Processo nº 0005578-38.2017.4.01.3700
ID: 259859103
Tribunal: TRF1
Órgão: 8ª Vara Federal Ambiental e Agrária da SJMA
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 0005578-38.2017.4.01.3700
Data de Disponibilização:
24/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
SERGIO DE BARROS BIANCHI COSTA
OAB/PA XXXXXX
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RAFAELA CAROLINE ROTONDO
OAB/MA XXXXXX
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DIEGO SAMPAIO SOUSA
OAB/PA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Maranhão 8ª Vara Federal Ambiental e Agrária da SJMA SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 0005578-38.2017.4.01.3700 CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLICA (65) POLO AT…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Maranhão 8ª Vara Federal Ambiental e Agrária da SJMA SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 0005578-38.2017.4.01.3700 CLASSE: AÇÃO CIVIL PÚBLICA (65) POLO ATIVO: INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVACAO DA BIODIVERSIDADE e outros POLO PASSIVO:INDUSTRIA E COMERCIO DE MADEIRAS LAJEADO LTDA - ME e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: DIEGO SAMPAIO SOUSA - PA15441-B, RAFAELA CAROLINE ROTONDO - MA16700 e SERGIO DE BARROS BIANCHI COSTA - PA17772-B SENTENÇA I. RELATÓRIO Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, com a assistência do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) e da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), em face de Indústria e Comércio de Madeiras Lajeado LTDA, Indústria e Comércio de Madeiras Santa Clara LTDA, Bernardo Rosa de Vasconcelos e João Alfredo Prazeres da Rocha, objetivando a responsabilização pelos danos ambientais causados, em tese, pela exploração e comercialização ilícita de madeira oriunda da Terra Indígena Awá Guajá e da Reserva Biológica (REBIO) do Gurupi. Segundo a petição inicial, a exploração ilegal não cessou mesmo após o bloqueio, em 26/03/2014, da inscrição da Madeireira Lajeado no Cadastro Técnico Federal (CTF) do IBAMA. O MPF alega que a Indústria e Comércio de Madeiras Lajeado LTDA foi flagrada, em 08/2014, transportando madeira sem documentação e operando em situação irregular, considerando que permaneceu em atividade mesmo estando com a licença de operação (LO) suspensa e com o CTF bloqueado. Foram encontradas “toras” de madeiras recentemente extraídas no pátio da empresa, porém, parte dos 70,81m3 de madeira serrada, que haviam sido apreendidos em 04/2014, não foi localizada. A exordial narra ainda que, em inspeção realizada pelo IBAMA em 12/09/2013, foi verificado que a Madeireira Lajeado possuía em depósito 978,822m3 de madeira (970m3 em toras e 8,061m3 serrada) sem licença válida (guia florestal) outorgada pela autoridade competente, sendo constatado que expressivo volume virtual excedia ao quantitativo existente no pátio. Despachos de ID n. 1049747254 - Págs. 32/33 e 65/66 oportunizaram, ao MPF, a complementação da inicial e dos documentos que a instruíam, os quais foram juntados em seguida. Na emenda de ID n. 1049747256 - Págs. 5/8, o autor esclareceu que o procedimento de sucessão empresarial da Madeireira Lajeado pela Santa Clara não foi documentalmente formalizado, constituindo-se em verdadeira fraude visando dificultar a fiscalização. No mesmo sentido, a despeito de constar no quadro social da Madeireira Santa Clara os nomes de João Ribeiro de Sousa e Francisco das Chagas de Sousa, o empreendimento era efetivamente dirigido e executado por Bernardo Rosa de Vasconcelos e João Alfredo Prazeres da Rocha. Segundo o Parquet, após o bloqueio da INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MADEIRAS LAJEADO LTDA no CTF, o ICMBIO realizou nova vistoria no endereço Estrada da Fazenda Rural Zebu, km 17, onde então a empresa funcionava, e identificou que no local estava operando a madeireira INDÚSTRIA E COMÉRCIO SANTA CLARA LTDA. A equipe de fiscais ambientais foi recebida pelo mesmo encarregado da Lajeado, o qual afirmou que o novo empreendimento pertencia ao mesmo proprietário da antiga firma. A atividade das madeireiras, conforme consigna o MPF, é ilegal porque carece da devida autorização do órgão gestor da Rebio Gurupi. Para o MPF, os elementos que indicam a origem ilegal da madeira explorada são a proximidade da sede das empresas à Rebio do Gurupi (distante apenas 3 km), bem como a existência de inúmeras estradas irregulares que ligam o empreendimento ao interior da referida unidade de conservação federal e a terras indígenas. Além disso, em ofício do IBAMA foi assinalado que a empresa não demonstrou a origem válida da madeira que obtém, posto que a fonte de extração por ela apontada (Fazenda Ipaneminha – situada fora das áreas protegidas) foi vistoriada pela Autarquia Federal, momento em que se constatou que não havia potencial madeireiro para suportar a produção empresarial indicada. Por fim, o autor aponta que a empresa ré promoveu comércio de madeira mediante inserção de informações falsas no sistema DOF, considerando a divergência entre a carga efetivamente transportada e aquela declarada à autoridade administrativa. Na decisão de ID n. 1049747258 - Págs. 20/28 foi deferido em parte o pedido de tutela de urgência, determinando-se (i) a interdição das atividades desempenhadas pelos demandados por meio do desmonte, a cargo do IBAMA ou do ICMBIO e em colaboração com o DPF/SR/MA, das unidades de serraria encontradas; (ii) a apreensão das madeiras e equipamentos, incluindo veículos, ficando autorizada a (iii) inutilização/destruição dos produtos e equipamentos encontrados nas madeireiras corrés. No mesmo ato, foram instados a manifestar interesse em integrar