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Processo nº 0811242-31.2022.8.14.0051

ID: 297747668

Tribunal: TJPA Órgão: 1ª Turma de Direito Público - Desembargadora EZILDA PASTANA MUTRAN Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 0811242-31.2022.8.14.0051

Data de Disponibilização: 13/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

JOAO VITOR MESSIAS SPERANDIO

Acórdão

Advogados:

JULIANE RAQUEL MESSIAS DE OLIVEIRA SPERANDIO

OAB/TO XXXXXX Desbloquear

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0811242-31.2022.8.14.0051 APELANTE: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARA APELADO: JOAO VITOR MESSIAS SPERANDIO RELATOR(A): Desembargadora EZILDA… TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0811242-31.2022.8.14.0051 APELANTE: UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARA APELADO: JOAO VITOR MESSIAS SPERANDIO RELATOR(A): Desembargadora EZILDA PASTANA MUTRAN EMENTA DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AUXÍLIO-MORADIA A MÉDICO RESIDENTE. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO PARCIAL DO RECURSO. DIREITO ASSEGURADO POR LEI FEDERAL. OMISSÃO ADMINISTRATIVA. CONVERSÃO EM PECÚNIA DEVIDA. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta pela Universidade do Estado do Pará contra sentença que julgou procedente ação ordinária ajuizada por médico residente, condenando a instituição ao pagamento de auxílio-moradia previsto na Lei nº 6.932/1981, diante da ausência de fornecimento de alojamento pela universidade durante o período de residência. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) saber se há inovação recursal na tese de vedação à cumulação do auxílio-moradia com a bolsa do Programa Qualifica Saúde; (ii) definir se a ausência de previsão legal estadual ou editalícia impede o reconhecimento do direito ao benefício; (iii) estabelecer se a não oferta de moradia autoriza sua conversão em pecúnia. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Verificada inovação recursal de ofício quanto à alegação de incompatibilidade entre o Programa Qualifica Saúde (Lei Estadual nº 9.319/2021) e o auxílio-moradia previsto na Lei Federal nº 6.932/1981, por ausência de arguição na instância de origem. 4. A Lei nº 6.932/1981 assegura o fornecimento de moradia ao médico residente, cabendo à instituição de saúde garantir o benefício durante o período de residência médica. 5. A ausência de regulamentação estadual ou previsão editalícia não afasta a aplicação da norma federal autoexecutável. 6. A inércia da administração quanto ao fornecimento in natura do benefício autoriza sua conversão em pecúnia, segundo jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça. 7. Preenchidos os requisitos legais, a sentença deve ser mantida. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso parcialmente conhecido. Na parte conhecida, desprovido. Tese de julgamento: 1. Configura inovação recursal a alegação, não apresentada na instância de origem, de vedação à cumulação do auxílio-moradia com bolsa do Programa Qualifica Saúde, o que impede seu conhecimento. 2. O direito ao auxílio-moradia do médico residente decorre do art. 4º, §5º, III, da Lei nº 6.932/1981, sendo autoaplicável e não sujeito à regulamentação estadual. 3. A omissão da instituição quanto ao fornecimento de moradia impõe sua conversão em pecúnia, independentemente de previsão editalícia. Dispositivos relevantes citados: Lei nº 6.932/1981, art. 4º, §5º, III; CPC, arts. 499, 1.013, §1º, 85, §4º, II, e §11. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 2.104.455/RN, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 11.04.2024; STJ, AgInt no REsp 1.945.596/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 22.03.2023; TJDF, AI 0732313-69.2021.8.07.0000, Rel. Des. Ana Cantarino, DJe 21.03.2022; TJSP, AC 1019489-89.2021.8.26.0577, Rel. Des. Tasso Duarte de Melo, j. 21.07.2022. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos. Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores componentes da Primeira Turma de Direito Público, por unanimidade de votos, CONHECER EM PARTE DA APELAÇÃO CÍVEL E NEGAR-LHE PROVIMENTO, tudo nos termos do voto da Desembargadora Relatora. Belém (Pa), data de registro no sistema. Desembargadora EZILDA PASTANA MUTRAN Relatora RELATÓRIO Tratam os presentes autos de recurso de APELAÇÃO CÍVEL interposto pela UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ contra sentença proferida pelo Juízo da Vara da Fazenda Pública e Execução Fiscal da Comarca de Santarém nos autos da AÇÃO ORDINÁRIA ajuizada por JOÃO VITOR MESSIAS SPERANDIO em face do recorrente. Em síntese da exordial, o requerente é médico regularmente matriculado no Programa de Residência Médica em Cirurgia Geral, oferecido pela Instituição de Ensino Superior da Universidade do Estado do Pará (UEPA) no polo da cidade de Santarém, no estado do Pará. Assim, o demandante recebe uma bolsa mensal no valor de R$ 3.654,43 (três mil, seiscentos e cinquenta e quatro reais e quarenta e três centavos). Este valor é resultante da dedução da contribuição previdenciária, correspondente a 11% (onze por cento), incidente sobre o valor bruto da Bolsa Residência, que é de R$ 4.106,09 (quatro mil, cento e seis reais e nove centavos). O vínculo do residente com o programa teve início em março de 2021, com previsão de término para março de 2024. Dessa forma, a residência médica é regulamentada pela Lei nº 6.982/1991, com as alterações introduzidas pela Lei nº 10.405/2002 e pela Lei nº 12.514/2011, a qual prevê uma série de benefícios nos quais o requerente detém, dentre eles a concessão de benefícios alojamento ou moradia aos médicos residentes. Ocorre que o demandante nunca recebeu tais valores e realizou questionamentos a respeito disso junto a UEPA, por meio do endereço eletrônico coreme_uepa@yahoo.com.br (conforme documento em anexo) e haveria recomendado a quitação da obrigação através da implementação do auxílio moradia, seja através da disponibilização de alojamento ou do pagamento de valor correspondente mensalmente, bem como o pagamento retroativo referente ao período desde março de 2021, data de início de suas atividades de treinamento junto à Instituição requerida. Entretanto, a Instituição de Ensino Superior manteve-se inerte. Diante disto, o autor requereu a conversão em pecúnia de auxílio moradia, gerando a condenação de pagamento das parcelas vencidas e vincendas no valor atual de R$ 34.623,65 (trinta e quatro mil e seiscentos e vinte e três reais e sessenta e cinco centavos), referentes aos 18 (dezoito) meses vencidos, bem como das 12 (doze) parcelas vincendas até a competência de setembro de 2023, indicando-se em R$ 14.781,96 (quatorze mil e setecentos e oitenta e um reais e noventa e seis centavos), bem como a concessão mensal do auxílio-moradia no valor correspondente aos 30% (trinta por cento) da bolsa-auxílio até o final da residência médica. Após citada, a Universidade do Estado do Pará ofereceu contestação para pugnar pela inexistência de previsão editalícia para a concessão do auxílio discutido, sustentou também a inexistência de comprovação de gastos com moradia e a impossibilidade de pagamento dos valores elencados. Por conta disso, requereu a improcedência do feito. Sobreveio sentença na qual o Juízo julgou procedente a demanda e determinou a condenar a Instituição em sucumbência após a fase de liquidação de sentença. Insatisfeita, a Universidade do Estado do Pará manifestou sua discordância em relação à pretensão do autor, fundamentando que este aderiu voluntariamente ao Programa Qualifica Saúde, estabelecido pela Lei Estadual nº 9.319/2021 e detalhado pelo Decreto nº 2.706/2022. A instituição enfatizou que a normativa do programa proíbe explicitamente a cumulação da bolsa de residência com qualquer outra vantagem financeira, englobando, portanto, o auxílio-moradia reivindicado. Quanto ao cerne da demanda, a Universidade argumentou a inviabilidade de conceder o auxílio-moradia postulado, em virtude da inexistência de legislação estadual que discipline especificamente a matéria. Asseverou que a Lei Federal nº 6.932/1981, embora mencione a possibilidade de oferecimento de moradia, condiciona a obrigatoriedade de tal concessão à existência de regulamentação própria. Adicionalmente, a apelante alegou que o edital que rege os programas de residência médica não contempla a previsão de bolsa-moradia, o que, em sua visão, impossibilita o