Ministério Público Do Estado Do Paraná x Marcelo Henrique Miranda Moreira e outros
ID: 321674765
Tribunal: TJPR
Órgão: 1ª Vara Criminal de Umuarama
Classe: PROCEDIMENTO ESPECIAL DA LEI ANTITóXICOS
Nº Processo: 0001125-74.2025.8.16.0173
Data de Disponibilização:
10/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CAUÊ BOUZON MACHADO FREIRE RIBEIRO
OAB/RJ XXXXXX
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AUTOS DE PROCESSO-CRIMINAL Nº 0001125-74.2025.8.16.0173 AUTOR: Ministério Público RÉUS: Rennan Correia de Oliveira e Marcelo Henrique Miranda Moreira S E N T E N Ç A I. RELATÓRIO RENNAN CORREIA DE OL…
AUTOS DE PROCESSO-CRIMINAL Nº 0001125-74.2025.8.16.0173 AUTOR: Ministério Público RÉUS: Rennan Correia de Oliveira e Marcelo Henrique Miranda Moreira S E N T E N Ç A I. RELATÓRIO RENNAN CORREIA DE OLIVEIRA e MARCELO HENRIQUE MIRANDA MOREIRA, ambos já qualificados nos autos, foram denunciados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, acusados da prática dos seguintes fatos: 1º fato: “Em data inicial não precisada nos autos, até o dia 02 de fevereiro de 2025, por volta das 07h00min, em via pública, precisamente na Rodovia PR-323, n° 400, proximidades do Distrito do Cedro, em Perobal/PR, nesta Comarca de Umuarama/PR, os denunciados RENNAN CORREIA DE OLIVEIRA e MARCELO HENRIQUE MIRANDA MOREIRA, ambos com consciência e vontade, um aderindo à conduta ilícita do outro, mediante prévio ajuste de vontade e divisão de tarefas, em benefício de ambos, associaram-se para o fim de praticar o delito de tráfico de drogas”. 2º fato: “No dia 02 de fevereiro de 2025, por volta das 07h00min, em via pública, precisamente na Rodovia PR-323, n° 400, proximidades do Distrito do Cedro, em Perobal/PR, nesta Comarca de Umuarama/PR, os denunciados RENNAN CORREIA DE OLIVEIRA e MARCELO HENRIQUE MIRANDA MOREIRA, agindo com consciência e vontade, previamente conluiados e com unidade de desígnios, transportavam, no interior do veículo VW/Parati 16V,placas CQK-1F48/PR, ano 1997, de cor cinza, para fins de entrega a consumo de terceiros, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, a quantia de 230,05kg (duzentos e trinta quilos e cinquenta gramas) de ‘maconha’ (Cannabis Sativa L) e 22,45kg (vinte e dois quilos, quatrocentas e cinquenta gramas) de ‘capulho’ (Cannabis Sativa L), ambos acondicionados em embalagem plástica, substância estas capazes de causarem dependência física e psíquica (cf. Portaria nº 344, de 12/05/1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária Nacional), conforme auto de exibição e apreensão de mov. 1.10 e auto de constatação provisória de drogas de mov. 1.12. Consta dos autos que, na aludida data, os milicianos realizavam fiscalização de rotina, oportunidade em que visualizaram dois veículos sendo 01 (um) Ford/Escort GL, placas AGJ-4352/PR, de cor azul, ano 1995 e 01 (uma) VW/Parati, placas CQK-1F48/PR, em alta velocidade realizando ultrapassagens pelo acostamento, sendo percebido ainda que o veículo VW/Parati aparentava possuir a traseira baixa devido a excesso de peso, tendo a equipe os acompanhados e realizada as suas abordagens. Segundo consta dos autos, MARCELO era o condutor do veículo VW/Parati, placas CQK-1F48 e ao ser realizada a busca veicular, foi localizada a droga descrita acima. De acordo com o contido no caderno investigatório ainda, RENNAN, o qual era o condutor do veículo Ford/Escort, placas AGJ-4352/PR, de cor azul, realizava a função de escolta/’batedor’ de estrada do veículo que transportava o entorpecente, contribuindo para garantir o sucesso da traficância, sendo que transportavam a droga supramencionada da cidade de Guaíra/PR com destino ao estado de São Paulo, bem como foi apreendido a quantia total de R$ 1.320,00 (um mil trezentos e vinte reais), em espécie e 01 (um) aparelho celular, marca Asus” (seq. 56). Assim, imputaram-se