divergências políticas com 'tomar; h) que nunca tratou diretamente com RAULINDO sobre a aludida empresa; i) que foi o próprio Luiz Pereira que foi ao seu escritório para pegar a documentação e levar para o novo contador. Cumpre destacar que a testemunha Marleide. por diversas vezes, foi evasiva quanto às circunstâncias fáticas que ensejaram a constituição da empresa, tampouco forneceu explicação factível quanto ao motivo de ter aceitado uma determinação de pessoa estranha aos quadros societários - a saber. ltamar Rios – acerca da mudança do escritório de contabilidade. Ademais. foi extremamente confusa e lacônica quanto à participação de Itomar Rios na administração ou gestão da empresa São Luiz. Restou nítida a intenção da autora em omitir fatos essenciais para o deslinde do feito. Registre-se que Erilberto Oliveira Lima e Marlene Oliveira Gomes, servidores municipais e integrantes da comissão de licitação no período relativo aos convites tratados no presente feito prestaram depoimento em 22.06.2013 (mídia acostada à fl. 1334). Erilberto Oliveira Lima declarou que: a) fez parte da comissão de licitação da Prefeitura de Quixabeira; b) que atuava sob orientação do setor de contabilidade da prefeitura, no sentido de analisar a regularidade da documentação apresentada; c) não sabe informar se houve direcionamento das licitações para a empresa São Luiz; d) que as barragens de Aroeira e de Poço Comprido foram construídas nos anos 2000 e que a barragem construída no início da década de 1990 foi a de Baixa Grande; e) que conhecia Luiz Pereira como "dono" da empresa São Luiz, o qual compareceu às sessões de licitação; f) que não sabe informar se Luiz Pereira já trabalhou como pedreiro, mas sim como "tocador de obra"; g) que a empresa São Luiz não era a única vencedora das licitações da Prefeitura de Quixabeira; h) que considerava habilitadas as empresas participantes dos certames, a despeito da existência de pendências, por orientação do setor de contabilidade, qual seja, um escritório de contabilidade sediado no município de Miguel Calmon/BA; i) que já viu Luiz Pereira e RAULINDO juntos e os dois tinham "aproximação", apesar de não saber precisar o grau de amizade existente entre eles. Vale frisar que, durante o procedimento investigatório, o Sr. Eriberto Oliveira Lima afirmou que Luiz Pereira era próximo a RAULINDO, mantendo com ele uma relação de amizade (fls. 159/160) Por sua vez, Marlene Oliveira Gomes afirmou: a) que participou como membro da comissão de licitação pública da Prefeitura de Quixabeira; b) que recebia a documentação para assinar pronta da "contabilidade"; c) que assinava a documentação sem questionamentos; d) que nunca "tomou treinamento" para participar de certames licitatórios; e) que as barragens foram construídas na década de 2000; f) que Luiz Pereira era uma pessoa humilde; g) que Luiz Pereira não possuía inimizade com RAULINDO; h) que não participava da abertura dos envelopes das licitações; i) que sempre via Luiz Pereira na "contabilidade", apesar de não saber o que ele fazia por lá; j) que, em 2013, viu Luiz Pereira com um carro com o logotipo da São Luiz; I) que Fazenda Aroeira, Poço Comprido e Baixa Grande são localidades distintas do Município de Quixabeira. O terceiro integrante da comissão de licitação da Prefeitura de Quixabeira à época dos fatos tratados no presente feito, Adinael Martins de Lima, prestou depoimento em 14.06.2016 (mídia acostada à fl. 1442) e afirmou: a) que exerceu o cargo de presidente da comissão de licitação da Prefeitura de Quixabeira na gestão de RAULINDO; b) que não possuía conhecimento sobre licitação e sua função se resumia a assinar a documentação que já vinha pronta e elaborada por uma empresa de contabilidade. Tal sistemática aconteceu em vários processos licitatórios; c) que não participou de nenhuma sessão de recebimento de propostas; d) que conhece a empresa São Luiz e que não sabe afirmar se tinha ligação com RAULINDO; e) que as obras referentes às barragens objeto das licitações foram realizadas; f) que Luiz Pereira era o "dono" da empresa São Luiz e acha que era o administrador; g) que nunca viu o Sr. Luiz Pereira participando de uma sessão de licitação; h) que não sabe se RAULINDO determinou que alguma empresa fosse sagrada vencedora de determinada licitação; i) 10 que à época dos fatos tratados no presente feito. a Prefeitura de Quixabeira realizava pagamentos no Posto do Banco do Brasil situado no município j) que não sabe dizer se a empresa São Luiz continuou a prestar serviços à prefeitura após a gestão de RAULINDO; I) que conhece como de propriedade de Luiz Pereira o veículo cuja fotografia está acostada à fl. 1380 dos autos. A fraude à licitação, da forma como perpetrada consubstancia evidente ofensa ao princípio da legalidade e da moralidade. basilares da Administração Pública, ensejando o enquadramento do ato de improbidade no caput do art. 11 da Lei de improbidade. - CONSTATAÇÃO 3.2.2 - DESVIO DE RECURSOS POR MEIO DE PAGAMENTOS A CREDORES SEM VÍNCULO COM O OBJETO DO CONVÊNIO De fato, entendo documentalmente comprovado que RAULINDO RIOS, na qualidade de prefeito do Quixabeira assinou o cheque n. 850002. no valor de R$ 2.301.52 (fls. 346/347) em favor da empresa RG Supermercado. pessoa estranha à execução do contrato decorrente do Convite 011/2002 (fls. 336/345). Em nenhum momento dos autos, o réu apresentou justificativa para tamanha irregularidade, sendo absolutamente censurável a conduta de pagar, com cheque de conta bancária vinculada a convênio federal, terceiro estranho à avença Neste diapasão entendo que a conduta se amolda à figura típica prevista no inciso XI do art. 10 da Lei de Improbidade: ART. 10. CONSTITUI ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA QUE CAUSA LESÃO AO ERÁRIO QUALQUER AÇÃO OU OMISSÃO, DOLOSA OU CULPOSA, QUE ENSEJE PERDA PATRIMONIAL, DESVIO, APROPRIAÇÃO, MALBARATAMENTO OU DILAPIDAÇÃO DOS BENS OU HAVERES DAS ENTIDADES REFERIDAS NO ART. 1° DESTA LEI, E NOTADAMENTE: (...) XI - LIBERAR VERBA PÚBLICA SEM A ESTRITA OBSERVÂNCIA DAS NORMAS PERTINENTES OU INFLUIR DE QUALQUER FORMA PARA A SUA APLICAÇÃO IRREGULAR; - CONSTATAÇÃO 3.2.3 - INDÍCIOS DE DESVIO DE RECURSOS POR MEIO DE SAQUES DIRETOS NAS CONTAS DOS CONVÊNIOS A documentação acostada às fls. 349/371 deixa evidente que o réu emitiu os cheques 850004 e 851520, nos valores de R$ 6.007,63 e R$ 10.000,00, Nominais à própria Prefeitura Municipal de Quixabeira, prática esta que possibilitou o saque direto dos valores pelo próprio gestor. Outrossim, chama a atenção o endosso "em branco" realizado por Luiz Pereira Souza no cheque 850001, no valor de R$ 22.000,00 nominal à empresa São Luiz Construções e Serviços Ltda. (fl. 363). Saliente-se que a assinatura de RAULINDO também consta do verso do aludido título de crédito. As duas práticas adotadas são indiciárias da ocorrência de desvio das verbas federais repassadas, uma vez que, na prática, impedem a fiscalização da destinação da quantia dada em pagamento ao executor da obra/serviço do objeto do convênio, sendo vedada pela Secretaria do Tesouro Nacional, no art. 20 da INSTRUÇÃO NORMATIVA STN N° 1, DE 15 DE JANEIRO DE 1997, in verbis: Art. 20. Os recursos serão mantidos em conta bancária específica somente permitidos saques para pagamento de despesas constantes do Programa de Trabalho ou para aplicação no mercado financeiro, nas hipóteses previstas em lei ou nesta Instrução Normativa devendo sua movimentação realizar-se. exclusivamente. mediante cheque nominativo, ordem bancária transferência eletrônica disponível ou outra modalidade de saque autorizada pelo Banco Central do Brasil, em que fiquem identificados sua destinação e. no caso de pagamento. o credor. A propósito, a justificativa trazida pelo réu para a adoção das duas práticas - qual seja, inexistência de agencia bancária do Banco do Brasil no município de Quixabeira à época dos fatos - não encontra comprovação nos autos. Ao contrário, a testemunha Adinael Martins de Lima, como já acima consignado, fez expressa menção à existência de um posto do Banco do Brasil no município, no qual a Prefeitura de Quixabeira realizava pagamentos. Contudo, a despeito das práticas adotadas pelo réu, entendo que quanto aos pagamentos realizados através dos cheques n. 850001. 