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Processo nº 1005232-94.2022.4.01.3603

ID: 292890684

Tribunal: TRF1 Órgão: 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Sinop-MT Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1005232-94.2022.4.01.3603

Data de Disponibilização: 09/06/2025

Polo Ativo:

FAUSTO SANTOMAURO DE MUZIO

Polo Passivo:

Sentença Tipo A

Advogados:

JIANCARLO LEOBET

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ALCIR FERNANDO CESA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Sinop-MT 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Sinop-MT SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1005232-94.2022.4.01.3603 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM C… PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Subseção Judiciária de Sinop-MT 1ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Sinop-MT SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1005232-94.2022.4.01.3603 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) POLO ATIVO: FAUSTO SANTOMAURO DE MUZIO REPRESENTANTES POLO ATIVO: ALCIR FERNANDO CESA - MT17596/O e JIANCARLO LEOBET - MT10718/O POLO PASSIVO:INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA SENTENÇA I - RELATÓRIO Cuida-se de ação ordinária proposta por Fausto Santomauro de Muzio em face do IBAMA objetivando à anulação da multa (R$ 250.000,00) e do termo de embargo 751465-E, decorrentes do auto de infração 9142667/E, lavrado em 09/06/2017 contra o autor por “destruir 49,32 hectares de floresta nativa no bioma amazônico objeto de especial preservação, sem a devida licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes”, em sua propriedade rural situada no município de Vera/MT. A parte autora alega, em síntese, a ocorrência da prescrição intercorrente e a prescrição da pretensão punitiva. Sobreveio decisão postergando a análise do pedido de tutela provisória (ID 1421065760). O IBAMA apresentou contestação e reconvenção no ID 1466736381. A parte autora apresentou impugnação à contestação no ID 1513142860 e reconvenção no ID 1513142855. Na decisão ID 1565471374 o pedido de tutela provisória foi indeferido e determinou-se a intimação da parte autora para apresentar cópia integral do processo administrativo. Na decisão ID 2139923856 foram rejeitados os embargos de declaração opostos pela parte autora, bem como determinou-se novamente a apresentação de cópia do processo administrativo. A parte autora pugnou pela juntada da cópia do processo administrativo no ID 2144391472 e informou a interposição de agravo de instrumento em face da decisão que indeferiu a tutela provisória no ID 2146971986. O egrégio TRF da 1ª Região comunicou o deferimento do pedido de tutela recursal para suspender o auto de infração e o termo de embargo (ID 2147390269). É o relatório. Decido. II - FUNDAMENTAÇÃO Trata-se de matéria exclusivamente de direito, razão pela qual, com fundamento no art. 355, I, do CPC, passo ao julgamento antecipado da lide. 1. Reconvenção Na reconvenção apresentada pelo IBAMA, consta pedido de tutela provisória para que seja determinado, em síntese: i) o embargo judicial da área objeto dos autos, ii) a suspensão de qualquer financiamento oferecido por estabelecimentos oficiais de crédito, iii) a perda de acesso a incentivos e benefícios fiscais oferecidos pelo poder público; iv) o bloqueio de bens móveis e imóveis. Inicialmente, importante ressaltar que, conforme mencionado pelo próprio reconvinte, a reconvenção apresentada possui natureza de ação civil pública, na medida em que tutela a proteção ao meio ambiente (interesse difuso). Nesse sentido, a ela devem ser aplicados os regramentos próprios àquela espécie de ação, inclusive o rito previsto na Lei n.º 7.347/85. Sem embargo do entendimento do IBAMA no sentido de que a ação civil pública em questão pode ser ajuizada por meio de reconvenção em autos de ação anulatória de auto de infração ambiental, tal posicionamento não é o mais adequado, segundo a doutrina pátria. É que, para que seja possível processar a reconvenção apresentada pelo réu, entende a doutrina que deve se fazer presente a: “(...) mesma qualidade jurídica [das partes] com que figuram na ação originária. Se naquela estavam como substitutos processuais (seja no polo ativo ou passivo), da mesma forma deverão figurar na reconvenção. Nas palavras de autorizada doutrina, trata-se do princípio da identidade bilateral, que não é identidade da pessoa física, mas identidade subjetiva de direito”. (NEVES, Código..., 2011, p. 335) De fato, nos casos de ação civil pública proposta pelo IBAMA se tem entendido que não poderia o réu reconvir, deduzindo pretensão em face da autarquia em si, pois naquela demanda ela agiria com legitimação extraordinária, deduzindo pretensão em nome da coletividade e não em nome próprio. Falta, portanto, identidade subjetiva bilateral. Igual raciocínio deve ser aplicado à reconvenção em sede de ação anulatória. A pretensão deduzida pela parte autora é direcionada à autarquia ambiental, que não pode, então, reconvir apresentando pretensão em nome de outrem, da sociedade, agindo como substituto processual, pois haveria alteração na qualidade jurídica de parte do IBAMA. Assim, ausente o pressuposto processual de constituição válida do processo, a extinção do procedimento é medida que se impõe. Ante o exposto, indefiro a reconvenção. Sem custas ou honorários advocatícios, por força da Lei n.º 7.347/85. 2. Mérito A Lei n.° 9.873/99, que estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta, preceitua o seguinte: Art. 1o Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. § 1o Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso. § 2o Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal. Redação similar contém o artigo 21 do Decreto Federal n.° 6.514/08, o qual estabelece que “prescreve em cinco anos a ação da administração objetivando apurar a prática de infrações contra o meio ambiente, contada da data da prática do ato, ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que esta tiver cessado”. O § 3º do referido artigo dispõe, igualmente, que nos casos em que a infração também configurar crime, o prazo prescricional será o previsto na lei penal. Senão, veja-se: Art. 21. Prescreve em cinco anos a ação da administração objetivando apurar a prática de infrações contra o meio ambiente, contada da data da prática do ato, ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que esta tiver cessado. § 1o Considera-se iniciada a ação de apuração de infração ambiental pela administração com a lavratura do auto de infração. § 2o Incide a prescrição no procedimento de apuração do auto de infração paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação. (Redação dada pelo Decreto nº 6.686, de 2008). § 3o Quando o fato objeto da infração também constituir crime, a prescrição de que trata o caput reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal. § 4o A prescrição da pretensão punitiva da administração não elide a obrigação de reparar o dano ambiental. (sem grifos no original) Deste modo, quando a conduta capitulada no auto de infração configurar crime, o prazo de prescrição da pretensão punitiva da Administração Pública será o estabelecido no artigo 109 do Código Penal, de acordo com a pena em abstrato estabelecida para o tipo penal correspondente. Nesse sentindo, Nicolao Dino Neto (2011): Inicialmente, há que se notar que a prescrição da ação punitiva da administração rege-se pelo disposto na Lei 9.873/99. Nesse sentido, o art. 21, caput e § 3º, do Decreto 6.514/2008 reproduz as disposições do art. 1º, caput e §2º, da Lei 9.873/99, explicitando que prescreve em cinco anos a ação da administração objetivando apurar a prática de infrações contra o meio ambiente, contada da data da prática do ato, ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que esta tiver cessado. Tais diplomas normativos também assinalam que a prescrição será regida pelo prazo previsto na lei penal, quanto o fato objeto da infração também constituir crime. Considerando que grande parte das infrações administrativas ambientais coincide, quanto à descrição típica, com os crimes ambientais previstos na Lei 9.605/98, a prescrição da ação punitiva no plano administrativo será regida, em tais casos, pelo prazo previsto no Código Penal (art. 109). Nesse ponto, vale acentuar, ainda, que a adoção do prazo previsto na lei penal (CP, art. 109), nas hipóteses em que o fato também configurar crime, não se subordina à instauração de processo para a apuração do ilícito criminal, haja vista a independência entre as instâncias administrativa e penal. Trata-se tão somente de um juízo hipotético de verificação, cotejando o fato que constitui infração administrativa com o tipo legal atinente ao crime com a mesma moldura fática, para constatar a coincidência preconizada na lei e, consequentemente, aplicar-se o prazo prescricional fixado na lei penal. (NETO, Nicolao Dino. Crimes e Infrações Administrativas Ambientais. 