Processo nº 0000737-43.2017.4.03.6125
ID: 332361199
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0000737-43.2017.4.03.6125
Data de Disponibilização:
23/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JURANDIR JOSE LOPES JUNIOR
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 3ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000737-43.2017.4.03.6125 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/S…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 3ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000737-43.2017.4.03.6125 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: VIVIANCARLA SALOMAO GARCIA - ME, CARLOS ROBERTO PAULA JUNIOR, VIVIANCARLA SALOMAO GARCIA Advogado do(a) APELADO: JURANDIR JOSE LOPES JUNIOR - SP178791-A OUTROS PARTICIPANTES: PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 3ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000737-43.2017.4.03.6125 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: VIVIANCARLA SALOMAO GARCIA - ME, CARLOS ROBERTO PAULA JUNIOR, VIVIANCARLA SALOMAO GARCIA Advogado do(a) APELADO: JURANDIR JOSE LOPES JUNIOR - SP178791-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação civil pública por improbidade administrativa movida pelo Ministério Público Federal (MPF) em face da empresa Viviancarla Salomão Garcia - ME, de Carlos Roberto Paula Júnior e de Viviancarla Salomão Garcia, que objetiva provimento jurisdicional que condene os réus, na qualidade de agentes públicos por equiparação, pela prática de atos de improbidade administrativa, dado que suas condutas atentam contra os princípios da administração pública, conforme o artigo 11, caput e inciso I, da Lei nº 8.429/92, aplicando-se as sanções do inciso III do artigo 12 (ID 275513205). Narra que a empresa Viviancarla Salomão Garcia – ME foi credenciada ao Programa Farmácia Popular do Brasil em 02/08/2011, obtendo acesso ao sistema informatizado do Ministério da Saúde para registrar a dispensação de medicamentos. Esse credenciamento foi suspenso em 06/08/2012 devido a irregularidades e, posteriormente, a farmácia foi descredenciada em 15/08/2013, por meio de publicação no Diário Oficial da União. Diz a parte autora que o Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DENASUS) realizou uma auditoria no estabelecimento, identificando irregularidades como o registro de dispensação de medicamentos sem a comprovação de aquisição via notas fiscais, entre janeiro e julho de 2012 e a dispensação de medicamentos em nome de pessoas falecidas após a data do óbito. Essas irregularidades resultaram em recebimento indevido de recursos públicos, causando prejuízo ao erário no montante de R$ 36.359,22 (trinta e seis mil, trezentos e cinquenta e nove reais, e vinte e dois centavos. Sustenta que os investigados gerenciavam outro estabelecimento comercial, a Droganova de Manduri, também habilitado ao Programa Farmácia Popular, que foi alvo de outra auditoria, na qual foram identificadas práticas similares de irregularidades. Quanto à legitimidade passiva, o MPF alegou que embora os réus não sejam servidores públicos, atuavam como gestores de recursos federais no âmbito do programa, enquadrando-se na figura de agentes públicos por equiparação, conforme o artigo 2º e 3º da Lei nº 8.429/92. O Ministério Público Federal requereu a condenação dos réus por atos de improbidade administrativa, conforme o artigo 11, caput e inciso I, da Lei nº 8.429/92 e aplicação das penalidades do artigo 12, inciso III, da mesma lei, incluindo: a suspensão dos direitos políticos por 5 anos, multa civil de até 100 vezes o valor médio da remuneração percebida, a proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais por 3 anos, a aplicação de multa de 10% sobre o total das transações realizadas nos últimos 3 meses antes da suspensão do credenciamento, conforme o artigo 42 da Portaria nº 111/2016 do Ministério da Saúde e a determinação de que os réus não possam se credenciar novamente no programa por 2 anos. O valor atribuído à causa foi de R$ 2.211.495,58 (dois milhões, duzentos e onze mil, quatrocentos e noventa e cinco reais, e cinquenta e oito centavos), considerando a multa civil e penalidades administrativas previstas. Em defesa preliminar (ID 275513207), os réus Viviancarla Salomão Garcia ME, Carlos Roberto de Paula Junior e Viviancarla Salomão Garcia, alegam: i. No relatório do Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (DENASUS) não há referência de que não teria havido a dispensação do medicamento, pedindo o reconhecimento da inépcia da denúncia; ii. Ilegitimidade passiva dos réus; iii. Ocorrência da prescrição quinquenal; iv. Ausência de dolo ou má-fé para configurar o tipo do caput e inciso I, da Lei n.