850004 e 851520, não restou configurado dano ao erário mediante o desvio dos recursos federais repassados. De fato, constato que, no âmbito da tomada de contas especial, depois de uma significativa balbúrdia processual-administrativa, a CODEVASF optou pelo arquivamento daquele feito, por entender não ter havido comprovação de dano ao erário (f Is. 442/443, 445, 449, 463/464, 471/474, 478/479, 480/491). Digno de nota que, em laudos técnicos, o Chefe da 6° Superintendência Regional da CODEVASF atestou que "as obras/serviços foram executados a contento conforme normas e instrumentos contratuais de acordo com o valor repassado". Somado a isso, o Relatório Técnico de Viagem realizada no período de 19.11.2009 a 20.11.2009 deixa evidente a existência de três barragens (ou aguadas) nas localidades de Aroeira e Poço Comprido, lançando por terra a alegação de não construção das barragens objeto dos dois convênios celebrados com o Ministério da integração Nacional Ressalte-se que não foi realizada qualquer perícia - seja no âmbito administrativo, seja na seara judicial - capaz de atestar a qualidade das obras executadas, bem como o emprego integral (ou não) das verbas repassadas. Passando à análise da participação do réu nos atos de improbidade acima reconhecidos, entendo restar patente o protagonismo de RAULINDO para perpetração da fraude às licitações. Os depoimentos acima transcritos deixam evidente a íntima relação entre RAULINDO e o sócio da empresa São Luiz Construções e Serviços, Sr. Luiz Pereira, o qual afirmou ter constituído a pessoa jurídica por orientação do réu, tendo inclusive lhe entregue os documentos pessoais. Outrossim, o controle sobre as atividades da empresa também resplandece no depoimento da testemunha Marleide Rodrigues dos Santos, ex-contadora da São Luiz Construções, a qual afirmou que foi ltamar Rios - filho do réu e procurador jurídico do Município de Quixabeira à época dos fatos - quem ligou para a depoente, informando que iria "passar a contabilidade" da empresa para um contador de prenome Jotan, cunhado de Itamar. A testemunha Edilberto Oliveira Lima também afirmou que Luiz Pereira e RAULINDO tinham "aproximação", apesar de não saber precisar o grau de amizade existente entre eles. Vale frisar que, durante o procedimento investigatório, o Sr. Eriberto Oliveira Lima afirmou que Luiz Pereira era próximo a RAULINDO, mantendo com ele uma relação de amizade (fls. 159/160) Cumpre ressaltar que a tese da suposta perseguição política do prefeito posterior e do Controlador-Geral da União à época dos fatos não restou sequer indiciada nos autos. A existência de rivalidade política entre o gestor municipal posterior ao mandato do réu não é suficiente para abalizar a tese da perseguição. Além disso, o robusto relatório de fiscalização da equipe da CGU - cujas constatações foram majoritariamente comprovadas no presente feito, afastam qualquer possibilidade de direcionamento dos trabalhos da equipe de auditoria. III - Dispositivo. Em face do exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado à inicial, para CONDENAR o réu RAULINDO DE ARAUJO RIOS pela prática dos atos de improbidade administrativa insculpidos no inciso XI do art. 10 e no caput do art. 11, todos da Lei 8.429/92. Por conseguinte, passo a dosar-lhe a pena. O art. 12 possui a seguinte redação: Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (...) II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente. Em aplicação do art. 12, incisos II e III, condeno o réu: a) ressarcimento integral do dano, ora fixado em R$ 2.301,52 (dois mil, trezentos e um reais e cinquenta e dois centavos), valor histórico que remonta a 13.08.2002 (f1.344): b) ao pagamento de multa civil no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) que reputo proporcional para a gravidade da conduta: c) suspendo o exercício dos direitos políticos do requerido pelo prazo de 06 (seis) anos: d) e proíbo-o de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou Incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por Intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, também, pelo prazo de OS (cinco) anos. Não há condenação a honorários (aplicação isonômica do art. 18 da Lei 7347/85). Verificando-se o trânsito em julgado, após a competente certificação: a) oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral, para os fins de efetivação da suspensão dos direitos políticos; b) oficie-se ao Tribunal de Contas da União e ao Banco Central do Brasil, para efeito de aplicação das sanções referentes à proibição de contratar com o poder público; c) promova-se a inscrição do réu no Cadastro Nacional de Condenações Cíveis por Ato de Improbidade. Independentemente do trânsito em julgado do feito, oficie-se Imediatamente à Delegacia da Policia Federal em Juazeiro a fim de que Instaure inquérito para apurar a prática do crime de falso testemunho pela testemunha Marielde Rodrigues dos Santos. pelas razões explicitadas na fundamentação desta sentenca. Com o oficio, encaminhe-se cópia desta sentença. da mídia acostada à fl. 1334. Bem como do termo de depoimento de fls. 1561157. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Campo Formoso/BA, 20 de março de 2017. (original com negrito) Da análise do excerto transcrito da sentença recorrida, verifica-se que o juízo a quo reconheceu a ocorrência de fraude nos procedimentos licitatórios relativos aos Convites nº 011/2002 e 020/2002, imputando ao então prefeito Raulindo Rios a responsabilidade pela condução irregular dos certames. Também foi apontado o pagamento irregular de recursos federais ao estabelecimento RG Supermercado, sem a devida comprovação documental, considerado como liberação indevida de verba pública. Contudo, a instrução processual não apresenta provas robustas e consistentes que evidenciem a prática de ato doloso por parte de Raulindo Rios. As imputações são genéricas, baseadas em depoimentos frágeis e contraditórios, que não comprovam sua participação direta na elaboração ou manipulação das propostas licitatórias. O depoimento de Luiz Pereira, por exemplo, não atribui ao requerido qualquer conduta fraudulenta, apenas revela desconhecimento dos trâmites legais. Com a entrada em vigor da Lei nº 14.230/2021, que promoveu alterações substanciais na Lei de Improbidade Administrativa, tornou-se indispensável a demonstração de dolo específico para a responsabilização do agente público, bem como a comprovação concreta de dano ao erário nos casos previstos no art. 10 da LIA. Não se admite mais a responsabilização fundada unicamente em omissão, negligência ou irregularidades