Processo nº 0200869-57.2024.8.06.0175
ID: 277466712
Tribunal: TJCE
Órgão: 2ª Vara da Comarca de Trairi
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0200869-57.2024.8.06.0175
Data de Disponibilização:
23/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FRANCISCO SAMPAIO DE MENEZES JUNIOR
OAB/CE XXXXXX
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Sentença I. Relatório Trata-se de ação declaratória de inexistência de ato negocial c/c pedido de tutela de urgência e indenização por danos morais e materiais promovida por Maria Matias Leandro …
Sentença I. Relatório Trata-se de ação declaratória de inexistência de ato negocial c/c pedido de tutela de urgência e indenização por danos morais e materiais promovida por Maria Matias Leandro em face do Banco Bradesco S/A, partes qualificadas nos termos da inicial Narra a parte autora, em síntese, que vem sofrendo descontos em sua conta decorrente de contrato feito com o réu, o qual afirma não ter contratado. Alega que tais descontos são decorrentes de um empréstimo consignado, de número 015842629, no valor de R$ 1.184,40 (mil cento e oitenta e quatro reais e quarenta centavos), parcelado em 84 (oitenta e quatro) parcelas, com valor de cada parcela de R$ 14,10 (quatorze reais e dez centavos). Desse modo, requereu, liminarmente, a suspensão das cobranças e, no mérito, a condenação do réu em danos morais e materiais. A inicial de Id. 113950977 veio acompanhada dos documentos de Id's 113950978/ 113950980, bem como emenda de Id's 115297491/ 115297494. Em decisão inicial, o juízo indeferiu a tutela pleiteada (Id. 115558567). Audiência de conciliação infrutífera, conforme termo de Id. 138905611. O Promovido apresentou contestação (Id. 142881295), peça em que alega, preliminarmente, a conexão, ausência de interesse de agir e impugnou a gratuidade da justiça deferida. No mérito, afirma a regularidade da contratação, com oposição de digital da parte autora e assinatura de duas testemunhas. Esclarece que o contrato discutido possui todos os requisitos legais de validade, não havendo que se falar em nulidade. Ao final, requer a improcedência dos pedidos da autora. Devidamente intimada, a parte autora apresentou réplica, conforme petição de Id. 150940640. Vieram-me conclusos, fundamento e decido. II. Fundamentação De início, entendo que o processo está apto a julgamento, em especial considerando que os documentos juntados são suficientes para a análise do mérito, o que indica a desnecessidade da produção de outras provas. Assim, nos termos do art. 355 do CPC, passo ao julgamento do mérito. Antes, contudo, analiso as preliminares apresentadas pelo réu. Acerca da conexão, verifico que a decisão de Id. 113949520, determinou a reunião de todos os processos ajuizados pela parte autora que possuem a mesma causa de pedi. Em sua peça de defesa, o demandado diz que há falta de interesse de agir da parte autora, posto que a parte jamais fez qualquer requerimento pela via administrativa. Alega ainda a prescrição, tendo em vista que ultrapassou o prazo de três anos. Quanto à ausência de demonstração de solicitação administrativa dos documentos, tal não impede que a pretensão do autor seja apreciada pelo judiciário. Isso, porque inexiste disposição legal que condicione a propositura da presente demanda a anterior pedido ou recusa administrativa. Assim, evidente está o interesse de agir, vez que o requerente necessita da intervenção do Poder Judiciário, para que seja declarada a inexigibilidade do débito, diante da alegação de ser indevido os descontos em seu benefício previdenciário. O promovido impugna a gratuidade da justiça deferida a autora alegando que esta teria condições financeiras de arcar com os custos processuais. Conforme o art. 99, § 2º, do CPC, a gratuidade de justiça pode ser revogada caso se verifique a inexistência dos pressupostos para sua concessão. Contudo, a parte ré não apresentou provas suficientes que infirmem a declaração de hipossuficiência da autora. Além disso, a presunção de veracidade da declaração de pobreza somente pode ser afastada mediante prova inequívoca da capacidade financeira da