Ministério Público Do Estado Do Paraná x Renan Dos Santos Soares
ID: 259781872
Tribunal: TJPR
Órgão: Vara Criminal de Santa Fé
Classe: PROCEDIMENTO ESPECIAL DA LEI ANTITóXICOS
Nº Processo: 0000895-79.2023.8.16.0180
Data de Disponibilização:
24/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GERSON DE ANDRADE JÚNIOR
OAB/PR XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE SANTA FÉ VARA CRIMINAL DE SANTA FÉ - PROJUDI Rua Ibiporã, 270 - JD. Itália - Santa Fé/PR - CEP: 86.770-000 - Fone: (44) 3259-6710 - E-mail: SF-JU-SCCRD…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE SANTA FÉ VARA CRIMINAL DE SANTA FÉ - PROJUDI Rua Ibiporã, 270 - JD. Itália - Santa Fé/PR - CEP: 86.770-000 - Fone: (44) 3259-6710 - E-mail: SF-JU-SCCRDCPADP@tjpr.jus.br Processo: 0000895-79.2023.8.16.0180 Classe Processual: Procedimento Especial da Lei Antitóxicos Assunto Principal: Tráfico de Drogas e Condutas Afins Data da Infração: 19/05/2023 Autor(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Vítima(s): ESTADO DO PARANÁ Réu(s): RENAN DOS SANTOS SOARES SENTENÇA 1. RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por intermédio de seu órgão em exercício neste Juízo, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, com base nos autos de Inquérito Policial, ofereceu denúncia em desfavor de RENAN DOS SANTOS SOARES, já qualificado nos autos, atribuindo-lhe a prática, em tese, do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, em razão do seguinte fato, assim narrado na denúncia (seq. 35): “No dia 19 de maio de 2023, por volta das 14h00min, na residência do fundo, localizada na Rua Nicola Licce, n.560, Jardim Alvorada na cidade e Comarca de Santa Fé/PR, o denunciado RENAN DOS SANTOS SOARES, consciente e voluntariamente, TINHA EM DEPÓSITO, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para fins de tráfico, 0,085 quilogramas de substância análoga a maconha, 0,001 quilogramas da substância análoga ao crack, e 0,001 quilogramas de substância análoga a cocaína, conforme boletim de ocorrência no 2023/560940 – mov. 1.6; auto de exibição e apreensão – mov. 1.8; auto de constatação provisoria da droga – mov. 1.7; termos de declaração – mov. 1.3/1.5; auto de interrogatório – mov. 1.12; e relatório da autoridade policial – mov. 20.1. Ressalta-se que tais substâncias psicotrópicas são capaz de causar dependência física e psíquica, de uso proscrito no Brasil, conforme Portaria nº 344/98 da SVS/MS, republicada no D.O.U. em 01/12/99, atualizada pela Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 40-ANVISA/MS, de 15/07/2009, e respaldada pela Lei nº 11.343/06. Apurou-se dos autos que a equipe policial durante patrulhamento próximo a residência que é conhecida como ponto de traficância, avistou o denunciado correndo pelo quintal para os fundos. A equipe deslocou atrás do denunciado e realizou revista na residência do denunciado RENAN DOS SANTOS SOARES, visualizando o denunciado enterrando 18 (dezoito) porções da substância análoga a maconha, prontas para a venda, totalizando a quantia de 45 (quarenta e cinco) gramas. No interior da residência foi localizado um pote em cima do armário da cozinha com (setenta) porções da mesma substância análoga a maconha pronta para a venda, totalizando a quantia de 40 (quarenta) gramas. E no muro, 1 (uma) porção da substância análoga a cocaína, pronta para a venda, e 1 (uma) porção da substância análoga ao crack. Restou apurado, que o denunciado RENAN DOS SANTOS SOARES tinha no total a quantia de 85 (oitenta e cinco) gramas da substância análoga a maconha, embaladas e prontas para a venda, bem como 1 (uma) porção da substância análoga a cocaína e 1 (uma) porção da substância análoga ao crack, prontas para a venda”. O denunciado foi preso em flagrante delito em 19/05/2023 (seq. 1.1). O flagrante foi homologado em 20/05/2023, ocasião em que foi concedida a liberdade provisória (seq. 21.1). A denúncia foi oferecida (seq. 35.1), sendo determinada a notificação do acusado à seq. 43.1. A denúncia foi recebida em 06/09/2023, com a designação de audiência de instrução e julgamento (seq. 59.1). No ato, inquiriu-se as duas testemunhas de acusação e, ao final, interrogou-se o acusado (seq. 84). Encerrada a instrução processual, certificou-se os antecedentes criminais do denunciado, seq. 116.1. O Ministério Público, em alegações finais (seq. 120.1), pugnou pela procedência da denúncia, com consequente condenação do acusado às sanções do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, tecendo considerações sobre a dosimetria da pena. A Defesa, por sua vez, requereu a declaração de nulidade da busca domiciliar e nulidade do feito até o recebimento da denúncia, diante do não oferecimento do ANPP. Quanto ao mérito, pugnou pela absolvição, argumentando ausência de provas. Subsidiariamente, em caso de condenação, postulou pela desclassificação da imputação do art. 33, caput, para a conduta descrita no art. 28 da Lei de Drogas e, por fim, a fixação da pena mínima em seu mínimo legal, considerando-se o tráfico privilegiado, seq. 129.1. Os autos, então, vieram-me conclusos. É, em síntese, o relatório. Passo a fundamentar e decidir. 