º 8.429/92, dado que a cartilha impressa com instruções era genérica, gerando inúmeras dúvidas, sendo que se houve irregularidades detectadas pela auditoria se deram por desconhecimento A inicial foi recebida (ID 275513210), afastando-se as preliminares de inépcia, ilegitimidade passiva e prescrição. A instrução processual incluiu provas documentais, testemunhais e provas emprestadas, inclusive de ação penal correlata (n. 0000142-44.2017.403.6125). Foi interposto agravo de instrumento (ID 275513211, pág. 21), cuja decisão foi pelo indeferimento do pedido (ID 275513212, pág. 15). Contestação juntada no ID 275513212, e réplica no ID 275513213. Manifestação da União pela ausência de interesse no feito (ID 275513213). Foi juntada cópia integral dos autos da ação penal, no qual constam os depoimentos pessoais dos réus. Áudios dos depoimentos e declarações juntados nos IDs 275513259, 275513266, 275513273, 275513275, 275513278, 275513283, 275513305. Alegações do MPF (ID 275513204), na qual pediu a condenação de Viviancarla e improcedência dos pedidos em relação ao réu Carlos Roberto, em razão de na ação penal conexa ficar definido que a administração da Droganova de Óleo cabia exclusivamente a Viviancarla. Pede que seja reconhecida a ilegitimidade de parte de Viviancarla Salomão Garcia – ME (Droganove de Óleo), mantendo no pólo passivo Viviancarla Salomão Garcia e Carlos Roberto Paula Júnior. No que concerne a pena de multa manifestou-se pelo não cabimento dado que já houve o recolhimento, dado que aplicada administrativamente pela Denasus. No mais, reiterou os termos da petição inicial. Retificação das alegações finais e manifestação acerca das alterações promovidas pela Lei 14.230/21 no ID 275513447, no sentido da não retroatividade da nova lei. Juntou interrogatório de Viviancarla Garcia (ID 275513449) e de Carlos Roberto Paula Júnior (ID 275513450). Em decisão proferida no ID 275513445, foi dada oportunidade para que o MPF se manifestasse acerca da revogação do artigo 11, inciso I, da Lei n.º 8.429/92, pela Lei n.º 14.230/2021, bem como sobre o interesse em celebrar acordo de não persecução civil (ANPC). O MPF apresentou manifestação acerca das alterações promovidas pela Lei n.º 14.230/2021 na Lei de Improbidade Administrativa, no sentido da irretroatividade da norma mais benigna no âmbito administrativo. Sustentou a inconstitucionalidade das modificações promovidas no artigo 11 da NLIA, defende a não taxatividade de condutas tipificadas e inconstitucionalidade da exigência de finalidade específica. Deixou de apresentar ANPC, em razão da ré responder a outra ação civil por improbidade administrativa (ID 275513447). A sentença proferida em primeiro grau julgou improcedente o pedido. A fundamentação foi baseada na revogação do art. 11, I, da LIA pela Lei n. 14.230/2021, considerando a conduta atípica. A magistrada entendeu que a inicial descreve conduta culposa, e não dolosa, e que não caberia ao juízo requalificar a tipificação jurídica dada pelo autor, nos termos do art. 17, §10-C, da LIA. Assim, concluiu pela ausência de subsunção da conduta aos novos incisos do art. 11 da LIA, extinguindo o processo com resolução de mérito, sem condenação em custas ou honorários. O Ministério Público Federal (MPF) interpôs recurso de Apelação em face da sentença da 1ª Vara Federal de Ourinhos, sustentando a existência de erro ao aplicar a retroatividade da Lei n. 14.230/2021 para excluir a tipificação dos atos de improbidade administrativa atribuídos à parte ré. Argumenta que os fatos comprovam intenção dolosa, justificando a reforma da decisão. Assim, o MPF aponta que a sentença errou ao aplicar a Lei n. 14.230/2021 e considerar a revogação do artigo 11, inciso I, da Lei nº 8.429/92, concluindo que os fatos perderam relevância jurídica, uma vez que, segundo a argumentação, conforme o Tema 1.199 do STF, a nova lei não pode ser aplicada retroativamente a atos praticados antes de sua vigência quando houver dolo comprovado. Afirma que há comprovação do dolo da ré, já que manipulou o sistema do programa para registrar