Processo nº 1000073-61.2021.8.11.0090
ID: 293856002
Tribunal: TJMT
Órgão: VARA ÚNICA DE NOVA CANAÃ DO NORTE
Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
Nº Processo: 1000073-61.2021.8.11.0090
Data de Disponibilização:
10/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ROGERIO LAVEZZO
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE NOVA CANAÃ DO NORTE SENTENÇA Processo: 1000073-61.2021.8.11.0090. AUTOR(A): LEONIS JOSE PEREIRA ESPÓLIO: MARIA JOSE PEREIRA REQUERENTE: EDMAR JOSE…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA ÚNICA DE NOVA CANAÃ DO NORTE SENTENÇA Processo: 1000073-61.2021.8.11.0090. AUTOR(A): LEONIS JOSE PEREIRA ESPÓLIO: MARIA JOSE PEREIRA REQUERENTE: EDMAR JOSE PEREIRA, LEANDRO JOSE PEREIRA, LIDIANE CRISTINA PEREIRA AMORIM, LUCIMARA PEREIRA COSTA, MARCOS GEOVANI COSTA, OZEMAR PEREIRA COSTA, RODRIGO PEREIRA COSTA, SANDRA ELIZABETI COSTA, SONIA MARA COSTA, SILVANA MARIA PEREIRA ALMEIDA REU: ROGE PEREIRA COSTA REQUERIDO: RUTHE DE ALMEIDA COSTA, ROGERIO ALMEIDA COSTA VISTOS. Trata-se de Ação de Reintegração de Posse com Pedido Liminar, ajuizada pelos autores Leones José Pereira e Maria José Pereira em face do réu Roge Pereira Costa, todos qualificados nos autos em epígrafe. Inicialmente, na petição inicial (I.D nº 48305685), aduz a parte autora que é proprietária legítima da propriedade rural denominada “Fazenda São José”, localizada na Estrada Ariranha, no Município de Nova Canaã do Norte/MT. Prosseguindo, ainda em sua inicial, a requerente alega que o imóvel está em comodato desde o ano de 1985 para a parte requerida. Todavia, no ano de 2020, a autora solicitou a restituição da propriedade, sendo que a parte ré não concordou na devolução, formalizando entretanto proposta de compra, a qual não foi aceita. Diante dos fatos narrados, observa-se que, embora a parte autora tenha expedido notificação extrajudicial em 04/08/2020, não houve qualquer manifestação por parte da parte ré. Deste modo, em sua petição inicial, a parte autora requereu, em síntese, os seguintes pedidos: a) o recebimento da inicial e documentação pertinente; b) a concessão da medida liminar de reintegração de posse, nos termos do art. 562 do CPC; c) designação da audiência de justificação prévia, afim de serem ouvidas as testemunhas arroladas; d) citação do requerido para apresentar contestação; e) a procedência do pedido, com a consequente reintegração da posse aos autores; f) o reconhecimento da posse ilegítima do requerido; g) condenação do requerido às custas processuais e pagamento de honorários; h) deferimento da prioridade na tramitação, por tratarem-se os autores de pessoas com mais de 60 (sessenta) anos e; i) concessão da justiça gratuita aos autores, ou, a prorrogação do pagamento para o final do processo. Por fim, a parte autora atribuiu à causa o valor de R$2.000.000,00 (dois milhões de reais), correspondente ao suposto valor do imóvel, bem como apresentou aos autos a documentação referente à propriedade rural (vide I.D sob nº 48308167, 48308169, 48308175, 48308176, 48308178, 48308182 e 48308185). Em sede de decisão acerca da liminar (I.D nº 55139350), decidiu este juízo pelo deferimento do pedido liminar de reintegração de posse, fixando multa cominatória estipulada em R$5.000,00 (cinco mil reais) por dia de descumprimento da decisão, fixando limite em 30 (trinta) dias, bem como autorizou o uso de forças policiais, caso haja necessidade. Prosseguindo, a defesa do requerido Roge Pereira Costa requereu sua habilitação no feito (I.D nº 58484017), bem como manifestou-se pela necessidade de realização de audiência de conciliação e suspensão do cumprimento da liminar, alegando a ausência de prazo para saída do imóvel, considerando a quantidade de animais e pertences pessoais na propriedade. Em decisão sob I.D nº 58513303, foi determinada a suspensão do cumprimento da liminar deferida, no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, bem como foi designada a audiência de conciliação para o dia 21/07/2021, às 17h00. Irresignada com a decisão liminar proferida, a parte requerida interpôs agravo de instrumento (recurso sob I.D nº 59895450), requerendo, em síntese, a suspensão dos efeitos da decisão em razão do risco de dano irreparável, bem como o reconhecimento da inépcia da petição inicial, nos termos do art. 73, §2º, do CPC. O Tribunal de Justiça recebeu o recurso interposto (I.D nº 60157210), e em seu mérito indeferiu o pedido de concessão da liminar, bem como indeferiu o pedido de efeito suspensivo do recurso. A parte ré apresentou contestação (sob I.D nº 60261668) alegando a inépcia da inicial, a falta de interesse processual, e requerendo, em resumo, os seguintes pedidos: a) o recebimento e processamento da contestação e documentos anexos; b) total improcedência dos pedidos formulados na inicial; c) procedência dos pedidos constantes na contestação, com o acolhimento da preliminar de inépcia da inicial e seu indeferimento, com a extinção da demanda sem resolução do mérito; d) que seja convencionado que nunca houve esbulho por parte do requerido; e) que seja acolhido o pedido de permanência na posse e indenização pelos danos sofridos; f) seja acolhido o pedido de litigância de má-fé, com condenação à multa de 10% sobre o valor da causa; g) condenação dos requerentes no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, na importância de 20%. A contestação foi instruída com alguns documentos comprobatórios (I.D nº 60261669, 60261670 e 60261671). Foi realizada audiência de conciliação (termo de audiência sob I.D nº 61135222), a qual, todavia, não logrou êxito. A parte autora apresentou réplica à contestação (I.D nº 91049859), combatendo, em síntese, a integralidade dos argumentos aduzidos na contestação defensiva. No transcurso do processo, houve a informação do falecimento da autora Maria José Pereira (vide certidão de óbito sob I.D nº 93438993 – pág. 2). Deste modo, houve a habilitação dos herdeiros da requerente no polo ativo processual. Houve julgamento de liminar de embargos de terceiro e, após decisão colegiada, foi determinada a