formais. Exige-se a comprovação de intenção deliberada de causar prejuízo ao patrimônio público ou de obter vantagem indevida – o que não restou demonstrado nos autos. Além disso, a própria sentença reconhece que as barragens previstas nos convênios foram efetivamente construídas, afastando, por consequência, a alegação de dano ao erário quanto à execução do objeto. Também não foi produzido qualquer laudo técnico que evidenciasse sobrepreço ou superfaturamento nos valores pagos à empresa São Luiz, o que fragiliza ainda mais a tese de prejuízo ao erário. Eventuais inconsistências, se existentes, podem decorrer de falhas burocráticas ou administrativas, mas não evidenciam, por si sós, conduta dolosa voltada ao desvio de recursos públicos. O Relatório de Fiscalização da CGU nº 00749, de 26 de março de 2006, embora aponte diversas irregularidades na aplicação dos recursos dos Convênios nº 6.21.2001.027-00 e nº 6.21.2001.023-00, não fornece elementos suficientes para atestar, de forma inequívoca, a prática de ato ímprobo por parte do requerido, sobretudo ante a exigência legal atual de demonstração cabal do dolo específico. Dessa forma, a inexistência de provas consistentes que evidenciem a intenção ilícita reveladora do dolo específico do agente, bem como de demonstração concreta de prejuízo ao erário, inviabiliza a subsunção das condutas ao tipo previsto no art. 10 da LIA, impondo-se, por conseguinte, a reforma da sentença condenatória. Sobre o assunto, confira-se a jurisprudência desta Corte: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI N. 8.429/92. EX-PREFEITO. OMISSÃO NA PRESTAÇÃO DE CONTAS. IRREGULARIDADE NA APLICAÇÃO DE RECURSOS. ART. 10, XI E ART.11,VI, DA LIA. DOLO ESPECÍFICO E DANO AO ERÁRIO. NÃO COMPROVAÇÃO. ATO ÍMPROBO MANIFESTAMENTE INEXISTENTE. ART. 17, §11, DA LEI 8.429/92. RECURSO DO RÉU PROVIDO. EXTENSÃO A CORRÉU POR FORÇA DO ART. 1.005 DO CPC. SENTENÇA REFORMADA. 1. Cuida-se de recurso de apelação interposto por Corréu contra sentença que, em sede de ação civil de improbidade administrativa, movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra si e contra A.B.P., julgou procedentes os pedidos para condená-los como incursos nas condutas do art.10, caput, e art.11, inciso VI, da Lei nº 8.429/92, e aplicar-lhe as penas do art.12, II, do mesmo diploma legal (art.487, I, do CPC). (...) 7. A partir das modificações introduzidas pela Lei n° 14.230/2021, para além do animus doloso (em relação ao qual não basta a mera voluntariedade do agente - §2° do art. 1º da LIA), a nova redação do caput art. 10 da Lei n° 8.429/92 passou a adotar a perda patrimonial efetiva como aspecto nuclear das condutas ímprobas que causam lesão ao erário, havendo óbice, por exemplo, à configuração do ato ímprobo com base na culpa grave e no "dano presumido" (dano in re ipsa cf. art. 21, I, da LIA). 8. Os incisos do art. 11 da LIA deixaram de lado o caráter exemplificativo e passaram a ostentar caráter taxativo (numerus clausus). Desse modo, apenas a prática das condutas expressamente tipificadas no rol do mencionado dispositivo será configurada como ato ímprobo por violação aos princípios da administração pública, sendo certo, ademais, que os incisos I, II, IX e X do art.11 da LIA foram expressamente revogados. Ainda no tocante ao art. 11 da LIA, o enquadramento na conduta relativa a não prestação de contas (inciso VI imputação dirigida aos Réus), para fins de responsabilização de acordo com o novo sistema persecutório, impõe: (i) a demonstração de que o agente dispunha de condições para realizar o procedimento; (ii) a comprovação de que ele (o agente) tinha por escopo "ocultar irregularidades" (inciso VI e §1 do art. 11 da LIA). 9. De acordo com o §1° do art. 11 da LIA, aplicável aos atos de improbidade previstos no art. 10 da LIA, por força do §2° do art. 11 da LIA: "Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade". (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021). 10. O legislador ordinário, validamente (cf. permissivo do art. 37, §4° da CF/88), estabeleceu maior rigidez para a caracterização dos atos ímprobos. 11. O exame detido dos autos impõe a reforma da sentença de primeiro grau, já que o posicionamento externado pelo Juízo singular pautou-se na caracterização de condutas movidas por "dolo genérico", e com a consideração de um dano presumido, o que não mais admite pelo atual ordenamento. De acordo com a narrativa exordiana, os Réus deixaram de apresentar documentos que comprovassem os gastos de verbas federais recebidas através do FNS, no período de janeiro/2007 a dezembro/2008. Apontou o MPF, outrossim, que o Tribunal de Contas da União (TCU), por meio do acórdão n° 7849/2016, julgou irregulares as contas dos Réus, também em razão da não comprovação de despesas realizadas pela Secretaria de Saúde do Município de Cachoeira do Piriá/PA. 12. Do alegado prejuízo ao erário. Não se olvida que, no processo de tomada de contas especial instaurado pelo FNS em razão de omissão dos Réus no dever de prestar contas dos recursos repassados pelo FNS, na modalidade fundo a fundo (de janeiro/2007 a dezembro/2008), o TCU, por meio do Acórdão n° 7.849/2016, de fato, julgou as contas irregulares, entendendo que não foram reunidos elementos que pudessem comprovar a regular aplicação dos recursos em ações destinada à saúde. 13. Embora repousem nos autos indícios de materialidade e autoria dos atos imputados ao ora Apelante, ex-secretário municipal de saúde do Município de Cacheira do Piriá/PA, gestor da pasta à época dos fatos e saber do seu dever e responsabilidades perante o município, não há qualquer comprovação de que a sua conduta tenha tido nítido e deliberado propósito de desviar ou de se apropriar dos recursos transferidos à Comuna, ou mesmo beneficiar algum terceiro. Em verdade, não há prova contundente de que o ora Apelante, por exemplo, teria atuado em conluio com o Corréu (ex-prefeito), ou, ainda que agindo de forma isolada, estaria imbuído de um ardil manifesto no trato da coisa pública, sobretudo visando obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. 14. As condutas pautadas em dolo genérico (elemento expressamente considerado pelo Juízo singular para fins de condenação) ou "culpa grave" não podem mais ser sancionadas como ato de improbidade administrativa. É dizer, ausente o animus doloso, não há como enquadrar a conduta do art. 10 como ímproba. 15. A circunstância de o Tribunal de Contas ter considerado as contas irregulares (cf. Acórdão n° 7.849/2016 - TCU) não vincula este Juízo, tal como estabelece o art. 21, II, da LIA. Em verdade, embora as irregularidades apontadas possam contrariar alguma disposição expressa de lei, não assumem a configuração de ato ímprobo, porquanto absolutamente dissociadas do elemento subjetivo doloso do agente. 16. Da alegada não prestação de contas. Para o sentenciante, os Réus, na qualidade de ex-prefeito e ex-secretário de saúde do Município de Cachoeira do Piriá/PA, não teriam exibido a prestação das contas relativas aos recursos repassados pelo FNS ao Fundo Municipal de Saúde no município, na modalidade fundo a fundo. Embora haja indícios de materialidade e autoria do ato imputado ao ora Apelante, ex-secretário de saúde do município (omissão no dever de prestar contas), não há qualquer comprovação de que a sua conduta teve o fim específico de ocultar alguma irregularidade, ou mesmo que tenha sido voltada à obtenção de algum proveito para si ou para outrem. 