parte, o que não ocorreu nos autos. Dessa forma, mantenho o benefício da gratuidade de justiça concedido à parte autora. Rejeito, portanto, todas as preliminares suscitadas. Quanto ao mérito, temos que a autora discute a regularidade de descontos ocorridos em sua conta, em razão de negócios jurídicos inexistentes, ilícitos, portanto, entre as partes. Com efeito, a contratação de empréstimo consignado por analfabeto é válida, desde que o contrato seja firmado a rogo e mediante a assinatura de duas testemunhas, conforme se infere da leitura do o art. 595 do Código Civil, dispositivo abaixo transcrito: Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas. É importante que se mencione que o simples fato de a pessoa não saber ler ou escrever em nada interfere em sua capacidade para a prática dos mais variados atos da vida civil, dentre os quais aqueles que dizem com a firmação/adesão a contratos. Contudo, em alguns casos, a Lei estabelece algumas condições de validade, a exemplo do dispositivo transcrito acima. Assim, a exigência da subscrição da assinatura de duas testemunhas confere maior segurança à pessoa analfabeta no que atine às particularidades estabelecidas no instrumento contratual, sem que tal exigência represente interferência significativa na própria manifestação da vontade do contratante. Confere-se maior segurança ao negócio jurídico firmado, sem que haja malferimento ao princípio da autonomia da vontade, pedra de toque dos institutos civilistas. Corroborando esse entendimento, a Seção de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por ocasião do julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas autuado sob o nº. 0630366-67.2019.8.06.0000 (julgado em21/09/2020), sedimentou o entendimento pela legalidade da contratação do empréstimo por parte de pessoas analfabetas, bastando haver a assinatura a pedido do contratante, é dizer, observadas as formalidades estampadas no já citado art. 595 do CC. Colaciono aqui a tese firmada no julgamento do IRDR em questão, julgamento este que se deu por unanimidade: "É CONSIDERADO LEGAL O INSTRUMENTO PARTICULAR ASSINADO A ROGO E SUBSCRITO POR DUAS TESTEMUNHAS PARA A CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS ENTRE PESSSOAS ANALFABETAS E INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, NOS DITAMES DO ART. 595 DO CC, NÃO SENDO NECESSÁRIO INSTRUMENTO PÚBLICO PARA A VALIDADE DA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DO ANALFABETO NEM PROCURAÇÃO PÚBLICA DAQUELE QUE ASSINA A SEU ROGO, CABENDO AO PODER JUDICIÁRIO O CONTROLE DO EFETIVO CUMPRIMENTO DAS DISPOSIÇÕES DO ARTIGO 595 DO CÓDIGO CIVIL." Ressalto, contudo, que, no mesmo julgamento acima trazido, foi destacado que devem ser declarados NULOS os contratos nas hipóteses em que não são observadas as exigências do artigo 595 do Código Civil, como, por exemplo, aqueles instrumentos que não possuem a assinatura a rogo (isto é, além da aposição da digital da pessoa analfabeta, também deve ser colhida assinatura de um terceiro a rogo) ou que não identificam devidamente ou deixaram de consignar a assinatura de duas testemunhas. Nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE NULIDADE CONTRATUAL C/C DANOS MATERIAIS E MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA. DESCONTOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA. CONTRATO FIRMADO COM ANALFABETO APENAS COM A ASSINATURA DE DUAS TESTEMUNHAS. AUSÊNCIA DE ASSINATURA A ROGO. INOBSERVÂNCIA AO ART. 595 DO CÓDIGO CIVIL. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DESCONTOS INDEVIDOS. NÃO COMPROVAÇÃO DA DISPONIBILIZAÇÃO DO VALOR SUPOSTAMENTE EMPRESTADO. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. CARACTERIZADO O DANO MORAL IN RE IPSA. APELO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA DE PISO REFORMADA. 1. Cinge-se a controvérsia na declaração de nulidade/inexistência de contrato de empréstimo consignado, cumulada com pedido de indenização por danos morais. Na origem, a ação foi julgada improcedente, e insatisfeito, o promovente interpôs o presente Recurso de Apelação. 