aos acusados os delitos do art. 35, caput (1º fato) e do art. 33, caput (2º fato), ambos c/c o art. 40, V, todos da Lei nº 11.343/2006. O Ministério Público arrolou 02 (duas) testemunhas (seq. 56). A denúncia veio instruída com o competente Inquérito Policial (seqs. 1 a 65). Os réus foram pessoalmente notificados (seqs. 84 e 85) eapresentaram defesas preliminares (seqs. 103 e 104), por meio da Defensoria Pública Estadual, sem requerer a oitiva de novas testemunhas. Em decisão fundamentada, a denúncia foi recebida no dia 14 de março de 2025 (seq. 107). Após a citação pessoal (seqs. 132 e 145), nas respostas à acusação, ratificou-se o teor das defesas preliminares (sem aventar teses de absolvição sumária – seqs. 136 e 137). Durante a instrução, inquiriram-se todas as testemunhas arroladas e os réus foram interrogados (seq. 179). Cumpriu-se a fase de diligências (seq. 179). O Ministério Público, em alegações finais, por entender parcialmente comprovados a materialidade, a autoria e os demais elementos dos fatos típicos, postulou a condenação dos acusados somente pelo crime de tráfico de drogas privilegiado (2º fato). Quanto ao primeiro fato, pleiteou a absolvição (in dubio pro reo – seq. 186). A defesa de Rennan, na mesma fase, arguiu a preliminar de nulidade probatória, ante “o acesso ilegal ao celular do réu”. No mérito, ratificou o pleito absolutório do Parquet (1º fato) e requereu sua extensão ao segundo fato, em razão da carência probatória (favor rei). Em caso de condenação, postulou a imposição das penas mínimas, reconhecido o tráfico privilegiado; a fixação do regime aberto; e a gratuidade da Justiça (seq. 190.2). Ao seu turno, a defesa de Marcelo demandou a absolvição para o primeiro fato (in dubio pro reo) e a imposição da pena mínima para o segundo fato, reconhecidos a confissão e o tráfico privilegiado; a fixação do regime aberto; e a gratuidade da Justiça (seq. 190.1). Vieram conclusos para sentença. É o relatório. DECIDO.II. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Preliminar de nulidade da prova Preliminarmente, perseguiu-se a declaração de que foi ilícito o acesso aos dados do celular apreendido com o réu Rennan Correia de Oliveira, pois a prova fora produzida sem autorização judicial (seq. 106). Tem razão a i. defesa (seq. 190.2). Os dados armazenados nos aparelhos celulares - envio e recebimento de mensagens via SMS, programas ou aplicativos de troca de mensagens, fotografias etc. -, por dizerem respeito à intimidade e à vida privada do indivíduo, são invioláveis, nos termos do art. 5º, X, da Constituição da República. Desse modo, só podem ser acessados e utilizados mediante prévia autorização judicial, com base em decisão devidamente motivada que evidencie a imprescindibilidade da medida, capaz de justificar a mitigação do direito à intimidade e à privacidade do agente (neste sentido: STJ, HC nº 609.221/RJ, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, julgado em 15/6/2021, DJe de 22/6/2021). Consoante muito bem resumido em alegações finais, “no mov. 17, p. 16, o Ministério Público requereu autorização judicial para que o Delegado de Polícia acessasse os dados armazenados na memória do celular apreendido nos autos. No mov. 56, p. 02, novamente o Ministério Público solicitou tal autorização, diante da omissão na decisão judicial constante no mov. 25. Ocorre que, sem a prévia autorização judicial, no mov. 106 foi juntado o relatório e análise do aparelho celular. Por fim, no mov. 107, este Juízo recebeu a denúncia, permanecendo novamente omisso quanto à autorização para a análise do aparelho celular apreendido” (seq. 190.2). Destarte, é nula a prova relativa aos dados do aparelho celular do acusado Rennan Correia de Oliveira (seq. 106 – CPP, art. 564, IV). Com relação à extensão dos efeitos da nulidade, não se denota a existência de qualquer outra prova que dela dependa ou seja consequência, de modo que a nulidade irá atingir somente o Relatório Técnico nº 620/2025 (seq. 106 – CPP, art. 573).2.2. Crime de associação para o tráfico de drogas – primeiro fato – réus: Rennan e Marcelo Inicialmente, imputou-se aos acusados Rennan Correia de Oliveira e Marcelo Henrique Miranda Moreira a prática do delito previsto no art. 35, caput, c/c o art. 40, V, ambos da Lei nº 11.343/2006, que é de ação penal pública incondicionada e tem a seguinte descrição típica: “ Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa. Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: [...]; V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal; [...]”. Configura-se o delito de associação para o tráfico quando duas ou mais pessoas se associam, com estabilidade e permanência, para a prática do tráfico de drogas (reiteradamente ou não). Entende-se que este crime se aperfeiçoa já no momento associativo, não estando condicionado à efetiva realização do seu objetivo (TJPR - AC 1254408-2 - J. 16.07.2015). De acordo com a acusação, em data não precisada, mas certo que até o dia 02 de fevereiro de 2025, os acusados se reuniram para o fim de cometer o delito de tráfico de drogas. A inicial nada descreveu a respeito do modus operandi dos corréus, de eventual divisão de tarefas, da estabilidade e da permanência exigidas para a configuração do delito (seq. 56). O Parquet, em alegações finais, entendeu corretamente que “ a prova dos autos é frágil para indicar a permanência e estabilidade dos denunciados para prática delitiva. Destaca-se que não há elementos que denotem o grau de união dos acusados para crimes dessa natureza em outras oportunidades. Somado a isso, os policiais não acrescentaram nada sobre a dedicação do réu no tráfico de drogas. Portanto, as provas amealhadas no processo não são suficientes para lastrear a condenação pelo crime previsto no artigo 35, da Lei 11.343/06” (seq. 186).Essa conclusão é no todo pertinente. Isso porque os réus não foram alvos de investigação preliminar; a estruturação de eventual associação não restou evidenciada; não há indícios sobre a origem das drogas; sobre há quanto tempo os coacusados atuavam nessa atividade; sobre a forma da divisão dos lucros e etc. Diante de tudo isso, inexiste prova robusta e certeira no sentido de que os denunciados estivessem traficando há algum tempo, sobretudo de maneira estável e permanente, como exige o tipo legal. Neste sentido: APELAÇÕES CRIME – TRÁFICO DE DROGAS (LEI Nº 11.343/06, ART. 33) E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO LEI Nº 11.343/06, ART. 35) COM ENVOLVIMENTO DE ADOLESCENTES (LEI Nº 11.343/06, ART. 40, VI) – CONDENAÇÃO – RECURSO DA DEFESA. PRELIMINAR: ARGUIÇÃO DE NULIDADE DO PROCESSO INICIADO A PARTIR DE DENÚNCIAS ANÔNIMAS – IMPROCEDÊNCIA – POSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO INICIADA COM BASE EM DENÚNCIA ANÔNIMA – RÉUS EM ESTADO DE FLAGRÂNCIA POR OCASIÃO DA ABORDAGEM POLICIAL – PRELIMINAR REJEITADA. MÉRITO: PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO QUANTO AO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO – PROCEDÊNCIA – NÃO COMPROVAÇÃO DE ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA DA ASSOCIAÇÃO – PROVIMENTO DO RECURSO NESSA PARTE, PARA, COM FULCRO NO ARTIGO 386, INCISO VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ABSOLVER OS RÉUS QUANTO AO DELITO DO ARTIGO 35 DA LEI Nº 11.343/06. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO QUANTO AO CRIME DE TRÁFICO – IMPROCEDÊNCIA – SUFICIENTE COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE DO CRIME E DA AUTORIA DOS FATOS PELOS RÉUS – VALIDADE DOS DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS QUE REALIZARAM A PRISÃO – EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS NOS AUTOS A EVIDENCIAR A PRÁTICA DA CONDUTA DESCRITA NO ARTIGO 33, CAPUT, DA LEI DE DROGAS – CONDENAÇÕES POR TRÁFICO MANTIDAS. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO §4º DO ARTIGO 33 DA LEI 11.343/06 – IMPROCEDÊNCIA – COMPROVAÇÃO DO ENVOLVIMENTO DOS RÉUS EM ATIVIDADES CRIMINOSAS. ALTERAÇÃO DO REGIME PRISIONAL PARA O SEMIABERTO EM RAZÃO DA NOVA QUANTIDADE DE PENA – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 33, §2º, ALÍNEA ‘B', DO CÓDIGO PENAL. RECURSOPARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 4ª C. Criminal - 0001477- 54.2019.8.16.0169 - Tibagi - Rel.: Desembargador Rui Bacellar Filho - J. 17.08.2020 – negritei). No mais, à falta de maiores esclarecimentos sobre o modus operandi dos corréus, remanesce dúvida sobre se dedicarem ao tráfico ou praticarem o delito de maneira esporádica, apenas visando o lucro fácil dali inerente. Isto é, agindo em concurso eventual de pessoas (CP, art. 29). Nessa toada, o envolvimento e a participação de Rennan e Marcelo numa imputada associação criminosa voltada para o tráfico de drogas não ficaram devidamente comprovados. A simples apreensão de entorpecentes e dinheiro não é suficiente para lastrear a condenação criminal pelo crime em tela, pois o vínculo associativo estável e permanente entre os corréus não está demonstrado satisfatoriamente. A absolvição é de rigor. “ [...] 5. Impõe-se a absolvição em relação ao delito de associação para o tráfico, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, na hipótese em que ausente prova contundente do dolo específico dos réus em estabelecer vínculo permanente, estável, organizado e com divisão de tarefas, para a prática dos crimes descritos nos arts. 33, "caput" e § 1º, e 34, ambos da Lei de Drogas. [...]”. (TJPR - 5ª C. Criminal - AC - 1112059-7 - Araucária - Rel.: Luiz Carlos Gabardo - Unânime - J. 07.08.2014). Assim, apesar dos indícios, a dúvida é invencível. O édito condenatório, medida extrema, limitada por princípios fundamentais de Direito Penal e cercada de cuidados normativos, apenas se consolida mediante a obtenção judicial de lastro probatório robusto e harmônico 1 . A dúvida, especialmente quando se trata de imputação de crime grave, com apenamento rigoroso, como é o caso, só pode ser revertida em favor dos réus. “ A dúvida se apresentará ao julgador por quantas vezes a acusação não for capaz de produzir provas incisivas e concretas da efetiva tipicidade da conduta do agente. Precedentes. Um juízo 1 “[...] A prova controversa, insegura e que não afasta todas as dúvidas possíveis enseja um desate favorável ao acusado, em homenagem ao consagrado princípio in dubio pro reo. Deram provimento ao apelo defensivo. Unânime. [...]” (Apelação Crime Nº 70042441501, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em 25/05/2011).de probabilidade, por mais robusto que se apresente, não legitima, na esfera penal, a certeza absoluta para justificar a resposta punitiva, em face do consagrado princípio do in dubio pro reo. Apelação conhecida e não provida”. (TJPR - 5ª C. Criminal - AC - 990544-2 - Umuarama - Rel.: Jorge Wagih Massad - Unânime - J. 23.05.2013). Considerando todo o exposto, o exame das provas mostrou que é temerária a condenação, caindo por terra a pretensão punitiva estatal. O derradeiro pleito absolutório articulado pelas partes coaduna a realidade processual e alberga o festejado princípio do in dubio pro reo, de aplicação indispensável em situações de semelhante jaez. Neste sentido: “ [...] I. ‘1. Uma condenação não pode ter supedâneo em meras conjecturas e suposições, mas sim em provas concludentes e inequívocas, não sendo possível condenar alguém por presunção, pois tal penalidade exige prova plena e inconteste, e sendo esta a hipótese dos autos, cumpre invocar o princípio in dubio pro reo.’ (TJDF. AC. nº. 20080210048928APR. 2ª Turma Criminal. Rel. Des. Roberval Casemiro Belinati, j. em 13.10.2009). [...]”