Processo nº 1006779-12.2025.4.01.0000
ID: 305672586
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 1006779-12.2025.4.01.0000
Data de Disponibilização:
24/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOSE AMANCIO DE ASSUNCAO NETO
OAB/PI XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1006779-12.2025.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000650-34.2019.4.01.4004 CLASSE: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) POLO ATIVO: ALCIDES LIMA…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1006779-12.2025.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000650-34.2019.4.01.4004 CLASSE: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) POLO ATIVO: ALCIDES LIMA DE AGUIAR REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: JOSE AMANCIO DE ASSUNCAO NETO - PI5292-A POLO PASSIVO:JUIZO FEDERAL DA SUBSECAO JUDICIARIA DE SAO RAIMUNDO NONATO - PI RELATOR(A):SOLANGE SALGADO DA SILVA PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) 1006779-12.2025.4.01.0000 R E L A T Ó R I O A Exma Sra Desembargadora Federal Solange Salgado da Silva (Relatora): Trata-se de Habeas Corpus, com pedido liminar, impetrado por JOSÉ AMANCIO DE ASSUNÇÃO NETO em favor de ALCIDES LIMA DE AGUIAR e contra decisão proferida nos autos do processo 0000650-34.2019.4.01.4004 pelo JUÍZO FEDERAL DA VARA ÚNICA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO RAIMUNDO NONATO - PI, o qual decidiu pela reconversão das penas restritivas de direitos resultantes das ações penais 0000650-34.2019.4.01.4004 e 0000335-06.2019.4.01.4004 em penas privativas de liberdade, com a consequente unificação em um total de “4 (quatro) anos e 08 (oito) meses, para cumprimento inicialmente no regime semiaberto, a ser cumprida na Comarca de Teresina, caso a comarca mais próxima da residência do réu não fosse apropriada”, sob o argumento de impossibilidade de cumprimento simultâneo de 02 (duas) penas restritivas de direitos, fundamentando no art. 111, caput, da Lei de Execuções Penais. Consta da impetração que o paciente foi condenado, primeiramente, nos autos do processo 0000650-34.2019.4.01.4004, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção, além de 12 (doze) dias-multa – esta última em estrita proporcionalidade com a pena privativa de liberdade, sendo cada dia-multa correspondente a 1 (um) salário-mínimo vigente à época dos fatos – pela prática do crime previsto no art. 90 da Lei 8.666/93. Na ocasião, o paciente teve concedida a seu favor a substituição da pena privativa de liberdade aplicada “por duas penas restritivas de direitos, consistentes a primeira na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas – cabendo ao juízo responsável pela execução penal indicar em qual entidade deverá se dar o cumprimento da pena substituta –, e a segunda na prestação pecuniária de 2 (dois) salários-mínimos. Adiante, sobreveio a informação da condenação definitiva do paciente nos autos do processo 0000335-06.2019.4.01.4004 à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto, pela prática do crime previsto no art. 1°, inciso I, do DL 201/67, tendo o acórdão que transitou em julgado decidido pela substituição “por duas penas restritivas de direitos, a serem definidas pelo juízo da execução”. Assim, nos termos do que narra a impetração (ID 432401163), diante da condenação posterior – por fato anterior a primeira condenação –, decidiu-se no juízo de primeiro grau, no processo 0000650-34.2019.4.01.4004, pela “necessária unificação e soma das penas, tendo em vista a impossibilidade de cumprimento simultâneo de 02 (duas) penas restritivas de direitos, nos termos do art. 111 da LEP”. Sustenta o impetrante na inicial que, em decorrência de tal reconversão em penas privativas de liberdade, o paciente encontra-se na iminência de ser recolhido ao cárcere, tendo sido intimado em 24/02/2025 a se apresentar em 05 dias para dar início ao cumprimento da pena em regime inicial semiaberto, na Colônia Agrícola Penal Major César Oliveira, em decorrência de mandado trazido aos autos sob o ID 432261887. Adicionalmente, alega ainda ser portador de Diabete Mellitus Tipo II e câncer, e encontrar-se em tratamento oncológico, conforme comprovado em atestado médico anexo aos autos (ID 432261765). Sustenta o impetrante que a decisão impetrada é dotada de ilegalidade manifesta, indo de encontro ao que decidiu o Superior Tribunal de Justiça no tema repetitivo 1.106, em 08/02/2023, no