2. Mérito. Para que possa valer a contratação feita com pessoa que não sabe ler ou escrever, é despicienda a exigência de representante outorgado por procuração pública, contudo, é imprescindível atentar para a regra do art. 595 do CC, in verbis: ¿No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas¿. Portanto, somente se atendida a imposição legal poderá se cogitar da validade do contrato com pessoa não alfabetizada, o que ocorreu na espécie. (TJCE - Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas ¿ IRDR nº 0630366-67.2019.8.06.0000, julgado em 21/09/2020, a Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará). 3. No caso vertente, vislumbra-se o extrato de empréstimos consignados do INSS do reclamante à fl. 13, comprovando a contento os descontos decorrentes do contrato questionado na presente lide em seu benefício previdenciário. 4. Por sua vez, in casu, embora o banco tenha apresentado cópia do contrato firmado entre as partes com uma suposta oposição da digital do autor e assinatura de duas testemunhas (fls. 96-104), tem-se a ausência dos documentos pessoais do requerente e das testemunhas subscritas, tais como RG, CPF e cartão de conta bancária, apenas constando a declaração de endereço em nome do autor, bem como, observa-se a inexistência da assinatura a rogo do consumidor no referido instrumento contratual. 5. Ademais, vislumbra-se que o ente bancário não se desincumbiu de demonstrar a legitimidade da contratação discutida, diante da inobservância da formalidade legal do Art. 595 do CC/02 e tese firmada no IRDR nº 0630366-67.2019.8.06.0000, conforme já explanado. Sendo assim, em razão da falha na prestação do serviço, o agente financeiro assumiu o risco e o dever de indenizar, decorrente da responsabilidade objetiva do fornecedor, respaldada no art. 14 do CDC e arts. 186 e 927 do Código Civil Brasileiro. 6. Resta caracterizado o dano moral in re ipsa, ou seja, presumido, decorrente da própria existência do ato, diante da ausência de contrato válido que justifiquem descontos realizados diretamente nos proventos de aposentadoria do consumidor. 7. Sopesando os danos suportados pelo suplicante, como a realização de empréstimo indevido em seu benefício previdenciário, e a conduta da instituição financeira, considerando, ainda, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, entendo como acurado o montante indenizatório de R$ 3.000,00 (três mil reais). 8. Recurso de Apelação conhecido e provido. Sentença reformada. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em conhecer do Recurso de Apelação interposto, para DAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto da Relatora. (Apelação Cível - 0050009-22.2020.8.06.0066, Rel. Desembargador(a) MARIA DE FÁTIMA DE MELO LOUREIRO, 2ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 08/02/2023, data da publicação: 08/02/2023). No caso dos autos, a partir da análise do documento de Id. 142881297, percebe-se que os instrumentos dos contratos juntados pelo demandado não foram devidamente assinados à rogo, já que existe somente a aposição digital, supostamente da contratante, e assinatura de testemunhas, sem que tenha sido colhida assinatura de terceiro, havendo inequívoca afronta ao que prescreve o art. 595 do Código Civil de 2002, devendo a contratação em questão ser invalidada. Portanto, ao permitir que fosse tomado empréstimo com desconto nos proventos de aposentadoria da parte autora sem o cumprimento da formalidade exigida em lei, praticou a instituição financeira ato ilícito, resultando, por via de consequência, na obrigação de reparar o dano, decorrente da responsabilidade objetiva do fornecedor, respaldada no art.14 do CDC e na Súmula 479 do STJ. Dessa forma, conclui-se que os descontos decorrentes dos empréstimos consignados são indevidos, diante da inexistência de relação jurídica válida entre as partes. Configurado o ato ilícito, surge o dever de indenizar, conforme artigo 186 e 927 da Lei 10.406/2002, pois. Em relação aos danos materiais, o Código de Defesa do Consumidor dispõe em seus artigos 6º e 42 que são direitos básicos do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos - O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. Analisando