17. Assente a compreensão de que a Lei de Improbidade Administrativa visa punir apenas o agente público (ou o particular a ele equiparado, cf. art. 2°, parágrafo único, da Lei n° 8.429/92), que age com dolo, desprovido de lealdade, honestidade e boa-fé, o que não é possível extrair, com segurança, do relato exordiano, tampouco das provas colacionadas. 18. Em recente julgamento proferido pelo Plenário do STF (ARE 803568, em 22/08/2023), restou consignado que as alterações promovidas pela Lei n° 14.230/202, no art. 11 da Lei n° 8.429/92, aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior, porém sem trânsito em julgado. 19. Dada a identidade dos fatos e da imputação dirigida a ambos os Réus, o recurso do ora Apelante B. E. N. S. aproveita ao Requerido A. B. P., cujos interesses, no caso vertente, não se revelam distintos ou opostos (cf. art. 1.005 do CPC). 20. Ante a manifesta inexistência de ato de improbidade ausente a comprovação cabal do dolo específico e do dano ao erário o reconhecimento da improcedência dos pedidos é medida que se impõe, tal como prevê o art.17, §11, da Lei n° 8.429/92. 21. Apelação B. E. N. S. provida para reformar a sentença e julgar improcedentes os pedidos (com extensão ao Corréu A. B. P. cf. art. 1.005 do CPC). (AC 0000737-61.2017.4.01.3906, DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA, TRF1 - TERCEIRA TURMA, PJe 13/12/2024.) ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 10, VIII E XI, E ART 11, I, DA LEI 8.429/92 NA REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 14.230/2021. FRUSTRAR PROCEDIMENTO LICITATÓRIO MEDIANTE SIMULAÇÃO E DIRECIONAMENTO. REENQUADRAMENTO DAS CONDUTAS PELO JUÍZO. IMPOSSIBILIDADE. §§ 10-C E 10-F, ART. 17, DA LEI 8.429/92. EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO NÃO DEMONSTRADO. DOLO NA CONDUTA DOS RÉUS NÃO COMPROVADO. MERA IRREGULARIDADE. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATATIVA NÃO CONFIGURADO. APELAÇÃO DO MPF DESPROVIDA. APELAÇÕES DOS RÉUS PROVIDAS 1. Rejeitam-se as preliminares de inépcia da inicial e de cerceamento de defesa. A uma, porque petição inicial descreveu os fatos de forma clara e individualizou a conduta, demonstrando evidências da prática de ato de improbidade por parte dos requeridos. E a duas, porque a produção de outras provas foi indeferida e finalizou-se a fase de instrução, por entender o Juiz de primeiro grau que a causa encontrava-se pronta para julgamento, estando os fatos devidamente esclarecidos em face dos documentos acostados, não se fazendo necessária a produção de novas provas. 2. A Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), que regulamentou o art. 37, § 4º, da Constituição Federal de 1988, tem como finalidade impor sanções aos agentes públicos pela prática de atos de improbidade nos casos em que: a) importem enriquecimento ilícito (art. 9º); b) causem prejuízo ao erário (art. 10); e c) atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), neste também compreendida a lesão à moralidade administrativa. 3. Com a superveniência da Lei 14.230/2021, que introduziu consideráveis alterações na Lei 8.429/92, para que o agente público possa ser responsabilizado por ato de improbidade administrativa, faz-se necessária a demonstração do dolo específico, conforme o artigo 1º, §2º, da Lei 8.429/92, ao dispor: "§ 2º considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos artigos 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente". 4. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1.199 (ARE 843989 RG, Relator Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, publicado em 04.03.2022), após analisar as questões submetidas ao respectivo tema em decorrência da superveniência da Lei 14.230/2021 que introduziu as alterações promovidas na Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), fixou as seguintes teses :"1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei." 5. No caso concreto, o Juízo de primeiro grau, por não vislumbrar a comprovação do prejuízo ao erário, reenquadrou a conduta dos requeridos para o inciso V do art. 11 da LIA. Todavia, a Lei 8.429/92, com alteração promovida pela Lei 14.230/2021, vedou a possibilidade de modificação de capitulação da conduta apresentada pelo autor no âmbito da ação civil pública de improbidade administrativa (art. 17, § 10-C). Precedente do STF: ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED. Assim, deve ser mantida a capitulação das condutas nos incisos VIII e XI do art. 10 e inciso I do art. 11, da Lei 8.429/92. 6. Para a configuração do ato de improbidade previsto nos arts. 9º, 10 e 11, e incisos, da Lei nº 8.429/92, com as alterações promovidas pela Lei 14.230/21, ficou afastado o elemento culposo, persistindo a necessidade da demonstração do elemento subjetivo doloso, considerando o dolo específico, bem como a comprovação do efetivo dano ao erário que, no caso, não pode ser presumido. 7. No que se refere à conduta tipificada no inciso I do art. 11 da Lei 8.429/92, na redação anterior à Lei 14.230/2021, foi revogada, não mais subsistindo a imputação por violação ao respectivo dispositivo de lei, de modo que se torna incabível a condenação por suposta violação ao referido tipo legal que deixou de existir no mundo jurídico. 8. Para a configuração da conduta nos incisos VIII e XI do art. 10 da Lei 8.429, com a redação dada pela Lei 14.230/2021, não basta a conduta de frustrar o caráter concorrencial do procedimento licitatório, com a simulação e direcionamento da licitação, violando a Lei 8.666/93, exigindo o novo dispositivo de Lei que aquele que ofende o princípio da imparcialidade o faça com vistas a obter benefício próprio, direta ou indiretamente, ou para terceiros, ou seja, o dolo exigido para a configuração do ato de improbidade administrativa, previsto no art. 10 e incisos, da LIA, passou a ser o dolo específico, o que afasta a aplicação apenas do dolo genérico como vinha entendendo a jurisprudência pátria, assim como do prejuízo presumido. 9. No caso concreto, não restou demonstrado o dolo específico na conduta dos réus. E ainda que tenham sido detectadas irregularidades no procedimento licitatório promovido pelo ex-prefeito e pelo ex-presidente da comissão permanente de licitação do Município, não foi comprovado que tenham agido com o fim causar prejuízo ao erário, tampouco de se beneficiarem a si ou a terceiros. 10. A improbidade administrativa é uma espécie de moralidade qualificada pelo elemento desonestidade, que pressupõe a conduta intencional, dolosa, a má-fé do agente ímprobo. A má-fé, caracterizada pelo dolo, é que deve ser apenada. 