a lide o IBAMA e a FUNAI. No ID n. 1049747258 - Pág. 51, o relatório do IBAMA informou que, após vistoria no endereço das madeireiras Lajeado e Santa Clara, foi constatado que as serrarias se encontravam com atividades paralisadas havia algum tempo. Citados, os requeridos apresentaram contestação no ID n. 1049747258 - Págs. 83/127, tendo suscitado, de forma confusa, que: a) o Juízo da 8ª Vara Federal seria incompetente para a lide; b) inexistem indícios de autoria do ilícito ambiental apontado, tendo em vista que o local da fiscalização é distante da sede da empresa; c) o relatório de ocorrência n. 019/2013 teria sido arranjado; d) é desproporcional a imputação formulada na inicial; e) ocorreu a caducidade do Decreto Lei n. 95614/88, pois não foram efetivadas a desapropriação e a indenização no prazo legal. Réplica do MPF no ID n. 1049747258 - Págs. 147/154 e manifestações do ICMBIO e da FUNAI consignando interesse em compor a demanda na qualidade de assistente litisconsorcial ativo (ID n. 1049747258 - Págs. 158 e 1049747258 - Pág. 205). O IBAMA, de seu turno, negou interesse em participar da lide. Admitida a intervenção do ICMBIO (ID n. 1049747258 - Pág. 193). Manifestação do MPF no ID n. 1270944263 informando que, em desfavor da madeireira Lajeado, foram lavrados, em 08/08/2018, o Auto de Infração n. 9122596-E, por vender 929,913m³ de madeira serrada, sem Licença válida para todo o tempo da viagem, outorgada pela autoridade competente, e o Auto de Infração n. 9122597-E, por ter em depósito 978,822m³ de madeira em toras sem licença válida para todo o tempo do armazenamento, outorgada pela autoridade competente. O MPF e o ICMBIO não se opuseram à intervenção da FUNAI, instituição que foi admitida por meio da decisão de ID n. 1678982994. É o relatório. II. FUNDAMENTAÇÃO De início, entendo cabível o julgamento antecipado da lide na forma do art. 355, do CPC, uma vez que, apesar de se tratar de questão de direito e de fato, não decorre da instrução dos autos a necessidade de produção de prova além daquelas já existentes nos autos. II.1 PRELIMINARES Rejeito a preliminar de incompetência suscitada pelos réus. Na espécie, os danos descritos na inicial teriam ocorrido no município de Centro Novo do Maranhão/MA, especificamente na Reserva Biológica do Gurupi, na Terra Indígena Awá e nas áreas do entorno. Aliás, as próprias empresas requeridas desenvolviam atividade nas proximidades da Rebio, tendo como sede a mencionada cidade. Nesse contexto, considerando que, nos termos do art. 1º da Resolução PRESI/CENAG N. 03, de 24 de fevereiro de 2012, o município de Centro Novo do Maranhão/MA compõe a lista das cidades incluídas na jurisdição da Seção Judiciária do Maranhão, não há que se falar em incompetência territorial. II.2 MÉRITO II.2.1. DISCIPLINA LEGAL E JURISPRUDENCIAL DA TUTELA DO MEIO AMBIENTE: o meio ambiente e sua proteção. A Constituição Federal preceitua, no art. 225, caput, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. O meio ambiente equilibrado é um bem difuso, inserido entre os chamados direitos humanos de terceira geração. É constitucionalmente definido como de uso comum do povo e, portanto, diverso dos bens que o integram, adquirindo natureza própria. Assim, uma pessoa poderá ser eventualmente proprietária de um imóvel e sua cobertura vegetal, mas toda a coletividade terá o direito ao uso sustentável daqueles recursos naturais, segundo a legislação ambiental. O final do dispositivo impõe a todos o dever de defendê-lo, estabelecendo um pacto intergeracional, o qual se deve respeitar. O dano ambiental, por sua vez, pode ser descrito como um prejuízo causado ao meio ambiente por uma ação ou omissão humana, que afeta de modo negativo o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e por consequência atinge, também de modo negativo, todas as pessoas, de maneira direta ou indireta (Amado, Frederico in Direito Ambiental. Juspodivm. BA. 2020). Quanto à obrigação de reparar o dano causado, a própria Constituição Federal em seu art. 225, § 3º, estabeleceu que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados; e, textualmente, resguardou especial tratamento à Floresta Amazônica, senão vejamos: Art. 225. (...)§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. Note-se que a responsabilidade pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar do atual proprietário/possuidor condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos ou terceiros. Portanto, o dever fundamental de recomposição e recuperação ambiental pode ser exigido de qualquer pessoa. A matéria já foi pacificada pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, na Súmula n. 623: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor.” O TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO, em recente decisão (AC 1005976-24.2020.4.01.4100 - PJe 16/07/2024) seguiu o entendimento da Corte Superior: “A responsabilidade ambiental é objetiva e propter rem, vinculando-se ao imóvel independentemente de quem tenha praticado o ato danoso. A obrigação de reparar o dano acompanha a propriedade, conforme disposto no art. 2º, § 2º, da Lei n. 12.651/2012, e na Súmula 623 do STJ.” II.2.2. PRESSUPOSTOS PARA RESPONSABILIZAÇÃO PELO DANO AMBIENTAL: responsabilidade civil pelo dano material causado ao meio ambiente. É cediço que, para responsabilização civil, torna-se indispensável a presença de três requisitos, a saber: (i) o ato ilícito (omissivo ou comissivo e culposo ou doloso), (ii) o dano experimentado pela vítima e (iii) nexo de causalidade entre o dano sofrido e a conduta ilícita. Os elementos da responsabilidade civil ambiental podem ser extraídos do art. 14, §1º da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), de