2. FUNDAMENTAÇÃO Inicialmente, em relação à arguição de nulidade da prisão em flagrante e das provas deles decorrentes, por suposta violação de domicílio pela ausência de justificativa prévia, consigna-se que não assiste razão à defesa do acusado. Sabe-se que a garantia decorrente do direito individual à privacidade e à inviolabilidade domiciliar é expressa no art. 5º, XI, CF/88. Igualmente, no mesmo dispositivo, estão expressas as exceções ao preceito fundamental e, dentre elas, figura a hipótese de estar ocorrendo, no interior da residência, flagrante delito. Eis a redação do texto constitucional: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, ou desastre, ou para prestar socorro, salvo em caso de flagrante delito ou, durante o dia, por determinação judicial Neste cenário, é preciso analisar com cautela as hipóteses permissivas da busca e apreensão domiciliar sem autorização judicial, em caso de flagrante delito, já que, no próprio recurso representativo de controvérsia - RE 603616, restou destacado que o seu controle judicial advém da necessidade de “proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1)”, e quando realizado “a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico”. Vale transcrever: Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio – art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos – flagrante delito, desastre ou para prestar socorro – a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso. (RE 603616, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 05/11/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO - PUBLIC 10-05-2016) Da interpretação dos termos do voto do relator no RE 603.616/RO, extrai-se, em síntese, que, por si só, o fato de as diligências no interior da residência resultarem positivas não autoriza o ingresso imoderado, não servindo de permissão para o esvaziamento completo do núcleo do direito fundamental – inviolabilidade de domicílio. Há necessidade de justificação da medida promovida sem autorização judicial, ainda que posterior ao ato, mas que demonstre a justa causa precedente. Na hipótese, muito embora a Defesa tenha destacado que o caso dos autos não permitiria concluir pela presença de justificativa para a aventada invasão do domicílio, é de se verificar a presença de justa causa que autorizava a medida, não se observando ilegalidade decorrente da ausência de mandado judicial. Pelo contrário, a análise dos autos evidencia, estreme de dúvidas, a subsistência do estado de flagrância. Extrai-se dos autos que a polícia já tinha denúncias a respeito da possível realização de tráfico de drogas na residência. Na oportunidade, quando estavam em patrulhamento, notaram quatro indivíduos saindo da residência em atitude suspeita, sendo que um deles, o acusado, empreendeu fuga pelos fundos. Assim, em ato contínuo, realizaram a abordagem do acusado, diante das denúncias de tráfico no local em que ele se encontrava já existentes, associadas à dinâmica dos fatos, os agentes ingressaram na residência, momento que foi possível realizar a apreensão das drogas, tanto na parte externa como interna da residência. Vê-se, pois, que, havendo denúncias prévias e, ainda, diante da conduta suspeita do acusado, que empreendeu fuga, existiam plenas razões para que os agentes suspeitassem da prática ilícita no local. Com efeito, o acusado se encontrava em nítido estado de flagrância, o que permitia, sem sombra de dúvidas, a atuação policial. Neste sentido, é o entendimento jurisprudencial: APELAÇÃO CRIME – ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/2006 – TRÁFICO DE ENTORPECENTES – PRELIMINAR DE NULIDADE DAS PROVAS DIANTE DA VIOLAÇÃO DO DOMICÍLIO DO RÉU – NÃO OCORRÊNCIA - EXEGESE DO ARTIGO 5º, INCISO XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - CRIME DE NATUREZA PERMANENTE. SITUAÇÃO DE FLAGRANTE DELITO QUE, POR SI SÓ, AUTORIZA O INGRESSO NO DOMICÍLIO PELOS AGENTES PÚBLICOS. FUNDADAS RAZÕES QUE MOTIVARAM A BUSCA DOMICILIAR CONFIRMADAS COM A APREENSÃO DE CONSIDERÁVEL QUANTIDADE DE DROGA - ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL PACÍFICO ACERCA DA INEXISTÊNCIA DE NULIDADE – ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ - INOCORRÊNCIA - PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ QUE NÃO POSSUI CARÁTER ABSOLUTO – FÉRIAS DO MAGISTRADO - HIPÓTESE DE EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO INVOCADO - NO MÉRITO, ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PROVAS SUFICIENTES A AMPARAR A CONDENAÇÃO - NÃO ACOLHIMENTO – AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS - PROVAS ROBUSTAS DE QUE AS SUBSTÂNCIAS ERAM DESTINADAS À ENTREGA - ADEMAIS, CRIME MISTO ALTERNATIVO. NECESSIDADE DO PREENCHIMENTO DE APENAS UM DOS VERBOS PRESENTES NO TIPO PENAL – PRESCINDIBILIDADE DA COMPROVAÇÃO DA MERCANCIA – CONDIÇÃO DE USUÁRIO QUE NÃO OBSTA A PRÁTICA DO DELITO DE TRÁFICO - DETRAÇÃO – MATÉRIA AFETA AO JUÍZO DA EXECUÇÃO – RECURSO NÃO CONHECIDO NESTE TÓPICO – DOSIMETRIA ESCORREITA – RÉU REINCIDENTE - SENTENÇA MANTIDA EM SUA INTEGRALIDADE - RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA, NÃO PROVIDO- FIXAÇÃO HONORÁRIOS AO DEFENSOR. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a substituição do magistrado em decorrência de férias, promoção, convocação, licença, aposentadoria ou afastamento por qualquer motivo não configura ofensa ao princípio da identidade física do juiz (STJ, AgRg no REsp 1671467/SP). (TJPR - 3ª C.Criminal - 0020070-19.2017.8.16.0035 - São José dos Pinhais - Rel.: DESEMBARGADOR JOSÉ CARLOS DALACQUA - J. 28.06.2021) (negritei) No mais, sabe-se que, sobre o tema, o STF firmou entendimento, em sede de repercussão geral, de que a "entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação deflagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticado". No caso dos autos, é evidente a existência de razões fundadas e justificadas para o ingresso no domicílio do acusado, como dito, já que: 1) o local era alvo de denúncias por tráfico de drogas; 2) a verificação de atitude suspeita pelo acusado. Some-se a isso, ainda, a apreensão de três espécies distintas de drogas no local. Dessa forma, no quadro fático constante dos autos, nota-se que a abordagem do acusado e a entrada dos policiais na residência foi plenamente justificada. Reitera-se, neste ínterim, que, no contexto da abordagem objeto destes autos, o Superior Tribunal de Justiça, em caso análogo ao dos autos, reconheceu inexistir qualquer ilegalidade decorrente do ato: APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. AÇÃO PENAL PÚBLICA. SENTENÇACONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DASDILIGÊNCIAS QUE CULMINARAM NA PRISÃO EM FLAGRANTE DO APELANTE EAPREENSÃO DOS ENTORPECENTES. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO DEDOMICÍLIO. EXEGESE DO ARTIGO 5º, INCISO XI, DA CONSTITUIÇÃO DAREPUBLICA. CRIME DE NATUREZA PERMANENTE. SITUAÇÃO DE FLAGRANTEDELITO QUE, POR SI SÓ, AUTORIZAVA O INGRESSO NA RESIDÊNCIA PELOSAGENTES PÚBLICOS. FUNDADAS RAZÕES QUE MOTIVARAM A BUSCA. PROVA LICITA.DOMICILIAR CONFIRMADAS COM A APREENSÃO DE MACONHAPEDIDO ABSOLUTÓRIO. IMPROCEDÊNCIA. CONJUNTO PROBATÓRIO SÓLIDO ADEMONSTRAR A AUTORIA E MATERIALIDADE DO DELITO IMPUTADO AO ACRIMINADO.CIRCUNSTÂNCIAS DA OPERAÇÃO POLICIAL QUE EVIDENCIAM A TRAFICÂNCIA.CONDIÇÃO DE USUÁRIO QUE NÃO EXCLUI A MERCANCIA DE ENTORPECENTES.RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. I – Supremo Tribunal Federal já decidiu que mesmo sendo a casa o asilo inviolável do indivíduo, não pode ser transformada em garantia de impunidade de crimes que em seu interior se pratiquem. Assim sendo, o crime de tráfico de drogas, nas modalidades guardar e ter em depósito, de natureza permanente, assim compreendido aquele cuja consumação se protrai no tempo, não se exige a apresentação de mandado de busca e apreensão para o ingresso dos policiais na residência do acusado, quando se tem por objetivo fazer cessar a atividade criminosa dada a situação de flagrância, conforme ressalva o art. 5º, XI, da Constituição Federal. Precedentes. (AgRg no REsp 1704746/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTATURMA, julgado em 13/03/2018, DJe 21/03/2018) (...)”. (suprimi) AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO ILÍCITO DEENTORPECENTES E POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. INGRESSO FORÇADO EMDOMICÍLIO. CRIME DE NATUREZA PERMANENTE. FLAGRANTE.REVOLVIMENTOFÁTICO-PROBATÓRIO. NÃO CABIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial para busca e apreensão é legítimo se amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, especialmente nos crimes de natureza permanente, como são o tráfico de entorpecentes e a posse ilegal de arma de fogo 2. Os fundamentos adotados pelo tribunal de origem quanto à situação configuradora de flagrante delito não podem ser revisados em recurso especial, diante do necessário revolvimento de matéria fático-probatória (Súmula n. 7 do STJ). 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 1558876/GO, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DENORONHA, QUINTA TURMA, julgado em 09/12/2020, DJe 14/12/2020) Diante disto, necessário reconhecer a legalidade das provas produzidas, pois presentes circunstâncias concretas para abordagem e o ingresso no domicílio, com a caracterização do estado de flagrância e porque evidenciada a justa causa, que, no caso concreto permitiria crer na efetiva ocorrência de crime, circunstância que autorizava o ingresso no local. Não prospera, portanto, a arguição de ilicitude da prova, tese que fica, pois, rejeitada. Ainda preliminarmente, verifica-se que a Defesa do réu, em sede de alegações finais, também requereu a nulidade processual, eis que o Ministério Público deixou de oferecer proposta de acordo de não persecução penal. Sem razão. Sabe-se que o procedimento em torno do ANPP ocorre em uma fase específica da persecução penal e, diante da sua natureza também processual, deve ser prestigiada a marcha progressiva do processo. A leitura do art. 28-A do CPP evidencia que a composição se esgota na fase anterior ao recebimento da denúncia. Não apenas porque o dispositivo refere-se ao investigado (e não ao réu) ou porque aciona o juiz das garantias (que não atua na instrução processual), mas sobretudo porque a consequência do descumprimento ou da não homologação é especificamente inaugurar a fase de oferta e de recebimento da denúncia (art. 28-A, §§ 8º e 10). Dessa forma, o ANPP não se conforma com a instauração da ação penal, devendo ser estabelecido o ato de recebimento da denúncia como marco limitador da sua viabilidade. Com efeito, a finalidade do acordo é evitar que se inicie processo, razão pela qual, por consequência lógica, não se justifica discutir a composição depois de recebida a denúncia. Mesmo que assim não fosse, cumpre destacar que o Ministério Público deixou de oferecer proposta de acordo de não persecução penal por entender que “o crime imputado (artigo 33 da Lei nº 11.343/06) não comporta a aplicação do instituto”. E com razão. Deveras, de fato, um dos requisitos essenciais para a propositura do acordo de não persecução penal é que a pena mínima do delito seja inferior a 4 (quatro) anos. Nesse sentido, o réu não fazia jus ao acordo, nos termos do caput do art. 28-A do CPP. Ademais, cumpre destacar que não há nos autos qualquer requerimento de revisão ao órgão superior do Ministério Público, acerca da negativa em propor o ANPP por parte do Ministério Público de primeiro grau, pela Defesa. E, em que pese o art. 28-A do CPP não estabeleça expressamente o prazo para tal revisão, ao final prescreve que tal procedimento deve se dar na forma do art. 28 do CPP, que trata do encaminhamento dos autos para instância de revisão ministerial, nos casos em que ordenado o arquivamento de inquérito. Desse modo, de acordo com o previsto no art. 28, §1.