3ª edição rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p.447, sem grifos no original) Quanto às causas interruptivas da prescrição, o artigo 2º da Lei n.° 9873/99 preceitua que a prescrição da ação punitiva da Administração Pública interrompe-se: “I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital; II - por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato; III - pela decisão condenatória recorrível. IV – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal”. No mesmo sentido o artigo 22 do Decreto Federal n.° 6.514/08, quando estabeleceu que o prazo prescricional em destaque é interrompido: “I - pelo recebimento do auto de infração ou pela cientificação do infrator por qualquer outro meio, inclusive por edital; II - por qualquer ato inequívoco da administração que importe apuração do fato; e III - pela decisão condenatória recorrível.” Especial atenção merece o inciso que diz que a prescrição da ação punitiva da Administração Pública será interrompida por qualquer ato inequívoco da administração que importe apuração do fato. Veja-se que não é qualquer ato praticado no curso do processo que terá o condão de provocar a dita interrupção. É diferente, portanto, da interrupção da prescrição intercorrente no processo administrativo de apuração da infração, pois esta se dá até quando proferido simples despacho nos autos, desde que efetivamente impulsione o procedimento para o seu julgamento final. Para configurar-se a interrupção da prescrição da ação punitiva estabelecida no caput do artigo 1º da Lei nº 9.873/99 e no artigo 21 do Decreto Federal nº 6.514/08, é preciso que o ato levado a efeito nos autos do processo administrativo tenha conteúdo relacionado à apuração do fato, ou seja, o ato processual deve implicar instrução do processo para cessar o prazo prescricional, segundo o artigo 22, inciso II do Decreto Federal nº 6.514/08. Quanto ao parecer jurídico, a Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da Procuradoria Geral Federal-CGCOB adota o entendimento de que não é qualquer parecer jurídico que tem o condão de interromper o prazo prescricional. Com efeito, pela leitura do artigo 121 do Decreto 6.514/2008 – “o órgão da Procuradoria-Geral Federal, quando houver controvérsia jurídica, emitirá parecer fundamentado para a motivação da decisão da autoridade julgadora” –, o parecer jurídico é destinado solucionar questões jurídicas aventadas no curso do processo, o que, via de regra, não importa necessariamente a apuração fática exigida para a interrupção do prazo prescricional com base no inciso II do artigo 2º da Lei nº 9873/99 (por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato). Vale citar, no ponto, um excerto da Orientação Jurídica Normativa nº 06/2009/PFE/IBAMA (revista, alterada e ampliada em janeiro de 2014), que dá conta do entendimento acima, adotado pela CGCOB, da qual a Procuradoria Especializada do IBAMA é vinculada: Dentre os atos (em espécie) que se enquadram na hipótese do artigo 2º, inciso II, da Lei nº 9.873 de 1999, a Procuradoria Federal Especializada junto ao Ibama – PFE/Ibama sempre incluiu o parecer jurídico. Mesmo com a nova sistemática inaugurada pela Instrução Normativa IBAMA nº 10 de 2012, o entendimento se manteve o mesmo. Isso, porque, na IN IBAMA nº 10 de 2012, a Procuradoria Federal só será chamada a emitir manifestação quando exista dúvida jurídica, cujo esclarecimento seja indispensável para decisão da Autoridade Julgadora, quer em primeiro grau, quer em instância recursal (artigos 8º, §2º, 79, 100, §2º, da IN IBAMA nº 10 de 2012). Embora o parecer jurídico, nesse novo cenário, não tenha o condão de analisar e valorar provas, ele conterá esclarecimento acerca de aspectos jurídicos envolvendo a autuação, sem o qual a Autoridade Julgadora não terá condições de decidir. Ocorre, contudo, que esse não é o entendimento da CGCOB, fato que torna obrigatória uma relativização do entendimento até então defendido no âmbito da Procuradoria Especializada. Explica-se: a CGCOB não nega a possibilidade de o parecer jurídico interromper o prazo prescricional, mas considera que, depois do advento da IN IBAMA nº 10 de 2012, a regra geral será a não interrupção do interstício temporal pela elaboração da manifestação jurídica. Em função da importância do tema, transcreve-se, ipsis litteris, o posicionamento jurídico da multireferida Coordenação-Geral da PGF: Nesse contexto (da IN IBAMA nº 10 de 2012 e do artigo 121 do Decreto nº 6.514 de 2008), os pareceres jurídicos da PFE/IBAMA não denotam qualquer medida apuratória de fato, eis que se prestam para solucionar dúvidas jurídicas, questões de direito controvertidas, sendo certo que da simples circunstâncias de a autoridade competente não ter condições de julgar sem a emissão do parecer jurídico não decorre, ipso facto, a existência de aspectos de apuração do fato aptos a ensejar a interrupção da prescrição da pretensão punitiva, conquanto seja causa suficiente para a interrupção da prescrição intercorrente. Impende elucidar que, pelo próprio propósito de revisão da Orientação Jurídica Normativa PFE/Ibama nº 06/2009, resta inviabilizada a formulação de orientação por esta Coordenação-Geral que abarque todas as situações fáticas existentes no âmbito da autarquia ambiental. Com isso objetiva-se deixar claro que, a rigor, somente o contexto fático poderá demonstrar a existência de medidas apuratórias de fato, o que teria a aptidão para interromper a prescrição da pretensão punitiva. Assim, em razão do próprio regramento trazido pela IN IBAMA nº 10/2012, o parecer jurídico – por não se tratar propriamente de ato que importe apuração do fato – não tem, regra geral, aptidão para interromper a prescrição da pretensão punitiva. Contudo, não se exclui a possibilidade de existir situações nas quais o parecer jurídico realmente importe apuração do fato – o que deve ser verificado a partir do caso concreto –, com o que se admitiria, em tese, a interrupção da prescrição com fulcro no próprio art. 2º, inc. II, da Lei nº 9.873/99, e art. 22, inc. II, do decreto nº 6.514/08. Acentue-se que a presente análise dá-se à luz da IN IBAMA nº 10/2012, o que parece ser o propósito da própria consulente (sem negrito no original). Por fim, cabe pontuar que, embora o exercício de atividade ilegal possa se enquadrar no conceito de infração permanente, a lavratura do auto de infração e do termo de embargo pode ser entendida como um marco interruptivo do fato delimitado na autuação, inaugurando o transcurso do prazo prescricional para que a administração exerça sua pretensão sancionadora. Eventual verificação, em futura fiscalização, do exercício de atividade sem licença no mesmo local configura uma nova infração sujeita à imposição de nova multa, também sujeita a novo prazo de prescrição, não representando a continuidade da infração anterior para o fim de análise prescricional. No caso vertente, a conduta da parte autora amolda-se ao crime previsto no artigo 50 da Lei n.