inclusão de Ruth de Almeida Costa no polo passivo da ação, na qualidade de litisconsorte passivo necessário, vide I.D nº 115094083, sendo determinada a citação de Ruth para contestar a ação. A requerida Ruth apresentou contestação (I.D nº 119294854), requerendo, em resumo: a) a apreciação da liminar de proteção possessória; b) acolhimento das preliminares; c) improcedência do feito; d) direito de retenção pelas benfeitorias no imóvel; e) acolhimento da exceção de usucapião; f) condenação dos autores aos honorários sucumbenciais, bem como as custas processuais. Em sequência, Rogério Almeida Costa, neto dos autores Leones José Pereira e Maria José Pereira requereu habilitação no feito, informando ser parte interessada na ação (I.D nº 119454744), solicitando a inclusão como litisconsorte necessário ao polo passivo do processo e a suspensão da liminar deferida. A parte autora apresentou nova réplica à contestação (I.D nº 120923458), combatendo, em síntese, a integralidade dos argumentos aduzidos na contestação defensiva protocolada pela ré Ruth de Almeida Costa, bem como manifestou-se acerca do pedido de habilitação de Rogério Almeida (I.D nº 120923476). Posteriormente, em sede de decisão saneadora (I.D nº 122269976), este juízo determinou, em síntese: a) o cumprimento da liminar reintegratória de posse; b) a retirada do sigilo das petições; c) a prioridade na tramitação, em razão da avançada idade do autor Leones; d) a intimação da parte Roge Pereira Costa para pagamento de custas da reconvenção e; e) a habilitação dos herdeiros da requerida Maria José. Quanto ao saneamento, foram afastadas as preliminares de inépcia da inicial por falta de inclusão da cônjuge Ruth de Almeida, falta de interesse processual, inépcia da inicial em razão da ausência de comprovação do contrato de comodato verbal, bem como foi deferida a inclusão de Rogério Almeida Costa no polo passivo processual. As partes manifestaram-se a fim de suspender a decisão liminar até o dia 24/07/2023, o que foi devidamente deferido pelo juízo (I.D nº 123428524). Rogério Almeida Costa apresentou sua contestação (I.D nº 125272852), requerendo: a) o recebimento da contestação e documentos anexos; b) a imediata revogação da tutela provisória de reintegração de posse; c) o acolhimento das preliminares arguidas, com a extinção do processo sem resolução meritória, com fulcro no art. 485 do CPC; d) subsidiariamente, que seja o contestante intimado para produção de provas; e) no mérito, pela improcedência do pedido de reintegração de posse; f) seja acolhida a exceção de usucapião e; g) sejam os autores condenados ao pagamento de honorários advocatícios e verbas sucumbenciais. Prosseguindo, a parte ré Roge Pereira Costa interpôs Agravo de Instrumento com pedido de antecipação da tutela recursal, contra a decisão proferida por este juízo de concessão da liminar, aplicando multa no montante de 15% sobre o valor da causa (I.D nº 125502348). O Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso, deferindo o efeito suspensivo até que a questão seja esclarecida, obstando a cobrança do valor à época, vide decisão sob I.D nº 125309951. A decisão liminar de reintegração de posse foi cumprida em 20 de Outubro de 2023, vide certidão sob I.D nº 132787769 e Auto de Reintegração de Posse sob I.D nº 132788632. A parte autora manifestou-se (I.D nº 134701898), requerendo a intimação dos requeridos para informação acerca do interesse em retirar os animais do pasto, ou para adimplemento de aluguel antecipado e pagamento de honorários do depositário fiel, bem como o depósito em juízo mensalmente dos valores de despesa com os semoventes, e autorização de venda em caso de discordância. Por sua vez, a parte ré rebateu os valores apresentados na manifestação do requerente, indicando números diversos e que entende como justos, bem como requereu a expedição de alvará para venda de 50 (cinquenta animais), e a autorização para retirada de animais de pequeno e médio porte (I.D nº 136322432). Houve, ainda, a informação de acórdão proferido em recurso de agravo de instrumento, nos seguintes termos: “Exerço juízo de retratação, DOU PROVIMENTO AO RECURSO DE AGRAVO INTERNO para dar provimento ao recurso de Agravo de Instrumento de nº 1010570-45.2023.8.11.0000, e reformar a decisão de primeiro grau e suspender a ordem de reintegração dos agravados na posse do imóvel sub judice.” (I.D nº 137972153). Em sede de decisão anterior (I.D nº 136651785), este juízo deixou de analisar o pleito referente à fixação de valores relativos a honorários do depositário e demais despesas correlatas, sob o fundamento de que a presente demanda possui natureza exclusivamente possessória. Ademais, consta nos autos a solicitação de intimação dos autores, a fim de que seja permitido acesso dos requeridos à propriedade, visando o manejo e cuidados necessários ao rebanho existente no local. Por fim, foi também requerido que se proceda à intimação da parte autora para apresentação de réplica à contestação apresentada por Rogério Almeida Costa. A parte autora apresentou réplica à contestação de Rogério Almeida Costa, requerendo a total improcedência da contestação apresentada, bem como a condenação ao pagamento de honorários advocatícios e condenação nas custas e multa por litigância de má-fé (I.D nº 139141909). Posteriormente, em decisão (I.D nº 140278116), manifestou-se o juízo pela extinção da reconvenção proposta por Roge Pereira Costa, sem resolução de mérito; pelo afastamento da preliminar de ausência de interesse processual; pelo reconhecimento da legitimidade ativa; e pelo cabimento do procedimento de reintegração de posse, com afastamento da preliminar aduzida. Ainda no bojo da decisão supramencionada, foi determinada a especificação e o esclarecimento dos pontos controvertidos da presente demanda, com destaque para os seguintes aspectos: a) a existência, ou não, de contrato de comodato, identificando-se, caso positivo, quem seriam os participantes da avença; b) a ocorrência de ato turbatório ou esbulho por parte dos requeridos; c) eventual abandono da área objeto da