os autos, observo que o serviço bancário foi prestado de forma defeituosa, uma vez que houve descontos indevidos no benefício previdenciário da autora, causando prejuízo à requerente, acarretando, assim, a obrigação de restituição de valores indevidamente subtraídos/descontados. Quanto ao pedido de restituição em dobro resta, ressalto que o entendimento firmado no EAREsp 676.608/RS consignou que a repetição em dobro depende apenas de violação da boa-fé objetiva. No entanto, convém ressaltar que houve modulação dos efeitos para que a decisão seja aplicada "aos indébitos não-decorrentes da prestação de serviço público a partir da publicação do acórdão". Julgado recente do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará nesse sentido: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DESCONTOS DE TARIFAS EM CONTA CORRENTE DA AUTORA ONDE RECEBE SEU SALÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RÉ QUE NÃO LOGROU COMPROVAR FATO EXTINTIVO, MODIFICATIVO OU IMPEDITIVO DO DIREITO DA PARTE AUTORA. ÔNUS PROBATÓRIO QUE LHE COMPETIA, A TEOR DO ART. 373, II, DO CPC. DANOS MATERIAIS E MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO A TÍTULO DE DANOS MORAIS MANTIDO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO DESCABIDA. EARESP 676.608/RS. MODULAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. A autora, na exordial, afirma que vem sofrendo com cobranças indevidas de tarifas em sua conta-salário, conforme extratos mensais anexados aos autos (fls. 18/30). 2. Julgamento parcialmente procedente para a) condenar o Reclamado a pagar indenização por danos morais no valor de R$4.000,00 (quatro mil reais), acrescido de correção, com base no INPC, a partir deste decisum (Súmula 362 do STJ) e juros legais de 1% a.m. quando da data do efetivo pagamento e os juros moratórios, a partir da data da citação; b) declarar a nulidade das tarifas "Cesta Fácil Super", "Cesta Fácil Super Vr Parcial" e "Cartão de Crédito Anuidade"; c) determinar a restituição em dobro dos valores indevidamente descontados em razão das tarifas mencionadas alhures. 3. O apelante defende, em suma, que "a Resolução nº 3.919 do Banco Central do Brasil (BACEN) ao estabelecer limites às instituições financeiras quanto à cobrança de tarifas pela prestação de serviços, não determinou a gratuidade para todas as operações e serviços prestados pelos bancos e outras instituições financeiras. Contudo, sequer anexou em sua defesa o contrato de abertura de conta-corrente para comprovar que o serviço prestado estava sujeito à cobrança de tarifas mensais, não se desincumbindo do ônus (art. 373, II, do CPC). E ainda, a impossibilidade de repetição de indébito; inexistência de dano moral; que o valor fixado a título de indenização por danos morais ultrapassou o razoável. 4. A referida Resolução nº 3.919/10 não trata das tarifas aqui debatidas, mas sim a Resolução BACEN n.º 3.402/06, que dispõe ser vedado à instituição financeira contratada cobrar, a qualquer título, tarifas destinadas ao ressarcimento pela realização dos serviços (Art. 2º, I) 5. Os danos materiais e morais restam configurados na medida em que a retenção indevida de verba salarial da apelada, a título de descontos de tarifas bancárias, sem sua prévia autorização, representou substancial prejuízo, pois a mesma se viu privada de valor necessário ao sustento, caracterizando situação capaz de gerar angústia, ultrapassando a esfera do mero dissabor do cotidiano. 6. Em relação ao valor a ser fixado a título de indenização por danos morais, deve ser proporcional ao dano sofrido e o suficiente para repará-lo, conforme a sua extensão e que sirva de exemplo e punição para a parte ré, mas, por outro lado, não seja fonte de enriquecimento para o autor. No caso concreto, levando em conta os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e utilizando-se como parâmetro os precedentes desta Corte de Justiça, deve-se manter o quantum arbitrado na sentença. 7. No que pertine à repetição do indébito, o Superior Tribunal de Justiça, Corte Especial, EAREsp 676608/RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 21/10/2020), firmou entendimento de que "a restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva".. 