° 9.605/98, a seguir reproduzido: Art. 50. Destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. A pena máxima abstratamente prevista para o tipo penal é de um ano, correspondendo ao prazo prescricional de quatro anos, conforme previsão do artigo 109, inciso V, do Código Penal. O prazo da lei penal somente incidiria na hipótese de a prescrição superar o prazo de cinco anos previsto na Lei n.° 9.873/99, o que não ocorreu, de modo que deve ser aplicada a prescrição quinquenal. Os seguintes atos podem ser observados no processo administrativo (ID 2144391505): Lavratura do Auto de Infração em 09/06/2017; Comunicação das autuações ao Ministério Público e à SEMA/MT em 22/06/2017; Apresentação de defesa administrativa pelo autuado em 29/06/2017; Despacho de encaminhamento processual em 07/07/2017; Despacho de encaminhamento processual em 26/09/2019; Despacho de encaminhamento processual em 04/01/2021; Relatório de análise instrutória em 27/10/2021 sem efetiva instrução probatória; Requerimento de extração de cópia formulado pela advogada em 26/09/2022; O único marco interruptivo da prescrição concretizou-se com a notificação do autuado. Depois dessa data, transcorreram mais de cinco anos sem que tenha havido nova causa interruptiva, sendo certo que a remessa do processo de um setor para o outro e a manifestação instrutória – sem a efetiva instrução –, não se enquadram nas hipóteses previstas no artigo 2º da Lei n.º 9873/99 e no artigo 22 do Decreto Federal n.º 6.514/08. Dado que transcorreram mais de cinco anos desde a causa interruptiva e que a infração cometida pelo autuado não implica a imposição de prazo prescricional superior, está configurada a prescrição da pretensão sancionadora da administração. Quanto ao embargo, há muito tenho decidido que a prescrição do processo administrativo não tem o condão de, isoladamente, autorizar o levantamento do embargo ou os autos de apreensões lavrados. O embargo ou a apreensão têm autonomia em relação à multa, apresentando função que não se confunde com a natureza eminentemente punitiva da sanção pecuniária. De acordo com Delton Carvalho, “não são todas as sanções administrativas ambientais que se caracterizam como verdadeiras sanções administrativas, no caráter exclusivamente punitivo ou sancionador”. Segundo o referido jurista, “há, no sistema previsto no art. 72 da Lei 9.605/65, também medidas de natureza cautelar ou de polícia”, que “visam a evitar que o dano ambiental se consume ou se agrave” (CARVALHO, Delton. Prática e Estratégia – Gestão Jurídica Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020[1]) O embargo e a apreensão são, nessa perspectiva, medidas eminentemente acautelatórias, preventivas, da qual a Administração lança mão, no exercício de seu poder de polícia, com o objetivo de evitar o prolongamento de ação lesiva ao meio ambiente proveniente de atividade sem autorização ou em desacordo com ela. É o que diz claramente o artigo 101, §1º, do Decreto 6.514/08, segundo o qual medidas de polícia, tais como apreensão, embargo, suspensão da atividade, “têm como objetivo prevenir a ocorrência de novas infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo”. A finalidade dessas medidas administrativas é de prevenção ou recuperação do dano, portanto, razão pela qual não podem se sujeitar ao mesmo regime de aplicação da multa administrativa, a qual é, aliás, a única sanção elencada no rol do artigo 72 da Lei n. º 9605/98 cuja finalidade é meramente punitiva/sancionadora. Diante dessa perspectiva, enquanto existente a situação que exija, por cautela, a suspensão ou embargo da atividade, este deve permanecer incólume. Admitir que o embargo possa ser levantado sem que aconteçam, na prática, os objetivos a que ele visa resguardar é tornar letra morta o artigo 101, §1º, do Decreto 6.514/08, já citado. E a situação de cautela, quando a infração envolve desmatamento, destruição de vegetação nativa ou exercício de atividade potencialmente poluidora sem licença, se mantém enquanto não regenerada a vegetação nativa, que corresponde à reparação in natura da área degradada, ou enquanto não corrigida a irregularidade com a adoção das medidas previstas na legislação ambiental perante o órgão ambiental competente. A leitura sistemática da legislação de regência leva a essa conclusão, pois, enquanto a extinção ou suspensão da multa se submete a condições específicas, o levantamento do embargo está necessariamente vinculado à obrigação de regularizar o dano ambiental, conforme dicção do artigo 15-B do Decreto 6.514/08, o qual dispõe que “A cessação das penalidades de suspensão e embargo dependerá de decisão da autoridade ambiental após a apresentação, por parte do autuado, de documentação que regularize a obra ou atividade”. Pensar o contrário seria admitir que o simples decurso do tempo fosse capaz de afastar a proteção ambiental administrativa sobre área degradada, legitimando, com isso, a manutenção do dano ad eternum. Basta pensar no exemplo prático de um restaurante que tem suas atividades embargadas pela vigilância sanitária em razão de sua estrutura irregular resultando em produtos impróprios para o consumo. Não é admissível que o decurso do tempo, por si só, tenha o condão de liberar a atividade irregular do restaurante. Do mesmo modo, basta pensar que um estabelecimento embargado por risco de incêndio possa retomar suas atividades sem corrigir o risco porque eventualmente prescrita a cobrança da multa. Vale citar mais um exemplo: seria inadmissível que uma barragem de mineração embargada por risco de rompimento tivesse o embargo levantando – o que, na prática, libera a empresa para continuar suas atividades – sem correção das irregularidades tão só com fundamento no decurso do tempo. Carlos Maximiliano já advertia em seu livro Hermenêutica e Aplicação do Direito que “deve ser o direito interpretado inteligentemente, não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniência, vá ter conclusões inconsistentes ou impossíveis” (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1997, pág. 166). Em conclusão, ainda que esteja prescrita a pretensão administrativa em relação à multa, é legítima a permanência do embargo ou as apreensões enquanto não adotadas, pelo infrator, as medidas necessárias à regularização da área ou da atividade na forma da legislação de regência. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, extinguindo o processo com resolução de mérito, consoante artigo 487, inciso I, do CPC, para declarar a inexigibilidade da multa imposta por meio do auto de infração n. 9142667/E, diante da ocorrência da prescrição punitiva, e manter os efeitos do do termo de embargo n. 751465/E. Defiro o pedido de tutela de urgência para determinar a suspensão dos efeitos do auto de infração n. 9142667/E. Intime-se o Gerente Executivo do IBAMA para cumprimento da tutela provisória em cinco dias. Comunique-se o relator do agravo de instrumento interposto pela parte autora. Custas divididas em igual proporção, sendo o IBAMA isento de sua parcela. Tendo em vista a sucumbência recíproca, condeno ambas as partes ao pagamento de honorários advocatícios fixados sobre o valor da causa, nos percentuais mínimos previstos nas faixas do artigo 85, §3º, do Código de Processo Civil, com fulcro no artigo 86 do mesmo diploma. Em caso de recurso, intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões. Em seguida, remetam-se os autos ao Tribunal, independentemente de novo despacho. Antes do trânsito em julgado, eventual pedido de providências sobre a tutela provisória deve ser feito em autos próprios, na forma do artigo 520 e § 5º do CPC. Com o trânsito em julgado, calculem-se as custas finais, caso devidas, e intime-se a parte vencida para pagamento. Em caso de não pagamento, fica, desde já, deferido o bloqueio via Sisbajud. Pagas as custas finais, arquivem-se os autos. Intimem-se. Sinop, datado e assinado eletronicamente. JUIZ FEDERAL DA 1ª VARA DA SSJ SINOP/MT [1] https://thomsonreuters.jusbrasil.com.br/doutrina/1198088730/pratica-e-estrategia-gestao-juridica-ambiental acesso em 12/04/2023