sentido de que é possível o cumprimento simultâneo das penas restritivas de direitos, vedando-se a conversão automática, em tese firmada nos seguintes termos (ID 432401163): “Sobrevindo condenação por pena privativa de liberdade no curso da execução de pena restritiva de direitos, as penas serão objeto de unificação, com a reconversão da pena alternativa em privativa de liberdade, ressalvada a possibilidade de cumprimento simultâneo aos apenados em regime aberto e vedada a unificação automática nos casos em que a condenação substituída por pena alternativa é superveniente”. Defende que o paciente preenche todos os requisitos necessários para a substituição das penas, tendo este eg. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ao julgar o recurso de apelação, nos autos da ação penal 0000335-06.2019.4.01.4004, reduzido a pena imposta e substituído por duas restritivas de direitos no caso concreto. Logo, narra que seria perfeitamente possível o cumprimento de ambas as penas, concomitante ou mesmo sucessivamente. Aduz que o paciente não pode ser custodiado quando nos dois processos se determinou a aplicação de penas restritivas de direitos, sendo a decisão impetrada ilegal e arbitrária, razão pela qual se impõe a concessão da ordem, de modo a se revogar a decisão que determinou a unificação e soma das penas no SEEU. Assim, requer a concessão em caráter liminar da presente ordem, pleiteando-se a suspensão da decisão impetrada e de todas as outras posteriores a ela, até o julgamento final do presente habeas corpus, para que possa o paciente permanecer em liberdade aguardando a designação de nova audiência admonitória, para definir a forma de cumprimento das penas restritivas de direitos impostas ao paciente nas ações penais correlatas, 0000650-34.2019.4.01.4004 e 0000335-06.2019.4.01.4004, suspendendo-se inclusive o mandado constante do processo SEEU 4000001-25.2024.4.01.4004. Por fim, adicionalmente, pleiteia a expedição de contraordem de comparecimento para cumprimento da pena de prisão em regime semiaberto constante do mencionado processo SEUU. No mérito, requer que seja “confirmada a liminar deferida e concedida a ordem para anular a decisão que determinou a unificação e soma das penas no SEUU, proferida nos autos da ação penal 0000650- 34.2019.4.01.4004, determinando-se a realização da audiência admonitória para cumprimento das penas restritivas de direitos impostas ao réu em substituição às privativas de liberdade. Instada a se manifestar, a autoridade impetrada forneceu informações (ID 432589213). Deferido o pedido liminar em 11/03/2025 para determinar a suspensão da decisão impetrada nos autos do processo 0000650-34.2019.4.01.4004 até o julgamento final do presente habeas corpus; bem como foi suspenso o mandado constante do processo SEEU 4000001-25.2024.4.01.4004, a fim de que o paciente possa permanecer em liberdade aguardando a designação de nova audiência admonitória, a ser designada por ato ordinatório, na qual se definirá a forma adequada de compatibilização do cumprimento das penas restritivas de direitos impostas nas ações penais 0000650-34.2019.4.01.4004 e 0000335-06.2019.4.01.4004, sem automática unificação (ID 432723657). Em parecer, a Procuradoria Regional da República da 1ª Região manifesta-se pela concessão da ordem (ID 433500505). É o relatório. PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) 1006779-12.2025.4.01.0000 V O T O A Exma Sra Desembargadora Federal Solange Salgado da Silva (Relatora): Inicialmente, cumpre salientar que a Constituição Federal estabelece que conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (art. 5º, LXVIII). No mesmo sentido, os arts. 647 e 648 do Código de Processo Penal dispõem que o habeas corpus será concedido sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir e elenca as hipóteses de coação ilegal. A impetração da presente ação constitucional tem por finalidade primordial a suspensão, em caráter liminar, com posterior anulação no mérito, da decisão proferida nos autos do processo 0000650-34.2019.4.01.4004, a qual, ao unificar as penas provenientes dos crimes imputados ao paciente, procedeu a reconversão das penas restritivas de direitos em penas privativas de liberdade (ID 432261835), resultando no montante total de 4 (quatro) anos e 08 (oito) meses, em regime semiaberto, a ser cumprido na forma da intimação de 24/02/2025, concedendo o prazo de 05 (cinco) dias para o paciente se apresentar