. (TJPR - 2ª C. Criminal - AC - 678605-0 - Uraí - Rel.: Lídio José Rotoli de Macedo - Unânime - J. 02.09.2010). “ Não se deve esquecer que, no juízo penal, o interesse da sociedade não é o de fazer recair a pena do crime havido sobre um campo qualquer, mas o de que seja punido o verdadeiro delinquente. Não se deve esquecer que é mil vezes preferível a absolvição de um réu, à condenação de um inocente. Bastaria uma só condenação de inocente para revolucionar a tranquilidade social: por uma só condenação de inocente, todo cidadão honesto, sentir-se-ia ameaçado, em vez de protegido pelas leis sociais” (MALATESTA. A Lógica das Provas em Matéria Criminal. Editora Saraiva, 1960, p. 180). Destarte, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, por não haver provas suficientes para a condenação (in dubio pro reo), ficam os réus absolvidos desta acusação contida no primeiro fato da denúncia (Lei nº 11.343/2006, art. 35 – crime de associação para o tráfico).2.2. Crime de tráfico de drogas – segundo fato – réus: Rennan e Marcelo Os acusados Rennan Correia de Oliveira e Marcelo Henrique Miranda Moreira também foram denunciados como incursos nas penas do crime previsto no art. 33, caput, c/c o art. 40, V, ambos da Lei nº 11.343/2006, que é de ação penal pública incondicionada e tem a seguinte descrição típica: “ Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: [...]; V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal; [...]”. Não há dúvida quanto à materialidade. A comprovação da ocorrência do fato está consubstanciada nos Autos de Exibição e Apreensão (seq. 1.10) e de Constatação Provisória de Drogas (seq. 1.12); no Boletim de Ocorrência (seq. 1.4); e definitivamente no laudo pericial (seq. 173), pois atestou que o material apreendido era composto de “Cannabis sativa L.”, substância utilizada na fabricação de “maconha” e “capulho”. No tocante à autoria, o denunciado Marcelo Henrique Miranda Moreira confessou o transporte de todo o estupefaciente, aduzindo ter sido contratado para levar as drogas de Guaíra/PR a São Paulo/SP (seqs. 1.16 e 179). Não há indícios de autoincriminação forjada ou obtida mediante coação. “ [...] 2. Ainda que a confissão não possa ser considerada a rainha das provas, inegável é seu valor probatório, mormente quando em consonância com o restante das evidências colhidas durante a instrução criminal. [...]”. (TJPR - 5ª C. Criminal - AC - 1008697-6 - Cascavel - Rel.: Rogério Etzel - Unânime - J. 20.06.2013).A confissão foi corroborada pelas declarações dos policiais militares Norberto Siqueira Adolphato e Albert Dogennes Ossucci (seqs. 1.6, 1.8 e 179), responsáveis pela apreensão da “maconha” e do “capulho” em poder de Marcelo, bem assim por sua prisão em flagrante. Ao seu turno, o acusado Rennan Correia de Oliveira negou a autoria. Segundou pontuou, mora em Curitiba/PR e visitava a região de fronteira com frequência, pois sua namorada “Samara” seria residente em Guaíra/PR e seu pai (ou padrasto) de nome “Dirceu”, em Mundo Novo/MS. Ainda de acordo com Rennan, deslocou-se até Guaíra/PR no veículo FIAT/Pálio de “Dirceu” e retornava a capital deste Estado no FORD/Escort de “Samara”, onde o submeteria a reparos. Sobre a atuação como batedor, negou de maneira veemente, argumentando que sequer conhecia Marcelo (seqs. 1.13 e 179). Essa versão é constituída por álibis. Como consectário legal, ensejou a inversão do ônus probandi, deslocando ao réu o dever de comprovar a veracidade de sua tese, sob pena de dar azo à procedência da pretensão inserida na exordial acusatória (CPP, art. 156, caput 2 ). Neste sentido: “ [...] A regra, artigo 156 do Código de Processo Penal, é a de que o ônus probatório cabe ao autor da tese apresentada. A Acusação demonstrará a existência do delito e quem foi o seu autor. A Defesa, por sua vez, se incumbe provar eventual alegação de exclusão da antijuridicidade do fato típico ou o álibi invocado. [...]”