lide; d) a comprovação de que os requeridos exerciam, ou não, a posse direta do imóvel; e) e, por fim, se o autor Leones exercia a posse do bem, ainda que de forma indireta. A audiência de instrução e julgamento foi devidamente designada e realizada em 19 de Setembro de 2024, às 13h30, com a colheira dos depoimentos da parte autora, dos requeridos, testemunhas e informantes, vide Termo de Audiência sob I.D nº 169789022. Sua continuação ocorreu em 10 de Dezembro de 2024, às 13h30, vide Termo de Audiência sob I.D nº 178283087. Após a audiência de instrução, foi dada às partes oportunidade para se manifestarem através de memoriais. Em sede de suas alegações finais (sob I.D nº 181146394), a parte autora requereu, em síntese, os seguintes pedidos: a) o acolhimento do pedido de liminar de reintegração de posse; b) a condenação solidária dos requeridos em perdas e danos, em valor igual a R$50.000,00 (cinquenta mil reais) por mês, com incidência desde a data de intimação até a efetiva desocupação do imóvel; c) a condenação dos requeridos às custas processuais e honorários advocatícios de 20¬% (vinte por cento) sobre o valor da causa e; d) em caso de recurso, que somente seja encaminhado à instância superior após o cumprimento da reintegração de posse. Por sua vez, a parte requerida, em sede de memoriais (vide I.D nº 183308687, pugnou pela improcedência do pedido de reintegração de posse, com a consequente condenação da parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em 20% (vinte por cento) do valor da causa, com fulcro no artigo 85, §2º, do CPC. Vieram os autos conclusos para sentença. É a síntese processual. FUNDAMENTO E DECIDO. A priori, necessário estabelecer que o artigo 561 do Código de Processo Civil elenca os requisitos para a procedência da ação de reintegração de posse, consistentes na demonstração de: I) posse exercida pelo autor; II) ocorrência de turbação ou esbulho por parte do réu; III) data da turbação ou esbulho; e IV) continuação da posse, ainda que turbada, no caso de manutenção, ou perda da posse, no caso de reintegração. No caso em apreço, a parte autora sustenta ser legítima proprietária da Fazenda São José, localizada no Município de Nova Canaã do Norte/MT, conforme documentação acostada nos autos, aduzindo que adquiriu o imóvel no ano de 1984. De fato, não há controvérsia acerca da propriedade formal do imóvel. Contudo, alega-se que, no ano de 1985, a propriedade teria sido cedida verbalmente à parte ré, por meio de comodato, ocasião em que o requerido passou a residir no local, realizar benfeitorias e exercer atividades produtivas na área. Nesse contexto, as partes e testemunhas ouvidas em juízo contribuíram para a elucidação da dinâmica fática da posse e da relação entre os envolvidos. Vejamos: O autor Leones José Pereira relatou que trabalhou na área por cerca de três anos, tendo se ausentado em razão da enfermidade de sua esposa. Informou que enviava recursos financeiros para benfeitorias na propriedade. Acerca do comodato, declarou que foi verbal, "boca a boca", e sem testemunhas. Confirmou que não recebia valores pela ocupação do imóvel e disse que pretendia retomar a terra para lavoura, mas não notificou os ocupantes. Já o requerido Roge Pereira Costa alegou que adquiriu o imóvel junto com seu pai, sendo que Leones não teria exercido atividades produtivas na fazenda. Negou a existência do comodato, bem como reconheceu que nunca pagou pela ocupação. Relata ainda que não transferiu o CAR (Cadastro Ambiental Rural) para o seu nome, bem como relatou que não devolveria o imóvel, por ter trabalhado nele durante toda a vida. Por seu turno, o réu Rogério, filho de Roge, confirmou residir na propriedade. Declarou que a considerava como propriedade de seu pai e que o entendimento era que a terra havia sido adquirida de seu avô Leones. Informou desconhecer qualquer tentativa de acordo recente. A requerida Ruthe de Almeida foi também ouvida em juízo. Na ocasião, relatou que a Sra. Silvana residiu na fazenda juntamente com seu esposo, Elias, tendo deixado o imóvel após um pedido realizado pela própria Ruthe. Acrescentou que “nunca soube que a propriedade pertencia ao Sr. Leones”. Ademais, declarou que chegou a visualizar o Sr. Leones na fazenda em algumas ocasiões. Contudo, acreditava tratar-se de simples visitas ou passeios, uma vez que este não aparentava exercer qualquer atividade relacionada à administração da propriedade rural. Em sequência, a testemunha de defesa Clovis Krzyzanski foi inquirido em juízo. No ato, informou que conhecia a Fazenda como “a área do Rogério” ou “área da Ruthe”, mas informa que não conhecia o local como “área do Leones”, bem como informou que jamais visualizou o Sr. Leones no local. Já a informante Jane afirmou que Leones viveu na fazenda e saiu do local devido à doença de sua esposa. Mencionou que Silvana e Elias também residiram no local, mas que na época Roge e Rogério não permaneciam no imóvel. A testemunha Cilene foi inquirida. Residente na região desde 1981, informou que Sr. Leones foi um dos pioneiros da localidade, sendo que era reconhecido como dono da terra, retornando regularmente ao imóvel, mesmo após a sua saída. Quanto ao acordo de comodato realizado entre Leones e Roge, a testemunha informa que não possui conhecimento do fato. Já a testemunha Maria da Luz, quando inquirida em juízo, confirmou a presença de Leones na fazenda, bem como relatou que o autor realizava atividades no local. Já a testemunha Givan relatou que residiu na Fazenda vizinha, informando que conhecia por dono do imóvel a pessoa de Leones, conhecido como “Mineiro”, o qual retornava ao local com certa regularidade. Em sequência, a testemunha Jorge, por sua vez, destacou que “toda vida conhecia a fazenda como do seu Leonis, conhecido como seu Mineiro, pai do Roge”. Apontou ainda que já foi até a Fazenda e que o Sr. Leones já havia ido embora, mas que este deixou o Roge cuidando do bem. Entretanto, menciona que Leones sempre voltava para a propriedade. A testemunha Sr. Carmelito indicou que o seu irmão fez a venda da propriedade a