maneira que o responsável pelo ilícito ambiental, por meio das atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, pessoa física ou jurídica, fica sujeito à obrigação de reparar os danos causados, independentemente da existência de culpa ou dolo. O Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de assentar em sede de recurso especial repetitivo, o Tema n. 707, segundo o qual a responsabilidade por dano ambiental é objetiva e em sua modalidade mais rigorosa, ou seja, pelo risco integral, sendo, portanto, incabível a oposição de excludente de ilicitude: “a) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar; b) em decorrência do acidente, a empresa deve recompor os danos materiais e morais causados e c) na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado.” (STJ- SEGUNDA SEÇÃO- RECURSO ESPECIAL 1374284 / MG MINISTRO RELATOR LUIS FELIPE SALOMÃO, julgado em 27/08/2014, DJe 05/09/2014). Além disso, a responsabilidade civil é solidária, ou seja, a sanção civil da indenização pode ser imputada, em pé de igualdade e de forma integral, a todos aqueles que, de qualquer forma, tenham contribuído para a consumação do dano ambiental, pouco importando, aqui, a maior ou a menor participação do poluidor para o ato lesivo, bem como a maior ou menor instrução do poluidor a respeito de sua atividade predatória do meio ambiente. Enfim, estando comprovada a autoria da lesão ao meio ambiente, quem quer que seja o poluidor/proprietário/posseiro da área degradada, sempre, tem o dever legal e constitucional de arcar com a responsabilidade civil ambiental em sua inteireza. Quanto à responsabilização ambiental, consoante previsto no art. 14, §1º, da Lei de Política Nacional de Meio Ambiente, tem a obrigação de reparar o dano o poluidor direto e o indireto, isto é, todos aqueles que de alguma forma contribuíram para a existência danosa da conduta são responsáveis pela reparação. II.2.3. ANÁLISE PROBATÓRIA SOBRE OS FATOS E A ATRIBUIÇÃO DA RESPONSABILIDADE. No caso em análise, a prova documental que instrui a inicial (Autos de Infração n. 22203/B, n. 9122597/E, n. 9122596/E e n. 599265/D – ID n. 1049747256 - Pág. 36, n. 1270944264 - Págs. 4 e 23; Relatórios de Fiscalização – ID n. 1049747256 - Pág. 38, ID n. 1270944264 - Págs. 6/9 e 24/25; Laudo de vistoria de ID n. 1316333289 - Págs. 12/32; Informações Técnicas do ICMBIO n. 021/2014 e n. 03/2015 do MPF – ID n. 1049747256 - Pág. 77 e n. 1049747253 - Págs. 39/42 e Relatório de Fiscalização Ocorrência 05/2014 – ID n. 1049747251 - Págs. 54/56) evidencia a exploração ilegal (sem autorização) de madeira muito provavelmente proveniente da Terra Indígena Awá Guajá e da Reserva Biológica (REBIO) do Gurupi, no entorno do empreendimento dos requeridos pessoas físicas e sócios da Madeireira Lajeado. A Indústria e Comércio de Madeiras Lajeado LTDA foi autuada pelo ICMBIO, em 14/12/2013, por danificar 130,3833ha de floresta, por meio do corte seletivo de árvores e abertura de ramais, no interior da TI Awá (AI n. 22203/B - ID n. 1049747256 - Pág. 36). No curso da fiscalização, foram apreendidas e inutilizadas 34 toras de madeiras, além de um trator de esteira. Um operador de motosserra que foi abordado pelos agentes afirmou que os produtos eram destinados à Madeireira Lajeado (ID n. 1049747256 - Pág. 38). Ademais, a serraria LAJEADO foi autuada pelo ICMBIO, em 08/08/2018, por (i) ter em depósito 978,822m³ de madeira sem licença válida para todo o tempo do armazenamento, outorgada pela autoridade competente (AI n. 9122597-E) e (ii) vender 929,913m³ de madeira serrada, sem Licença válida para todo o tempo da viagem, concedida pela autoridade competente (AI n. 9122596-E). Os ilícitos foram constatados pelo órgão ambiental após inspeção industrial realizada no pátio da referida empresa, comparando-se o volume físico de madeira existente e o saldo no sistema DOF, nos termos do RAIA de ID n. 1270944264 - Pág. 6: Antes, especificamente em 19/03/2012, a serraria Lajeado LTDA já havia sido autuada pelo IBAMA por adquirir, para fins industriais, 1800m3 de madeira em toras de essências diversas, sem a devida licença do órgão competente (AI n. 599265/D). A autuação teve como origem vistoria realizada no Projeto de Assentamento Gurupi – Vila Ipaneminha, município de Itinga/MA, cujos lotes de n. 92 a 106 foram identificados como fornecedores de matéria prima para diversas empresas do setor madeireiro, incluindo a corré Lajeado. No laudo de ID n. 1316333289 - Pág. 20, os agentes do IBAM concluíram que o potencial florestal do empreendimento, em termos de volume, essências e tipos de matéria prima, era extremamente baixo e incompatível com as movimentações no sistema DOF, sendo que os créditos florestais foram transferidos apenas de forma virtual para gerar saldos de madeiras em toras para empresas do setor. Outrossim, a Informação Técnica do ICMBIO n. 21/2014 apontou que a Indústria e Comércio de Madeiras Lajeado LTDA foi flagrada em plena atividade no dia 08/08/2014, apesar de se encontrar com a Licença de Operação (LO) suspensa e com o CTF bloqueado desde 03/2014. Em 04/2014, a empresa foi fiscalizada, havendo sido constatado o transporte de madeira serrada sem a documentação comprobatória de origem. Como o cadastro estava bloqueado, não poderia operar o sistema DOF e, por consequencia, não poderia receber, vender ou transportar produtos florestais. Por conta da irregularidade, nessa apuração de 04/2014 aproximadamente 70m3 de foram apreendidos pelo ICMBIO, permanecendo, contudo, o material sob a posse da empresa na condição de fiel depositária. Ao retornar à madeireira em 08/2014, os fiscais do órgão ambiental constataram que boa parte da madeira