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Processo nº 1005363-89.2024.8.11.0013

ID: 278833396

Tribunal: TJMT Órgão: VARA ÚNICA DE BRASNORTE Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO Nº Processo: 1005363-89.2024.8.11.0013

Data de Disponibilização: 26/05/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

JADSON LUCINDO DA SILVA

Sentença

Advogados:

RENAN CALDAS MARTINS

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE BRASNORTE SENTENÇA Processo: 1005363-89.2024.8.11.0013 Classe judicial: Ação Penal Autor: Ministério Público do Estado de Mato Grosso Réu: Jadson … ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE BRASNORTE SENTENÇA Processo: 1005363-89.2024.8.11.0013 Classe judicial: Ação Penal Autor: Ministério Público do Estado de Mato Grosso Réu: Jadson Lucindo da Silva I — RELATÓRIO O Ministério Público do Estado de Mato Grosso ofereceu denúncia contra JADSON LUCINDO DA SILVA, imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos artigos 155, § 4º, incisos II e IV, 288, caput, e 311, § 2º, inciso III, todos do Código Penal. Consta na exordial acusatória, em síntese, que: “[...] Infere-se dos inclusos autos de inquérito policial que, em tempos anteriores e especificamente no mês de setembro de 2024, o denunciado Jadson Lucindo da Silva e dois indivíduos até então não identificados (Dentinho e Valdeir), associaram-se entre si, para o fim específico de cometer um crime de furto de uma carga de grãos. Apurou-se dos autos que o denunciado Jadson Lucindo da Silva é funcionário do indivíduo Jederson Gomes dos Santos, o qual contratou o increpado Jadson Lucindo da Silva para realizar o transporte de 50 toneladas de grãos de soja com destino a Paranaguá/PR, pertencentes à vítima Ricardo Scholl. Com efeito, registra-se que o denunciado abusou da confiança nele depositada para planejar o crime de furto, sobretudo por ser funcionário da empresa. Para tanto, no dia 27 de setembro de 2024, o denunciado Jadson foi até a cidade de Brasnorte/MT, onde no dia 29 de setembro de 2024, Jadson Lucindo da Silva realizou o carregamento do caminhão Scania/R 440 A6x4, cor azul, placa OBJ4076/RO com os grãos. Acontece que, durante o trajeto até o município de Cuiabá/MT, o denunciado Jadson Lucindo da Silva conduziu o caminhão carregado com os grãos, sendo escoltado pelos indivíduos até então não identificados (Valdecir e Dentinho), os quais conduziam um veículo TOYOTA/Corolla, cor preta. No dia seguinte, no estabelecimento conhecido como “Posto Marajó”, no município de Santo Antônio do Leverger, o indivíduo de epíteto “Dentinho” assumiu a direção do caminhão, o qual ficou responsável por dirigir o caminhão e furtar a carga, enquanto o denunciado Jadson, acompanhado do indivíduo “Valdeir” permaneceram no veículo TOYOTA/Corolla. A partir daí, os increpados subtraíram a carga do caminhão, consistente em 50 toneladas de soja e, após subtraírem a res furtivae, o denunciado Jadson Lucindo da Silva e os indivíduos até então não identificados retornaram ao Posto Marajó, onde o increpado Jadson assumiu novamente a direção do caminhão e o conduziu até o estabelecimento comercial conhecido como “Posto Caramujo”, local onde começaram a planejar a simulação do furto da carga. Com o fito de despistar a fiscalização policial, os indivíduos até então não identificados trocaram as placas dos reboques do caminhão, oportunidade em que o denunciado Jadson Lucindo da Silva consciente da adulteração/alteração passou a conduzilo. Então, o denunciado Jadson Lucindo da Silva conduziu o caminhão adulterado/alterado vazio até o município de Pontes e Lacerda/MT e, por volta das 08h00min do dia 01 de outubro de 2024, foi até a Delegacia de Polícia de Pontes e Lacerda/MT, onde registrou um Boletim de Ocorrência, informando ter sido vítima de um crime de roubo de uma carga de soja que transportava. Durante seu depoimento, o denunciado Jadson Lucindo da Silva apresentou diversas contradições, sendo confrontado pelos policiais, quando confessou ter praticado o furto da carga com dois outros comparsas (Dentinho e Valdecir). Por conta disso, uma equipe da Polícia Rodoviária Federal foi acionada, oportunidade em que dirigiram-se até o local e constataram que o caminhão apresentava sinais de adulteração na placa de identificação, assim como no chassi, a fim de se esquivar da fiscalização (Boletim de Ocorrência, id. 171758362). Merece relevo, o fato de que no semirreboque placa AKD8J29, foi observado inconsistências sobre a Placa de Identificação Veicular, pois o “QR Code” não retornava consultas e deveria ser parte da estampa da placa, além disso, constatou-se que ainda destoação de cor do local onde estava gravado a numeração do chassi, para o restante da carroceria, característica essa que pode sugerir enxerto de marcação. Por outro lado, com relação ao reboque de placa AKD8J22, observou-se que o “QR code” da placa retornava consulta para o veículo, cujo número do chassi é o mesmo do grafado na parte direita do veículo, contudo, tal como o outro semirreboque, este também apresentava desnivelamento e inclinação diferente entre seus números, e diferença de tom entre o local em que fora gravado para o restante da carroceria. [...]” O acusado foi preso em flagrante no dia 1.10.2024, tendo sido sua prisão convertida em preventiva, conforme Auto de Prisão em Flagrante n.º 1005232-17.2024.8.11.0013. A denúncia foi recebida em 15.10.2024, pelo Juízo da Comarca de Pontes e Lacerda/MT, oportunidade em que foi determinada a citação do acusado para apresentação de resposta à acusação (id. 172568890). Citado (id. 176616099), o denunciado apresentou resposta à acusação (id. 178031663), sendo, em seguida, designada audiência de instrução e julgamento (id. 180966786). Durante a instrução, foram inquiridas as testemunhas arroladas pelas partes e, ao final, procedeu-se ao interrogatório do réu (id. 183998185). Encerrada a fase instrutória, o Ministério Público apresentou alegações finais, requerendo a procedência da denúncia, sob o argumento de que os elementos colhidos nos autos comprovam a materialidade e a autoria dos crimes imputados (id. 185992406). A Defesa, por sua vez, quanto ao crime de furto qualificado (art. 155, § 4º, incisos II e IV, do CP), pleiteou o reconhecimento da participação de menor importância do réu, nos termos do art. 29, § 1º, do Código Penal. Em relação ao delito de associação criminosa (art. 288, caput, do CP), sustentou a absolvição por ausência de materialidade. No tocante ao crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor (art. 311, § 2º, inciso III, do CP), requereu a absolvição ante a suposta ausência de autoria ou participação. Subsidiariamente, em caso de condenação, pleiteou pelo reconhecimento da atenuante da confissão e a fixação do regime semiaberto para o início do cumprimento da pena. Na sequência, o Juízo da Comarca de Pontes e Lacerda reconheceu, de ofício, a incompetência para o processamento e julgamento da presente ação penal, ao fundamento de que os fatos apurados tiveram início nesta Comarca, motivo pelo qual declinou da competência em favor deste Juízo (id. 188368987). Vieram os autos conclusos para sentença. É o relatório. Passo a fundamentar e decidir. II — FUNDAMENTAÇÃO De início, cumpre salientar que os autos foram regularmente remetidos a este Juízo, após o reconhecimento, de ofício, da incompetência pelo Juízo da Comarca de Pontes e Lacerda/MT, diante da constatação de que os fatos delituosos tiveram início nesta Comarca de Brasnorte, tendo a instrução processual sido integralmente realizada perante o juízo declinante, com observância do devido processo legal, razão pela qual RATIFICO todas as decisões e atos de instrução produzidos, encontrando-se, os autos, em condições de imediato julgamento. Por estas mesmas razões, REVOGO a decisão de id. 194187264, pois desnecessária ao deslinde do feito. Assim, inexistindo preliminares a serem apreciadas, passo à análise do mérito da ação penal, lembrando, sempre, que a sentença penal condenatória exige a certeza quanto à materialidade e à autoria dos delitos imputados. II.1 — Do crime de furto qualificado O artigo 155, § 4º, do Código Penal, tipifica o crime de furto qualificado como a subtração de coisa alheia móvel, para si ou para outrem, mediante circunstâncias que agravam a conduta, tais como destruição ou rompimento de obstáculo à subtração, abuso de confiança, fraude, escalada, destreza, uso de chave falsa ou concurso de duas ou mais pessoas, prevendo pena de reclusão de dois a oito anos, além de multa. A norma tem por finalidade a proteção da propriedade e da posse legítima que compõem o patrimônio das pessoas, buscando preservar a estabilidade das relações patrimoniais e assegurar a confiança social na inviolabilidade dos bens alheios. No caso dos autos, a materialidade delitiva restou devidamente demonstrada por meio dos elementos constantes nos autos, notadamente o auto de prisão em flagrante (id. 171758359), o boletim de ocorrência (id. 171758361), o termo de exibição e apreensão (id. 171758364), o inquérito