Leones, que após a aquisição passou a desenvolver atividades no local. Relatou que Leones possuía um lote na cidade de Colíder/MT e após a venda, adquiriu a fazenda. Prosseguindo, a informante Regiane foi ouvida. Destacou que o proprietário do imóvel é o Sr. Leones, relatando ainda que “todo mundo da região sabe que a fazenda é do seu Leones e o Roge trabalhava em cima da fazenda”. Pontua que tinha amizade com a filha do Roge, Rubiana, a qual sempre mencionava que a fazenda era pertencente ao seu pai e seu avô. Já o informante Fabiano destacou que frequentava a Fazenda e que sempre teve conhecimento que o proprietário do bem era o Sr. Leones. Pontua que Cláudia e Davi, filhos de Silvana, lhe relataram que a Fazenda pertencia ao Sr. Leones, e que Roge cuidava do local e criava seu gado no imóvel. A testemunha de defesa Elizabeth Quiesa foi ouvida judicialmente. Durante o ato, Elizabeth destacou que reside na região do Colorado há cerca de 40 anos, e que as terras, na década de 90, possuíam valor baixo, em razão das dificuldades para ocupar a região. Posteriormente, destacou que desconhece o Sr. Leones, sendo que conheceu apenas Silvana, irmã do Roge. Vicente Gerotto, testemunha de defesa, mencionou que é morador da região de Nova Canaã do Norte desde 1984. Afirma que conhece o Roge desde 1997, e comprava gado de Roge. Quanto ao Sr. Leones, relatou que não chegou a conhece-lo, nem sequer sabia que era o proprietário do bem. Prosseguindo, a testemunha de defesa Odair Augusto indicou que faz negociações com Sr. Rogério e Roge, sendo que adquiriu alguns bezerros no ano de 2006. Na oportunidade, negou conhecer Sr. Leones como proprietário do bem. Feito esse brevíssimo apontamento acerca do que fora relatado pelas partes, testemunhas e informantes, constata-se a existência de uma celeuma acerca do conhecimento público e o exercício efetivo da posse do bem. Entretanto, é fato reconhecido pelo próprio requerido Roge que, após o autor Leones sair do imóvel para tratamento de saúde de sua mãe Marisa, a posse da propriedade foi transferida, de forma consensual, aos cuidados de Roge. Importante destacar que, durante todo esse período, jamais houve deixou a propriedade, a qual permaneceu aos cuidados de Roge, sendo que nunca foi cobrado qualquer valor para sua permanência. Nesse contexto, ainda que a parte requerida negue expressamente a existência do contrato de comodato verbal, os elementos constantes dos autos demonstram que tal relação jurídica se formou de fato. Houve cessão gratuita da posse, com permissão de uso do imóvel, caracterizando o comodato previsto nos artigos 579 e seguintes do Código Civil. O requerido, inclusive, realizou de fato benfeitorias no imóvel, destinadas à exploração agropecuária, que revertiam em seu próprio benefício, o que não descaracteriza o comodato, podendo inclusive configurar modalidade com encargo (comodato modal). Ainda que haja participação significativa de Roge, é fato evidenciado através das testemunhas Fabiano e Regiane que a propriedade era originalmente de titularidade do autor Leones, o qual, mesmo residindo fora da área, jamais abdicou de seu poder de controle e fiscalização, evidenciando a manutenção da posse indireta com animus domini. Não se verificam nos autos quaisquer indícios de transferência onerosa ou gratuita da titularidade ou da posse definitiva do imóvel. O requerido ocupava o bem com a ciência e tolerância do autor, sem qualquer animus domini por parte daquele, até a formal rescisão da permissão, momento em que se atesta a natureza precária da posse exercida. Importa destacar que o contrato de comodato encontra-se disciplinado nos artigos 579 e seguintes do Código Civil, sendo definido como o “empréstimo gratuito de coisa não fungível”. No tocante ao prazo, dispõe o artigo 581 que, “se o comodato não tiver prazo convencional, presumir-se-á o necessário para o uso concedido”. No caso em exame, restou caracterizado o comodato verbal firmado entre as partes em 1985. Tratando-se de negócio jurídico celebrado entre partes capazes, ainda que verbalmente, constata-se que a cessão de uso do imóvel foi legítima e perdurou de forma pacífica e consentida até o ano de 2020, quando os autores solicitaram a restituição do bem. Para tanto, foi expedida notificação extrajudicial exigindo a desocupação do imóvel. Contudo, mesmo após o recebimento da notificação, a parte requerida recusou-se a desocupar o bem. Tal recusa configura o esbulho possessório, já que a notificação formal marca o fim do contrato de comodato e o início da posse injusta. Desta forma, resta evidenciado o esbulho possessório desde o dia 04 de Agosto de 2020, visto que a notificação foi devidamente recebida e após o prazo para desocupação do imóvel, a parte requerida não se retirou do local (I.D nº 48308188). A jurisprudência pátria, inclusive dos Tribunais de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, é pacífica ao reconhecer o esbulho possessório na hipótese de comodato verbal, quando há recusa de desocupação após a notificação. Destacam-se os seguintes precedentes: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. COMODATO VERBAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA . INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVAS NECESSÁRIAS AO DESLINDE DA CONTROVÉRSIA. POSSE CEDIDA EM CARÁTER PRECÁRIO. "EMPRÉSTIMO GRATUITO" QUE SE REVESTE DE CARACTERÍSTICA DE TEMPORARIEDADE . NOTIFICAÇÃO JUDICIAL PARA DEVOLUÇÃO DA COISA NÃO ATENDIDA. CARACTERIZADO O ESBULHO POSSESSÓRIO. É INCONTROVERSO QUE O APELADO REPRESENTA O ESPÓLIO DO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL. OCUPAÇÃO PELO PAI DA APELANTE QUE OCORREU EM RAZÃO DA PERMISSÃO DO PAI DO APELADO, O QUE CARACTERIZA A EXISTÊNCIA DE COMODATO VERBAL . AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O IMÓVEL TERIA SIDO OBJETO DE DOAÇÃO OU CESSÃO DE DIREITOS. MANIFESTAÇAO EXPRESSA ATRAVÉS DE NOTIFICAÇAO JUDICIAL, QUE O ESPÓLIO DESEJA SER REINTEGRADO NA POSSE DO IMÓVEL QUE AFASTA A ALEGAÇÃO DE POSSE JUSTA. RECURSO DESPROVIDO. 1 . "Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade ." 