apreendida em abril daquele ano não estava mais no local, bem como que a empresa permanecia em operação, a despeito do CTF bloqueado. Quanto às teses suscitadas na contestação, tenho que carecem de fundamento jurídico e fático/probatório. As madeireiras Lajeado e Santa Clara, situadas no mesmo endereço, estavam estabelecidas a cerca de 3km dos limites da Rebio do Gurupi, sendo que as apreensões de produtos e equipamentos ocorreram ora no pátio da empresa, ora em áreas adjacentes, conforme demonstram os relatórios fotográficos dos órgãos ambientais (ID n. 1049747251 - Pág. 26). Corroboram a autoria a existência de intrincada rede de estradas e ramais que ligam o interior da Rebio à Madeireira Lajeado, estendendo-se às TIs adjacentes (ID n. 1049747253 - Pág. 41). Para mais, é incontroverso que a serraria permaneceu em plena atividade, mesmo após a suspensão da LO e o bloqueio do CTF/IBAMA: Ratificam a autoria dos ilícitos ambientais os depoimentos prestados por Lino Rocha de Oliveira e Evane Alves Lisboa, no bojo do IPL N. 0259/2014/SR/DPF/MA (ID n. 1049747256 - Págs. 132/134): Os elementos probatórios anexados a este caderno eletrônico denotam, de forma uníssona, que a Madeireira Santa Clara LTDA foi constituída em nome de terceiros, os quais desconheciam a condição de sócios, e representou a continuidade das atividades da então Madeireira Lajeado LTDA. Tratou-se de mecanismo engendrado por Bernardo Rosa de Vasconcelos e João Alfredo Prazeres da Rocha para, a um só tempo, tentar se furtar da responsabilização pelos danos ao meio ambiente e driblar as restrições impostas pelos órgãos de fiscalização à Serraria Lajeado. Na contestação, os réus arguiram que teria ocorrido a caducidade do Decreto n.º 95.614/88. Como a declaração de utilidade pública ocorreu com o Decreto publicado em 12 de janeiro de 1988, os demandados defendem a tese de que o direito da administração pública de promover a desapropriação de seus imóveis, os quais estariam próximos ou sobrepostos à área da Reserva Biológica em questão, já teria decaído, tendo em vista o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, previsto no art. 10 do Decreto Lei 3.365/41. O art. 10 do Decreto Lei 3.365/41 prevê que: Art. 10. A desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará. Diante dessa premissa, os demandados objetivam a declaração de caducidade do Decreto 95.614/88 em razão da inércia na execução da desapropriação. No entanto, não lhes assiste razão. Isso porque, ainda que se reconheça a caducidade da declaração de utilidade pública, esta decisão não teria o condão de extinguir a Unidade de Conservação, a qual só pode ser alterada ou suprimida por meio de lei, conforme infere-se da leitura do art. 225, § 1º, III, da CF: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. (...) § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...) III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; Dessa forma, o eventual reconhecimento da caducidade da declaração de utilidade pública não geraria os efeitos pretendidos pelos autores, porquanto não haveria interferência sobre a criação da Reserva Biológica, mas apenas sobre a respectiva expropriação forçada. Dito de outro modo, a Unidade de Conservação já existe desde a publicação do Decreto de 12 de janeiro de 1988, sendo que eventual desafetação ou redução de seus limites só poderia se dar mediante lei. Dessa forma, no presente caso, caberia tão-somente à parte requerida avaliar uma possível indenização por meio de ação específica, isto é, ação de desapropriação indireta. Isso se entendesse que o imóvel cuja propriedade alega possuir estiver em área sobreposta à da Rebio, o que não parece ser o caso. Nesse sentido: APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. PARQUE NACIONAL DOS CAMPOS GERAIS. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS DEDUZIDOS PELOS SINDICATOS RURAIS AUTORES, QUE OBJETIVAM IMPEDIR A INSTITUIÇÃO DO CONSELHO GESTOR E A CRIAÇÃO DO PLANO DE MANEJO DA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Trata-se de apelação contra sentença que julgou improcedentes os pedidos deduzidos por sindicatos rurais em ação do procedimento comum que objetiva impedir - ou ao menos, suspender - a continuidade das ações de implantação do Parque Nacional dos Campos Gerais, mais especificamente a criação do Conselho Gestor e a elaboração do Plano de Manejo da unidade de conservação, enquanto não forem indenizados os proprietários de todas as áreas particulares existentes no perímetro do parque e enquanto não for assegurada a participação paritária de todos os envolvidos. A ação está fundamentada, em síntese, na alegação de que o prosseguimento da implantação do parque, sem a realização das desapropriações previstas e sem que os proprietários rurais ocupem 50% das vagas nos conselhos consultivo e gestor da unidade, afronta o direito de propriedade, viola o devido processo legal, perpetua situação de insegurança jurídica que perdura desde 2006 (em razão de haver um regime transitório, em que é garantida a propriedade privada, mas, ao mesmo tempo, há um decreto que atribui caráter público às terras) e acarreta graves prejuízos, por autorizar que os proprietários sofram restrições econômicas, ambientais e creditícias enquanto não receberam a prévia indenização exigida, além de serem impedidos de participar, de forma paritária, na elaboração das regras a que estarão submetidos. 