8. A modulação dos efeitos da decisão somente deve ser aplicado aos indébitos não-decorrentes da prestação de serviço público para os processos ajuizados a partir da publicação do acórdão paradigma, ou seja, 30/03/2021. 9. No caso em apreço, como a ação foi ajuizada em 12.12.2020, deve-se manter o posicionamento anteriormente adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, de que "somente a cobrança de valores indevidos por inequívoca má-fé enseja a repetição em dobro do indébito" (AgInt no AREsp 1135918 / MG, Rel (a). Min (a). NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, Data do julgamento 04/05/2020, DJe 07/05/2020). 10. Recurso conhecido e parcialmente provido. Sentença parcialmente reformada. A C O R D A a Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, conhecer do presente recurso e dar-lhe parcial provimento, reformando-se parcialmente a sentença, nos termos do voto do eminente Relator. (TJ-CE - AC: 00501374220208060163 CE 0050137-42.2020.8.06.0163, Relator: FRANCISCO MAURO FERREIRA LIBERATO, Data de Julgamento: 26/05/2021, 1ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 26/05/2021) No caso dos autos, verifica-se que parte dos descontos foram realizados antes da publicação do acórdão atinente ao julgado aqui mencionado (30/03/2021), razão pela qual se deve aplicar o entendimento até então consolidado na Segunda Seção do STJ, segundo o qual, para a incidência do disposto no art. 42, parágrafo único, do CDC, é necessária a demonstração de má-fé do fornecedor. Aplica-se, pois, a repetição de indébito de forma simples em relação ao período compreendido entre abril de 2020 e março de 2021, porquanto não fora comprovada nos autos a má-fé da instituição financeira. No tocante aos descontos realizados a partir de abril de 2021, posteriores à publicação do acórdão atinente ao julgado acima mencionado, devem ser restituídos na forma dobrada. Nesse sentido, entendo que é considerado erro injustificável a hipótese em que a cobrança ocorre sem a existência de elementos que a respalde Sobre o dano moral, houve descontos indevidos, em razão do ato ilícito praticado pelo requerido, em benefício previdenciário da parte autora, que necessita dessa quantia para a sua própria subsistência, afetando seus direitos da personalidade, sobretudo a integridade psíquica e emocional, em razão da preocupação existente. Nesse contexto, o artigo 6º, VI, do CDC assegura que são direitos básicos do consumidor, dentre outros, a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. O valor é de difícil quantificação, haja vista que o bem jurídico tutelado transcende a quantias pecuniárias, devendo o julgador definir a justa compensação. Nesse diapasão, deve o magistrado se orientar pelo princípio da razoabilidade, fixando um valor que promova compensação pelo prejuízo e que tenha caráter pedagógico, sem permitir enriquecimento ilícito. Com relação ao tema, trago à colação julgado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará: DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM FOLHA DE PAGAMENTO. RELAÇÃO CONSUMERISTA. CONSUMIDOR APOSENTADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO VÁLIDA DA CONTRATAÇÃO, BEM COMO DA PERCEPÇÃO DO CRÉDITO NA CONTA-CORRENTE DO AUTOR. DESCONTOS INDEVIDOS. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ART. 14 DO CDC E SÚMULA Nº 479 DO STJ. NULIDADE DO CONTRATO. DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. A discussão acerca da validade de contrato de empréstimo consignado deve ser analisada à base das disposições do Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de relação de consumo, (artigos 2º e 3º), devendo-se assegurar a facilitação da defesa dos direitos do consumidor, mediante a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII). 2. A instituição apelante não se desincumbiu do ônus de provar que celebrou o contrato de empréstimo com a ciência e anuência do recorrido. De fato, o apelante não apresentou qualquer documento que comprovasse a celebração do suposto contrato, ou mesmo o crédito na conta do apelado. 