policial (id. 171758744) e os depoimentos colhidos em juízo, os quais atestam a subtração da carga de grãos. A autoria, por sua vez, encontra-se satisfatoriamente comprovada pelos depoimentos dos policiais responsáveis pela ocorrência (ids. 171758366 e 171758367), colhidos em sede policial e posteriormente confirmados em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, sendo ainda reforçada pela confissão espontânea do réu, prestada tanto na fase inquisitorial (id. 171758370) quanto em audiência de instrução, o que afasta qualquer dúvida razoável quanto à prática do delito de furto qualificado pelo acusado. Vejamos: JOÃO PEDRO VALDAMERI, funcionário da empresa proprietária dos grãos, relatou que a empresa havia contratado uma transportadora denominada “Pactos” para realizar uma operação de entrega de cerca de cinquenta toneladas de soja com destino à cidade de Paranaguá/PR, para exportação. Sobre os fatos, narrou que a referida transportadora subcontratou um entregador para realizar a entrega, sendo a carga carregada na unidade da cidade de Brasnorte/MT, em um caminhão com duas carretas engatadas, com destino ao porto de Paranaguá/PR. Contudo, disse que, em determinado momento do trajeto, a carga parou em Cuiabá e foi desviada, não chegando ao seu destino. Quando questionado pela representante do Ministério Público sobre a existência de rastreamento no caminhão, respondeu que não havia, informando que a responsabilidade pela carga era da transportadora e que, ao perceberem que algo estava errado, entraram em contato com a empresa contratada para averiguar o ocorrido. Sobre o prejuízo, disse que foi necessário adquirir nova carga para cumprir o contrato, sem que houvesse restituição do valor correspondente, o que gerou prejuízo à empresa. LIDIANE FÁTIMA GOMES MOREIRA, investigadora de polícia, relatou que estava de plantão no dia dos fatos quando o acusado compareceu à delegacia para registrar boletim de ocorrência. Durante a elaboração do registro, disse que notou que o acusado estava com pressa e muito calmo, o que lhe causou estranheza, considerando a gravidade dos fatos que ele dizia ter sofrido. Contou que, ao longo da confecção do boletim, percebeu que o acusado apresentava contradições em sua narrativa, o que gerou dúvidas sobre a veracidade da história, razão pela qual informou ao delegado, que passou a ouvi-lo formalmente. GUILHERME CAMPOMAR DA ROCHA, delegado de polícia, relatou que estava de plantão no dia dos fatos quando o acusado compareceu à delegacia solicitando o registro de boletim de ocorrência, afirmando ter sido vítima de roubo de carga na cidade de Várzea Grande/MT. Narrou que: “segundo a narrativa contada por ele, ele havia carregado um caminhão com aproximadamente cinquenta toneladas de soja no município de Brasnorte e estaria se deslocando com esse caminhão para o porto de Paranaguá/PR; quando estava deslocando para Paranaguá, ali em torno de Cuiabá - Várzea Grande, ele teria sido abordado por um veículo e os indivíduos teriam feito ele descer do veículo, colocado ele em cárcere privado e no outro dia teriam saído com o caminhão; segundo ele contou, ele teria passado a noite em cárcere privado em poder desses criminosos e teria sido liberado entre o município de Cáceres e o município de Mirassol; segundo ele contou, depois que foi libertado do cárcere, solicitou ajuda de algumas pessoas e não teria conseguido; chegando no posto de combustível, conseguiu ajuda de uma pessoa, que ele não conseguiu indicar quem era, e teria entrado em contato com o patrão dele, que teria visto, pelo GPS do caminhão, que, coincidentemente e de forma inexplicável, estava ali próximo também; ele teria ido até o caminhão, conduzido até próximo ao município, teria dormido e, no outro dia, teria vindo até Pontes e Lacerda para registrar esse boletim de ocorrência” (transcrição literal). Contou que, a partir desse momento, pela experiência da equipe, já perceberam indícios de que a história poderia ser falsa, mas até então o acusado era ouvido na condição de comunicante. Disse que, à medida que o acusado narrava os fatos, inconsistências foram sendo percebidas e, ao entrar em contato com a esposa dele, esta apresentou versões divergentes. Durante a oitiva, o acusado confessou que a história era inverídica, afirmando: “acabou confessando que a história não era aquela, que, na verdade, ele, com outras duas pessoas, que ele não soube identificar, teriam planejado nos dias anteriores o furto dessa carga de cinquenta toneladas de soja; o Jadson teria carregado o caminhão no município de Brasnorte e, enquanto se deslocava para Paranaguá, já combinado com esses dois indivíduos, parou o veículo nas proximidades de Várzea Grande, desceu do caminhão e outro indivíduo pegou o caminhão e levou até outro lugar; o Jadson, junto com o outro indivíduo, teria aguardado no veículo enquanto o comparsa descarregava em um armazém próximo da região metropolitana; depois, teria devolvido o caminhão para ele, que então retornou até Pontes e Lacerda com o intuito de registrar falsamente esse boletim de ocorrência, para evitar a responsabilização na esfera cível e criminal; segundo Jadson falou, ele receberia dez mil reais pela participação dele no furto dessa carga de soja” (transcrição literal). Disse que, diante disso, foi dada voz de prisão em flagrante ao acusado. Questionado pela Defesa sobre as contradições observadas, respondeu que se referiam a divergências quanto ao local do suposto roubo e à desconexão da narrativa com a dinâmica dos fatos. ANDRÉ MANHANI DE CARVALHO, policial civil, relatou que o acusado compareceu à delegacia para registrar ocorrência de roubo e cárcere privado. Disse que, desde o início, percebeu incongruências na narrativa e, por isso, deu início a diligências para verificar a veracidade dos fatos. Contou que, ao consultar o sistema a partir da placa do caminhão, constatou que o trajeto narrado não correspondia à realidade. Além disso, em contato com a esposa do acusado, surgiram novas inconsistências, razão pela qual o interrogou como investigado. Em determinado momento, o acusado: “Resolveu confessar o que havia acontecido; segundo o Jadson, ele havia, junto com ‘Dentinho’ e ‘Valdecir’, decidido furtar essa carga, que tinha sido carregada em Brasnorte; eles tomaram a condução do caminhão lá no município de Jangada, onde ele tinha falado que havia sido sequestrado, e essa carga tinha sido destinada ao galpão na cidade de Cuiabá; após isso, eles trouxeram o Jadson, onde passaram a simular o suposto roubo dessa carga; [...] ele falou que receberia o valor de dez mil reais [...]” (transcrição literal). Quando interrogado em juízo, JADSON LUCINDO DA SILVA confessou que a primeira versão apresentada à autoridade policial era falsa, admitindo que foi contratado pelas pessoas conhecidas como “Dentinho” e “Valdecir” para participar do furto. Narrou que saiu com o caminhão de Vilhena/RO, carregou a carga em Brasnorte/MT e, ao chegar em Cuiabá/MT, entregou o caminhão a “Dentinho”, que o levou para descarregar em um armazém. Questionado pelo Ministério Público sobre o motivo de ter registrado o boletim de ocorrência em Pontes e Lacerda, afirmou: “desde o começo era para ter registrado em Cuiabá, mas de última hora eles (Dentinho e Valdecir) falaram que era para registrar em Pontes e Lacerda” (transcrição literal). Ainda, afirmou não saber a quem a carga foi entregue nem o local exato em que foi descarregada. Considerando o acervo probatório reunido, é possível concluir que o acusado foi contratado para transportar uma carga de soja do município de Brasnorte/MT para Paranaguá/PR, mas, durante o trajeto, parou o caminhão nas proximidades da cidade de Cuiabá/MT e, com o auxílio de dois indivíduos identificados como “Dentinho” e “Valdecir”, subtraiu integralmente a carga, que foi descarregada em local não identificado. Na sequência, o acusado deslocou-se até Pontes e Lacerda/MT, onde, com o intuito de encobrir a prática delitiva, apresentou falsa comunicação de roubo à autoridade policial, alegando ter sido vítima de sequestro e subtração da carga por terceiros. A versão, contudo, foi prontamente desmentida pela equipe da Polícia Civil, que identificou as contradições na narrativa e efetuou sua prisão em flagrante delito. Diante da dinâmica dos fatos apurada nos autos, constata-se que a conduta do acusado amolda-se ao crime de furto qualificado pelo concurso de pessoas, previsto no artigo 155, § 4º, inciso IV, do Código Penal, uma vez que, embora estivesse autorizado ao transporte da carga, subtraiu, com o auxílio de outros dois indivíduos, grãos de soja que não lhe pertenciam, desviando-os de sua destinação legítima e descarregando-os em local incerto, sem autorização do proprietário, sendo que a posse precária que detinha em razão do transporte foi desvirtuada de forma dolosa e consciente para a prática do crime, caracterizando a subtração. O enquadramento mais gravoso justifica-se diante da atuação conjunta de três pessoas na execução da prática delituosa: o acusado e dois indivíduos não