2. O Parque Nacional, uma vez criado, passa a ser de posse e domínio públicos (Lei 9.985/2000, art. 11, § 1º), independentemente da finalização dos processos de desapropriação, do pagamento das indenizações aos expropriados, da elaboração do Plano de Manejo da unidade de conservação e de eventuais prejuízos experimentados pelos proprietários das áreas privadas inseridas no perímetro da nova unidade de conservação. Logo, a partir da sua criação, não há mais que se falar em propriedade privada no seu interior, nem em insegurança jurídica, pois vige o regime de direito público.Precedentes desta Corte. 3. A criação do parque nacional por decreto, em conformidade com a legislação vigente à época, constitui ato jurídico perfeito, a partir do qual a unidade de conservação só poderá ser extinta por lei, a teor do artigo 225, § 1º, III, da Constituição Federal e do artigo 22, § 7º, da Lei nº 9.985/2000. 4. A inobservância do prazo previsto para elaboração do plano de manejo da unidade de conservação constitui mera irregularidade que não acarreta sanções, nem impede que seja elaborado posteriormente. Precedentes do TRF4. A irregularidade autorizaria, eventualmente, o ajuizamento de ação para compelir o ente público instituidor ou o órgão gestor a instituí-lo. Porém, não foi deduzido pedido nesse sentido nesta ação. 5. A participação social na gestão co-participativa da unidade de conservação se destina a assegurar o interesse público e o direito difuso ao meio ambiente, e não a defesa de interesses econômicos individuais. Inexistência de norma que assegure metade das cadeiras dos Conselhos Consultivo e Gestor aos antigos proprietários privados. A garantia à participação equitativa abrange todos os interessados na criação e gestão da unidade de conservação, o que inclui, nos termos da legislação aplicável, os entes públicos, as instituições científicas, as organizações não-governamentais, as comunidades indígenas afetadas, etc., e não apenas o órgão gestor (ICMBio) e os proprietários e posseiros de imóveis que passaram a estar inseridos no perímetro do PARNA. 6. Alegações de violação ao devido processo legal e à participação popular rejeitadas. 7. Honorários sucumbenciais majorados, ante a sucumbência recursal. 8. Apelação desprovida. Sentença de improcedência mantida. (TRF4, AC 5006551-51.2018.4.04.7009, DÉCIMA SEGUNDA TURMA, Relator LUIZ ANTONIO BONAT, juntado aos autos em 02/10/2024) APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. DESAPROPRIAÇÃO. DECADÊNCIA. PARQUE NACIONAL DOS CAMPOS GERAIS. INOCORRÊNCIA. NECESSIDADE DE LEI ESPECÍFICA. PRECEDENTES DO TRF4. 1. Nem a caducidade da declaração de utilidade pública prevista no art. 10 do Decreto-lei nº 3.365/41 nem a demora do Poder Público em desapropriar todas as áreas que integram a unidade de conservação implicam extinção da Unidade de Conservação, que somente poderia ocorrer por meio de lei específica. Do contrário, teríamos uma situação paradoxal: o Poder Executivo não poderia agir e editar um decreto para revogar a implantação daquele parque nacional (um fazer), mas poderia alcançar esse objetivo mediante a simples omissão (um não-fazer). 2. Eventual caducidade do Decreto executivo não interfere sobre a criação da unidade de conservação, mas apenas sobre a respectiva expropriação forçada. 3. Tal entendimento não deixa desprotegidos os particulares atingidos pela criação da unidade de conservação, porque lhes fica assegurada a possibilidade de vir a juízo buscar a reparação ou a compensação devidas pela omissão do Poder Público em efetivamente realizar as desapropriações, inclusive mediante ação de desapropriação indireta. 4. A verba honorária deve ser fixada em montante consentâneo com o trabalho desenvolvido, sem olvidar-se, entretanto, do valor econômico perseguido e efetivamente alcançado. 5. No caso vertente, considerando a natureza, complexidade, importância e valor da causa, o tempo de tramitação do feito e os precedentes deste Tribunal, majora-se a verba honorária para R$ 6.000,00 (seis mil reais), a ser satisfeita a cada um dos réus, pro rata. (TRF4, AC 5023730-35.2012.4.04.7000, QUARTA TURMA, Relator SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, juntado aos autos em 30/09/2015) EMENTA: DIREITO AMBIENTAL. CRIAÇÃO DE UNIDADE DE CONSERVAÇÃO. PARQUE NACIONAL DA ILHA GRANDE. DESAPROPRIAÇÃO DE ÁREAS PARTICULARES. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO. EFEITOS DO ARTIGO 10 DO DECRETO-LEI 3.365/41.1 1 - O Parque Nacional da Ilha Grande foi criado por decreto executivo, estando de conformidade com o artigo 225 da Constituição, com o artigo 5º da Lei 4.771/65 (vigente à época) e com o artigo 22 da Lei 9.985/00 (legislação superveniente). 2- Tendo a unidade de conservação sido criada por decreto executivo e sendo válido o ato de criação segundo a legislação vigente na época, temos ato jurídico perfeito consolidado. Somente por lei específica pode ser alterada sua destinação ou extinta a unidade de conservação, conforme o artigo 225-§ 1º-III da Constituição e artigo 22-§ 7º da Lei 9.985/00. 3- Nem a caducidade da declaração de utilidade pública prevista no artigo 10 do Decreto-lei 3.365/41 nem a demora do Poder Público em desapropriar todas as áreas que integram a unidade de conservação implicam extinção da unidade de conservação. Do contrário, teríamos uma situação paradoxal: o Poder Executivo não poderia agir e editar um decreto para revogar a implantação daquele parque nacional (um fazer), mas poderia alcançar esse objetivo mediante a simples omissão (um não-fazer). 4- Na criação de unidade de conservação, temos atos ambientais e temos fatos administrativos, regidos por normas distintas e com intenções distintas, que não se confundem, mas se complementam. 