2. Art. 579. O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis . Perfaz-se com a tradição do objeto". 3."Art. 560 . O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho". 4. Trata-se de Reintegração de posse ajuizada por Espólio do proprietário do imóvel, representado por seu inventariante, na qual o autor alega que parte da propriedade rural, localizada no sitio Santa Cruz e Milão, foi objeto de contrato de comodato verbal havido entre o seu genitor, e o pai da apelante, ambos falecidos. Narra que a ré vem ocupando irregularmente o referido imóvel, causando transtornos e prejuízos em desfavor do espólio . Assevera que encaminhou notificação judicial a ré, que não desocupou o imóvel, caracterizando-se o esbulho possessório. 5. Preliminares não acolhidas. Desnecessidade de citação dos irmãos da ré, eis que, de acordo com as provas dos autos, a apelante é a única ocupante do imóvel . Preliminar de litisconsórcio passivo necessário que não deve prosperar. Ausência de cerceamento de defesa. Juiz é o destinatário final das provas e deve decidir de acordo com as provas dos autos. Pedido genérico para realização de todas as provas legalmente admitidas, não houve apresentação de rol de testemunhas . 6. Comprova o autor/apelado, que representa o espólio de Antônio do Nascimento Costa, proprietário do imóvel Santa Cruz e Milão, que compreende imóvel rural, situado no município de Italva, para tanto junta aos autos escrituras públicas de compra e venda. 7. Cinge-se a controvérsia em averiguar qual ato jurídico, realizado entre o patrão e o empregado, ambos falecidos, propiciou a autora e sua família a posse do imóvel em questão, eis que o autor sustenta a existência de comodato verbal, e a ré, a realização de ato de doação inter vivos . 8. A doação é um contrato nominado, cujo principal característica é a unilateralidade, e por ser ato essencialmente formal, consoante se depreende da análise do artigo 541 do Código Civil, sendo requisito necessário à comprovação do ato, a apresentação de instrumento público ou particular, o que não ocorreu. 9. O ato jurídico que originou a posse da apelante, foi o comodato, eis que, modificou-se o título da posse do imóvel, que anteriormente era fundada no contrato de trabalho, tendo passado, com o correr dos anos, a existir comodato, que consiste no"empréstimo gratuito de coisas não fungíveis", como disposto no artigo 579 do CC . 10. O comodato verbal é feito por prazo indeterminado, devendo o comodante comunicar o comodatário acerca da devolução, o que poderá ser feita através de notificação extrajudicial. 11. Notificação realizada em 04 de julho de 2016 (index 000055), findo o prazo, sem a devolução da coisa, caracteriza-se o esbulho possessório . 12. Na presente hipótese, encontra-se comprovado ser o autor proprietário do imóvel, e a posse anterior. Comprovado o esbulho, eis que a ré recebeu notificação extrajudicial para desocupação do imóvel, e permaneceu inerte, restando comprovado a data e o esbulho possessório, como ônus imposto pelo art. 561 c/c art . 373, I do CPC. 13. Sentença prestigiada. 14 . Recurso conhecido e desprovido. (TJ-RJ - APL: 00014593020168190080 RIO DE JANEIRO ITALVA VARA UNICA, Relator.: JDS ISABELA PESSANHA CHAGAS, Data de Julgamento: 13/06/2018, VIGÉSIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 14/06/2018) Direito civil. Reintegração de posse. Comodato. Esbulho possessório . Alegação de usucapião. Inadmissibilidade. Sentença mantida. I . Caso em exame Trata-se de apelação contra sentença que julgou procedente ação de reintegração de posse, ajuizada pelo autor, com fundamento no esbulho possessório decorrente de descumprimento de notificação para desocupação de imóvel cedido em comodato. A sentença reconheceu a posse do autor, preenchendo os requisitos do art. 561 do CPC, e rejeitou a alegação de usucapião pela ré. II . Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar se o autor comprovou os requisitos da posse para a reintegração, se houve esbulho pela ré ao não desocupar o imóvel após notificação, e se é cabível a alegação de usucapião em caso de posse precária decorrente de comodato. III. Razões de decidir 3 . O autor comprovou a posse do imóvel, nos termos do art. 561 do CPC, mediante provas que indicam o exercício da posse com animus domini. 4. A ré exerceu somente o cuidado sobre o imóvel, característico do comodato, e o descumprimento da notificação para desocupação configura esbulho . 5. A posse precária, decorrente de comodato, jamais convalesce em usucapião, conforme os arts. 1.200 e 1 .208 do Código Civil. A permissão ou tolerância não induzem à usucapião. 6. Mantêm-se os honorários recursais, nos termos do art . 85, § 11 do CPC, em razão da improcedência do recurso. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso desprovido . Tese de julgamento: "A posse precária decorrente de comodato não convalesce em usucapião, sendo configurado o esbulho possessório pelo descumprimento da notificação para desocupação." Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 561; CC, arts. 1 .200 e 1.208. Jurisprudência relevante citada: TJSP: Apelação Cível 1054846-75.2022 .8.26.0002, Apelação Cível 1006971-19.2019 .8.26.0066. (TJ-SP - Apelação Cível: 10086004120238260566 São Carlos, Relator.: Achile Alesina, Data de Julgamento: 09/09/2024, 15ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/09/2024) Assim, mesmo diante da alegação da parte requerida de que jamais houve contrato de comodato entre os litigantes, ou de que o imóvel era inabitável por ser “mata fechada”, tais argumentos não encontram respaldo nos autos. Trata-se de hipótese clara de comodato verbal, na qual o comodatário (requerido) exerceu o cuidado para com o bem, característica comum ao ato. Ante o exposto, restando comprovada através dos documentos comprobatórios a posse do bem, o esbulho praticado pela parte ré, a data do esbulho e a perda da posse, preenchem-se os requisitos do art. 561 do Código de Processo Civil para o acolhimento do pedido. Prosseguindo, aduz a parte requerida em sede de