identificados, referidos nos autos pelas alcunhas de “Dentinho” e “Valdecir”, os quais, segundo o próprio réu, participaram ativamente da empreitada criminosa. Embora apenas o acusado tenha sido formalmente identificado e processado, sua confissão judicial, corroborada pelas demais provas dos autos, permite reconstruir com clareza a divisão de tarefas entre os envolvidos, tendo ele conduzido o caminhão até o ponto de encontro previamente combinado, onde um dos comparsas assumiu a direção do veículo e efetuou o descarregamento da carga em local não identificado, enquanto o outro forneceu o caminhão e permaneceu no veículo de apoio com o acusado, aguardando a conclusão da subtração para, em seguida, viabilizar a simulação de roubo posteriormente comunicada à autoridade policial. Em que pese o reconhecimento da qualificadora pelo concurso de pessoas, não há nos autos elementos suficientes para o enquadramento da conduta também sob a qualificadora do abuso de confiança, conforme exposto na denúncia, razão pela qual tal circunstância deve ser afastada. Explico. A qualificadora do abuso de confiança, prevista no artigo 155, § 4º, inciso II, do Código Penal, exige, para sua incidência, a existência de um vínculo prévio entre o agente e a vítima, apto a gerar um legítimo sentimento de segurança e expectativa de lealdade, cuja ruptura configura o desvalor da conduta. Nesse contexto, a confiança deve ser concreta, identificável e suficientemente sólida a ponto de justificar certo relaxamento da vigilância por parte da vítima, pois o abuso pressupõe sempre um excesso, um desvio consciente de conduta que, em regra, se revela especialmente reprovável. Segundo a doutrina de Cleber Masson: “É imprescindível seja a confiança necessária ou quase necessária, não se podendo ter em conta (para reconhecimento da qualificativa) a que é captada ardilosamente, pois, então, o que se apresenta é o furto qualificado pela fraude. A qualificadora pressupõe dois requisitos: (a)a vítima tem que depositar, por qualquer motivo (amizade, parentesco, relações profissionais etc.), uma especial confiança no agente; e (b)o agente deve se aproveitar de alguma facilidade decorrente da confiança nele depositada para cometer o crime.” (MASSON, Cleber. Direito Penal - Parte Especial (arts. 121 a 212) - Vol. 2 - 18ª Edição 2025. 18. ed. Rio de Janeiro: Método, 2025. E-book. p.354) (g.n). No caso concreto, embora o acusado tenha sido contratado para realizar o transporte da carga, não há qualquer indicativo de que existisse um vínculo pessoal ou de especial credibilidade entre ele e a empresa proprietária dos grãos. Conforme esclarecido em juízo, a contratação foi intermediada por uma transportadora, que apenas subcontratou o réu, sem que houvesse qualquer relação direta entre ele e a vítima. Além disso, não há nos autos qualquer elemento que comprove que essa contratação tenha se baseado em referências pessoais, recomendações ou vínculos anteriores que pudessem justificar a expectativa de confiança ou lealdade. Nesse compasso, Cleber Masson também esclarece que: “A mera relação empregatícia, por si só, não é assaz para caracterizar o abuso de confiança. A análise deve ser feita no caso concreto, no sentido de restar provado que o empregador dispensava menor vigilância sobre seus pertences, como consectário da confiança depositada no empregado. Mas não se exige seja antigo o vínculo empregatício, isto é, a qualificadora pode ser imputada a um empregado recém-contratado, especialmente nas hipóteses em que sua contratação se fundou em referências e indicações de pessoas conhecidas da vítima. Na esteira da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: Estando comprovada a relação de confiança entre a empregada doméstica e a vítima que a contrata – seja pela entrega das chaves do imóvel ou pelas boas referências de que detinha a acusada – cabível a incidência da qualificadora “abuso de confiança” para o crime de furto. Ao empregado doméstico, contudo, se não for comprovado o abuso de confiança, afastando-se a qualificadora, incidirá residualmente a agravante genérica prevista no art. 61, inciso II, f, do Código Penal (“prevalecendo-se de relações domésticas”). A agravante genérica, entretanto, não poderá ser aplicada conjuntamente com a qualificadora, em face da proibição do bis in idem (dupla punição pelo mesmo fato). Mas não basta a confiança. Imperioso é que o sujeito, ao executar o delito, se valha de alguma facilidade proporcionada pela confiança que a vítima especialmente nele depositava. Destarte, se malgrado a relação de confiança, o agente comete o crime de uma forma pela qual qualquer outra pessoa poderia ter praticado (exemplo: empregada doméstica que, mesmo tendo livre acesso à residência da vítima, pula o muro e comete o furto da bicicleta que estava na garagem quando o imóvel estava vazio), não incidirá a qualificadora em apreço.” (MASSON, Cleber. Direito Penal - Parte Especial (arts. 121 a 212) - Vol. 2 - 18ª Edição 2025. 18. ed. Rio de Janeiro: Método, 2025. E-book. p.354) (g.n). Dessa forma, não se evidencia nos autos o rompimento de vínculo de credibilidade apto a configurar o abuso de confiança, uma vez que a conduta do acusado não decorreu de qualquer relação pessoal ou profissional que legitimasse expectativa especial de lealdade por parte da empresa-vítima. Ao contrário, trata-se de uma situação que poderia ter envolvido qualquer prestador de serviço eventual ou transportador subcontratado, em condição equivalente, o que afasta a incidência da referida qualificadora. No que se refere à tese defensiva de que a participação do acusado teria sido de menor importância, nos termos do § 1º do artigo 29 do Código Penal, não há respaldo no conjunto probatório que justifique sua aplicação, uma vez que os elementos demonstram que o réu teve atuação decisiva para o sucesso da empreitada criminosa, sendo o responsável direto pela condução da carga desde o ponto de origem até o local de encontro com os comparsas, viabilizando não apenas a subtração, como também a posterior falsa comunicação de roubo. Ainda que o acusado tenha alegado não ter sido o idealizador do plano, sua contribuição foi indispensável à execução do delito, exercendo função logística central que possibilitou a consumação do furto. Nessas circunstâncias, não se verifica uma atuação secundária, acessória ou irrelevante, mas sim essencial e determinante, incompatível com a incidência da causa de diminuição pleiteada. Assim, a conduta do acusado revela-se típica, ilícita e culpável, razão pela qual é de rigor a sua condenação pelo crime de furto qualificado pelo concurso de pessoas, nos termos do artigo 155, § 4º, inciso IV, do Código Penal. II.2 — Do crime de Associação Criminosa O crime de associação criminosa, previsto no artigo 288 do Código Penal, caracteriza-se pela associação de três ou mais pessoas com o objetivo específico de praticar crimes, sendo punido com pena de reclusão de um a três anos. O tipo penal, reformulado com a entrada em vigor da Lei n.º 12.850/2013, tem como finalidade proteger a paz pública, ao coibir a formação de grupos estáveis e minimamente organizados voltados à prática de crimes, ainda que nenhuma infração penal venha a se concretizar. Na hipótese dos autos, embora os elementos colhidos, tanto na fase policial quanto em juízo, indiquem que houve a união de três indivíduos, sendo o acusado acompanhado de duas pessoas não identificadas, conhecidas pelos apelidos “Dentinho” e “Valdecir”, para o planejamento e execução do crime de furto da carga de soja, tal circunstância, por si só, não é suficiente para a configuração do delito de associação criminosa. Isso porque, além da presença de três ou mais pessoas, o tipo penal exige um vínculo associativo estável e permanente, voltado à prática de crimes indeterminados, o que pressupõe um grau mínimo de organização com continuidade no propósito delitivo, indo além de um simples ajuste ocasional para a realização de um crime específico. A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento no sentido de que: “Para a caracterização do delito previsto no art. 288 do Código Penal é necessário que, além da reunião de mais de três pessoas, seja indicado, na denúncia, o vínculo associativo permanente para a prática de crimes; vale dizer é impositivo que haja a descrição da predisposição comum de meios para a prática de uma série indeterminada de delitos e uma contínua vinculação entre os associados com essa finalidade” (RHC n. 139.465/PA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 31/8/2022.) (g.n). No mesmo sentido, a doutrina de Cleber Masson esclarece que: “No art. 288 do Código Penal é imprescindível o vínculo associativo, revestido de estabilidade e permanência, entre seus integrantes. Em outras palavras, o acordo ilícito entre três ou mais pessoas deve versar sobre uma duradoura, mas não necessariamente perpétua, atuação em comum, no sentido da realização de crimes indeterminados ou somente ajustados quanto à espécie, que pode ser de igual natureza ou homogênea (exemplo: furtos), ou ainda de natureza diversa ou heterogênea (exemplo: furtos, estelionatos e apropriações indébitas), mas nunca no tocante à quantidade. Exemplo: cinco pessoas se unem, sem previsão de data para a dissolução do agrupamento, visando a concretização de furtos de automóveis no estado do Ceará. Ausente esse vínculo associativo, a união de três ou mais indivíduos para a prática de um ou mais crimes caracteriza o concurso de pessoas (coautoria ou participação), nos moldes do art. 29, caput, do Código Penal. Exemplo: cinco pessoas se reúnem para furtar dois automóveis em Salvador. Alcançado o objetivo, os veículos são vendidos, reparte-se o dinheiro arrecadado e os sujeitos retornam cada um às suas vidas.” (MASSON, Cleber. Direito Penal - Parte Especial - (arts. 213 a 359-t) - Vol. 3 - 15ª Edição 2025. 