acolhimento do pedido formulado pelo médico residente. Para embasar sua argumentação, a Universidade citou precedente jurisprudencial do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) nº 1.341.868/RS do Relator Ministro Luiz Fux, que definiu três requisitos cumulativos para a concessão do benefício de auxílio-moradia, dentre os quais se destaca a comprovação efetiva de gastos com habitação, requisito este que, segundo a instituição, não foi cumprido no caso em tela. Por fim, em atenção ao princípio da eventualidade processual, a Universidade do Estado do Pará pleiteou que, na remota hipótese de manutenção da condenação ao pagamento do auxílio-moradia, o percentual fixado seja revisado para um montante justo e proporcional, considerando a ausência de critérios normativos preestabelecidos na legislação vigente para a determinação do valor do benefício. O recorrido pugnou pela manutenção do julgado. Instado a se manifestar, o parquet requereu sua exclusão do feito, ante a ausência de hipótese para sua atuação. É o relatório. VOTO Preliminar de inovação recursal suscitada de ofício. De ofício, verifico que o apelante incide em inovação recursal quanto ao argumento da vedação ao recebimento simultâneo do programa qualifica saúde (Lei Estadual n.º 9.319/2021 regulamentado pelo Decreto Estadual n.º 2.706/2022), com o auxílio moradia (Lei Federal n.º 6.932/1981). Da leitura dos autos, é possível compreender que, em sede razões recursais, o recorrente inovou em seus argumentos, trazendo como tese apelativa, ainda não levantada e discutida nos autos, o a alegação de vedação ao recebimento simultâneo do programa qualifica saúde (Lei Estadual n.º 9.319/2021 regulamentado pelo Decreto Estadual n.º 2.706/2022), com o auxílio moradia (Lei Federal n.º 6.932/1981). Nesse contexto, diante da flagrante inovação recursal demonstrada, fica evidente a conduta processual do recorrente vedada no ordenamento jurídico brasileiro por contrariar os princípios do contraditório, do devido processo legal e do duplo grau de jurisdição, importando, assim, o não conhecimento do recurso, em parte, como ensina e orienta a nossa jurisprudência: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRELIMINAR. NÃO CONHECIMENTO. INOVAÇÃO RECURSAL. QUESTÃO SUSCITADA SOMENTE EM SEDE RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. 1. É inviável o conhecimento do recurso que versa sobre matérias não suscitadas na origem, por se tratar de inovação recursal, sob pena de supressão de instância e de violação ao duplo grau de jurisdição. 2. Preliminar de não conhecimento acolhida. Agravo de instrumento não conhecido. (TJ-DF 07323136920218070000 DF 0732313-69.2021.8.07.0000, Relator: ANA CANTARINO, Data de Julgamento: 09/03/2022, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 21/03/2022 . Pág.: Sem Página Cadastrada.) – grifo nosso. VOTO Nº 36659 INOVAÇÃO RECURSAL. Ação de cobrança. Empréstimo bancário. Procedência. Teses devolvidas em recurso não suscitadas em contestação. Inovação de defesa em sede recursal. Inadmissibilidade, pena de violação ao duplo grau de jurisdição. Precedentes. Recurso não conhecido. (TJ-SP - AC: 10194898920218260577 SP 1019489-89.2021.8.26.0577, Relator: Tasso Duarte de Melo, Data de Julgamento: 21/07/2022, 12ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/07/2022) – grifo nosso. Dessa forma, ante a evidente inovação recursal, não conheço em parte do apelo, referente a alegação de vedação ao recebimento simultâneo do programa qualifica saúde (Lei Estadual n.º 9.319/2021 regulamentado pelo Decreto Estadual n.º 2.706/2022), com o auxílio moradia (Lei Federal n.