3. Na hipótese, está configurada a falha na prestação do serviço, e, consequentemente, o dever de indenizar, o qual decorre da responsabilidade objetiva do fornecedor, respaldada no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. A instituição financeira não provou a ocorrência das excludentes de responsabilidade previstas no § 3º do art. 14 do CDC. Portanto, a devolução dos valores indevidamente descontados do benefício previdenciário do autor é mera consequência da nulidade do contrato. 4. A privação do uso de determinada importância, subtraída dos proventos de aposentadoria, recebida mensalmente para o sustento do recorrido, gera ofensa à sua honra e viola seus direitos da personalidade, na medida em que a indisponibilidade do numerário reduz ainda mais suas condições de sobrevivência, não se classificando como mero aborrecimento. Nesse compasso, a decisão vergastada, ao arbitrar a condenação do apelante ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), estabeleceu valor compatível com a intensidade do dano moral experimentado. TJCE, 2ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Francisco Gomes de Moura, Apelação n. 0004547-95.2013.8.06.0160, Publicado em 23/05/2018. No mesmo sentido, TJCE, 4ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Durval Aires Brito, Apelação n. 0015184-45.2016.8.06.0049 Publicado em 22/05/2018. Assim, considerando-se que o requerido apresentou contratos inválidos, considerando ainda que a autora possui outros processos de mesmo teor tramitando nesta comarca, reputo razoável e proporcional, não ensejadora de enriquecimento ilícito, considerando-se o dano causado, e a situação econômica das partes, a fixação de danos morais no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais). Por fim, colaciono julgado do TJCE com entendimento semelhante em casos análogos: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE NULIDADE CONTRATUAL C/C DANOS MATERIAIS E MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA. DESCONTOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA. CONTRATO FIRMADO COM ANALFABETO APENAS COM A ASSINATURA DE DUAS TESTEMUNHAS. AUSÊNCIA DE ASSINATURA A ROGO. INOBSERVÂNCIA AO ART. 595 DO CÓDIGO CIVIL. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DESCONTOS INDEVIDOS. NÃO COMPROVAÇÃO DA DISPONIBILIZAÇÃO DO VALOR SUPOSTAMENTE EMPRESTADO. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. CARACTERIZADO O DANO MORAL IN RE IPSA. APELO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA DE PISO REFORMADA. 1. Cinge-se a controvérsia na declaração de nulidade/inexistência de contrato de empréstimo consignado, cumulada com pedido de indenização por danos morais. Na origem, a ação foi julgada improcedente, e insatisfeito, o promovente interpôs o presente Recurso de Apelação. 2. Mérito. Para que possa valer a contratação feita com pessoa que não sabe ler ou escrever, é despicienda a exigência de representante outorgado por procuração pública, contudo, é imprescindível atentar para a regra do art. 595 do CC, in verbis: ¿No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas¿. Portanto, somente se atendida a imposição legal poderá se cogitar da validade do contrato com pessoa não alfabetizada, o que ocorreu na espécie. (TJCE - Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas ¿ IRDR nº 0630366-67.2019.8.06.0000, julgado em 21/09/2020, a Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará). 3. No caso vertente, vislumbra-se o extrato de empréstimos consignados do INSS do reclamante à fl. 13, comprovando a contento os descontos decorrentes do contrato questionado na presente lide em seu benefício previdenciário. 4. Por sua vez, in casu, embora o banco tenha apresentado cópia do contrato firmado entre as partes com uma suposta oposição da digital do autor e assinatura de duas testemunhas (fls. 96-104), tem-se a ausência dos documentos pessoais do requerente e das testemunhas subscritas, tais como RG, CPF e cartão de conta bancária, apenas constando a declaração de endereço em nome do autor, bem como, observa-se a inexistência da assinatura a rogo do consumidor no referido instrumento contratual. 