15. ed. Rio de Janeiro: Método, 2025. E-book. p.354.) No caso, o próprio acusado confirmou que, aproximadamente três dias antes dos fatos, ajustou com outros dois indivíduos a prática do furto da carga de soja, narrando em juízo que: “o plano era chegar, carregar o caminhão, levar ele para Cuiabá; depois que ele me entregasse o caminhão, registrar o boletim de ocorrência; e o dinheiro já estaria na conta” (transcrição). Essa narrativa, não confrontada por outros elementos de prova, evidencia que, embora a conduta tenha sido planejada e executada de forma coordenada, teve por finalidade apenas viabilizar a subtração da carga e encobrir o furto, sem revelar qualquer união estável e permanente voltada à prática de outros crimes. Ademais, os depoimentos colhidos em juízo do delegado GUILHERME CAMPOMAR DA ROCHA e do investigador ANDRÉ MANHANI DE CARVALHO indicam que não foram realizadas diligências investigativas voltadas à apuração da participação dos demais envolvidos ou da eventual existência de uma associação criminosa, tendo ambos confirmado que a atuação policial se restringiu à conclusão do inquérito com base na confissão prestada pelo acusado, segundo a qual o plano foi arquitetado e executado em conjunto com outros dois indivíduos, de modo que não há elementos suficientes para demonstrar a estabilidade ou a continuidade exigidas para a configuração do vínculo associativo previsto no tipo penal. Nessas condições, o que se constata é a presença de um típico concurso de pessoas, caracterizado pela colaboração entre dois ou mais indivíduos para a prática de um crime determinado, nos moldes do artigo 29 do Código Penal — elemento, inclusive, já reconhecido como qualificadora no delito de furto —, e não a incidência do crime de associação criminosa, cuja tipificação exige vínculo estável e voltado à prática de múltiplas infrações penais. Diante da ausência dos requisitos legais, impõe-se a absolvição do acusado quanto à imputação prevista no artigo 288 do Código Penal. III.3 – Do crime de adulteração de sinal identificador de veículo O artigo 311, § 2º, inciso III, do Código Penal, tipifica a conduta daquele que adquire, recebe, transporta, conduz, oculta, mantém em depósito, desmonta, monta, remonta, vende, expõe à venda, ou de qualquer forma utiliza, em proveito próprio ou alheio, veículo automotor, elétrico, híbrido, de reboque, semirreboque ou suas combinações ou partes, com número de chassi ou monobloco, placa de identificação ou qualquer sinal identificador veicular que devesse saber estar adulterado ou remarcado, cominando pena de reclusão de três a seis anos, além de multa. A norma configura hipótese de delito acessório, uma vez que pressupõe a prévia adulteração, remarcação ou supressão de sinal identificador veicular, tal como descrito no caput do referido dispositivo, exigindo-se, para sua configuração, que o agente não seja o responsável pela adulteração originária, mas sim aquele que, em momento posterior, utiliza o veículo ou suas partes já adulteradas, em proveito próprio ou alheio. No presente caso, a materialidade e a autoria delitivas encontram-se satisfatoriamente demonstradas pelo conjunto probatório reunido nos autos, com destaque para o auto de prisão em flagrante (id. 171758359), o boletim de ocorrência (id. 171758362), o termo de exibição e apreensão (id. 171758364), o depoimento do policial responsável pela ocorrência (id. 171758366), o termo de interrogatório do acusado em sede policial (id. 171758370), o laudo pericial de identificação veicular (id. 183996070) e, sobretudo, a prova oral colhida em juízo, que corrobora de forma consistente os demais elementos. Vejamos: O delegado GUILHERME CAMPOMAR DA ROCHA, relatou em juízo que, após a confissão do acusado acerca do furto da carga e da troca de placas, solicitou apoio da Polícia Rodoviária Federal para inspeção do veículo, ocasião em que foram constatadas irregularidades nos sinais identificadores. O investigador ANDRÉ MANHANI DE CARVALHO, afirmou que percebeu, ainda durante o atendimento na delegacia, indícios de adulteração na placa do semirreboque, o que foi confirmado pelo próprio acusado, que informou que as placas haviam sido trocadas. Disse que, após essa constatação, o delegado acionou a PRF, que, após vistoria, confirmou a presença de adulterações e recomendou o encaminhamento do veículo para perícia técnica. O policial rodoviário federal VALDEMAR JÚNIOR confirmou que a PRF foi acionada pela Polícia Civil para realizar a vistoria, tendo sido verificado, entre outras irregularidades, que uma das placas estava com adesivo e que havia indícios de alteração nos sinais identificadores. O policial rodoviário federal RAY HANAUER ÁVILA, por sua vez, relatou que, ao ser acionado para vistoria técnica, constatou a existência de QR Code adesivado e desnivelamento nos números de chassi dos semirreboques, recomendando formalmente a realização de exame pericial. De forma convergente, o também policial rodoviário federal CLOVIS ROBERTO PEREIRA declarou que participou da identificação do conjunto veicular (caminhão-trator e dois semirreboques) e que, nas carretas, verificaram-se inconsistências no QR Code da placa, além de irregularidades nos números de chassi e dos eixos. As testemunhas JEDERSON GOMES DOS SANTOS e DANIELE COSTA PAIÃO, ex-proprietários do caminhão e dos semirreboques, respectivamente, afirmaram apenas que os veículos já haviam sido vendidos na época dos fatos e que desconheciam qualquer detalhe sobre o ocorrido. O próprio acusado, em juízo, confirmou que, após se encontrar com os demais comparsas, houve troca das placas do semirreboque. Em suas palavras: “[...] nos encontramos; eles chegaram de carro e me acompanharam até a cidade de Diamantino, onde eu e eles dormimos; de Diamantino até Cuiabá, o Dentinho foi comigo dentro da cabine; aí só cheguei, deixei o caminhão, fizeram as troca de placa do cavalo e fui para dentro de Cuiabá [...]” (transcrição literal), deixando claro que tinha ciência da adulteração antes de conduzir o veículo até Pontes e Lacerda, onde se dirigiu à delegacia para registrar a falsa ocorrência e, posteriormente, teve o caminhão apreendido pela autoridade policial. Esses elementos são corroborados pelo Laudo Pericial de Identificação Veicular (id. 183996070), o qual concluiu que a placa de licença “AKD8J29”, fixada no semirreboque conduzido pelo acusado, era falsa, apresentando um QR Code meramente decorativo, circunstância que confirma a utilização consciente de veículo com sinal identificador adulterado. No que tange à alegação defensiva de que o réu apenas presenciou a troca das placas e não teve participação ativa na adulteração, cumpre esclarecer que, conforme já exposto, o tipo penal previsto no artigo 311, § 2º, inciso III, do Código Penal, não exige que o agente seja o autor direto da adulteração, mas tão somente que utilize, com ciência da irregularidade, veículo cujo sinal identificador esteja adulterado, em benefício próprio ou de terceiro. Assim, não há que se falar em excludente de responsabilidade penal pelo simples fato de o réu não ter executado pessoalmente a modificação, pois sua conduta subsume-se integralmente ao núcleo do tipo penal imputado. Dessa forma, diante da prova técnica, da confissão do acusado e da corroboração prestada pelas testemunhas ouvidas em juízo, restam preenchidos todos os requisitos objetivos e subjetivos do tipo penal, impondo-se a condenação do réu pela prática do crime previsto no artigo 311, § 2º, inciso III, do Código Penal. III — DISPOSITIVO Em razão do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido da denúncia para: a) CONDENAR o acusado JADSON LUCINDO DA SILVA, pela prática dos crimes de furto qualificado e de adulteração de sinal identificador de veículo automotor, previstos, respectivamente, nos artigos 155, § 4º, inciso IV, e 311, § 2º, inciso III, ambos do Código Penal; b) ABSOLVER o acusado JADSON LUCINDO DA SILVA da imputação relativa ao crime de associação criminosa, previsto no artigo 288 do Código Penal, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, por ausência de provas suficientes à condenação. Passo, então, à fixação da pena, procedendo à análise individualizada da dosimetria em relação a cada um dos