º 6.932/1981). Isto posto, passo a analisar os demais argumentos do apelante. MÉRITO O cerne da controvérsia reside no direito do autor, médico residente, ao auxílio-moradia, conforme previsto na Lei nº 6.932/1981. A Universidade do Estado do Pará, em suas alegações, sustenta preliminarmente a adesão do autor ao Programa Qualifica Saúde, o qual veda expressamente a cumulação da bolsa de residência com qualquer outro benefício, incluindo o auxílio-moradia. Adicionalmente, defende a impossibilidade de concessão do benefício ante a inexistência de norma estadual regulamentadora. Contudo, o recurso interposto pela Universidade não merece acolhimento. O auxílio-moradia para médicos residentes é regido pela Lei nº 6.932/1981, com as alterações introduzidas pelas Leis nº 10.405/2002 e nº 12.514/2011, cujo artigo 4º, § 5º, inciso III, dispõe de forma clara: Art. 4º Ao médico-residente é assegurado bolsa no valor de R$ 2.384,82 (dois mil, trezentos e oitenta e quatro reais e oitenta e dois centavos), em regime especial de treinamento em serviço de 60 (sessenta) horas semanais. (...) § 5º. A instituição de saúde responsável por programas de residência médica oferecerá ao médico-residente, durante todo o período de residência: (...) III - moradia, conforme estabelecido em regulamento. Do dispositivo legal transcrito, depreende-se inequivocamente que incumbe à instituição de saúde responsável pelo programa de residência médica fornecer moradia ao médico residente durante todo o período de sua formação, nos termos a serem definidos em regulamento. A residência médica é definida legalmente como "modalidade de ensino de pós-graduação, destinada a médicos, sob a forma de cursos de especialização, caracterizada por treinamento em serviço, funcionando sob a responsabilidade de instituições de saúde, universitárias ou não, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional" (art. 1º da Lei nº 6.932/1981). Em consonância com a finalidade da lei, conclui-se que a moradia não constitui mera contraprestação pela formação especializada do médico residente, mas sim um benefício complementar essencial, a ser garantido àqueles que demonstrarem sua necessidade. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou sobre a questão, afirmando o entendimento de que a ausência de regulamentação normativa não pode obstar o fornecimento de moradia aos médicos residentes. Resta ao Poder Público a discricionariedade apenas quanto à forma de assegurar tal direito, seja in natura (mediante oferta de alojamento), seja por meio de compensação financeira (in pecúnia). Corrobora esse entendimento o seguinte julgado: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RESIDÊNCIA MÉDICA. DIREITO À ALIMENTAÇÃO E ALOJAMENTO/MORADIA. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. INÉRCIA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADADE DE CONVERSÃO EM PECÚNIA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. O art. 4º. da Lei 6.932/81 assegura que as instituição de saúde responsáveis por programas de residência médica tem o dever legal de oferecer aos residentes alimentação e moradia no decorrer do período de residência. Assim existindo dispositivo legal peremptório acerca da obrigatoriedade no fornecimento de alojamento e alimentação, não pode tal vantagem submeter-se exclusivamente à discricionariedade administrativa, permitindo a intervenção do Poder Judiciário a partir do momento em que a Administração opta pela inércia não autorizada legalmente. 2. Ancorada nesses princípios, esta Corte reformou sua orientação jurisprudencial consolidando a orientação de que a simples inexistência de previsão legal para conversão de auxílios, que deveriam ser fornecidos in natura, em pecúnia não é suficiente para obstaculizar o pleito recursal. Precedente: REsp. 1339798/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, 2T, DJe 07.03.2013. 3. Esta Corte reformou sua orientação jurisprudencial consolidando a orientação de que a simples inexistência de previsão legal para conversão de auxílios que deveriam ser fornecidos in natura em pecúnia não é suficiente para obstaculizar o pleito recursal. 4. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 2.104.455/RN, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 8/4/2024, DJe de 11/4/2024.) (grifo nosso) PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RESIDÊNCIA MÉDICA. AUXÍLIO-MORADIA. REEMBOLSO. REVOGAÇÃO PELA LEI N. 10.405/02. RESTABELECIMENTO COM MEDIDA PROVISÓRIA, CONVERTIDA NA LEI N. 12.514/12. CONVERSÃO EM PECÚNIA. PRECEDENTES. 1. O presente agravo interno foi interposto contra decisão publicada na vigência do novo Código de Processo Civil, razão pela qual devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista, nos termos do Enunciado Administrativo n. 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016. 