º, do CPP, a parte discordante dispõe do prazo de 30 dias para submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial, de modo que o levantamento da questão apenas em fase de alegações finais caracteriza-se como nulidade de algibeira. Ainda, como já dito, a denúncia já foi recebida, de modo que a reanálise pretendida não pode ser feita em primeiro grau de jurisdição. Trata-se de matéria, pois, a ser apreciada em eventual grau de recurso. Portanto, rejeito a preliminar arguida pela Defesa. Superadas as questões preliminares e presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, e não havendo nulidades a sanar, considerando a tramitação imaculada do feito, com observância do devido processo legal e plena garantia do contraditório e da ampla defesa, passo a enfrentar o mérito. Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, e não havendo nulidades a sanar, considerando a tramitação imaculada do feito, com observância do devido processo legal e plena garantia do contraditório e da ampla defesa, passo a enfrentar o mérito. A conduta inicialmente imputada ao acusado encontra-se descrita no artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, in verbis: “Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa”. A materialidade encontra-se demonstrada pelo auto de prisão em flagrante (seq. 1.1), auto de exibição e apreensão (seq. 1.8), auto de constatação provisória da droga (seq. 1.7), boletim de ocorrência n° 2023/560940 (seq. 1.6), laudo toxicológico definitivo (seq. 104.1), bem como pelos depoimentos colhidos durante a persecução penal e pelos demais elementos de informação coligidos aos autos. Pondere-se, que, segundo o laudo pericial, as substâncias apreendidas com o acusado apresentaram identificação positiva para maconha e cocaína, que constituem drogas de uso proscrito no Brasil, como disposto na Portaria n°. 344/98 do SVS/MS. Considere-se, neste diapasão, que o crack e a cocaína, como se sabe, compartilham do mesmo princípio ativo. Quanto à autoria, por seu turno, também é certa e incontroversa, recaindo na pessoa do acusado, eis que o conjunto probatório formado ao término da instrução criminal aponta, indubitavelmente, em sua direção. Cumpre analisar a prova oral produzida: Em seu depoimento, a testemunha de acusação Victor Hugo Santos Meidas (seq. 84.2 – policial militar) relatou que estavam em patrulhamento e avistaram e 04 indivíduos saindo de uma residência, a qual constava informações de que esta seria um ponto de tráfico de drogas; diante da fundada suspeita, deram voz de abordagem aos 04 indivíduos; em dado momento, um 5º indivíduo foi visto correndo para a residência dos fundos, local onde as drogas foram encontradas; que nada de ilícito foi encontrado com os 4 primeiros indivíduos, bem como não haviam mandados em aberto; na residência dos fundos, encontraram porções de maconha enterradas em baixo da terra; no muro continha vários buracos, onde foram encontradas 1 porção de crack e 1 porção de cocaína; dentro da cozinha, em cima do armário, encontraram um pote com várias porções de maconha; todas as substâncias estavam embaladas e prontas para a venda. Em seu depoimento, testemunha de acusação Daniel de Oliveira Dirk (seq. 84.3 – policial militar) relatou que estavam em patrulhamento pelo local e visualizaram 4 indivíduos saindo de uma residência que é conhecida como ponto de traficância; deram voz de abordagem, momento em que 4 ficaram e um correu para a casa dos fundos; o soldado Mologni foi ao encalço do indivíduo que correu; quando liberou os 4 indivíduos do lado de fora, o outro policial voltou com drogas que encontrou enterradas no jardim da residência; deram continuidade nas buscas e encontraram mais algumas porções de maconha dentro da cozinha; também encontraram uma pedra de crack e uma porção de cocaína; o acusado Renan quem residia no local; ora Renan alegou que as drogas eram de um tio, ora alegou que eram para uso; a residência era e continua sendo conhecida como ponto de tráfico de drogas; a residência da frente era de Alan Jordão e a de trás era do acusado Renan. Em seu interrogatório, o acusado RENAN DOS SANTOS SOARES (seq. 84.4) negou os fatos narrados na denúncia; relatou que estava em sua residência e saiu para o quintal, como faz de costume em todos os dias; reside na casa dos fundos e tem visão da casa da frente e da rua; que ao sair, visualizou o Sd. Mologni lhe chamando na frente; ele fez perguntas rotineiras, como se havia drogas em sua residência; negou e franqueou a entrada para que o policial fizesse uma busca domiciliar; o Sd. Mologni sequer adentrou na residência; e já foi escavar sua caixa de areia onde estavam enterradas as substâncias; foi indagado quanto a procedência dos ilícitos e respondeu que não sabia, uma vez que não mexia na caixa de terra e ela já estava lá quando se mudou; chegaram mais dois policiais e eles foram revistar a sua residência; encontram um pote que ganhou de um amigo e havia maconha dentro dele; Alan Jordão tinha acesso livre a sua casa, mas não sabia que ele se utilizava dela para esconder drogas, ele entrava e saía livremente; já residia no local por aproximadamente 1 ano; Alan Jordão residia na residência da frente; Alan ia até a sua casa perguntando por comida. Esta é a prova oral colhida durante a instrução. O tipo penal irrogado ao tráfico ilícito de entorpecentes é composto pelo tipo objetivo, consistente na prática de um dos verbos nucleares do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, pelo tipo normativo, que demanda juízo de valoração jurídica (“sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”) e, por fim, pelo tipo subjetivo, consubstanciado tão somente no dolo, assim compreendido como consciência e vontade realizadora dos elementos integrantes do tipo objetivo. Observe-se que a essa fórmula o legislador não acresceu especial fim de agir, quedando, portanto, despicienda qualquer elucubração a respeito da intenção da agente