Alegações Finais (I.D nº 183308687 – teor de fl. 02/03) que “jamais existiu contrato de comodato firmado entre os autores e o demandado Roge Pereira Costa”, bem como reconhece que, ainda que tenha existido, o comodato não estaria caracterizado ante a ausência de gratuidade. Ainda em sede de memoriais, a parte ré pontua que “não há que se falar em empréstimo gratuito de uma mata fechada”, sendo que o imóvel foi abandonado pelo lapso de 35 (trinta e cinco) anos pelos autores. Ademais, em síntese, alega que Ruthe e Rogério exercem a justa posse sobre a área e a utilizam para a produção pecuária. Quanto às alegações dos requeridos, convém pontuar que, muito embora a área inicialmente fosse de fato de mata fechada, conforme imagens via satélite juntadas pelo réu, não se expôs nos autos nenhuma comprovação de que a permissão de permanência no imóvel tenha sido a título oneroso. Pelo contrário: ao que consta, os autores cederam o espaço de forma gratuita, dispondo de área de aproximadamente 507,28 (quinhentos e sete hectares e vinte e oito ares), em local de alta valorização, nas proximidades do Rio Teles Pires, com potencial para pecuária e outras atividades lucrativas. Logo, ainda que de fato a parte requerida alegue que o comodato não tenha se realizado, em razão de “não haver gratuidade”, é fato que até então, restou comprovado nos autos que não houve nenhuma cobrança para permanência dos réus no local. Além disso, é nítido que muito embora a parte ré tenha exercido os cuidados para com o imóvel, construindo benfeitorias e zelando pelo local, trata-se de atividade comum ao comodatário, consistindo a espécie de comodato modal, ou com encargo. Cabe mencionar que em sede de seu depoimento em juízo, Leones relatou, em síntese que trabalhou na área por aproximadamente 3 (três) anos, e que após deixar o bem, auxiliou com dinheiro, de acordo com as suas condições à época, além de ter trabalhado de forma manual durante o período em que lá residiu. Portanto, muito embora a parte autora não tenha atuado de forma incisa no imóvel, visto que a parte ré estava no local agindo com os encargos para com o bem, tal fato não desqualifica os autores como verdadeiros proprietários do bem, considerando que para a obtenção de lucro e exercício das atividades agropecuárias no bem, era necessária a manutenção e cuidado com a propriedade. Neste sentido, de forma acertada compreendeu a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, in verbis: EMENTA – DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE E AÇÃO DE USUCAPIÃO . SENTENÇA UNA. REQUISITOS DA USUCAPIÃO NÃO VERIFICADOS (ART. 1.238, DO CC) . AUSÊNCIA DE “ANIMUS DOMINI”. COMODATO VERBAL. ATOS DE TOLERÂNCIA QUE NÃO INDUZEM POSSE. UTILIZAÇÃO DO IMÓVEL POR MERA PERMISSÃO . POSSE ANTERIOR COMPROVADA. RETENÇÃO INDEVIDA DO BEM. ESBULHO CONFIGURADO. ART . 561 /CPC. RETENÇÃO E INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS. INOVAÇÃO RECURSAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA . MANIFESTA INADMISSIBILIDADE. NÃO CONHECIMENTO (ART. 932, III /CPC). SENTENÇA MANTIDA . HONORÁRIOS MAJORADOS. NEGATIVA DE PROVIMENTO. 1. A aquisição da propriedade por usucapião extraordinária exige a comprovação da posse mansa, pacífica, com “animus domini” pelo período de 15 (quinze) anos, independente de justo título e boa-fé (art . 1.238 da Lei n. 10.406/2002) . 2. Tendo os autores/apelantes ingressado no imóvel mediante contrato de comodato verbal, configurando ato de mera tolerância que impede a caracterização de animus domini, não induzindo à posse ad usucapionem, e uma vez notificados para desocupação do imóvel, resta configurado esbulho ensejando a concessão da proteção possessória pleiteada. 3. Se a utilização do imóvel era permitida pelos proprietários, em decorrência de relações de solidariedade, incide o disposto no art . 1.208, do Código Civil, o qual consagra o entendimento de que “não induzem a posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade”. 4. A posse exercida pelo autor da herança é sub-rogada a seus herdeiros por força do princípio da "saisine" (artigo 1 .784 do CC). Para o caso, é devida a proteção possessória ao Espólio, pois que demonstrada a legitimidade para sua defesa, e o esbulho praticado pelos requeridos, sobretudo diante da falta de demonstração da suposta alienação que fosse capaz de justificar a alegada posse com ânimo de dono. - Desincumbiu-se o Espólio autor do ônus de provar o fato constitutivo do direito pretendido dada a posse anterior exercida pelo de cujus, bem como o esbulho praticado pelos requeridos/apelantes quando da negativa em desocupar o imóvel quando notificados extrajudicialmente, razão pela qual acolhe-se a pretensão possessória. 5 . O contrato de comodato não possui formalidade prevista em lei para a sua celebração e, por isso, pode ser pactuado de forma verbal, inclusive, pois se trata de empréstimo gratuito de coisas não fungíveis (art. 579, CC), de forma que demonstrada a existência de comodato verbal, mostra-se cabível a reintegração de posse pleiteada pelo comodante, neste caso, representado por sua herdeira/inventariante. 6. Não há se falar em descaracterização do contrato de comodato o fato dos apelantes arcarem com o pagamento de despesas inerentes ao bem imóvel, como impostos e taxas . O que ocorre em tais casos, de pagamento de encargos para conservação da coisa, é a caracterização do contrato de comodato modal, ou também chamado com encargo. 