5. Ademais, vislumbra-se que o ente bancário não se desincumbiu de demonstrar a legitimidade da contratação discutida, diante da inobservância da formalidade legal do Art. 595 do CC/02 e tese firmada no IRDR nº 0630366-67.2019.8.06.0000, conforme já explanado. Sendo assim, em razão da falha na prestação do serviço, o agente financeiro assumiu o risco e o dever de indenizar, decorrente da responsabilidade objetiva do fornecedor, respaldada no art. 14 do CDC e arts. 186 e 927 do Código Civil Brasileiro. 6. Resta caracterizado o dano moral in re ipsa, ou seja, presumido, decorrente da própria existência do ato, diante da ausência de contrato válido que justifiquem descontos realizados diretamente nos proventos de aposentadoria do consumidor. 7. Sopesando os danos suportados pelo suplicante, como a realização de empréstimo indevido em seu benefício previdenciário, e a conduta da instituição financeira, considerando, ainda, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, entendo como acurado o montante indenizatório de R$ 3.000,00 (três mil reais). 8. Recurso de Apelação conhecido e provido. Sentença reformada. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em conhecer do Recurso de Apelação interposto, para DAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto da Relatora. (Apelação Cível - 0050009-22.2020.8.06.0066, Rel. Desembargador(a) MARIA DE FÁTIMA DE MELO LOUREIRO, 2ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 08/02/2023, data da publicação: 08/02/2023) DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINARES DE IMPUGNAÇÃO Á GRATUIDADE DE JUSTIÇA E OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE AFASTADAS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO POR PESSOA ANALFABETA. CONTRATO ASSINADO POR DUAS TESTEMUNHAS MAS AUSENTE ASSINATURA A ROGO. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM MAJORADO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. PRELIMINARES: 1.1. De início, adiante-se que não merece prosperar a preliminar contrarrecursal de impugnação à gratuidade de justiça, pois a revogação do benefício da justiça gratuita somente seria cabível caso fosse demonstrada alteração na situação econômica da parte capaz de elidir a presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência da apelante, o que não ocorreu no caso. 1.2. Do mesmo modo, não merece guarida a preliminar de violação ao princípio da dialeticidade, pois a parte recorrente combateu através de seus argumentos os capítulos da sentença que, na sua concepção, merecem reforma. 2. MÉRITO: 2.1. Inicialmente, insta salientar que no dia 21/09/2020, a Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará uniformizou o entendimento, através do julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas ¿ IRDR nº 0630366-67.2019.8.06.0000, de que a contratação de empréstimo consignado por pessoas analfabetas necessita das assinaturas do(a) consumidor(a) a rogo e de duas testemunhas. 2.2. Compulsando de forma detida os autos, verifica-se que restou caracterizada a falha na prestação do serviço, vez que o banco não demonstrou, na condição de fornecedor do serviço adquirido, a regular contratação do empréstimo por pessoa analfabeta, posto que apesar de se verificar a aposição da digital da contratante e a subscrição por duas testemunhas, não se verifica a assinatura a rogo. 2.3. Tendo em vista que a demanda versa sobre dano gerado por caso fortuito interno, relativo a fraudes praticadas por terceiros no âmbito de operações bancárias, estando, portanto, a sentença em consonância com o entendimento do Enunciado de nº 479 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: Súmula 479 ¿ As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. 2.4. Em relação ao valor arbitrado, este deve estar regrado dentro dos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, sob pena de deferir enriquecimento indevido a uma das partes. Assim, em análise detalhada dos autos, entende-se por razoável e proporcional a majoração do valor fixado pelo Juízo a quo para R$4.000,00 (quatro mil reais), posto que atende às circunstâncias do caso, considerando a natureza da conduta, as consequências do ato, sobretudo o valor do contrato. Precedentes. 