11. Na hipótese, não havendo nos autos prova a demonstrar a existência de ato de improbidade administrativa praticado pelos réus, não há espaço para a condenação por ato de improbidade administrativa na forma requerida na inicial, quanto mais para ampliação da condenação pretendida pelo MPF. 12. Apelação do MPF desprovida (item 11) e apelações dos réus providas para, reformando a sentença, julgar improcedente o pedido inicial. (AC 1000321-05.2018.4.01.3304, DESEMBARGADOR FEDERAL CESAR CINTRA JATAHY FONSECA, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 13/11/2024.) Quanto ao pedido de condenação do réu pela prática da conduta prevista no art. 11, caput, da LIA, ressalte-se que a Lei 14.230/2021, ao introduzir e alterar diversos dispositivos da Lei 8.429/92, revogou expressamente a conduta genérica prevista no caput do art. 11, bem como os inciso I, II, IX e X, da Lei de Improbidade Administrativa. No que se refere à imputação de ato de improbidade administrativa por violação aos princípios que regem a Administração Pública, com base no art. 11, caput, da Lei 8.429/92, cumpre destacar que, a partir da vigência da Lei 14.230/21, o dispositivo passou a exigir, para a configuração do ato de improbidade administrativa, além da presença do dolo, a prática de alguma das condutas taxativamente estabelecidas nos seus incisos. Em casos que tais, o que antes decorria de um rol exemplificativo, passou a necessitar de enquadramento em uma das hipóteses expressamente previstas nos incisos do art. 11, a fim de se caracterizar o ato de improbidade administrativa por violação aos princípios da Administração Pública. Veja-se a redação atual, inserida pela Lei 14.230/21: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (...). Com efeito, abolidas as condutas genericamente tipificadas no caput ou nos incisos revogados do artigo 11, não haveria mais substrato jurídico normativo para o prosseguimento da demanda quanto à pretensão condenatória lastreada em tais hipóteses. Nessa linha de compreensão, cito precedente do STJ: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N. 14.230/2021. RESPONSABILIZAÇÃO POR DOLO GENÉRICO. REVOGAÇÃO. APLICAÇÃO IMEDIATA. 1. (...). 3. A Primeira Turma desta Corte Superior, no julgamento do AREsp 2.031.414/MG, em 9/5/2023, firmou a orientação de conferir interpretação restritiva às hipóteses de aplicação retroativa da LIA (com a redação da Lei n. 14.230/2021), adstrita aos atos ímprobos culposos não transitados em julgado, de acordo com a tese 3 do Tema 1.199 do STF. 4. Acontece que o STF, posteriormente, ampliou a abrangência do Tema 1.199/STF, a exemplo do que ocorreu no ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, admitindo que a norma mais benéfica prevista na Lei n. 14.230/2021, decorrente da revogação (naquele caso, tratava-se de discussão sobre o art. 11 da LIA), poderia ser aplicada aos processos em curso. 5. Tal como aconteceu com a modalidade culposa e com os incisos I e II do art. 11 da LIA (questões diretamente examinadas pelo STF), a conduta ímproba escorada em dolo genérico (tema ainda não examinado pelo Supremo) também foi revogada pela Lei n. 14.230/2021, pelo que deve receber rigorosamente o mesmo tratamento. 6. (...). 7. Recurso especial não provido. (Grifei) (REsp 2.107.601/MG, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 02/05/2024.) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA TIPIFICADA NO ART. 10, VIII E IX, DA LEI 8.429/1992. DOLO VERIFICADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. SÚMULA 7 DO STJ. EMBARGOS ACOLHIDOS APENAS PARA PRESTAR ESCLARECIMENTOS. 1. (...). 2. No julgamento do Tema 1.199/STF (ARE 843989 RG, Rel. Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, publicado em 4.3.2022), fixou-se o entendimento vinculante de que "A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente". 3. Embora, inicialmente, tal entendimento tivesse abrangido, apenas, pessoas sem condenação transitada em julgado, incursas em improbidades culposas do art. 10 da LIA, mais recentemente o STF tem ampliado a incidência da tese para extinguir as ações de improbidade cujos acusados estejam incursos nos tipos dolosos extintos da previsão genérica do caput do art. 11 da Lei 8.429/1992 e, também, dos seus incisos I, II ou III, haja vista que, tanto quanto os tipos culposos, não haveria mais substrato jurídico normativo para o próprio prosseguimento da persecução em juízo. 4. (...). 6. Embargos de Declaração acolhidos apenas para prestar esclarecimentos. (Grifei) (EDcl nos EDcl no REsp 1.788.624/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 22/08/2024.) Dessa maneira, seria o caso de manutenção de plano do afastamento da imputação feita ao réu, com base na referência ao caput, do art. 11, da Lei 8.429/92. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça tem adotado entendimento no sentido de que a conduta antes enquadrada no caput de forma genérica, deve persistir se houver enquadramento em alguns dos incisos da nova redação do art. 11, da Lei 8.429/92, de acordo com o princípio da continuidade típico-normativa. Nessa linha de intelecção, cito precedentes do Superior Tribunal de Justiça: DIREITO ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. TEMA 1.199/STF. SUPERVENIÊNCIA DA LEI 14.230/2021. OMISSÃO RECONHECIDA. RECURSO ACOLHIDO, SEM EFEITOS INFRINGENTES. 1. (...). 2. Haverá abolição da figura típica quando a conduta a concretizar a anterior redação do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) se tornar irrelevante para os fins de tal lei, e não quando houver evidente correspondência na atual redação dos incisos do art. 11 da mesma lei. 3. Estando os fatos cristalizados no acórdão recorrido a tipificar a hipótese prevista no inciso XI do art. 11 da LIA, tem-se por presente verdadeira continuidade típico-normativa, não havendo que se falar em abolição da tipicidade. 4. Embargos de declaração acolhidos, sem efeitos modificativos. (Grifei) (EDcl no AgInt no AREsp 2.150.580/MG, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingos, Primeira Turma, DJe 17/06/2024.) ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. INCÊNDIO EM PRÉDIO PÚBLICO. SITUAÇÃO EMERGENCIAL A PERMITIR CONTRATAÇÃO DIRETA. INCLUSÃO DE OBRAS E REFORMAS DE AMBIENTES NÃO ATINGIDOS PELO EVENTO DANOSO. DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO. FAVORECIMENTO DE PARTICULAR E TERCEIRO. COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. CONDENAÇÃO COM BASE NO ART. 11 DA LIA. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE TÍPICO-NORMATIVA. INEXISTÊNCIA DE ABOLIÇÃO DA IMPROBIDADE NO CASO CONCRETO. EXPRESSA TIPIFICAÇÃO DA CONDUTA NO INCISO V DO ART. 11 DA LIA. DOSIMETRIA DAS SANÇÕES. NECESSIDADE DE NOVA ADEQUAÇÃO. 1. (...). 2. A Primeira Turma do STJ, por unanimidade, em julgamento realizado no dia 6/2/2024, no AgInt no AREsp n. 2.380.545/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, acórdão pendente de publicação, seguiu a orientação da Suprema Corte no sentido de que "as alterações promovidas pela Lei n. 14.230/2021 ao art. 11 da Lei n. 8.429/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado" (ARE 803.568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJe 6/9/2023). 3. Na sessão de 27/2/2024, no julgamento do AgInt no AREsp n. 1.206.630, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, DJe 1/3/2024, a Primeira Turma desta Corte, alinhando ao entendimento do STF, adotou a tese da continuidade típico-normativa do art. 11 quando, dentre os incisos inseridos pela Lei n. 14.230/2021, remanescer típica a conduta considerada no acórdão como violadora dos princípios da Administração Pública. 4. Na espécie, o Tribunal de origem, com base no conjunto fático e probatório constante dos autos, atestou a prática de ato ímprobo, em razão de dispensa indevida de licitação e do favorecimento de particular e terceiro, consignando a presença do elemento subjetivo em relação aos fatos apurados. A reversão de tal entendimento exige o reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. 5. Nesse contexto, nota-se que a referida conduta (dispensa indevida de licitação e favorecimento de particular e terceiro) guarda correspondência com a hipótese prevista no inciso V do art. 11 da LIA, de maneira a atrair a referida tese da continuidade típico-normativa. 