. (TJRS, Ap.Crim. nº 70051169514, 1ª Câmara Criminal, Relator: Sylvio Baptista Neto, Julgado em 05/12/2012 - negritei). Entretanto, o denunciado não se desincumbiu do encargo que avocou. Isso porque não trouxe ao contraditório sua namorada “Samara” ou seu pai/padrasto “Dirceu”; não os qualificou nos autos; e nem apresentou uma justificativa para sua conduta processual desidiosa 3 . Outrossim, extrai-se do Boletim de Ocorrência da seq. 1.4 2 “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: [...]”. 3 O mesmo se pode dizer quanto ao FIAT/Pálio aludido por Rennan, cuja documentação não trouxe ao feito.que o FORD/Escort, placas AGJ-4352, conduzido por Rennan, pertencia a Genivaldo da Silva Matos Roriz e não à pessoa de “Samara”. Nos termos da jurisprudência do e. Tribunal de Justiça do Paraná, “O álibi, como meio de provar a inocência do acusado, deve extrair por completa a possibilidade de praticar a conduta que lhe é imputada, de forma que se torne impossível ter cometido aquele delito, entretanto, não fazendo prova satisfatória quanto ao alegado, não pode ser reconhecida a inocência com base em meras ilações” (TJPR - 4ª Câmara Criminal - 0006539-37.2022.8.16.0083 - Francisco Beltrão - Rel.: DESEMBARGADOR CELSO JAIR MAINARDI - J. 04.09.2023). Assim, tem-se em favor da pretensão defensiva apenas as avulsas palavras do réu, o que é muito pouco para embasar a absolvição. Inclusive, “É da defesa o ônus de comprovar a realidade do álibi apontado pelo réu, nos termos do artigo 156, do Código de Processo Penal” (TJPR, AC nº 1250735-8); e “Não desrespeita a regra da distribuição do ônus da prova a sentença que afasta tese defensiva de negativa de autoria por não ter a defesa comprovado o álibi levantado” (STJ, AgRg no REsp nº 1367491/PR – negritei). De outro vértice, os policiais militares Norberto Siqueira Adolphato e Albert Dogennes Ossucci aduziram que as suspeitas contra os veículos VW/Parati, placas CQK1F48, e FORD/Escort, placas AGJ-4352, surgiram porque foram flagrados realizando manobra perigosa e proibida, mais precisamente a ultrapassagem de caminhões pelo acostamento (seq. 1.4). Diante disso, as equipes se separaram e realizaram a abordagem aos condutores, sendo certo que Marcelo, motorista da VW/Parati, admitiu o tráfico de drogas e confirmou que o condutor do FORD/Escort “estaria fazendo a função de batedor” (seq. 1.4) 4 . Já Rennan, num primeiro momento, negou seu envolvimento com o transporte da “maconha” e do “capulho”. Contudo, no momento em que a equipe que abordou Marcelo se aproximou com ele detido, “a pessoa de Rennan confirmou estar fazendo o papel de batedor do veículo” (seq. 1.4). 4 Embora Marcelo tenha negado que havia batedor quando interrogado em Juízo, perante a Autoridade Policial confirmou que era acompanhado por um comparsa (seqs. 1.16 e 179).Além de tal informação ter constado no Boletim de Ocorrência (seq. 1.4), foi confirmada em contraditório por Norberto (seq. 179). Além disso, Rennan foi detido em posse de R$ 720,00 (setecentos e vinte reais – seq. 1.10), cuja origem lícita não demonstrou. Inclusive, também não provou que tivesse alguma fonte de renda legal. Nessa toada, já descartados os álibis de Rennan, tem-se que a confissão informal está acompanhada de vários elementos cognitivos que militam no mesmo sentido, a exemplo das próprias declarações dos policiais (seqs. 1.6, 1.8 e 179), do teor do Boletim de Ocorrência (seq. 1.4) e das circunstâncias do caso, com os corréus sendo flagrados transitando juntos e realizando ultrapassagem proibida; com a prisão em flagrante; e com a apreensão da “maconha” e do “capulho” (seq. 1.10). Ainda é preciso mencionar que as declarações dos policiais são harmônicas e coesas. Eles explicaram cada passo da