2.5. No que concerne à fixação da data base para a incidência dos juros moratórios, em se tratando de danos morais, é matéria sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça que os juros moratórios devem fluir a partir do evento danoso, conforme Súmula nº 54 do STJ, e correção monetária pelo INPC a partir do arbitramento, conforme Súmula nº 362/STJ. 3. Recurso conhecido e parcialmente provido. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos da Apelação Cível nº 0200481-20.2022.8.06.0113, em que figuram as partes acima indicadas, acordam os Desembargadores integrantes da 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por votação unânime, em conhecer do recurso interposto, para dar-lhe parcial provimento, em conformidade com o voto do eminente relator. Fortaleza, 01 de fevereiro de 2023 CARLOS ALBERTO MENDES FORTE Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTO MENDES FORTE Relator (Apelação Cível - 0200481-20.2022.8.06.0113, Rel. Desembargador(a) CARLOS ALBERTO MENDES FORTE, 2ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 01/02/2023, data da publicação: 03/02/2023) III. Dispositivo Ante o exposto, julgo procedentes em parte os pedidos formulados, declaro nulo o contrato mencionado na inicial e condeno o demandado a: a) restituir, na forma simples, os valores descontados, relacionados aos contratos especificados, a título de reparação por danos materiais, na forma simples, quanto aos descontos realizados anteriores a março de 2021, e em dobro quanto aos descontos realizados a partir de abril de 2021, acrescido de juros de 1% ao mês, a contar da citação, e de correção monetária com base no INPC, a contar de cada desconto; b) pagar a quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a título de danos morais, nos termos dos artigos 186, 927 e 944, todos do Código Civil, com incidência de juros de 1% e correção monetária pelo INPC, a contar, respectivamente, do evento danoso (início do desconto) e do arbitramento (STJ - Súmulas 54 e 362); c) autorizo o demandado a compensar os valores depositados na conta da autora (Id. 142881300) com os decorrentes da condenação ora imposta. d) pagar a custas e honorários advocatícios, estes que fixo em dez por cento sobre o valor do proveito econômico obtido, nos termos do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Ainda, considerando a sucumbência recíproca, condeno o demandado ao pagamento de metade das custas processuais, bem como de honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) do proveito econômico obtido. Por fim, condeno a parte autora ao pagamento de honorários de sucumbência no valor também correspondente a 10% (dez por cento) do proveito econômico obtido, no entanto, suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade da justiça. Sem custas para a autora em razão da gratuidade. Evidenciada a verossimilhança do direito alegado e patente o risco na demora do provimento em razão da reiteração dos descontos reconhecidos como indevidos, concedo a tutela de urgência para determinar que a parte ré imediatamente cesse os descontos e se abstenha de incluir a qualificação da parte autora nos cadastros de inadimplentes, incidindo multa no importe de R$ 1.000,00 (mil reais) a cada novo débito efetivado após a data da intimação desta sentença, limitada ao valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Certificado o trânsito em julgado, intime-se a requerida para pagar as custas finais no prazo de quinze dias, sob pena de expedição de ofício à PGE/CE, nos termos dos artigos 399 a 401, bem como do Anexo XIV, do Código de Normas Judiciais (Provimento nº 02/2021/CGJCE). Cumpridas as diligências imprescindíveis, atendendo aos comandos dos dispositivos retromencionados, arquivem-se os autos com baixa na distribuição. Expedientes necessários. Trairi/CE, 9 de maio de 2025. Cristiano Sanches de Carvalho Juiz de Direito em Respondência
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