na Colônia Agrícola Penal Major César Oliveira (ID 432261887). Para tanto, considerou o juízo de primeiro grau tão somente a impossibilidade de cumprimento simultâneo de 02 (duas) penas restritivas de direitos, com fundamento no art. 111 da LEP. Nesse sentido, colacionam-se os principais trechos da decisão combatida (ID 432261835): “O Réu ALCIDES LIMA DE AGUIAR foi condenado à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção, em regime aberto, além de multa. Houve a substituição da pena privativa por duas penas restritivas de direito (sentença Id 643342459). A condenação foi confirmada no TRF1, que negou a apelação de Alcides Lima de Aguiar, dando provimento às apelações de Aryelson Negreiros Passos e Cláudia da Silveira Dias Guerra, absolvendo esses últimos da prática do crime previsto no art. 90. da Lei n. 8.666/93, com redação anterior à Lei n. 14.133/21. Designada audiência admonitória no dia 13/09/2023, objetivando dar início ao cumprimento das penas restritivas de direito pelo réu Alcides Aguiar, sobreveio a informação de nova condenação na ação penal nº 0000335-06.2019.4.01.4004, pela prática do crime do art. 1°, inciso I do Decreto-Lei n. 201/67, quando definitivamente condenado pelo TRF1 à pena de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto, substituída por duas restritivas de direito, a serem definidas pelo juiz da execução. Aberta a audiência admonitória no dia 03/10/2023, o requerido Alcides Lima Aguiar e seu advogado constituído José Adailton foram informados do trânsito em julgado na ação penal 0000335-06.2019.4.01.4004, bem como da necessária unificação das penas, tendo em vista a impossibilidade de cumprimento simultâneo de 02 (duas) penas restritivas de direito, nos termos do art. 111 da LEP. Decido. Alcides Lima de Aguiar foi condenado nestes autos à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção pela prática do crime previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/93, bem como à pena de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão pela prática do crime do art. 1°, inciso I do DL n. 201/67, devendo a determinação do regime inicial ser pautada pelo somatório dessas penas, mesmo que de natureza distintas – detenção e reclusão. (TJDFT - Acórdão 1333452, 07524649020208070000, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, Segunda Turma Criminal, data de julgamento: 15/4/2021, publicado no PJe: 23/4/2021) Nesse contexto, não sobeja outra medida senão a reconversão das penas restritivas de direito em pena privativa de liberdade. (STJ - AGRHC 2019.01.99291-2, Relator: NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, data de julgamento: 26/11/2019, publicado no PJe: 03/12/2019). 1. Isto posto, com fulcro nos artigos 111 e 181, § 1º da LEP, converto as penas restritivas de direito impostas nas ações penais 650-34.2019.4.01.4004 e 335-06.2019.4.01.4004, unificando-as numa pena de 4 (quatro) anos e 08 (oito) meses, para cumprimento inicialmente no regime semiaberto, a ser cumprida na Vara de Execuções da Comarca de Teresina (caso a Comarca mais próxima da residência do réu não seja a apropriada)” (grifo nosso). Compulsando-se os autos, verifica-se que o paciente foi condenado em ambos os processos ao regime inicial aberto de cumprimento de pena, sendo ainda substituído por penas alternativas. Por outro lado, pelo resultado da soma ou da unificação das penas, a autoridade impetrada entendeu pela aplicação do regime inicial mais gravoso semiaberto, sob o fundamento de impossibilidade de cumprimento simultâneo das penas alternativas, e fundamentou o decisum nos artigos 111 e 181, § 1º, da LEP. Contudo, conforme mencionado quando do deferimento liminar da ordem (ID 432723657), observa-se que a decisão questionada carece de fundamentação em concreto para a reconversão das penas restritivas de direitos isoladamente aplicadas. Isto porque a Lei de Execução Penal não exige a conversão automática da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade quando superveniente condenação por crime diverso. O que o art. 111, caput, de tal diploma normativo prevê é tão somente que as penas de condenações diversas devem ser somadas para fins de determinação do regime prisional inicial. Diante da moldura fática delineada nos autos, não há justificativa jurídica idônea a amparar a decisão que promoveu, de forma automática, a unificação das penas e, por consequência, determinou a reconversão das penas restritivas