6. Considerando que a sanção de vedação de contratar com o Poder Público foi fixada em prazo superior ao limite legal (art. 12, III, da LIA, com a redação original), merece ser reduzida para 3 anos, de modo, também, a melhor atender os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, dadas as circunstâncias contidas no acórdão recorrido e as diversas outras penalidades aplicadas. 7. Agravo interno parcialmente provido, para conhecer do agravo, a fim de conhecer em parte do recurso especial, e, nessa extensão, dar-lhe parcial provimento, tão somente para reduzir a 3 anos a pena de proibição de contratar com a Administração Pública. (Grifei) (AgInt no AREsp 1.611.566/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 29/05/2024.) No caso dos autos, revogada a conduta prevista no art. 11, caput, deve a conduta ser tipificada, s.m.j., no art. 11, V da Lei 8.429/92, que prevê como ato ímprobo frustrar o caráter concorrencial de procedimento licitatório, na hipótese de constatada a ação dolosa. Eis a redação do referido dispositivo legal: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (...). V - frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros; No entanto, a alegação do MPF de que o réu teria atuado de forma consciente para fraudar as licitações, com base em suposto vínculo com a empresa vencedora - São Luiz Construtora e Serviços Ltda., criada a pedido de Raulindo Rios, com sócios laranjas e sem regularidade fiscal ou previdenciária - não se sustenta. As demais circunstâncias apontadas, como a coincidência entre a proposta vencedora e o plano de aplicação do convênio, a ausência de data em duas propostas e a emissão de certidão apenas por uma das concorrentes, não são suficientes para comprovar o dolo específico necessário à caracterização do ato de improbidade (Cito): PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE TÍPICO-NORMATIVA. INAPLICABILIDADE. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO. I - Impossibilidade de aplicação do princípio da continuidade típico-normativa - mormente considerando a ausência de indicação do dolo específico voltado à obtenção de benefício ou vantagem indevida para si ou terceiros -, a fim de proceder o reenquadramento da conduta ora examinada nas hipóteses taxativas do art. 11 da LIA, de rigor afastar a condenação imposta em desfavor dos Recorrentes. II - (...). IV - Agravo Interno improvido. (Grifei) (AgInt no REsp 2.187.866/SP, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJEN 05/05/2025) A responsabilização por improbidade administrativa requer a comprovação cabal de que os agentes públicos ou quaisquer outros envolvidos que tenham colaborado ou se beneficiado do ilícito atuaram com intenção deliberada de fraudar o processo ou de obter vantagem ilícita, o que, no caso em exame, não foi demonstrado nos autos. Por fim, ainda que se reconheçam eventuais irregularidades no procedimento licitatório, não se pode vislumbrar a prática de ato de improbidade administrativa por parte do recorrido. Tal conduta exige a presença inequívoca de desonestidade, deslealdade ou má-fé, seja do agente público ou de terceiros que eventualmente tenham colaborado ou se beneficiado do ilícito. Contudo, conforme demonstrado pelos elementos constantes nos autos, não há comprovação robusta e inequívoca de que o requerido tenha direcionado os objetos licitatórios, o que afasta a configuração do referido ato ímprobo. Conclui-se, pois, que não ficou configurada a prática de ato de improbidade administrativa por parte do recorrido, mas meras irregularidades ou inabilidade dos agentes públicos que não podem ser acoimadas como condutas ímprobas, tendo em vista que o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. Confira-se: Nesse sentido, em casos análogos ao presente, cito os seguintes precedentes desta Corte Revisora: PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALTERAÇÕES DA LEI 14.230/2021. APLICAÇÃO IMEDIATA DOS DISPOSITIVOS. ART. 1º § 4º DA LEI 14.230/2021. ART. 10 DA LEI 8.429/92. AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO. DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. TEMA 1.199 DO STF. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÕES DOS RÉUS PROVIDAS. 1. Os apelantes foram condenados pela prática do ato ímprobo previsto no art. 10 da Lei 8.429/92, já na vigência da Lei 14.230/21, uma vez que a sentença foi registrada eletronicamente no sistema do PJe em 07/01/2022. 2. As condutas descritas nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei nº. 8.429/92, em 26/10/2021, sofreram alteração pela Lei nº. 14.230/21, que modificou consideravelmente a Lei de Improbidade Administrativa. 3. O Supremo Tribunal Federal, em 18/08/2022, ao finalizar o julgamento do Recurso Extraordinário no Agravo nº 843989, fixou a tese do Tema 1199 nos seguintes termos:"1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei". 4. A atual tipologia normativa dos atos de improbidade administrativa, exige a comprovação do ato doloso com finalidade de atingir objetivo ilícito, assim como a efetiva comprovação do prejuízo ao erário, enriquecimento ilícito próprio ou em favor de terceiros, sob pena de inadequação típica. 5. De acordo com a inicial formulada pelo Ministério Público Federal, é atribuído aos réus, a prática de atos ímprobos descritos no artigo 10, incisos I e VIII, da Lei nº. 8.429/92, consistente em suposta fraude no certame licitatório – Convite nº. 020/2010 – realizado pelo Município de Itaberaba/BA, envolvendo verbas federais, cujo objeto era a contratação de empresa especializada na confecção e reforma de materiais de aço, ferro e vidro para atender as demandas das secretarias da municipalidade, no valor de R$ 76.234,77 (setenta e seis mil e duzentos e trinta e quatro reais e setenta e sete centavos). 6. Afigura-se dos autos que o contrato nº. 205/2010, firmado entre o Município de Itaberaba/BA e o requerido Edson Nonato de Oliveira, foi cumprido em sua integralidade, o que foi reconhecido pelo próprio juízo sentenciante. 7. As irregularidades apontadas no procedimento licitatório Carta Convite nº. 020/2010, pelo Relatório de Demandas Externas nº. 00205.000125/2010-66 da CGU, não comprovaram a existência do elemento subjetivo na conduta dos requerido, nem o efetivo prejuízo ao erário. 8. O que se verifica é a existência de irregularidades formais ligadas à condução do processo licitatório. Entretanto, desacompanhadas de comprovação da conduta dolosa e do efetivo prejuízo ao erário. Ao meu sentir cuida-se de meras irregularidades. 9. Necessário se faz distinguir dolo e má-fé, de um lado, com desorganização administrativa de outro. Essa última, via de regra, não se acompanha dos predicados que justificam a aplicação das sanções de caráter civis e políticas previstas no diploma legal. O caso concreto se mostra como o clássico exemplo de má gestão administrativa. Não se pode punir o administrador público despreparado, inábil, mas apenas o desonesto, que tenha a intenção de causar dano ao erário, obter vantagem indevida, o que não é o caso dos autos. 10. A mera ilegalidade do ato ou inabilidade do agente público que o pratica nem sempre pode ser enquadrada como improbidade administrativa. O ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. 