dispensações fictícias e obter repasses indevidos, motivo pelo qual, aduz, foi condenada por estelionato (art. 171, §3º do Código Penal) pelo mesmo conjunto de fatos. Por fim, o MPF defende a manutenção da tipificação dos atos de improbidade, argumentando que a conduta da ré continua enquadrada no artigo 11 da Lei nº 8.429/92 na sua redação anterior, que não pode ser afastado em razão da conduta dolosa. Diante desses argumentos, o Ministério Público Federal requereu a reforma da sentença para reconhecer que a ré praticou atos de improbidade administrativa de forma dolosa, além da aplicação das sanções do artigo 12, inciso III, da Lei n. 8.429/92, incluindo a suspensão dos direitos políticos por 5 (cinco) anos, a multa civil proporcional ao dano causado e a proibição de contratar com o Poder Público por 3 (três) anos. O parecer da Procuradoria Regional da República reforçou o entendimento do MPF, alegando que a aplicação retroativa da nova lei não poderia resultar na impunidade de atos dolosos praticados antes da sua vigência. O parecer também destacou a condenação de Viviancarla Salomão Garcia na ação penal pelo crime de estelionato majorado (art. 171, §3º do Código Penal), o que comprovaria a intenção dolosa dos atos praticados. Devidamente intimada, a ré não apresentou contrarrazões. É o relato do necessário. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 3ª Turma APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000737-43.2017.4.03.6125 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: VIVIANCARLA SALOMAO GARCIA - ME, CARLOS ROBERTO PAULA JUNIOR, VIVIANCARLA SALOMAO GARCIA Advogado do(a) APELADO: JURANDIR JOSE LOPES JUNIOR - SP178791-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A SENHORA JUÍZA FEDERAL CONVOCADA LUCIANA ORTIZ: Assinalo, inicialmente, que a sentença foi prolatada após a vigência da Lei n. 14.230/2021, portanto, não há que se falar em reexame necessário. Preliminarmente, pontuo que o MPF se manifestou em apelação no sentido da improcedência da demanda em relação os réus empresa Viviancarla Salomão Garcia – ME e Carlos Roberto Paula Júnior, imputando tão somente as condutas ímprobas à ré Viviancarla Salomão Garcia. De forma que o presente recurso restringe-se à ré Viviancarla Salomão Garcia, ocorrendo o trânsito em julgado pela improcedência em relação aos demais réus. Analiso o mérito. A improbidade administrativa tem sua matriz constitucional no § 4º do artigo 37, que preceitua, ancorado nos princípios constitucionais da legalidade e moralidade administrativa, que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Com isso, a ordem constitucional anuncia a punição com maior rigor os atos ímprobos, eivados de má-fé no trato da coisa pública e com desvirtuamento dos recursos públicos. A improbidade administrativa constitui ilícito civil, com previsão constitucional de punição severa, com o fim de combater a corrupção, mas distinguindo-se da ação de natureza penal, a despeito da previsão contida no artigo 17D da LIA, introduzido pela Lei n.º 14.230/21, conforme já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal no Tema 576, com o seguinte teor:“O processo e julgamento de prefeito municipal por crime de responsabilidade (Decreto-lei 201/67) não impede sua responsabilização por atos de improbidade administrativa previstos na Lei 8.429/1992, em virtude da autonomia das instâncias”. Em que pese sua natureza civil, reconhecida pela maioria do Ministros integrantes do STF por ocasião do julgamento do Tema 1199, exige a observância do rigor dos princípios do devido processo legal e contraditório, a fim de que o réu tenha efetivo conhecimento e clareza da imputação que lhe é atribuída. O fato de constituir instância destacada da seara penal, incide as disposições do Código de Processo Civil, o que está expresso, inclusive, no artigo 17 da NLIA. A Lei n.º 8.429/92, com redação dada pela Lei n.