5- Na perspectiva do direito ambiental, devemos considerar a criação da unidade de conservação em si, na perspectiva da proteção à natureza e ao meio ambiente, que acontece a partir do ato do Poder Público que preencha os requisitos específicos (decreto ou lei, agora regulado pelo artigo 22 da Lei 9.985/00 e na época regulado pelo artigo 5º da Lei 4.771/65). Nessa perspectiva, a criação de parque nacional depende apenas da edição do respectivo ato normativo específico, que pode ser decreto ou lei, desde que satisfaça os requisitos formais pertinentes (estudo técnico e consulta pública, conforme artigo 22-§§ 2º e 5º da Lei 9.985/00). Esse ato de criação da unidade de conservação não se confunde nem depende necessariamente do ato de expropriação que retira áreas particulares dos respectivos proprietários e os afeta definitivamente à finalidade ambiental específica da unidade de proteção da natureza. 6- Já na perspectiva do direito administrativo, temos necessidade de praticar atos administrativos relacionados à implantação efetiva da unidade de conservação e sua consolidação enquanto órgão de gestão administrativa e organização do serviço público respectivo. São as medidas administrativas necessárias para que a unidade de conservação efetivamente saia do "papel" e se concretize na realidade, o que acontece a partir da atuação da administração no sentido de, por exemplo: (a) vincular à unidade de conservação as áreas públicas nela incluídas e necessárias para cumprimento de sua função ecológica ou ambiental; (b) elaborar e aprovar plano de manejo da área da unidade e do seu entorno ; (c) desapropriar e indenizar os particulares e as populações tradicionais atingidas pela implantação da unidade de conservação. Esses atos não dependem apenas da Lei 9.985/00 e do direito ambiental, mas se submetem às regras do direito administrativo, especialmente quanto à expropriação forçada por utilidade pública prevista no DL 3.365/41, inclusive quanto ao prazo de caducidade previsto no seu artigo 10. 7- Portanto, eventual caducidade do decreto executivo não interfere sobre a criação da unidade de conservação, mas apenas sobre a respectiva expropriação forçada (desapropriação). Esse entendimento não deixa desprotegido os particulares atingidos pela criação da unidade de conservação porque lhes fica assegurada a possibilidade de vir a juízo buscar a reparação ou a compensação devidas pela omissão do Poder Público em efetivamente realizar as desapropriações, inclusive mediante ação de desapropriação indireta. 8- Embargos infringentes improvidos. (TRF4, EINF 5006083-61.2011.404.7000, Segunda Seção, Relator p/ Acórdão Candido Alfredo Silva Leal Junior, juntado aos autos em 15/04/2014) (encontrado em : TRF4. Agravo de Instrumento 5006283-77.2015.4.04.0000. Data da Decisão: 08/04/2015. Terceira Turma. Relator Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz) Destarte, a Unidade de Conservação encontra-se criada e as terras particulares ocasionalmente sobrepostas estão afetadas ao regramento de direito público, não se sustentando juridicamente a premissa da demandante de que as terras continuariam sob tutela exclusiva do regime privado de direitos. A eventual omissão no pagamento das indenizações aos proprietários não autoriza essa leitura de que as terras continuariam a lhes pertencer e que apenas regras de direito privado estariam a reger o direito de propriedade. Assim, sob a ótica de manutenção da propriedade privada, as argumentações da petição inicial não se sustentam. No mesmo sentido, colaciono a fundamentação lançada na decisão do Agravo de Instrumento (202) n. 0038525-66.2012.4.01.0000, lavrada pelo Eg. TRF1: “(...) Nos termos do art. 225, § 3º, da Constituição, as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitam os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. O Decreto n. 95.614, de 1988, criou a Reserva Biológica do Gurupi, localizada no noroeste do Estado do Maranhão, objetivando preservar as florestas tropicais úmidas da área denominada “Pré-Amazônia Maranhense”, incluindo flora, fauna, geologia e demais aspectos bióticos, sendo as terras e benfeitorias nela localizadas declaradas de utilidade pública, para fins de desapropriação. Inicialmente, fica afastada a alegação do agravante de que o Decreto n. 95.614 teria caducado, uma vez que se encontra plenamente vigente até o momento, permanecendo sua eficácia inclusive com relação a possíveis desapropriações, pois, tendo sido declaradas de utilidade pública, as terras e benfeitorias ficam sujeitas a atos expropriatórios, o que não significa que a sua não efetivação até o momento implicaria na perda de validade do Decreto. Do mesmo modo, não procedem os argumentos de que o Decreto n. 95.614 estaria a causar constrangimentos ao agravante, visto que é consequência lógica da sua edição a proteção às áreas inclusas na Reserva Biológica do Gurupi, devendo os órgãos ambientais atuar na sua preservação. (...)” Outrossim, ainda que a área já tivesse sido anteriormente antropizada, isso não isentaria o demandado de sua obrigação de preservar o restante de vegetação nativa. A responsabilidade ambiental, conforme entendimento do STJ, é propter rem, ou seja, vinculada à coisa, e persiste mesmo quando a posse ou propriedade são transferidas. Desse modo, o atual proprietário não pode alegar desconhecimento da restrição ambiental. Ao Mesmo quesuscite que a propriedade já estava degradada quando assumida, o requerido não pode justificar a continuidade das atividades irregulares, eis que não há que se falar em direito adquirido à degradação ambiental. O direito de uso da terra deve se adequar às normas ambientais vigentes, e qualquer uso inadequado na reserva deve cessar para garantir a preservação do meio ambiente para as gerações futuras. Para reforçar, como já exaustivamente esclarecido no item anterior, a responsabilidade ambiental é objetiva e propter rem, vinculando-se ao