2. A Lei n. 10.405/2002 revogou os dispositivos que asseguravam o direito dos médicos residentes ao reembolso parcial da contribuição previdenciária e à disponibilização de alimentação e moradia. Esses benefícios somente foram restabelecidos posteriormente, com a Medida Provisória 536/2011, convertida na Lei n. 12.514/2012. 3. No período de 10/1/2002 a 31/10/2011, não há que se falar em direito dos médicos residentes às referidas vantagens, visto que o art. 4º, § 2º, da Lei n. 6.932/1981, com a redação dada pela Lei n. 8.138/1990, juntamente com todos os demais artigos, foi revogado pela Lei n. 10.405/2002, não se limitando os efeitos da referida revogação ao caput do referido dispositivo. 4. Verifica-se que a agravada esteve inserida no programa de residência médica nos períodos de 1/3/2018 a 28/2/2021, fazendo jus à indenização pelos gastos decorrentes do não fornecimento de moradia e respectiva conversão em pecúnia. 5. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.945.596/RS, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 20/3/2023, DJe de 22/3/2023.) (grifo nosso) Destarte, é evidente que a ausência de regulamentação específica não pode justificar a omissão no pagamento ou fornecimento do direito à moradia, assegurado por lei aos médicos residentes. O dever de garantir moradia aos residentes é autoaplicável, fundamentado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da eficácia protetiva da norma. Consequentemente, a não concessão do auxílio-moradia configura descumprimento de obrigação legal, passível de correção mediante a conversão da obrigação de fazer em obrigação pecuniária. O mesmo raciocínio se aplica para refutar a alegação da recorrente de inexistência de previsão da bolsa-moradia no edital dos programas de residência médica. Ora, se a lei estabelece o direito do médico residente à moradia, o edital não pode suprimir tal direito. E, na ausência da oferta de moradia in natura, compete à instituição realizar o pagamento da respectiva indenização em pecúnia. Importa ressaltar que não se configura ofensa ao princípio da legalidade ou da separação de poderes, dada a existência de dispositivo legal que assegura o dever das instituições de saúde, sejam elas universitárias ou não, de fornecer alojamento aos médicos residentes durante todo o período da residência (art. 4º, § 5º, inciso III, da Lei nº 6.932/81). Conforme já mencionado, o tema encontra-se pacificado no âmbito do STJ, que reconheceu o direito ao auxílio pretendido e a possibilidade de sua conversão em pecúnia. Embora o artigo legal que determina o pagamento condicione sua efetividade à regulamentação, a inércia do Poder Público em editar tal regulamento não pode perpetuar a violação de um direito legalmente assegurado. Nesse contexto, a intervenção do Poder Judiciário se mostra legítima e necessária para conferir eficácia prática ao texto da lei. A tutela jurisdicional busca suprir um direito legalmente previsto e não concedido, visando garantir um resultado equivalente ou a conversão em perdas e danos, nos termos do artigo 499 do Código de Processo Civil. Para a concessão do benefício pleiteado, exige-se o preenchimento de três requisitos cumulativos: (i) comprovação da realização do Programa de Residência Médica; (ii) inexistência de disponibilidade de alojamento pela Instituição pública demandada; e (iii) comprovação de despesas com moradia. No presente caso, o conjunto probatório demonstra que o autor comprovou sua condição de médico, devidamente registrado no CRMPA sob o nº 16341-PA, bem como sua participação no programa de residência médica em Cirurgia Geral, promovido pela Universidade do Estado do Pará, no período de março de 2021 a fevereiro de 2024, e a ausência de recebimento de qualquer auxílio referente à moradia. Quanto ao percentual pleiteado, embora não haja previsão legal expressa sobre o valor da indenização, a jurisprudência tem adotado o parâmetro de 30% (trinta por cento) do valor da bolsa como montante razoável e proporcional para o auxílio-moradia, considerando as despesas estimadas com habitação. Esse entendimento visa proporcionar um valor suficiente para compensar a ausência da prestação in natura. No mesmo sentido é a Jurisprudência desta Egrégia Corte: DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO DE APELAÇÃO. MÉDICO RESIDENTE. AUXÍLIO-MORADIA. LEI Nº 6.932/1981. INEXISTÊNCIA DE ALOJAMENTO FORNECIDO PELA INSTITUIÇÃO. DIREITO RECONHECIDO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso de Apelação interposto pela Universidade do Estado do Pará em face de sentença que julgou procedente o pedido formulado por Eduardo Junior Antunes Gregianini, médico residente, para condenar a instituição ao pagamento de auxílio-moradia, nos termos do artigo 4º, §5º, inciso III, da Lei nº 6.932/1981. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a ausência de regulamentação estadual impede a concessão do auxílio-moradia ao médico residente; (ii) estabelecer se a inexistência de previsão no edital do programa de residência médica afasta o direito ao benefício. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A Lei nº 6.932/1981 assegura expressamente ao médico residente o direito à moradia, cabendo à instituição de saúde responsável pelo programa de residência médica fornecer alojamento ou, na sua ausência, conceder o auxílio-moradia. 4. A inexistência de regulamentação estadual específica não obsta o direito ao benefício, pois a norma legal é autoaplicável, sendo vedado à Administração Pública esvaziar seu conteúdo por omissão. 5. O edital do programa de residência médica não pode excluir direito previsto em lei, devendo a instituição garantir o fornecimento de alojamento ou a respectiva indenização pecuniária. 6. O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a ausência de regulamentação normativa não afasta a obrigação de conceder o auxílio-moradia, podendo o benefício ser convertido em pecúnia na falta de alojamento disponibilizado pela instituição. 7. Preenchidos os requisitos necessários, incluindo a inexistência de moradia fornecida pela universidade, a sentença de primeiro grau deve ser mantida. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. O direito ao auxílio-moradia do médico residente decorre diretamente do artigo 4º, §5º, inciso III, da Lei nº 6.932/1981, sendo autoaplicável independentemente de regulamentação estadual. 2. A ausência de previsão no edital do programa de residência médica não afasta o direito ao auxílio-moradia, pois norma infralegal não pode restringir direito assegurado por lei federal. 3. Não havendo oferta de alojamento pela instituição, impõe-se a conversão do benefício em pecúnia, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. ________________________________________ Dispositivos relevantes citados: Lei nº 6.932/1981, art. 4º, §5º, III; CPC, arts. 5º, 6º, 487, I, 499. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg nos EREsp 1.339.798/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 07.03.2013; STJ, AgRg nos EREsp 813.408/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 15.06.2009; TJ-SP, RI 1006779-64.2022.8.26.0007, Rel. Des. Carla Kaari, j. 20.10.2022. (TJPA – APELAÇÃO CÍVEL – Nº 0811243-16.2022.8.14.0051 – Relator(a): ROSILEIDE MARIA DA COSTA CUNHA – 1ª Turma de Direito Público – Julgado em 17/03/2025) (grifo nosso) Diante do exposto, considerando o preenchimento dos requisitos necessários ao recebimento do benefício, a duração do programa de residência e a ausência de fornecimento de moradia pela requerida, conclui-se que o recorrido faz jus ao pagamento do auxílio-moradia, sendo a sentença proferida em primeira instância irretocável na análise dos elementos constantes dos autos. Ante o exposto, CONHEÇO EM PARTE DA APELAÇÃO CÍVEL E NO MÉRITO, NEGO-LHE PROVIMENTO, a fim de que a sentença seja mantida por seus próprios fundamentos. Quanto aos honorários advocatícios, a sucumbência recursal deve ser considerada, quando da sua fixação, nos termos do art. 85, §4º, II, e §11º do CPC. Alerta-se às partes que embargos declaratórios meramente protelatórios ensejarão a aplicação de multa, nos termos do artigo 1.026, §2º do CPC/15. É como voto. Servirá como cópia digitalizada de mandado. Publique-se, registre-se, intimem-se. Belém - PA, data de registro no sistema. Desembargadora EZILDA PASTANA MUTRAN Belém, 10/06/2025

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