º 14.230/2021, regula as hipóteses de tipicidade de atos de improbidade administrativa: Artigo 9º. Ocasionam improbidade que causa qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício do cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividades nas entidades referidas no art. 1º desta Lei. O dispositivo legal traz XII incisos com situações exemplificativas, mas paradigmáticas, que configuram tipicidade de improbidade, o que decorre do termo “notadamente”, podendo contemplar outras situações que guardem íntima relação com a hipótese de obtenção patrimonial indevida. Não houve mudança substancial no artigo, salvo o reforço de que serão punidas apenas as práticas de atos dolosos, a fim de não sobejar dúvidas acerca da existência da modalidade culposa, suprimida da nova LIA, inclusive para os casos em andamento. Foram trazidos novos incisos com situações caracterizadoras de improbidade por enriquecimento ilícito, antes a LIA previa apenas VII incisos, o que não interfere na interpretação intertemporal considerando que não são tipos fechados, mas exemplificativos. Artigo 10. Improbidade que causa prejuízo ao erário. Consiste na situação de perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1, elementares mantidas na Nova LIA, com o diferencial fundamental e de grande importância do elemento volitivo. Não se pune por improbidade, a partir da reforma da Lei n.º 8.429/92, a modalidade culposa, exigindo-se a prova efetiva da conduta. As hipóteses previstas nos incisos do artigo 10 são exemplificativas, embora importante norte de situações ímprobas, que não impedem que situações similares sejam igualmente típicas. Artigo 11. Improbidade que atenta contra os princípios da Administração Pública. Nesse tipo, também se exige o dolo que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, a partir de condutas descritas nos incisos do artigo. Neste tipo, as situações previstas são taxativas, portanto, o tipo é fechado e deve ter interpretação literal. Destaco a observação de que o Supremo Tribunal Federal, no Rcl 64629 Agr, decidiu pela: 5. Abolição, pela nova legislação, do ato de improbidade administrativa por mera violação dos princípios da Administração Pública com fundamento exclusivamente no caput do art. 11 da Lei 8.429/1992. 6. Revogação do inciso I do art. 11 da Lei 8.429/1992. No mesmo sentido: ARE 803568 Agr-segundo- Edv-Ed, Ministro Gilmar Mendes, Data do Julgamento em 22/08/2023. Faz, o Ministério Público Federal, pedido consistente na condenação da ré Viviancarla Salomão Garcia pela prática de atos de improbidade que atentam contra os princípios da administração pública (artigo 11, caput, e incisos I e II, da Lei n.º 8.429/92). O artigo 11 sofreu na reforma da LIA contundentes mudanças, dado que imputava ao administrador severas punições com base em tipo extremamente aberto, muitas vezes abarcando situações desconectadas com o objetivo de evitar a conduta eivada de má-fé. A partir da nova redação do caput do artigo 11, não é mais possível considerar como ato de improbidade administrativa condutas que atentem contra os princípios da administração pública sem que demonstrada a ação dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, tipificadas em uma das hipóteses descritas nos incisos do artigo 11, as quais são numerus clausus e não admitem, como na hipótese do artigo 10, enquadramento por situações similares. Pede o Ministério Público a condenação da réu como incurso no inciso I do artigo 11 da Lei n. 8.429/92, que prescrevia como improbidade praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto. Ocorre que os incisos I e II do artigo 11 da LIA foram revogados pela reforma da Lei de Improbidade, não sendo possível a incidência de dispositivo revogado, como fundou o Ministro Alexandre de Moraes no Tema 1199 do STF ao analisar o elemento subjetivo do tipo ímprobo (nesse sentido, julgado do TRF3, processo 0003399-61.2013.4.03.6111, rel. Desembargador Federal Carlos Delgado, Data do Julgamento 28/04/2025, Data da Publicação 05/05/2025). No que concerne à aplicação temporal das mudanças operadas na LIA, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento no Tema 1.199, in verbis: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se — nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA — a presença do elemento subjetivo — DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 — revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa —, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. STF. Plenário. ARE 843989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/8/2022 (Repercussão Geral – Tema 1.199) Colho da ementa do julgamento do Leading case do Tema STF 1.199: 11. O princípio da retroatividade da lei penal, consagrado no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”) não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do Direito Administrativo Sancionador. 