imóvel independentemente de quem tenha praticado o ato danoso. A obrigação de reparar o dano acompanha a propriedade, conforme disposto no art. 2º, § 2º, da Lei n. 12.651/2012, e na Súmula 623 do STJ. Assim, a responsabilidade ambiental e a obrigação de reparar o dano persistem e podem ser exigidas do atual proprietário. Portanto, restou comprovado o desflorestamento em Unidade de Conservação e Terra Indígenas para comercialização ilegal de madeira, o que impactou negativamente o meio ambiente, quer pelo desflorestamento, quer pelo impedimento da regeneração da floresta do local explorado. Igualmente, a autoria e o nexo de causalidade estão robustamente comprovados nos autos, notadamente pelo fato de o requerido ter sido autuado mais de uma vez, bem como por ser o titular da madeireira que aceitou os créditos indevidos e comercializou a madeira. É intolerável, pois, à sociedade, a conduta de quem age como se fosse dono absoluto dos recursos naturais, ante os efeitos nefastos à saúde e ao bem-estar humano, decorrentes do dano ambiental em exame (desmatamento), o qual, em razão de sua extensão, tem potencial capacidade de extinguir espécies da flora e da fauna. A mera exploração de bem público, mediante a destruição da floresta, sem autorização do órgão ambiental competente, é suficiente para causar abalo negativo à moral da coletividade, configurando-se verdadeiro dano moral coletivo. II.2.4. DEVER DE RECOMPOSIÇÃO DA ÁREA DEGRADADA: obrigação de fazer e/ou não fazer. A responsabilidade civil ambiental deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar – juízos retrospectivo e prospectivo. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização, em vez de considerar lesão específica já ecologicamente restaurada ou a ser restaurada, põe o foco em parcela do dano que, embora causada pelo mesmo comportamento pretérito do agente, apresenta efeitos deletérios de cunho futuro, irreparável ou intangível. Essa degradação transitória, remanescente ou reflexa do meio ambiente inclui: (i) o prejuízo ecológico que medeia, temporalmente, o instante da ação ou omissão danosa e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, o hiato passadiço de deterioração, total ou parcial, na fruição do bem de uso comum do povo (dano interino ou intermediário), algo frequente na hipótese, p. ex., em que o comando judicial, restritivamente, se satisfaz com a exclusiva regeneração natural e a perder de vista da flora ilegalmente suprimida, (ii) a ruína ambiental que subsista ou perdure, não obstante todos os esforços de restauração (dano residual ou permanente), e (iii) o dano moral coletivo. Também deve ser reembolsado ao patrimônio público e à coletividade o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica ilícita que auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados irregularmente da área degradada ou benefício com seu uso espúrio para fim comercial, agrossilvopastoril, turístico etc.). Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1180078/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 28/02/2012): “A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização não é para o dano especificamente já reparado, mas para os seus efeitos remanescentes, reflexos ou transitórios, com destaque para a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo, até sua efetiva e completa recomposição, assim como o retorno ao patrimônio público dos benefícios econômicos ilegalmente auferidos.” Assim, além da obrigação de recuperação ativa da área (elaboração de Plano de Recuperação de Áreas Degradadas – PRAD, cercamento da área, monitoramento, dentre outras medidas que compõem a pretensão de condenação em obrigação de fazer), deve a parte ré interromper uso da área (obrigação de não fazer), inclusive com autorização para que as autoridades de fiscalização ambiental promovam a remoção de qualquer empecilho à regeneração natural (recuperação passiva). Considerada a clara caracterização da atividade ilícita contra o meio ambiente perpetrada pela parte ré, surge a necessidade de determinação de abstenção imediata da prática, diretamente ou por intermédio de terceiros, da referida atividade, sob pena de ser utilizada, inclusive, força policial para tanto. A requerida resta, portanto, proibida de explorar a atividade descrita na inicial sem as devidas autorizações ambientais, bem como determino a imediata proibição de plantação, comércio de produtos agrícolas, madeiras ou pastoris, inclusive bovinos, na respectiva área. No que se refere à obrigação de recuperação integral da área danificada (130,3833ha), não há nos autos elementos que demonstrem que a restauração in natura da área (art. 2º, XIV, Lei nº 9.985/00) não seja viável, de tal sorte que é dever da parte ré promover o integral reflorestamento da área atingida ou área semelhante. O projeto de reflorestamento deve ser elaborado por profissional habilitado, o qual deve ser submetido à imediata aprovação do ICMBio ou do IBAMA, que deverá analisá-lo e aprová-lo no prazo de 60 (sessenta) dias, mediante concomitante comunicação ao Ministério Público Federal (MPF). O referido projeto deve conter cronograma, com etapas definidas – não superior a 1 (um) ano - para a restauração ambiental, a fim de que o ICMBIO/IBAMA e/ou o MPF verifique(m) o efetivo cumprimento do projeto. Nas hipóteses de descumprimento de obrigação de fazer de recuperação da área degradada é possível converter esta obrigação de fazer em seu equivalente pecuniário (art. 499 do Código de Processo Civil), valor que deve ser liquidado a partir da NOTA TÉCNICA n. 2001.000483/2016-33 DBFLO/IBAMA que apresenta metodologia de cálculo que toma por referência o custo de recuperação da