delitos imputados ao sentenciado, nos termos do artigo 68, caput, do Código Penal. IV – DOSIMETRIA IV.1 - Do crime de furto qualificado Na primeira fase da dosimetria, nos termos do artigo 59 do Código Penal, ao analisar as circunstâncias judiciais em relação ao réu, verifico que: (i) a culpabilidade deve ser valorada negativamente, uma vez que a conduta do réu extrapola os limites ordinários do tipo penal de furto, considerando que a subtração de aproximadamente cinquenta toneladas de grãos de soja representa um valor econômico expressivo, agravando a ofensividade do delito não apenas pelo vultoso prejuízo causado à vítima direta, a empresa SIPAL LTDA, mas também pelo potencial reflexo na cadeia logística e contratual vinculada à comercialização e exportação de produtos agrícolas, circunstâncias que atribuem à conduta um desvalor superior ao comum e legitimam, portanto, a exasperação da pena-base; (ii) o réu não possui antecedentes criminais, o que lhe favorece; (iii) as circunstâncias relativas à conduta social e à personalidade do réu não podem ser avaliadas por ausência de elementos nos autos, razão pela qual serão consideradas neutras; (iv) os motivos do crime são inerentes ao tipo penal e não comportam valoração negativa; (v) as circunstâncias do crime devem ser valoradas negativamente, pois restou demonstrado que, após a subtração da carga, o réu compareceu à delegacia de polícia e registrou um boletim de ocorrência falso, alegando ter sido vítima de roubo, como parte de um plano voltado a evitar sua responsabilização penal e cível, mediante a criação de um cenário fictício que incluiu, inclusive, falsas alegações de cárcere privado, revelando indiferença quanto à indevida mobilização da estrutura estatal, que chegou a ser acionada para apurar um crime inexistente, circunstância que somente não resultou na instauração de persecução penal ilegítima em razão da atuação diligente da Polícia Civil, que identificou as contradições ainda no momento do registro da ocorrência, configurando um grau de reprovabilidade acima do ordinário e legitimando, portanto, a exasperação da pena-base; (vi) as consequências do crime foram normais à espécie, sem elementos que justifiquem sua exasperação; (vii) o comportamento da vítima não pode ser valorado para fins de dosimetria, pois inexiste nos autos qualquer fator que o justifique. Dessa forma, reconhecidas duas circunstâncias judiciais desfavoráveis, fixo a pena-base em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 97 (noventa e sete) dias-multa. Quanto à segunda fase da dosimetria, não há agravantes a serem reconhecidas. Por outro lado, incide a atenuante da confissão espontânea, prevista no artigo 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal, uma vez que o réu admitiu, em juízo, a prática do delito, contribuindo para a formação do convencimento deste Juízo. Diante disso, aplico a redução de 1/6 (um sexto) e fixo a pena intermediária em 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 63 (sessenta e três) dias-multa. Por fim, na terceira fase da dosimetria, ausentes causas de aumento ou diminuição de pena, fixo a pena definitiva em 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 63 (sessenta e três) dias-multa. IV.2 - Do crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor Na primeira fase da dosimetria, nos termos do artigo 59 do Código Penal, ao analisar as circunstâncias judiciais em relação ao réu, verifico que: (i) a culpabilidade é inerente ao tipo penal, não havendo elementos que a exasperem; (ii) o réu não possui antecedentes criminais, o que lhe favorece; (iii) as circunstâncias relativas à conduta social e à personalidade do réu não podem ser avaliadas por ausência de elementos nos autos, razão pela qual serão consideradas neutras; (iv) os motivos do crime são inerentes ao tipo penal e não comportam valoração negativa; (v) as circunstâncias e consequências do delito foram normais à espécie, sem elementos que justifiquem sua exasperação; (vi) o comportamento da vítima não pode ser valorado para fins de dosimetria, pois inexiste nos autos qualquer fator que o justifique. Dessa forma, inexistindo circunstâncias judiciais desfavoráveis, fixo a pena-base em 3 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Quanto à segunda fase da dosimetria, não há agravantes a serem reconhecidas. Por outro lado, incide a atenuante da confissão espontânea, prevista no artigo 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal, uma vez que o réu admitiu, em juízo, a prática do crime. Entretanto, nos termos da Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça, a aplicação da atenuante não autoriza a redução da pena abaixo do mínimo legal, razão pela qual a pena intermediária permanece fixada em 3 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Por fim, na terceira fase da dosimetria, ausentes causas de aumento ou diminuição de pena, fixo a pena definitiva em 3 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. IV.3 – Da pena definitiva Reconhecida a prática de dois delitos autônomos, incide, na espécie, a regra do concurso material de crimes, prevista no artigo 69, caput, do Código Penal, uma vez que o sentenciado, mediante mais de uma ação, praticou infrações penais distintas, impondo-se, nos termos legais, a aplicação cumulativa das penas, com a soma daquelas de mesma natureza e a separação das de natureza diversa. Assim, FIXO a pena definitiva de Jadson Lucindo da Silva em 5 (cinco) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 73 (setenta e três) dias-multa, pela prática dos crimes previstos nos artigos 155, § 4º, inciso IV, e 311, § 2º, inciso III, ambos do Código Penal. Considerando a pena aplicada, nos termos do artigo 33, § 2º, alínea “b”, do Código Penal, estabeleço o REGIME SEMIABERTO para o início do cumprimento da pena, medida que se revela adequada às circunstâncias do caso. Diante da ausência de elementos que permitam aferir a condição financeira do réu com maior precisão, FIXO o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente atualizado. A substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, assim como a concessão do SURSIS, não se mostram cabíveis no caso concreto, uma vez que a pena privativa de liberdade fixada ultrapassa o limite legal previsto, nos termos do artigo 44, inciso I, e do artigo 77, caput, ambos do Código Penal. V – DISPOSIÇÕES FINAIS 1. CONCEDO ao sentenciado o direito de apelar em liberdade, em razão do regime prisional ora fixado e da ausência, no momento, dos pressupostos e requisitos autorizadores da prisão preventiva. 2. Nos termos do artigo 804 do Código de Processo Penal, CONDENO ao acusado ao pagamento das custas processuais, calculadas ex lege. 3. Nos termos do artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, considerando o prejuízo efetivo decorrente da subtração da carga de grãos e o valor estimado do bem furtado, que gira em torno de R$ 100.000,00 (cem mil reais), FIXO o valor mínimo de R$ 33.000,00 (trinta e três mil reais), a título de indenização pelos danos materiais causados, a ser pago em favor da empresa vítima SIPAL LTDA, valor este proporcional à participação do sentenciado, diante da evidência de que a empreitada delitiva envolveu ao menos três indivíduos. 4. Considerando que o aparelho celular apreendido em poder do acusado (id. 171758364) não guarda mais pertinência com a instrução ou com a utilidade probatória da presente ação penal e que não houve demonstração de sua imprescindibilidade para eventual desdobramento investigativo, DETERMINO a restituição do referido bem ao acusado, condicionada ao trânsito em julgado da presente condenação. 5. AUTORIZO a destruição dos bens inservíveis, devendo ser juntada aos autos cópia do respectivo termo de destruição. V.1 – Providências antes do trânsito em julgado 1. EXPEÇA-SE o alvará de soltura em favor do sentenciado JADSON LUCINDO DA SILVA, por meio do sistema BNMP 3.0, devendo ser colocado imediatamente em liberdade, salvo se estiver preso por outro motivo. 2. INTIMEM-SE o Ministério Público e a Defesa pelo Sistema PJe, computando-se prazo em dobro em caso de atuação da Defensoria Pública. 3. INTIME-SE o réu pessoalmente, garantindo-lhe oportunidade de firmar o termo de apelação, caso deseje recorrer. V.2 – Providências após o trânsito em julgado 1. OFICIE-SE à Justiça Eleitoral para a suspensão dos direitos políticos do condenado, nos termos do artigo 15, inciso III, da Constituição Federal. 2. REMETAM-SE os autos ao setor de contadoria para o cálculo das custas processuais. 3. OFICIE-SE ao órgão responsável pelo registro de antecedentes criminais, informando a condenação do réu. 4. EXPEÇA-SE guia de execução penal, procedendo-se à devida distribuição no Sistema SEEU, com as peças necessárias. 5. Cumpridas as determinações, ARQUIVEM-SE os autos. P.I.C. Servirá a presente, por cópia digitalizada, como Mandado de intimação/Ofício. Brasnorte/MT, documento datado e assinado eletronicamente. ROMEU DA CUNHA GOMES Juiz Substituto

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