de direitos em penas privativas de liberdade a serem cumpridas em regime mais gravoso. Trata-se de medida que colide frontalmente com os princípios constitucionais da legalidade, da individualização da pena e da proporcionalidade, bem como, com a interpretação sistemática e teleológica da Lei de Execução Penal. A unificação de penas, nos moldes do artigo 111 da LEP, objetiva a fixação do regime inicial nos casos em que o sentenciado se encontra custodiado, e não a imposição automática de regime mais gravoso em hipóteses de cumprimento de pena em liberdade, especialmente quando se cuida de sanções substitutivas que, por sua própria natureza, são compatíveis com o convívio social. Ora, nos termos do informado nos autos, a condenação superveniente no processo 0000335-06.2019.4.01.4004 deixou a cargo do juízo da execução penal a individualização da restrição de direitos a incidir no caso concreto, limitando-se a estabelecer a substituição de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão por duas penas restritivas de direito, dentre quaisquer das hipóteses do art. 43 do Código Penal que melhor se adequem a repressão do delito do art. 1°, inciso I, do DL 201/67. Não se observa, em princípio, em qualquer dos artigos citados da LEP, a menção a incompatibilidade e consequente unificação de penas restritivas na hipótese em que o apenado se encontra em liberdade. Corroborando tal entendimento, já decidiu o STJ, nos termos da ementa apontada quando do deferimento liminar da ordem: EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. UNIFICAÇÃO DE PENAS. DUAS CONDENAÇÕES EM RESTRITIVAS DE DIREITOS. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA NO ACÓRDÃO DE ORIGEM. ATUAL JURISPRUDÊNCIA DO STJ. COMPATIBILIDADE ENTRE PENAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO. I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento da Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício, em homenagem ao princípio da ampla defesa. II - Com efeito, "A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou se pela possibilidade de cumprimento simultâneo de pena privativa de liberdade em regime aberto com as reprimendas restritivas de direitos fixadas em condenação superveniente, desde que haja compatibilidade no cumprimento das sanções, ou seja, caso a nova pena arbitrada também tenha sido convertida em restritiva de direitos, ou, se privativa de liberdade, que o regime fixado seja o aberto, com possibilidade de cumprimento da pena substitutiva" (AgRg no AgRg no HC n. 545.924/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 4/5/2020). III - In casu, tendo em vista que a superveniente condenação do paciente foi a pena restritiva de direitos, ou seja, da mesma natureza das em execução, mostra-se possível o cumprimento simultâneo delas, diante da compatibilidade. Sendo assim, a conversão de ambas em pena privativa de liberdade, na hipótese concreta dos autos, configura flagrante ilegalidade, apta à concessão da ordem de ofício. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para restabelecer a r. decisão do d. Juízo da Execução Penal, que reconheceu a possibilidade de cumprimento simultâneo das penas. (HC 694.870/SP, Ministro Jesuíno Rissato, Desembargador Convocado do TJDFT, Quinta Turma,, DJe 4/11/2021 - grifo nosso). Logo, conforme o que vem decidindo o STJ, “o requisito primordial para se decidir pela conversão, ou não, da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, quando impostas simultaneamente a um condenado, é a possibilidade, ou não, de que as mesmas venham a ser cumpridas simultaneamente”. A ausência de fundamentação concreta quanto à suposta inviabilidade de cumprimento simultâneo das penas restritivas de direitos impõe a anulação do decisum. É imprescindível, como bem destaca a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que se analise caso a caso a possibilidade de execução paralela dessas sanções, devendo-se observar, inclusive, a natureza e a espécie das penas impostas. A mera existência de duas condenações com substituição da pena corporal não implica, por si só, na necessidade de reconversão ao cárcere. A aplicação da penalidade substitutiva visa justamente evitar a segregação do apenado quando presentes os requisitos legais, permitindo-lhe a permanência em liberdade com a imposição de medidas que, embora restritivas, não o excluem da convivência social. Logo, apenas diante de efetiva e comprovada