área, custo de cercamento, custo de plantio de mudas/semeadura direta, custo de manutenção e monitoramento. O estudo realizado na referida nota técnica fixou R$ 10.742,00 (dez mil setecentos e quarenta e dois reais) como parâmetro do valor indenizável para cada hectare desmatado na Amazônia. Para a adequada recomposição da área, no caso de mora, deve o requerido ser condenado a não usar a área degradada ilegalmente, com a recuperação passiva da área (regeneração que ocorre pelas dinâmicas próprias da natureza e sem intervenção humana). II.2.5. DA SUSPENSÃO CAUTELAR DO CADASTRO AMBIENTAL RURAL (CAR) O Cadastro Ambiental Rural – CAR é um “registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento” (Art. 29 da lei n° 12.651/2012). Dessa forma, como consequência jurídica necessária da condenação em obrigações específicas, impõe-se que o CAR da propriedade onde verificado o dano ambiental seja suspenso, a fim de evitar regularização fraudulenta do imóvel para a prática de novos atos contra o meio ambiente. III. DISPOSITIVO Ante o exposto, confirmando a decisão de antecipação de tutela (ID 1049747258 - pág. 20/30), JULGO PROCEDENTE o pedido, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para condenar solidariamente Indústria e Comércio de Madeiras Lajeado LTDA, Indústria e Comércio de Madeiras Santa Clara LTDA, Bernardo Rosa de Vasconcelos e João Alfredo Prazeres da Rocha nos seguintes termos: i) interdição imediata das atividades madeireiras desempenhadas pelos demandados, devendo estes se abster de executar práticas poluidoras, fazendo cessar a serragem, o desdobramento, o transporte, o beneficiamento e o recebimento de madeiras em toras ou serradas; ii) obrigação específica de fazer, consistente na recomposição e restauração florestal (art. 2º, XIV, Lei nº 9.985/00) da área desmatada - 130,3833ha danificados mais o equivalente, em hectares, a 2.770,761m³ de madeira in natura e 937,974 m³ de madeira serrada - (art. 2º, XIV, Lei nº 9.985/00), sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais); iii) Referida obrigação será cumprida mediante a tomada das seguintes medidas: a) A elaboração e a apresentação de PRAD – Projeto de Recuperação de Área Degradada ao órgão ambiental competente, realizado por profissional habilitado, no prazo de 120 dias, contado da intimação da presente sentença; b) o projeto deve conter cronograma, com etapas definidas – não superiores a 1 (um) ano – para a recuperação ambiental, a fim de que o órgão ambiental competente e/ou MPF verifique(m) o efetivo cumprimento do projeto, nos termos da sentença, cujo atraso injustificado sofrerá pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), em caso de descumprimento das obrigações acima enumeradas pelo requerido; c) o órgão ambiental competente terá o prazo de 60 (sessenta) dias para aprovar o referido PRAD, desde que de acordo com as normas ambientais; e d) a parte requerida deve comunicar, por escrito, o Ministério Público Federal (MPF), em São Luís/MA, da submissão do projeto de recuperação da área desmatada ao órgão ambiental competente, para fiscalização, a fim deste controlar os prazos e aplicação da multa diária ora estipulada; iv) Na hipótese em que a parte requerida já não mais seja proprietária ou posseira da área do empreendimento, condeno-a ao cumprimento de obrigação de fazer com resultado prático equivalente, consistente na recomposição ou restauração florestal (art. 2º, XIV, Lei nº 9.985/00) da área desmatada equivalente à descrita no item “i”, em local a ser indicado pelo órgão ambiental competente e/ou MPF, devendo ser cumprido nos mesmos prazos e forma indicadas no item “ii”, sendo admissível a recuperação ambiental (art. 2º, XIII, Lei nº 9.985/00) alternativa dessa mesma área, caso a restauração seja impossível; v) caso seja constatada a impossibilidade de recuperação (ainda que parcial) da área, condeno os requeridos ao pagamento de indenização pelo ilícito ambiental, degradação da cobertura vegetal, no valor de R$ 10.742,00 (dez mil setecentos e quarenta e dois reais) como parâmetro do valor indenizável para cada hectare desmatado na Amazônia não passível de recuperação, a serem corrigidos (atualização monetária e juros moratórios) com a aplicação do Manual de Cálculos da Justiça Federal, desde o evento danoso (Art. 398, do Código Civil e Súmulas n. 43 e n. 54 do STJ), limitados ao valor corrigido do pedido formulado na inicial para os danos materiais, mediante depósito em favor do fundo de que trata o art. 13 da Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública). Como efeito automático desta sentença, determino a averbação de tais determinações no CAR das áreas (coordenadas geográficas Lat. 03º19’35’’ S - 46º44’47’ ’W), devendo constar: 1. número deste processo; 2. valor dos danos ambientais devidos pela área; 3. que a área está sob restrição de incentivos e benefícios fiscais pelo Poder Público; 4. que a área está suspensa de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; e 5. que essas medidas perduram até a comprovação do pagamento integral, recuperação do dano ambiental e integral regulamentação ambiental da área. Uma via desta decisão valerá como ofício ao órgão responsável pelo cumprimento da averbação da restrição do CAR. Condeno os requeridos em custas processuais, nos termos do art. 82 do Código de Processo Civil. Deixo de condená-lo em honorários advocatícios, na forma do art. 18, Lei nº 7.347/1985 (STJ RESP 201202166746/RESP 201101142055). Com o trânsito em julgado, arquivem-se os autos. Intimem-se. Cumpra-se. Brasília – DF, data da assinatura digital. ENEAS DORNELLAS Juiz Federal Substituto (em auxílio)
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