12. Ao revogar a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, entretanto, a Lei 14.230/2021, não trouxe qualquer previsão de “anistia” geral para todos aqueles que, nesses mais de 30 anos de aplicação da LIA, foram condenados pela forma culposa de artigo 10; nem tampouco determinou, expressamente, sua retroatividade ou mesmo estabeleceu uma regra de transição que pudesse auxiliar o intérprete na aplicação dessa norma – revogação do ato de improbidade administrativa culposo – em situações diversas como ações em andamento, condenações não transitadas em julgado e condenações transitadas em julgado. 13. A norma mais benéfica prevista pela Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, portanto, não é retroativa e, consequentemente, não tem incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes. Observância do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal. As modificações operadas pela NLIA incidem aos processos em andamento ainda não transitados em julgado. Embora o Tema 1199 do STF refira-se propriamente à modalidade culposa no direito intertemporal, de rigor reconhecer que a alteração do tipo ímprobo desenhado no artigo 11, por ser mais benéfico, incide aos fatos praticados antes da lei cujo processo não tenha transitado em julgado, aplicando-se a mesma razão de decidir. A solução trazida no voto da repercussão geral (Tema STF 1.199) foi no sentido de que: Aplicação dos princípios da não ultra-atividade e `tempus regit actum´ à modalidade culposa do ato de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado; devendo o juízo competente analisar eventual má-fé ou dolo eventual por parte do agente. Portanto, embora não aplicável o princípio da retroatividade da lei penal benéfica, incidem as novas disposições da LIA, a despeito de ocorridas na vigência da lei anterior, mas que não tiveram a condenação transitada em julgado, em razão da não ultratividade da norma original da LIA. A imputação de conduta descrita nos incisos I e II do artigo 11, revogados pela nova LIA, deve ser afastada em face de ausência de tipicidade. Trago da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, julgado da relatoria do Ministro Cristiano Zanin, nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI N. 14.231/2021: ALTERAÇÃO DO ART. 11 DA LEI N. 8.429/1992. APLICAÇÃO AOS PROCESSOS EM CURSO. TEMA 1.199 DA REPERCUSSÃO GERAL. AGRAVO IMPROVIDO. I — No julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199 da Repercussão Geral), da relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações promovidas pela Lei n. 14.231/2021 na Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992), mas permitiu a aplicação das modificações implementadas pela lei mais recente aos atos de improbidade praticados na vigência do texto anterior nos casos sem condenação com trânsito em julgado. II — O entendimento firmado no Tema 1.199 da Repercussão Geral aplica-se ao caso de ato de improbidade administrativa fundado no revogado art. 11, I, da Lei n. 8.429/1992, desde que não haja condenação com trânsito em julgado. III – Agravo improvido. (STF, 1ª Turma, RE 1452533, AgR, Data do Julgamento em 08-11-2023, Data da Publicação em 21-11-2023) Assim adoto como solução a premissa de que: Indevida a imputação à ré pela prática de atos de improbidade que atentem contra os princípios da administração pública (artigo 11, caput, e inciso I, da Lei n.º 8.429/92), em razão da revogação dos tipos ímprobos descritos nos incisos I e II do artigo 11 da NLIA. De outro lado, não diviso possibilidade de enquadramento em outro tipo ímprobo da LIA, dado que há vinculação da tipificação da conduta atribuída à parte ré na decisão saneadora a que se refere o § 10C do artigo 17 da NLIA, ao preceituar que: o juiz proferirá decisão na qual indicará a tipificação do ato de improbidade administrativa imputável ao réu, sendo-lhe vedado modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor. E no § 10F, do mesmo artigo, diz que: Será nula a decisão de mérito total ou parcial da ação de improbidade administrativa que: I – condenar o requerido por tipo diverso daquele definido na petição inicial; II - (...). Tais dispositivos legais incluídos na Lei n.º 8.429/92 pela Lei n.