impossibilidade de compatibilização entre as penas impostas é que se pode cogitar de conversão. O impetrante trouxe aos autos a discussão consolidada no tema repetitivo 1.106, julgado em 08/02/2023 pelo STJ, o qual declarou a possibilidade de cumprimento simultâneo das penas restritivas de direitos, vedando-se a conversão automática nos casos em que a condenação substituída por pena alternativa é superveniente, e ressalvando-se a possibilidade de cumprimento simultâneo aos apenados em regime aberto. Compulsando-se os autos do acórdão representativo da controvérsia, trata-se recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos sob o Tema 1.106 (REsp 1.918.287/MG, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, relatora para acórdão Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 27/4/2022, DJe de 28/6/2022). Na hipótese, a Corte se debruçou sobre hipótese semelhante referente à reconversão e unificação das penas quando sobrevém ao réu, em cumprimento de pena privativa de liberdade nova condenação em que a pena corporal foi substituída por pena alternativa. E fixou a seguinte tese: "Sobrevindo condenação por pena privativa de liberdade no curso da execução de pena restritiva de direitos, as penas serão objeto de unificação, com a reconversão da pena alternativa em privativa de liberdade, ressalvada a possibilidade de cumprimento simultâneo aos apenados em regime aberto e vedada a unificação automática nos casos em que a condenação substituída por pena alternativa é superveniente." Na ocasião, esclareceu a Ministra Relatora do acórdão Laurita Vaz, ao sugerir superação do entendimento até então adotado pela Corte, o seguinte: “Note-se, outrossim, que o art. 111 da Lei de Execução Penal em nenhum momento trata de conversão de pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, dispondo apenas que as penas de condenações diversas devem ser somadas para fins de determinação do regime prisional. Logo, ao mencionar a finalidade desse somatório para definição do regime prisional, a lei está tratando de penas privativas de liberdade, ou seja, de condenações que já se encontram impingidas sob o formato da pena corporal. Não é possível extrair do aludido dispositivo a imposição de conversão da pena alternativa, que, conforme apontado, somente pode ocorrer conforme o itinerário legal próprio dessa modalidade de pena. Não é demasiado acrescer que a pena restritiva de direitos serve como uma alternativa ao cárcere. Portanto, se o condenado fez jus ao benefício, não vislumbro justiça em se agravar a sua situação, ampliando o alcance interpretativo do § 5.º do art. 44 do Código Penal em seu prejuízo, notadamente à vista da possibilidade de cumprimento sucessivo das penas. [...] Em relação à tese do recurso repetitivo e de acordo com o entendimento ora exposto, sugiro a seguinte redação: “Sobrevindo condenação por pena privativa de liberdade no curso da execução de pena restritiva de direitos, as penas serão objeto de unificação, com a reconversão da pena alternativa em privativa de liberdade, ressalvada a possibilidade de cumprimento simultâneo aos apenados em regime aberto e vedada a unificação automática nos casos em que a condenação substituída por pena alternativa é superveniente”.” Em igual direcionamento, o Ministro Rogério Schietti Cruz, em clara técnica de overrulling, proferiu seu voto, conforme se transcreve no seguinte trecho: “Se o condenado cumpre pena por um crime privado de sua liberdade e vem a cometer outro crime ou vem a ser condenado em outro crime e o juiz, não obstante isso, permite-lhe substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, não há que se falar em retirar-lhe esse benefício de maneira automática ao propósito de se unificar a pena. Ele vai cumprir a pena privativa de liberdade que estava já cumprindo e, em seguida, a pena restritiva de direitos, senão nós estaremos agravando uma situação que já foi avaliada pelo juiz quando entendeu ser direito dele não cumprir aquela segunda condenação privado de sua liberdade. Parece-me, com todas as vênias do eminente Relator, que a questão é de legalidade. Não podemos dar uma interpretação que prejudique o condenado que, já cumprindo pena privativa, venha a ser condenado por outro crime em que teve o benefício da substituição da prisão. O contrário não. Por quê? Porque, se alguém está cumprindo uma pena restritiva de direitos e comete um outro crime, isso por si só já implica a reconversão