7. Apelação cível à que se conhece em parte, à qual se nega provimento, majorando-se os honorários de sucumbência (§ 11, art. 85 /CPC) . (TJ-PR 0008076-25.2011.8.16 .0028 Colombo, Relator.: Francisco Carlos Jorge, Data de Julgamento: 09/04/2024, 17ª Câmara Cível, Data de Publicação: 10/04/2024) Forçoso salientar que a posse direta do bem exercida pelo comodatário (Roge) em sede de comodato não tem o condão de anular a posse indireta do bem exercida pelo comodante (Leones). A posse torna-se precária a partir do momento em que a cessão é resilida, conforme evidenciado: AGRAVO DE INSTRUMENTO - REINTEGRAÇÃO DE POSSE - LIMINAR DEFERIDA - COMODATO POR PRAZO INDETERMINADO - NOTIFICAÇÃO PARA DESOCUPAÇÃO NÃO ATENDIDA - ESBULHO CONFIGURADO - AUSÊNCIA DE PROVA DA PROPRIEDADE DO COMODANTE - DESNECESSIDADE - NEGÓCIO JURÍDICO QUE NÃO IMPLICA NA TRANSFERÊNCIA DO DOMÍNIO - PERÍODO PROLONGADO DA POSSE DIRETA - IRRELEVÂNCIA - POSSE INDIRETA DA COMODANTE NÃO DESCARACTERIZADA. Em se tratando de comodato por prazo indeterminado, é obrigação do comodatário devolver o bem após notificado. Não o fazendo, resta configurado o esbulho que autoriza a reintegração liminar do comodante na posse do bem.RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO . (TJPR - 17ª C.Cível - AI - 1668498-3 - Campina Grande do Sul - Rel.: Desembargadora Rosana Amara Girardi Fachin - Unânime - J. 06 .12.2017) (TJ-PR - AI: 16684983 PR 1668498-3 (Acórdão), Relator.: Desembargadora Rosana Amara Girardi Fachin, Data de Julgamento: 06/12/2017, 17ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 2175 22/01/2018) Superada a questão, passo a analisar o pleito de usucapião trazido à baila pela parte requerida (memoriais sob I.D nº 183308687). O instituto do usucapião, previsto dentre os artigos 1.238 e 1.241 do Código Civil consiste em uma forma de aquisição da propriedade em razão da posse prolongada de um imóvel, desde que seja de forma mansa, pacífica e ininterrupta, com ou sem justo título. Contudo, em que pese a alegação de usucapião, verifica-se que a aquisição da propriedade não é devida. O artigo 1.200 da Legislação Civil estabelece que “é justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária”. No caso em tela, verifica-se que a posse do imóvel tornou-se precária a partir do momento em que o proprietário exigiu a restituição do imóvel e este não foi desocupado. Atos de mera permissão ou tolerância não induzem a posse. Neste sentido, decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em precedente recente. Vejamos: Direito civil. Reintegração de posse. Comodato. Esbulho possessório . Alegação de usucapião. Inadmissibilidade. Sentença mantida. I . Caso em exame Trata-se de apelação contra sentença que julgou procedente ação de reintegração de posse, ajuizada pelo autor, com fundamento no esbulho possessório decorrente de descumprimento de notificação para desocupação de imóvel cedido em comodato. A sentença reconheceu a posse do autor, preenchendo os requisitos do art. 561 do CPC, e rejeitou a alegação de usucapião pela ré. II . Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar se o autor comprovou os requisitos da posse para a reintegração, se houve esbulho pela ré ao não desocupar o imóvel após notificação, e se é cabível a alegação de usucapião em caso de posse precária decorrente de comodato. III. Razões de decidir 3 . O autor comprovou a posse do imóvel, nos termos do art. 561 do CPC, mediante provas que indicam o exercício da posse com animus domini. 4. A ré exerceu somente o cuidado sobre o imóvel, característico do comodato, e o descumprimento da notificação para desocupação configura esbulho . 5. A posse precária, decorrente de comodato, jamais convalesce em usucapião, conforme os arts. 1.200 e 1 .208 do Código Civil. A permissão ou tolerância não induzem à usucapião. 6. Mantêm-se os honorários recursais, nos termos do art . 85, § 11 do CPC, em razão da improcedência do recurso. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso desprovido . Tese de julgamento: "A posse precária decorrente de comodato não convalesce em usucapião, sendo configurado o esbulho possessório pelo descumprimento da notificação para desocupação." Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 561; CC, arts. 1 .200 e 1.208. Jurisprudência relevante citada: TJSP: Apelação Cível 1054846-75.2022 .8.26.0002, Apelação Cível 1006971-19.2019 .8.26.0066. (TJ-SP - Apelação Cível: 10086004120238260566 São Carlos, Relator.: Achile Alesina, Data de Julgamento: 09/09/2024, 15ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/09/2024) Quanto à alegação de usucapião por parte da requerida, cumpre salientar que esta, anteriormente ao ajuizamento da presente demanda, manifestou interesse na aquisição da propriedade em questão, tendo inclusive formulado proposta de compra da fazenda. Todavia, a oferta que não se concretizou. Tal conduta evidencia o reconhecimento, por parte da ré, da titularidade do bem em nome do autor, o que é incompatível com a posse ad usucapionem, que exige animus domini. O reconhecimento expresso ou tácito da propriedade alheia, como no presente caso, inviabiliza a configuração da usucapião, conforme reconhecido pela jurisprudência pátria. Prosseguindo, quanto à análise de condenação das perdas e danos em favor do autor na importância de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) (item B – Memoriais sob I.D nº 181146394 – Pág. 38), verifica-se que o requerimento do autor não merece acolhimento. Em que pese o fato do requerido permanecer no imóvel, trata-se de lítigio judicial. Ademais, não há confirmação em juízo acerca da extensão dos danos específicos causados pela parte ré, ao contrário, o local permaneceu mediante cuidados, inexistindo razões fundadas a subsidiarem a pretensão. Neste sentido, há precedentes: DIREITO CIVIL . POSSESSÓRIA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. POSSE PRECÁRIA EXERCIDA POR HERDEIRA . VENDA DO IMÓVEL SEM ANUÊNCIA DOS DEMAIS HERDEIROS. ESBULHO CONFIGURADO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. PERDAS E DANOS . NÃO COMPROVAÇÃO. INDENIZAÇÃO DESCABIDA. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. Em ações de reintegração de posse, incumbe à parte autora comprovar a posse, o esbulho praticado pelo réu e a perda da posse em decorrência deste . No caso dos autos, restou demonstrado que a posse do imóvel era originalmente do falecido Severino Caetano da Silva, sendo posteriormente transferida, de forma precária, para a Sra. Lourdes Ribeiro, filha do de cujus, com o consentimento dos demais herdeiros. A venda do imóvel pela Sra. Lourdes Ribeiro à recorrida, sem a anuência dos demais herdeiros e sem autorização judicial, caracteriza esbulho possessório, legitimando o pedido de reintegração de posse formulado pelo espólio . Todavia, a pretensão de indenização por perdas e danos não merece acolhimento, uma vez que não houve comprovação de danos específicos causados pela recorrida, que adquiriu o imóvel acreditando na aparente legitimidade do negócio. Recurso de apelação parcialmente provido para reformar a sentença e determinar a reintegração do espólio na posse do imóvel, mantendo-se a improcedência do pedido de indenização por perdas e danos. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do recurso de Apelação; Acordam os Excelentíssimos Desembargadores que compõem a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco, à unanimidade de votos, em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO APELO, tudo nos termos do voto do Relator. Recife, data da assinatura digital . Des. Raimundo Nonato de Souza Braid Filho Relator (TJ-PE - Apelação Cível: 00486051920198172990, Relator.: AGENOR FERREIRA DE LIMA FILHO, Data de Julgamento: 09/10/2024, Gabinete do Des. Raimundo Nonato de Souza Braid Filho (1ª CC)) Por fim, em análise acerca das benfeitorias realizadas no imóvel, decido pela possibilidade de indenização da parte autora à parte ré, considerando as relevantes modificações e construções efetuadas na propriedade rural, às quais elevaram o valor do bem e o tornaram apto ao uso, nos termos do art. 1.219 do Código Civil, às quais devem ser apuradas em ação autônoma. Quanto aos animais e semoventes da propriedade, defiro o pedido realizado pelo requerente, afim de que seja permitida a retirada na integralidade de toda a criação existente no interior da propriedade, os quais são pertencentes ao requerido. No mais, restou evidenciado nos autos que a parte requerida atuou no processo de forma temerária, incorrendo em conduta típica de litigante de má-fé, nos termos do art. 80, incisos I e II, do Código de Processo Civil. Isso porque, embora tenha alegado a aquisição da propriedade através de usucapião, ficou comprovada que a posse exercida era precária, oriunda de ato de permissão do proprietário, sendo que a própria requerida reconheceu expressamente a titularidade do autor ao apresentar proposta formal de compra da propriedade. Tal ato fora realizado antes do ajuizamento da demanda, conforme destacado nos autos e confirmado por testemunhas. A conduta mencionada revela não apenas o reconhecimento prévio da titularidade do bem, mas a intenção de alterar a verdade dos fatos em juízo, com objetivo de postergar a reintegração da posse e induzir o juízo a erro. Ante o exposto, nos termos do art. 81 do Código de Processo Civil, condeno a parte requerida ao pagamento de multa de 2% (dois por cento) sobre o valor atualizado da causa, a título de penalidade por litigância de má-fé, sem prejuízo da responsabilização por eventuais perdas e danos, caso apurado em ação própria. DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão formulada pela parte autora, com fulcro no artigo 561, incisos I a IV, do Código de Processo Civil, para fins de: 1. Ratificar a decisão liminar de reintegração de posse, determinando que a parte autora seja mantida na posse da propriedade rural, posto que preenchidos os requisitos do artigo 561 do Código de Processo Civil; 2. Que seja expedido mandado de reintegração de posse ao autor, com a autorização do uso de força policial, caso necessário; 3. Seja deferida a posse plena do imóvel em favor da parte autora, reconhecendo-se a posse ilegítima exercida pela parte ré desde o dia 04/08/2020 até a efetiva desocupação do imóvel; 4. Negar o pleito de usucapião postulado pela parte requerida, diante da ausência de pressupostos legais e da configuração da posse precária, nos termos do art. 1.200 e 1.208 do Código Civil; 5. Indeferir o pedido de condenação da parte ré em perdas e danos, ante a ausência de comprovação acerca da extensão dos danos supostamente gerados; 6. Reconhecer a possibilidade de indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias realizadas pela parte ré, nos termos do art. 1.219 do Código Civil, a serem apuradas em ação autônoma, diante da necessidade de avaliação técnica e discriminação dos valores correspondentes; 7. Condenar a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados na importância de 10%(dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil; 8. Atribuir a causa o valor de R$2.000,000,00 (dois milhões de reais), com base na avaliação da propriedade rural objeto da lide, para fins de cálculo de honorários e demais providências legais; 9. Condenar a parte ré por litigância de má-fé, com fundamento no art. 80, incisos I e II, c/c art. 81, do Código de Processo Civil, em razão da alteração da verdade dos fatos e da dedução da pretensão infundada, ao pleitear usucapião sobre bem cuja titularidade previamente reconheceu. Aplico multa equivalente a 2% (dois por cento) sobre o valor atualizado da causa, a ser revertida em favor da parte autora. Destaco que, em caso de interposição de recurso, intime-se a parte ré para apresentação de contrarrazões no prazo legal e, não arguindo os apelados questão referida no art. 1.009, §1º, do Código de Processo Civil, ou recorrendo adesivamente, REMETAM-SE os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça, com as cautelas de praxe e homenagens deste Juízo. Transitado em julgado, EXPEÇA-SE o mandado de reintegração de posse, com o auxílio de força policial, se necessário, e ordem de arrombamento, se preciso. Calculem-se os valores devidos, com base nos parâmetros e valor da causa definidos na sentença. Intime-se a parte ré para que proceda ao pagamento das custas e honorários advocatícios, bem como da multa pela litigância de má-fé. Em seguida, arquivem-se os autos, observando-se as disposições do art. 242, da CNGC (Provimento CGJ n. 39, de 16 de Dezembro de 2020). Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Nova Canaã do Norte/MT, data registrada no sistema. PAULA TATHIANA PINHEIRO Juíza de Direito em Substituição Legal
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