º 14.230/2021, por constituírem normas de natureza processual, são aplicáveis a partir da vigência da nova lei que ocorreu em 25/10/2021. Tais dispositivos densificam os princípios do contraditório, da ampla defesa e da tipicidade previstos na Constituição Federal. A imputação de ato de improbidade constitui medida punitiva da maior gravidade, com repercussão na seara patrimonial e política do cidadão. Constitui ilegalidade a condenação por tipo ímprobo que não foi apontado de forma clara e expressa na peça acusatória e na decisão saneadora. O princípio da congruência da imputação ao julgamento está contido no princípio do devido processo legal, a fim de que a defesa dos réus durante a instrução processual possa ter conhecimento do ato de improbidade administrativo que lhe está sendo atribuído, a fim de que disponha de meios processuais para refutar a acusação que lhe é atribuída. Trago o magistério de André Ramos Tavares, em suas palavras: O devido processo legal, no âmbito processual, significa a garantia concedida à parte processual para utilizar-se da plenitude dos meios jurídicos existentes. Seu conteúdo identifica-se com a exigência de ´paridade total de condições com o Estado persecutor e plenitude de defesa´. E continua, A plenitude de defesa, referida no conceito de devido processo legal, significa o direito à defesa técnica, à publicidade da decisão, à citação, à produção ampla de provas, ao juiz natural, aos recursos legais e constitucionais, à decisão final imutável, à revisão criminal, ao duplo grau de jurisdição. (Curso de Direito Constitucional, Editora Saraiva: São Paulo, 24a edição, 2024, pág. 619). Dentro dessa perspectiva garantista, de relevo anotar que a Lei de Improbidade Administrativa possui três tipos ímprobos, sendo que no artigo 9 e 10, com indicação exemplificativa de condutas a serem amoldadas à hipótese descrita no caput, e no artigo 11, com indicação numerus clausus de situações caracterizadoras da improbidade. De forma que é relevante a descrição clara da conduta e a imputação do tipo ímprobo correlato, uma vez que possuem elementares próprias de cada tipo, em relação às quais o autor tem o ônus da prova e a defesa dos fatos constitutivos, modificativos ou extintos. Assim, descabe ao juízo recapitular a imputação para tipo ímprobo diverso ao apontado pelo autor, por ofensa ao princípio do devido processo legal plasmado no § 10C e § 10-F do artigo 17 da NLIA, com a consequente nulidade do julgamento. De outro lado, a existência da mudança promovida pela Lei n.º 14.230/2021 no curso da ação de improbidade administrativa, indispensável a oportunidade de manifestação das partes, para enquadramento das condutas em um dos tipos ímprobos plasmados NLIA, com subsequente oportunidade de defesa. No caso de que ora se cuida, foi dada a oportunidade para que o MPF se manifestasse acerca da revogação do artigo 11, inciso I, da Lei n.º 8.429/92, pela Lei n.º 14.230/2021, em decisão proferida no ID 275513445. Porém não houve qualquer manifestação de alteração da imputação para outro tipo ímprobo, ao contrário, o MPF sustentou a irretroatividade da norma mais benigna no âmbito administrativo, assim como a inconstitucionalidade das modificações promovidas no artigo 11 da NLIA, a não taxatividade de condutas tipificadas e inconstitucionalidade da exigência de finalidade específica. Como constou acima, essas teses já foram enfrentadas e superadas pelo Supremo Tribunal Federal. Deixou, assim, o MPF de promover em tese nova imputação da conduta da ré Viviancarla Salomão Garcia, a fim de que sob o manto da ampla defesa e do contraditório pudesse apresentar sua defesa. Ausente a tipicidade da conduta, deixo de analisar o elemento volitivo, que pressupõe a antecedência a tipicidade da conduta. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação do Ministério Público Federal. E M E N T A Ementa: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INCIDÊNCIA DA NOVA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (NLIA). TEMA 1199 DO STF. PROGRAMA DE FARMÁCIA POPULAR. DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTOS. IRREGULARIDADE APONTADA EM AUDITORIA. IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DO INCISO I DO ARTIGO 11 DA LEI 8.429/21. I. Caso em exame: 1. Apelação de sentença absolutória de imputação à ré de atos de improbidade administrativo, definidos no artigo 11, caput, inciso I, da Lei n.