11. A configuração da improbidade administrativa capitulada no art. 10 da Lei nº 8.429/92, com as alterações da Lei 14.230/21 depende da demonstração do elemento subjetivo doloso, bem como a comprovação do efetivo dano acarretado ao erário, sob pena de inadequação típica, o que não ficou demonstrado nos autos. 12. Ausentes o elemento subjetivo doloso e a comprovação de dano ao erário, razão pela qual afasta-se a caracterização do ato de improbidade administrativa reconhecida na sentença para julgar improcedentes os pedidos formulados na inicial. 13. Sentença reformada. 14. Apelações dos requeridos providas, para julgar improcedentes os pedidos formulados na petição inicial. (AC 1000332-34.2018.4.01.3304, Rel. Desembargador Federal Ney Bello, Terceira Turma, PJe 17/05/2023) PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 10, VIII, DA LEI 8.429/92. IRREGULARIDADES NA APLICAÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS. DANO AO ERÁRIO. VERBAS PROVENIENTES DO FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇAO FNDE. FRAUDE EM LICITAÇÃO. DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR (ART. 1º, § 4º). ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI 14.230/2021. DOLO ESPECÍFICO NÃO COMPROVADO. RETROATIVIDADE. LEI NOVA MAIS BENÉFICA. INADEQUAÇÃO TÍPICA. ENTENDIMENTO DO STF. TEMA 1.199. AUTOBENEFÍCIO OU DE TERCEIROS. COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇÃO FEDERAL REJEITADA. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO DO REQEURIDO PROVIDA. APELAÇÃO DO MPF PREJUDICADA. 1. Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal e pela parte requerida contra sentença que, em ação de improbidade administrativa ajuizada em desfavor do ex-prefeito de Ipixuna do Pará/PA e outros, julgou procedente o pedido para condená-los pela prática da conduta descrita no art. 10, VIII, da Lei 8.429/92, consubstanciada em irregularidades em procedimento licitatório para a aquisição de gêneros alimentícios destinados à merenda escolar da rede municipal de ensino, cujos recursos foram repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O MPF, por sua vez, pugna pela condenação dos réus também ao ressarcimento ao erário no valor de R$ 53.559,60 (cinquenta e três mil, quinhentos e cinquenta e nove reais e sessenta centavos). 2. Elementares dos tipos de improbidade e legislação superveniente. Para a configuração de quaisquer das condutas ímprobas de enriquecimento ilícito, dano ao erário e violação de princípios da administração pública, previstas na Lei n. 8.429/92, sempre deve estar presente o dolo específico, sendo insuficiente a culpa grave e até mesmo o dolo genérico, consoante inteligência dos §§ 2º e 3º do art. 1º do referido diploma, alterado pela Lei 14.230/2021, tendo o STF, inclusive, fixado a seguinte tese: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo DOLO (Tema 1199, RE nº 843989/PR). Igualmente, é necessária a comprovação de que o agente público visava obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade (art. 1º, § 2º). 4. Dano ao Erário. A novel legislação, ao alterar o caput do art. 10 da Lei n. 8.429/92, excluiu do tipo as condutas culposas, passando a exigir elemento subjetivo específico (dolo) para a caracterização dos atos ímprobos, além de estabelecer que a ação ou omissão dolosa deve efetiva e comprovadamente causar prejuízo. Exige-se, portanto: a) ação ou omissão ilícita; b) dolo específico; e c) prejuízo ao erário, que deve causar i) perda patrimonial aos haveres do Poder Público; ii) desvio, em que determinado bem público é extraviado para outra destinação que não seja a para qual este devia ser empregado efetivamente; iii) apropriação, em que o agente toma posse indevida de bem público para si; iv) malbaratamento, que é a alienação de determinado bem público por valor abaixo do que lhe cabe ou; v) dilapidação, em que há destruição total ou parcial de certo bem da Administração. 5. Considerando a natureza sancionatória da Lei n. 8.429/92, e firme no entendimento de que o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador, há que ser aplicada retroativamente a Lei n. 14.230/2021, no que diz com as condutas tidas por ímprobas e em relação às sanções a elas impostas, conforme já decidido pelo STF no Tema 1199. (ARE 843989, Relator(a): Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2022, Processo Eletrônico, Repercussão Geral - Mérito DJe-251 Divulg 09-12-2022 Public 12-12-2022). 6. Caso concreto. o Ministério Público Federal imputa ao ex-gestor municipal e outros irregularidades em procedimento licitatório - Carta Convite n° 11/2005 - para aquisição de gêneros alimentícios destinados à merenda escolar, com verbas oriundas do FNDE. Segundo a acusação, lastreada em acórdão do Tribunal de Contas dos Municípios, o certame incorreu nas seguintes ilegalidades i) não constar o instrumento contratual hábil que substitua o termo de contrato; ii) ausência de publicidade do certame e do resumo do instrumento de contratação; e iii) ausência de fundamentação legal do processo licitatório. Não teria havido, ainda, realização prévia de pesquisa de mercado. Além disso, a empresa vencedora do certame só existia formalmente. 6.1. Ocorre que, não obstante a constatação de desconformidades do certame licitatório com as exigências da Lei 8.666/93, a acusação não se desincumbiu de comprovar o efetivo desvio doloso de recursos públicos ou de prejuízo ao erário (art. 10, VIII), com perda patrimonial efetiva, por meio da conduta de frustrar a licitude de processo licitatório, considerando que o juízo sentenciante reconheceu apenas o dolo geral e sem amparo probatório para reconhecer o dolo específico, condição, hoje, necessária para a condenação. 6.2. Com efeito, a sentença reputou suficiente para caracterizar o ato de improbidade administrativa por parte do apelante o fato de, na condição de prefeito do município, ter homologado o certame. O dolo específico, no entanto, não restou comprovado, tanto que, em relação ao ora apelante e o réu Carlos André Vieira Guedes, consigna apenas que foram negligentes ao permitirem a homologação e adjudicação em processo licitatório com tantos vícios, o que permite o enquadramento também no art. art. 10, VIII, primeira parte, da LIA, ainda que de forma culposa, o que sói ocorrer no caso dos atos ímprobos que causam prejuízo ao erário. 7. Nesse contexto, não demonstrado o dolo específico, tampouco as demais elementares dos tipos infracionais imputados, a conclusão, à luz das novas disposições inseridas na Lei 8.429/92, é pela improcedência in totum dos pedidos formulados na ação. 8. Apelação do requerido a que se dá provimento para absolvê-lo da conduta que lhe foi imputada. 9. Apelação do MPF prejudicada. (AC 0003738-87.2008.4.01.3900, Rel. Desembargadora Daniele Maranhão Costa, Décima Turma, PJe 06/05/2024) Nesse contexto, considerando a ausência de dolo específico na conduta atribuída ao apelante, deve ser reformada a sentença apelada. Tudo considerado, DOU PROVIMENTO à apelação para, reformando integralmente a sentença, julgar improcedentes os pedidos formulados na inicial. É como voto. Desembargador Federal NÉVITON GUEDES Relator PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 09 - DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 0004711-56.2009.4.01.3302 HERDEIRO: ROSANA DA SILVA RIOS PEREIRA, ITIEL DA SILVA RIOS, ITAMAR DA SILVA RIOS, SALETE DA SILVA RIOS APELANTE: ESPÓLIO DE RAULINDO DE ARAUJO RIOS Advogados do(a) APELANTE: ITAMAR DA SILVA RIOS - BA13331-A, ITAMAR DA SILVA RIOS - BA13331-A, ROSANA DA SILVA RIOS PEREIRA - BA25717, Advogado do(a) HERDEIRO: ITAMAR DA SILVA RIOS - BA13331-A APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E M E N T A APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EX-PREFEITO MUNICIPAL. APLICAÇÃO DE RECURSOS FEDERAIS. CONVÊNIOS COM A CODEVASF. LEI 8.429/92. REDAÇÃO DADA PELA LEI 14.230/2021. PRELIMINARES REJEITADAS. PRESCRIÇÃO AFASTADA. EXIGÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO E PREJUÍZO EFETIVO AO ERÁRIO PARA CONFIGURAÇÃO DE ATO ÍMPROBO. AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS. INSUFICIÊNCIA DE ELEMENTOS PARA COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. ART. 11, CAPUT, REVOGADO. MERAS IRREGULARIDADES. APELAÇÃO PROVIDA. 