da sua pena originalmente imposta em privativa de liberdade; ele descumpriu o dever básico de não cometer outro crime. Porém, nestes dois processos, trata-se da situação inversa, da situação em que ele cumpre pena privativa e depois é condenado por um crime em que a privativa foi convertida em restritiva”. Nota-se, ao se fazer o distinguishing do caso trazido no presente Habeas Corpus com o precedente acima mencionado, que a situação nos autos é diversa. Se o réu estivesse cumprindo pena privativa de liberdade e sobreviesse condenação a uma pena restritiva de direitos, percebe-se que a unificação automática não ocorreria. Menor razão existe para se unificar as penas e se proceder à reconversão quando o paciente se encontra em liberdade, condenado a pena restritiva de direitos e lhe sobrevém a segunda condenação a outra pena restritiva de diretos, por crime anterior à primeira condenação. Assim como mencionado na decisão de concessão da liminar, observa-se que não se trata, na hipótese, de descumprimento “do dever básico de se abster do cometimento de novos delitos” – como sugere o e. Ministro Rogério Schietti em seu voto –, mas sim, de nova condenação por fato anterior no qual o juiz entendeu suficientemente reprovável com a aplicação de penas restritiva de direitos. Não se mostra viável, por questão de justiça, agravar-se a situação do paciente com a reconversão automática no momento de unificação das penas, ainda mais quando a tese vencedora no acórdão paradigma do STJ ressalva a situação em que é possível ao réu o cumprimento simultâneo das penas. Assiste razão ao impetrante. No caso em exame, não foi realizada qualquer análise individualizada quanto à natureza das penas restritivas de direitos aplicadas, tampouco foram apurados obstáculos objetivos à sua execução simultânea. Ao revés, infere-se que, tratando-se de penas alternativas, é plenamente viável a sua compatibilização, seja por meio da fixação de escalonamento no cumprimento, seja pela adequação de horários, especialmente diante da ausência de qualquer obstáculo material ou pessoal por parte do sentenciado. Ressalta-se, ainda, que a conversão automática da pena restritiva em privativa de liberdade contraria o disposto no artigo 44, §4º, do Código Penal, que exige o descumprimento injustificado da medida alternativa para a decretação de sua revogação, o que não se verifica no presente caso. Dessa forma, impõe-se o reconhecimento da ilegalidade da decisão que, desprovida de análise fática e jurídica consistente, alterou indevidamente o regime de cumprimento das sanções impostas ao réu. Ao invés de conduzi-lo ao cumprimento de pena em regime semiaberto, deve o juízo da execução adotar providências para viabilizar o início do cumprimento das penas restritivas de direitos, com a realização da audiência admonitória respectiva, assegurando-se o regular prosseguimento da execução penal nos moldes originalmente fixados nas sentenças condenatórias. Essa é a medida que melhor se coaduna com os princípios da execução penal e com a política criminal de desencarceramento progressivo adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro. Pelo exposto, conheço da presente ação mandamental para confirmar a decisão liminar e conceder a ordem de habeas corpus, anulando-se a decisão de primeira instância que determinou a unificação e soma das penas, proferida nos autos da ação penal 0000650-34.2019.4.01.4004, determinando-se a realização da audiência admonitória para cumprimento das penas restritivas de direitos impostas ao réu em substituição às privativas de liberdade. Intime-se o Juízo da Vara de Execuções Penais da Comarca de Teresina - PI da decisão proferida nos autos do presente Habeas Corpus. É o voto. Desembargadora Federal SOLANGE SALGADO DA SILVA Relatora PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA PROCESSO: 1006779-12.2025.4.01.0000 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000650-34.2019.4.01.4004 CLASSE: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) POLO ATIVO: ALCIDES LIMA DE AGUIAR REPRESENTANTES POLO ATIVO: JOSE AMANCIO DE ASSUNCAO NETO - PI5292-A POLO PASSIVO: JUIZO FEDERAL DA SUBSECAO JUDICIARIA DE SAO RAIMUNDO NONATO - PI E M E N T A DIREITO CONSTITUCIONAL E PENAL. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. CONDENAÇÕES COM SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. UNIFICAÇÃO E RECONVERSÃO AUTOMÁTICA EM PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. POSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO SIMULTÂNEO. ORDEM CONCEDIDA. I. CASO EM EXAME 1. Habeas corpus impetrado contra decisão do Juízo Federal da Vara Única da Subseção Judiciária de São Raimundo Nonato/PI, que determinou a unificação e reconversão das penas restritivas de direitos impostas ao paciente nas ações penais 0000650-34.2019.4.01.4004 e 0000335-06.2019.4.01.4004 em pena privativa de liberdade, a ser cumprida no regime semiaberto. 2. A decisão de primeira instância considerou a suposta impossibilidade de cumprimento simultâneo das sanções alternativas, com fundamento no art. 111 da Lei de Execuções Penais. 3. O impetrante sustenta ilegalidade da decisão por ausência de fundamentação concreta e por contrariar o entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema Repetitivo 1.106, requerendo o restabelecimento da liberdade do paciente e a realização de audiência admonitória para definição do modo de cumprimento das penas alternativas. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 4. A controvérsia consiste em definir: (i) se é admissível a reconversão automática de penas restritivas de direitos em pena privativa de liberdade diante da superveniência de nova condenação com sanção substitutiva; e (ii) se a unificação e soma das penas, com alteração do regime de cumprimento para o semiaberto, pode ser efetuada sem fundamentação individualizada quanto à inviabilidade de execução simultânea das sanções alternativas. III. RAZÕES DE DECIDIR 5. A decisão de primeiro grau limitou-se a invocar genericamente o art. 111 da LEP, sem justificar, com base em elementos concretos do caso, a impossibilidade de cumprimento paralelo das penas restritivas de direitos. 6. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Tema 1.106, consolidou o entendimento de que, sobrevindo condenação por pena privativa de liberdade no curso da execução de pena restritiva de direitos, as penas serão objeto de unificação, com a reconversão da pena alternativa em privativa de liberdade, ressalvada a possibilidade de cumprimento simultâneo aos apenados em regime aberto e vedada a unificação automática nos casos em que a condenação substituída por pena alternativa é superveniente. Assim, não se admite a reconversão automática das penas alternativas em pena privativa de liberdade, devendo ser analisada, caso a caso, a possibilidade de compatibilização das sanções. 7. No caso concreto, o paciente foi condenado em ambas as ações penais a penas privativas de liberdade substituídas por restritivas de direitos, não havendo elemento que justifique, de forma individualizada, a alteração do regime e a imposição do cárcere. 8. A reconversão automática afronta os princípios da legalidade, individualização da pena e proporcionalidade, além de contrariar a norma do art. 44, § 4º, do Código Penal, que condiciona a revogação das penas alternativas ao descumprimento injustificado. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Ordem concedida para anular a decisão de primeira instância que determinou a unificação e reconversão das penas, determinando-se a realização de audiência admonitória para definição da forma de cumprimento das penas restritivas de direitos impostas ao réu. Tese de julgamento: “1. A reconversão de penas restritivas de direitos em privativa de liberdade exige fundamentação concreta sobre a inviabilidade de cumprimento simultâneo. 2. É vedada a unificação automática de penas alternativas quando a condenação superveniente também foi objeto de substituição, nos termos do Tema 1.106 do STJ. 3. A ausência de descumprimento das penas restritivas e a compatibilidade entre elas afastam a legalidade da imposição de pena corporal.” Legislação relevante citada: CF/1988, art. 5º, LXVIII; CPP, arts. 647 e 648; LEP, arts. 111 e 181, § 1º; CP, art. 44, § 4º. Jurisprudência relevante citada: STJ, HC 694.870/SP, Rel. Des. Conv. Jesuíno Rissato, Quinta Turma, DJe 4.11.2021; STJ, REsp 1.918.287/MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. p/ Acórdão Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, j. 27.4.2022, DJe 28.6.2022 (Tema 1.106). A C Ó R D Ã O Decide a Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, CONCEDER A ORDEM de habeas corpus, nos termos do voto da Relatora. Brasília, data da assinatura eletrônica. Desembargadora Federal SOLANGE SALGADO DA SILVA Relatora
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