º 8.429/92, e aplicação das penalidades do artigo 12, inciso III, da mesma lei, em razão de apuração de irregularidades apuradas no registro de dispensação de medicamentos, da credenciada ré no Programa Farmácia Popular. II. Questão em discussão: 2. Discussão 1. Discute-se a retroatividade da revogação do inciso I do artigo 10 da Lei n.º 8.429/92 operada pela Lei n.º 14.230, de 02/06/1992, aos fatos ocorridos em momento anterior à nova lei, conferindo ultratividade das previsões do ato ímprobo na redação vigente por ocasião dos fatos. 3. Discussão 2. Possibilidade de o juiz recapitular a imputação do tipo ímprobo por ocasião da sentença. III. Razões de decidir 4. A improbidade administrativa constitui ilícito civil, com previsão constitucional de punição severa, com o fim de combater a corrupção, mas distinguindo-se da ação de natureza penal, a despeito da previsão contida no artigo 17D da LIA, introduzido pela Lei n.º 14.230/21, conforme já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal no Tema 576. 5. Os incisos I e II do artigo 11 da LIA foram revogados pela reforma da lei de improbidade, não sendo possível a incidência de dispositivo revogado, como fundou o Ministro Alexandre de Moraes no Tema 1199 do STF ao analisar o elemento subjetivo (nesse sentido, julgado do TRF3, processo 0003399-61.2013.4.03.6111, rel. Desembargador Federal Carlos Delgado, Data do Julgamento 28/04/2025, Data da Publicação 05/05/2025). 6. Embora não aplicável o princípio da retroatividade da lei penal benéfica, incide as novas disposições da LIA, a despeito de ocorridos na vigência da lei anterior, mas que não tiveram a condenação transitada em julgado, em razão da não ultratividade da norma original da LIA. A imputação de conduta descrita nos incisos I e II do artigo 11, revogados pela nova LIA, deve ser afastada em face de ausência de tipicidade. 7. O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou no sentido de que: O entendimento firmado no Tema 1.199 da Repercussão Geral aplica-se ao caso de ato de improbidade administrativa fundado no revogado art. 11, I, da Lei n. 8.429/1992, desde que não haja condenação com trânsito em julgado (STF, 1ª Turma, RE 1452533, AgR, Data do Julgamento em 08-11-2023, Data da Publicação em 21-11-2023). 8. Não cabe o enquadramento em outro tipo ímprobo da LIA por ocasião da prolação da sentença, dado que há vinculação da tipificação da conduta atribuída à parte ré na decisão saneadora a que se refere o § 10C do artigo 17 da NLIA, tais dispositivos densificam os princípios do contraditório, da ampla defesa e da tipicidade previstos na Constituição Federal. IV. Dispositivo 9. Apelação do Ministério Público Federal desprovida. V. Tese de julgamento Tese 1. A imputação de conduta descrita nos incisos I e II do artigo 11, revogados pela Lei n.º 14.230, de 02/06/1992, deve ser afastada em face de ausência de tipicidade e da não ultratividade dos tipos ímprobos antes previstos na redação original da Lei n.º 8.429/1992. Tese 2. Afronta os princípios do contraditório, da ampla defesa e da tipicidade, o enquadramento da conduta a outro tipo ímprobo da Lei n. 8.429/1992 por ocasião de julgamento, dado que há vinculação da tipificação da conduta apontada na petição inicial e reafirmada na decisão saneadora, por força do disposto no § 10C do artigo 17 da Lei n. 8.429/1992, sendo vedado ao juízo recapitular a imputação para tipo ímprobo diverso ao apontado pelo autor, por ofensa ao princípio do devido processo legal, plasmado no § 10C e § 10-F do artigo 17 da NLIA, com a consequente nulidade do julgamento. _______ Dispositivos relevantes citados: Artigo 37, § 4º, da Constituição Federal; Lei n.º 8.429/92, com redação dada pela Lei n.º 14.230/2021, artigos 11 e 17. Jurisprudência relevante citada: Tema 1199 do STF, Plenário. ARE 843e989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/8/2022; STF, no Rcl 64629; STF, ARE 803568 Agr-segundo- Edv-Ed, Ministro Gilmar Mendes, Data do Julgamento em 22/08/2023; STF, 1ª Turma, RE 1452533, AgR, Data do Julgamento em 08-11-2023, Data da Publicação em 21-11-2023; TRF3, processo 0003399-61.2013.4.03.6111, rel. Desembargador Federal Carlos Delgado, Data do Julgamento 28/04/2025, Data da Publicação 05/05/2025. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do voto da Relatora, Juíza Federal Convocada LUCIANA ORTIZ, com quem votaram os Des. Fed. CONSUELO YOSHIDA e CARLOS DELGADO, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. NERY JÚNIOR Desembargador Federal
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