1. Trata-se de recurso de apelação interposto por ex-prefeito do Município de Quixabeira/BA, no período de 2001 a 2004, contra sentença que, proferida em ação civil pública por ato de improbidade administrativa, ajuizada pelo Ministério Público Federal, julgou parcialmente procedentes os pedidos, condenando o ex-gestor pela prática de atos previstos nos artigos 10, inciso XI, e 11, caput, da Lei nº 8.429/1992. 2. A Suprema Corte, no julgamento do ARE 843.989/PR, estabeleceu que o novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 não possui caráter retroativo. Dessa forma, os novos marcos temporais aplicáveis devem ser considerados a partir da publicação da referida lei. (ARE 843.989/PR, Relator: Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, Julgamento em 18/08/2022 e Publicação em 12/12/2022). 3. Aplica-se ao presente caso a norma prevista pelo art. 23, I, da LIA, em sua redação original, que prevê a prescrição em 5 (cinco) anos dos atos de improbidade administrativa praticados por ex-agente público. O mesmo prazo também é aplicado aos particulares que concorreram para a prática do ato ímprobo. Precedente do STJ: AgInt no AREsp n. 1.865.853/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 11/6/2024, DJe de 24/6/2024. 4. O mandato do ex-prefeito encerrou-se em 31/12/2004, conforme informado pelo próprio réu na apelação, e a presente ação foi proposta em 11/12/2009, antes, portanto, do transcurso do prazo prescricional de 5 (cinco) anos. 5. A distribuição da ação de improbidade administrativa interrompe a fluência do prazo prescricional, segundo dicção do art. 312 do CPC, e não o despacho que determina a citação dos réus. Ademais, a regra insculpida no parágrafo 1º do art. 240 do CPC prevê que a prescrição retroagirá à data da propositura da ação (STJ, REsp 1.374.355/RJ, Rel. Des. Federal Olindo Menezes (Convocado TRF/1ª Região), Primeira Turma, DJe de 28/10/2015). 6. O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública por ato de improbidade administrativa em face de R. A. R., ex-Prefeito do Município de Quixabeira/BA, cuja gestão compreendeu o período de 2001 a 2004. Na inicial, imputam-se ao réu condutas tipificadas nos artigos 10, inciso XI, e 11, caput, da Lei nº 8.429/1992, consistentes na má gestão e na aplicação irregular de recursos públicos federais vinculados à execução dos Convênios nº 6.21.2001.027-00 e nº 6.21.2001.023-00, celebrados com o Ministério da Integração Nacional, por intermédio da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba – CODEVASF (construção de barragem de terra em zona rural). 7. Com a vigência da Lei 14.230/2021, que alterou profundamente a Lei 8.429/92, passou-se a exigir, para a configuração do ato ímprobo, a demonstração do dolo específico e do efetivo prejuízo ao erário, para aqueles previstos pelo art. 10 da LIA. Logo, para que a conduta seja considerada ato de improbidade administrativa não basta a omissão ou negligência do agente, fazendo-se necessário demonstrar sua má-fé, ou seja, a intenção de causar dano ao patrimônio público ou de se beneficiar de forma indevida. 8. Da análise dos autos, não se verifica a existência de provas robustas e consistentes capazes de comprovar o dolo específico nas condutas atribuídas ao réu, relativamente aos supostos processos licitatórios fraudulentos. As imputações dirigidas ao requerido mostram-se genéricas e indiretas, fundamentadas em depoimentos frágeis ou de terceiros, os quais, além de apresentarem contradições, não confirmam a participação ativa do agente público na elaboração ou manipulação das propostas. O depoimento de L. P., por exemplo, embora revele desconhecimento quanto aos trâmites legais das licitações, não demonstra que requerido tenha, pessoalmente, conduzido qualquer ato fraudulento. 9. Para a responsabilização do requerido seria necessária a demonstração inequívoca da intenção deliberada de causar dano ao patrimônio público ou de obter vantagem indevida, conforme exigido pela nova redação da LIA. Nesse sentido: (AC 0000737-61.2017.4.01.3906, DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA, TRF1 - TERCEIRA TURMA, PJe 13/12/2024.) e (AC 1000321-05.2018.4.01.3304, DESEMBARGADOR FEDERAL CESAR CINTRA JATAHY FONSECA, TRF1 - QUARTA TURMA, PJe 13/11/2024.). 10. No que se refere à imputação de ato de improbidade administrativa por violação aos princípios que regem a Administração Pública, com base no art. 11, caput, da Lei 8.429/92, cumpre destacar que, a partir da vigência da Lei 14.230/21, o dispositivo passou a exigir, para a configuração do ato de improbidade administrativa, além da presença do dolo, a prática de alguma das condutas taxativamente estabelecidas nos seus incisos. 11. O Superior Tribunal de Justiça tem adotado entendimento no sentido de que a conduta antes enquadrada no caput de forma genérica, deve persistir se houver enquadramento em alguns dos incisos da nova redação do art. 11, da Lei 8.429/92, de acordo com o princípio da continuidade típico-normativa, não ocorrente na espécie (EDcl no AgInt no AREsp 2.150.580/MG, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingos, Primeira Turma, DJe 17/06/2024.) e (AgInt no AREsp 1.611.566/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 29/05/2024.). 12. No caso dos autos, revogada a conduta prevista no art. 11, caput, deveria a conduta ser tipificada no art. 11, inciso V da Lei 8.429/92, que prevê como ato ímprobo frustrar o caráter concorrencial de procedimento licitatório, na hipótese de constatada a ação dolosa. 13. Contudo, a alegação de que o réu teria atuado de forma consciente para fraudar as licitações, com base em suposto vínculo com os sócios da empresa vencedora, sem provas concretas, não é suficiente para comprovar o dolo específico necessário à caracterização do ato de improbidade 14. Conclui-se, pois, que não ficou configurada a prática de ato de improbidade administrativa por parte do recorrido, mas meras irregularidades ou inabilidade do agente público que não podem ser acoimadas como condutas ímprobas, tendo em vista que o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. Confira-se: (AC 1000332-34.2018.4.01.3304, Rel. Desembargador Federal Ney Bello, Terceira Turma, PJe 17/05/2023) e (AC 0003738-87.2008.4.01.3900, Rel. Desembargadora Daniele Maranhão Costa, Décima Turma, PJe 06/05/2024). 15. Apelação do réu a que se dá provimento para, reformando a integralmente a sentença, julgar improcedentes os pedidos formulados na inicial. A C Ó R D Ã O Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do réu, nos termos do voto do relator. Brasília/DF, 01 de julho de 2025. Desembargador Federal NÉVITON GUEDES Relator
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