com relação ao entorpecente, ao contrário do que ocorre com a figura típica inserida no art. 28 da Lei Antitóxicos, na qual figura como elemento subjetivo diverso do dolo o consumo próprio como destinação do tóxico. Tanto é assim que, como é cediço, inexiste qualquer vinculação do tipo legal à imperiosidade de prática de atos de comércio pelo agente para fins de configuração do crime capitulado no art. 33, do referido estatuto legal, o qual, como delito de ação múltipla ou conteúdo variado, resta consumado não apenas pela mercancia, mas também pelo porte, transporte, guarda, etc. Dessa forma, conclui-se que o intuito de lucro não é elementar do tipo que traz a expressão “ainda que gratuitamente” para configuração da tipicidade. Nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci (in Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, vol. 1, 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2014, pág. 329): (...) Todas as condutas passam a ter, em conjunto, o complemento ainda que gratuitamente (sem cobrança de qualquer preço ou valor). Logo, é indiferente haver ou não lucro, ou mesmo o intuito de lucro. No mesmo sentido é a lição de Renato Brasileiro de Lima (in Legislação Criminal Especial Comentada, 2ª ed., Bahia: Juspovim, 2014, pág. 725): Todas as condutas acima mencionadas [referência feita aos verbos nucleares do art. 33] têm o complemento ainda que gratuitamente, ou seja, sem cobrança de qualquer preço ou valor. Portanto, é de todo irrelevante haver ou não lucro, ou mesmo o intuito de lucro. No ponto, convém mencionar que, no presente caso, o verbo nuclear utilizado pelo Ministério Público, ao denunciar o acusado, trata-se de “ter em depósito” e que, de qualquer forma, a finalidade de comercialização é inconteste. Assim, analisando os autos, tem-se que as provas colhidas apontam com a clareza necessária que o acusado é o autor do fato narrado na denúncia. A valer, vê-se que a prova oral produzida em Juízo é robusta e coerente, corroborando o que havia sido apurado na fase investigativa, comprovando que o acusado cometeu o crime narrado na denúncia. Resta evidenciado nos autos, assim, que o denunciado efetivamente tinha em depósito as drogas apreendidas e que elas tinham como destino a comercialização. Nota-se que os policiais militares, os quais atenderam a ocorrência, descreveram com riqueza de detalhes a abordagem efetivada naquele dia. Note-se que os Policiais Militares que efetivaram a prisão do acusado aduziram que o local já era conhecido como ponto de tráfico. Em patrulhamento, visualizaram quatro indivíduos saindo da residência, que manifestaram atitude suspeita, sendo que um deles, o acusado, empreendeu fuga. Em ato contínuo, abordaram o acusado e, em revista no local, localizaram os entorpecentes enterrados no quintal e em buracos no muro. Diante disso, adentraram na casa, onde e os agentes localizaram mais drogas embaladas e prontas para a venda. Neste diapasão, inexistindo qualquer motivo apontado nos autos para se suspeitar da atuação policial, como ocorre in casu, não se pode olvidar da relevância probatória dos depoimentos policiais, especialmente, em crimes como o tráfico de entorpecentes. Com efeito, os depoimentos dos policiais são harmônicos, inexistindo indicativo de suspeição ou demonstração de interesse em prejudicar o réu, pelo que não se lhes pode negar credibilidade e eficácia probatória, conforme precedentes do TJPR: APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. PRELIMINAR. NULIDADE PROCESSUAL. FLAGRANTE FORJADO. PLEITO ABSOLUTÓRIO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. NÃO ACOLHIMENTO. ATUAÇÃO POLICIAL ARBITRÁRIA. MERA ALEGAÇÃO EM DESCOMPASSO COM OS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA. RELEVÂNCIA DA PALAVRA DOS POLICIAIS. HARMONIA E COERÊNCIA DAS AFIRMAÇÕES. QUANTIDADE DE ENTORPECENTES. ELEMENTOS PROBATÓRIOS ROBUSTOS A SUBSIDIAR A CONDENAÇÃO. RECURSO CONHECIDO. PRELIMINAR REJEITADA. MÉRITO DESPROVIDO.” (TJPR - 5ª C.Criminal - 0006867-14.2019.8.16.0069 - Cianorte - Rel.: Desembargadora Maria José de Toledo Marcondes Teixeira - J. 04.04.2020) TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CABEÇA, LEI 11.343/2006). CONDENAÇÃO. INSURGÊNCIA DA RÉ. O fato de somente ter sido juntado aos autos cópia do laudo toxicológico, tendo o original acompanhado termo circunstanciado referente à pessoa a quem a apelante vendeu substância entorpecente, não gera qualquer nulidade, porquanto restou suficientemente comprovada a materialidade. Os depoimentos de policiais prestados em juízo, observado o contraditório, inexistindo indicativo de suspeição ou demonstração de interesse em prejudicar a ré, constituem prova válida e não podem ser desconsiderados, notadamente quando em harmonia, como ocorre no presente caso, com os demais elementos de informação alinhavados nos autos. Tendo em vista que a conduta social e as circunstâncias do crime utilizados para s afastar do mínimo da pena-base na primeira fase dosimétrica são inerentes ao tipo penal violado, é impositivo a readequação da reprimenda corporal. Recurso não provido, minorando-se, de oficio, a pena. (TJPR. Acórdão 940554-3. 4ª Câmara Criminal. Rel. Des. Luiz Cezar Nicolau. J: 23/05/2013. DJ:1114 07/06/2013) (grifo não original) (...) APELAÇÃO CRIME. FURTO DUPLAMENTE QUALIFICADO. ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. CONCURSO DE PESSOAS. (ARTIGO 155, §4º, INCISOS I E IV, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGÊNCIA DA DEFESA. PLEITO ABSOLUTÓRIO. IMPOSSIBILIDADE DE ACOLHIMENTO. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS. CONJUNTO PROBATÓRIO SÓLIDO E HARMÔNICO. FORÇA PROBANTE DA PALAVRA DA VÍTIMA. DEPOIMENTO DOS POLICIAIS MILITARES SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO. MEIO DE PROVA IDÔNEO. PRINCÍPIO IN INAPLICÁVEL À ESPÉCIE. CONDENAÇÃODUBIO PRO REO DOSIMETRIA DA PENA.QUE SE MOSTRA IMPOSITIVA (..) III – É assente nesta Corte o entendimento de que são válidos os depoimentos dos agentes públicos em juízo, mormente quando submetidos ao necessário contraditório e corroborados pelas demais provas colhidas e pelas circunstâncias em que ocorreu o delito. (TJPR - 4ª C. Criminal - 0010528-47.2017.8.16.0044 - Apucarana - Rel.: Celso Jair Mainardi - J. 08.11.2018) (grifo não original) No contexto do quanto exposto, considerando todo o conjunto probatório formado no presente feito, a negativa de autoria por parte do denunciado, revela-se isolada e em descompasso com todo o referido coerente conjunto probatório, devendo tal negativa ser considerada, uma vez que desamparada de outros elementos de prova que a deem suporte, como mera forma de defesa pessoal, formulada com o objetivo de se desvencilhar de eventual reprimenda penal ou, ainda, na busca por se responsabilizar por crime menos grave (art. 28 da Lei nº 11.343/06), não tendo, portanto, o condão de afastar as provas que atestam a autoria e a materialidade quanto ao crime de tráfico de drogas narrado na denúncia. Ademais, a título de complementação, vale asseverar que o fato de o réu ser ou não usuário de substância entorpecente não tem o condão de afastar a sua culpabilidade pelo delito de tráfico, pois é bastante comum a prática do delito de tráfico por usuários e dependentes químicos com o objetivo de sustentar o próprio vício ou apenas com o objetivo de lucro fácil. Considere-se, ademais, a existência de denúncia anônima apontando o local como ponto de tráfico de drogas e a apreensão de três substâncias entorpecentes distintas no local. Tem-se, portanto, que o conjunto probatório formado após a instrução criminal leva à conclusão única de que o acusado praticou o crime de tráfico de entorpecentes narrado pelo Ministério Público na inicial acusatória, sendo, assim, imperiosa a prolação do decreto condenatório. Das teses defensivas No que tange às teses absolutórias sustentadas pela Defesa do acusado, em sede de alegações finais, tem-se que, como exposto na fundamentação, é incabível a absolvição. Ao contrário do que alega a Defesa, resta amplamente comprovado nos autos que o acusado cometeu o crime de tráfico de drogas. Não há se falar, portanto, na falta de comprovação da autoria e/ou da materialidade, na aplicação do in dubio pro reo ou, ainda, em qualquer modalidade de absolvição por insuficiência de provas. Do mesmo modo quanto a pretendida desclassificação para a conduta do art. 28 da Lei n. 11.343/2006. Frisa-se que restou suficientemente comprovado que, embora o acusado tenha declarado que é usuário de drogas, as circunstâncias do crime demonstram que, mesmo de fato fosse, ele realizava, também, a comercialização de drogas. Observe-se que, além de denúncia anônima envolvendo a venda de drogas na residência do acusado, foram localizados três tipos de substâncias em sua residência que reforçam a tese de tráfico de drogas. Com efeito, caberia ao réu desconstituir a fé-pública inerente à ação dos policiais militares. Nesse sentido, inclusive, é a jurisprudência do TJPR: RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL. Tráfico de drogas. art. 33, caput, da lei nº 11.343/2006. Recurso de MURILO HENRIQUE LEITHOLD. Pleito de desclassificação do crime de tráfico para o delito de posse de drogas para consumo. Impossibilidade. Circunstâncias do fato que comprovam a prática da traficância. Existência de denúncias anônimas de que o apelante estaria praticando o tráfico em sua residência. Apreensão de 69 (sessenta e nove) gramas de maconha na residência do apelante em cumprimento de mandado de busca e apreensão. Ademais, apreensão de dinheiro trocado sem qualquer prova da origem lícita dos valores. Alegação de ser usuário que, por si só, não impede a traficância. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE NO INGRESSO DOS AGENTES PÚBLICOS NA RESIDÊNCIA DO ACUSADO. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. ART. 5º, INCISO XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Recurso conhecido e desprovido. (TJPR - 3ª C. Criminal - 0004540-90.2020.8.16.0189 - Pontal do Paraná - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU ANTONIO CARLOS CHOMA - J. 14.06.2022) (grifo não original). Consigne-se, ademais, que, apesar de o acusado aduzir ser usuário de drogas, é plenamente possível que recaiam sobre um mesmo indivíduo as figuras do usuário e do traficante, isto é, a condição de usuário não afasta a traficância, o que aliás, é muito comum acontecer, conforme precedentes do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL 1. TRÁFICO DE ENTORPECENTES – ART. 33, CAPUT DA LEI Nº 11.343/2006. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DO ART. 28, CAPUT DA LEI 11.343/06 – NÃO ACOLHIMENTO – MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS – RELATO HARMONIOSO DOS AGENTES PÚBLICOS – CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO QUE INDICAM QUE AS DROGAS APREENDIDAS NÃO SE DESTINAVAM AO EXCLUSIVO CONSUMO PESSOAL – APREENSÃO DE RAZOÁVEL QUANTIDADE DE ENTORPECENTES – CONDIÇÃO DE USUÁRIO QUE, POR SI SÓ, NÃO AFASTA A POSSIBILIDADE DE TRAFICÂNCIA – CONDENAÇÃO MANTIDA. RECEPTAÇÃO – PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA MODALIDADADE CULPOSA – INCABÍVEL – COMPROVADA CIÊNCIA DA ORIGEM ILÍCITA DO BEM ADQUIRIDO – AUSÊNCIA DE PROVA EM CONTRÁRIO – CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA – PEDIDO DE APLICAÇÃO DO ART. 33, §4 LEI DE DROGAS – INADMISSÍVEL – COMPROVADA DEDICAÇÃO CRIMINOSA DO RÉU. PLEITO DE FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL ABERTO OU PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS – INCABÍVEL – PENA TOTAL MAIOR DO QUE O LIMITE LEGAL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL 2. USO DE DOCUMENTO FALSO – ART. 304 C/C 297, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL – pleito absolutório PELO ART. 17 CP (CRIME IMPOSSÍVEL) – FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA – NÃO ACOLHIMENTO – conduta típica –DOCUMENTO HÁBIL A LUDIBRAR O HOMEM MÉDIO. EXIGÊNCIA UNILATERAL DO DOCUMENTO PELOS POLICIAIS – IRRELEVANTE. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 3ª C. Criminal - 0009334-05.2017.8.16.0014 - Londrina - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU ANTONIO CARLOS CHOMA - J. 31.05.2022) (grifo não original). Tem-se, pois, incabíveis as teses de absolvição e desclassificação do crime de tráfico de drogas para o de consumo pessoal. Da causa de diminuição da pena prevista no §4º, do artigo 33, da Lei n. 11.343/2006 Em relação à causa de diminuição da pena constante do §4º, do artigo 33, da Lei n. 11.343/2006, vale ser mencionado que sua aplicação exige o preenchimento de quatro requisitos cumulativos, quais sejam, primariedade, bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas e não integrar organização criminosa. Extrai-se da certidão de antecedentes criminais juntada ao seq. 116, que o acusado é primário, não registrando sentença penal condenatória em seu desfavor. Também, inexistem, ao menos por ora, indícios de integração em organização criminosa ou de que ele se dedique a atividades criminosas. Não há, assim, nada a afastar a incidência do privilégio, sua aplicação foi, inclusive, requerida pelo Ministério Público em alegações finais. Com isso, incidirá a redução de 2/3 (dois terços), nos termos do art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006, porque não existem elementos a justificar o afastamento do patamar máximo. Das agravantes/atenuantes Inexistem circunstâncias agravantes ou atenuantes. Das causas de aumento/diminuição de pena Não existem causas de aumento de pena. Presente a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/06, como acima exposto, em favor do acusado, que incidirá na fração de 2/3. Da adequação típica Desta forma, tem-se que, no plano da adequação típica, a conduta praticada pelo acusado se amolda ao tipo penal previsto no art. 33, caput, c/c §4º da Lei n. 11.343/2006. Outrossim, tem-se que o acusado é penalmente imputável e agiu dolosamente, sem estar acobertado por qualquer causa excludente de ilicitude ou de culpabilidade, tornando-se imperioso o decreto condenatório. 3. DO DISPOSITIVO Diante do exposto e considerando o que mais dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva deduzida da denúncia para CONDENAR o réu RENAN DOS SANTOS SOARES, já qualificado, como incurso nas sanções penais previstas no art. 33, caput, c/c §4º, da Lei n. 11.343/2006. 4. DOSIMETRIA DA PENA Seguindo o critério trifásico preconizado pelo artigo 68 do Código Penal, tendo por norte o comando do artigo 5°, inciso XLVI, da Constituição Federal, bem como os princípios da necessidade e suficiência para reprovação e prevenção do crime (artigo 59 do Código Penal), passo a dosar a pena a ser aplicada ao condenado. DA PENA-BASE Como a Lei 11.343/06, em seu art. 42, estabelece as circunstâncias judiciais preponderantes sobre aquelas previstas no artigo 59 do Código Penal, importante ressaltar que a valoração das circunstâncias judiciais para estabelecimento da pena-base na primeira fase da dosimetria da pena deve considerar a previsão do art. 42 da Lei 11.343/06 c/c art. 59 do Código Penal. O ponto de partida nesta fase é a pena mínima cabível à espécie, ou seja, 5 (cinco) anos de reclusão. - natureza da droga: maconha, crack e cocaína. A cocaína e o crack, como se sabe, são drogas extremamente nocivas ao seu usuário, altamente viciantes e causam dependência em um curto espaço de tempo, razão pela qual o seu traficante deve ser apenado de forma mais severa do que aquele que comercializa drogas de efeitos menos nefastos; - quantidade da substância entorpecente: conforme consta dos autos, foram apreendidos 0,085 gramas de maconha, 0,001 gramas de substancia análoga ao crack, e 0,001 gramas de cocaína, quantidade esta que não autoriza a valoração da referida circunstância em desfavor do acusado; - personalidade: não há elementos suficientes nos autos e aptos para se aferir a personalidade do agente; - conduta social: não foram colhidos dados bastantes acerca de sua conduta social, a qual deixo de valorar; - culpabilidade: o acusado agiu com reprovabilidade normal à espécie, nada tendo a valorar; - antecedentes: o réu não ostenta maus antecedentes, conforme certidão de seq. 116; - motivo: consiste no desejo de obtenção de lucro fácil com o comércio da droga apreendida nos autos, fato inerente ao próprio tipo penal; - circunstâncias: são consideradas inerentes à espécie delitiva; - consequências: são desastrosas para a sociedade em geral, visto que fomentam outros diversos crimes, destroem famílias e assolam a Saúde Pública; todavia, são normais ao tipo penal em tela, nada tendo a ser valorado em prejuízo do condenado; - comportamento da vítima: por se tratar de crime vago, não há que se falar nesta circunstância no caso do crime imputado ao réu. À vista das circunstâncias analisadas acima individualmente, sendo uma desfavorável ao acusado (natureza da droga), e tendo em conta a pena privativa de liberdade abstratamente cominada para o delito em questão (5 a 15 anos) fixo a pena-base acima do mínimo legal em 6 (seis) anos de reclusão, que entendo suficiente e necessária para a prevenção e reprovação do crime, considerando o aumento de 1/10 do intervalo entre as penas mínima e máxima para cada circunstância valorada negativamente. 2) DA PENA PROVISÓRIA Não existem circunstâncias agravantes ou atenuantes a serem consideradas. Assim, mantenho a pena provisória em 6 (seis) anos de reclusão. 3) DA PENA DEFINITIVA Ausente causas de aumento de pena. Incide a causa de diminuição de pena constante do art. 33, §4º, da Lei 11.343/2006, razão pela qual diminuo a pena em 2/3, conforme já explanado. Assim, fica a pena definitiva fixada em 2 (dois) anos de reclusão. Da pena de multa Considerando a previsão cumulativa da pena de multa no preceito secundário do tipo penal ao qual foi condenado o réu, passo à dosimetria daquela, em observância ao critério bifásico, sem descurar da proporcionalidade necessária para com a pena privativa de liberdade já fixada. Assim, considerando as circunstâncias judiciais previstas no art. 42 da Lei 11.343/06 c.c art. 59 do Código Penal, fixo a pena de multa em 200 (duzentos) dias-multa, cada um destes valorados em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato delituoso ante a inexistência de elementos seguros quanto à situação econômica do condenado (art. 60, “caput”, CP). Da detração penal (art. 387, §2º, CPP) Reconheço a detração determinada pelo artigo 387, §2º, do CPP, eis que o sentenciado permaneceu preso por 2 dias, conforme informação obtida pelo sistema Projudi. Todavia, tal prazo é irrelevante à alteração do regime inicial, como será exposto adiante. Do regime inicial de cumprimento da pena Em observância ao disposto no artigo 33 do Código Penal, levando em conta o fato de o réu ser primário, a presença de apenas uma circunstância judicial desfavorável, bem como o quantum de pena aplicado, fixo o regime ABERTO para início de cumprimento da pena privativa de liberdade. Estabeleço, desde já, as seguintes condições mínimas: i) comprovar estar trabalhando ou a impossibilidade de fazê-lo imediatamente; ii) recolher-se em sua residência no período noturno (das 20h às 6h do dia seguinte); iii) não se ausentar da cidade em que reside ou mudar de endereço, sem prévia autorização judicial; iv) comparecimento mensal em Juízo, a fim de justificar suas atividades, nos termos da Portaria do Juízo. Substituição de pena por restritivas de direitos O acusado preenche os requisitos previstos no art. 44 do Código Penal, na forma da Resolução 5/2012 do Senado Federal, pelo que substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, consistente em: a) prestação de serviços à comunidade, que deverá ser cumprida à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, em entidade que será indicada na fase de execução de sentença, de acordo com o disposto nos arts. 149 e 150 da Lei n° 7.210, de 11/07/84, podendo o acusado utilizar-se da faculdade prevista no art. 46, § 4º, do Código Penal; e b) prestação pecuniária, no valor de 2 (dois) salários-mínimos, destinada ao Conselho da Comunidade de Santa Fé. Suspensão condicional da pena Tendo sido substituída a pena privativa de liberdade imposta ao acusado, deixo de analisar a possibilidade de suspensão condicional da pena, nos termos do artigo 77, inciso III, do Código Penal. Do direito de recorrer em liberdade (art. 387, parágrafo único, CPP) Concedo ao réu o direito de recorrer em liberdade, com base no artigo 387, §1º e no artigo 312 do Código de Processo Penal, por considerar que a sua segregação provisória é desnecessária e desarrazoada, tendo em vista o montante da pena imposta, o regime inicial de cumprimento de pena fixado e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Do valor mínimo de reparação dos danos: Por se tratar de crime vago, bem como da inexistência de pedido ministerial expresso, deixo de fixar valor mínimo para reparação dos danos, conforme preconiza o art. 387, inciso IV, do CPP. Das apreensões sinalizadas: - Decreto o perdimento do aparelho celular em favor da União, revertendo-se diretamente ao FUNAD (art. 63, §1º, da Lei n. 11.343/2006), na forma do artigo 243, §1º, da CF, e do tema 647 de repercussão geral do STF, já que se trata de bem utilizado para a prática do crime. - Encaminhe-se as drogas apreendidas para incineração, nos termos do disposto no art. 50, §§3º a 5º, da Lei 11.343/06. 5. Disposições Finais - Condeno o réu ao pagamento das custas e despesas processuais (art. 804 do CPP). Eventual concessão da gratuidade judiciária deve ser analisada em fase de execução penal, eis que extrapola a competência deste juízo. - Após o trânsito em julgado, tomem-se as seguintes providências: a) Expeçam-se as guias necessárias em relação às custas e despesas processuais; b) Determino a dedução das custas processuais, multa e eventual montante devido à vítima, do valor de eventual fiança recolhida. Em seguida, expeça-se o competente alvará para levantamento do saldo que sobejar, conforme art. 647 do Código de Normas; c) Restando valores a serem recolhidos, intime-se o acusado para que, no prazo de 10 (dez) dias, efetue o pagamento. Caso não efetuado o pagamento, após infrutífera intimação ou decurso para pagamento após regular intimação, deverá ser comunicada ao órgão competente para a promoção da execução (art. 354 do CN); d) Oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral deste Estado, comunicando a condenação do réu, com sua devida identificação, para cumprimento do quanto disposto nos artigos 71, parágrafo 2º, do Código Eleitoral c/c 15, III, da Constituição Federal; e) Expeça-se guia de recolhimento. Em seguida autue-se a Execução da Pena, se for o caso; f) Cumpram-se as demais disposições do Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Santa Fé, datado e assinado eletronicamente. LEILA MORGANA CIAN LIUTI Juíza de Direito
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