diligência com riqueza de detalhes e expuseram as razões que os levaram à detenção dos denunciados. Portanto, aqui se tem um caso típico em que as palavras dos agentes públicos devem prevalecer. Todas as peculiaridades da diligência levam à incriminação dos acusados, sobretudo porque a versão de Rennan foi contrariada pela prova e não demonstrou ser inocente, nem ensejou dúvidas. Destaca-se que os depoimentos dos policiais que participaram das diligências resultantes na prisão em flagrante dos réus e na apreensão de substâncias entorpecentes merecem total credibilidade e são hábeis a fundamentar uma condenação criminal. Confira: “ [...] d) "Os policiais não se encontram legalmente impedidos de depor sobre atos de ofício nos processos de cuja fase investigatória tenham participado, no exercício de suas funções, revestindo-se tais depoimentos de inquestionável eficácia probatória, sobretudo quando prestados em juízo, sob a garantia do contraditório. Precedentes." (STJ, HC 169.810/BA, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 27/11/2012, DJe 05/12/2012). [...]". (TJPR - 3ª C. Criminal - AC - 1242866-3 - Piraquara - Rel.: Rogério Kanayama - Unânime - J. 30.04.2015).APELAÇÃO CRIMINAL - ROUBO TENTADO (ART. 157, "CAPUT", C/C ARTIGO 14, INCISO II, AMBOS, DO CÓDIGO PENAL) - PLEITO ABSOLUTÓRIO - IMPOSSIBILIDADE - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - PALAVRA DA VÍTIMA E DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS QUE POSSUEM VALIDADE E RELEVANTE VALOR PROBATÓRIO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DE APELAÇÃO CRIME CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJPR - 5ª C. Criminal - AC - 1226236-5 - Curitiba - Rel.: Maria Mercis Gomes Aniceto - Unânime - J. 05.02.2015 – negritei). É interessante consignar que não foi apresentado qualquer motivo razoável e concreto para se desmerecer o depoimento dos policiais. A pretensão absolutória é lastreada unicamente na negativa de autoria, a evidenciar que os corréus tentaram se desvencilhar da imputação a qualquer custo, mesmo que para isso tivessem de se valer de inverdades. Registra-se que os atos praticados pelos policiais têm presunção de validade e servem de meio de prova, sobretudo porque reafirmados em Juízo sob o crivo do contraditório (CPP, art. 156, caput). “ [...] A simples alegação, sem provas, de que as investigações policiais estariam eivadas de parcialidade, não tem o condão de desconstituir a presunção de veracidade de que são revestidos os atos praticados por agentes dotados de fé pública. [...]”. (STJ, HC 30.545/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 20/11/2003, DJ 15/12/2003, p. 340 – negritei). Enfatiza-se, de qualquer modo, que a convicção formada nesta sentença está calcada em vários elementos informativos e na prova oral colhida com respeito ao contraditório e à ampla defesa. O caderno processual não se mostra eivado de nulidade, de modo que toda prova que o compõe pode perfeitamente ser usada para lastrear a condenação. Ademais, a forma como se deu a atuação policial foi escorreita, encaixando-se no chamado flagrante próprio (CPP, art. 302, I e II), não subsistindo o menor indício de que as diligências foram empreendidas visando incriminar falsamente alguém. Ao revés, as desconfianças contra Rennan e Marcelo surgiram após serem flagrados realizando manobras proibidas no trânsitoe transportando drogas. Os militares apenas exerceram seus múnus e deram continuidade às atividades de praxe para a formalização da prisão. Vislumbra-se também que os militares não demonstraram a menor intenção de prejudicar os acusados, sobretudo porque agiam em nome do Estado e no exercício de suas funções. Como ficou provado, nem mesmo Rennan e Marcelo desabonaram o comportamento dos agentes ou o trâmite da incursão. Nada nos autos indica que tivessem algum motivo pessoal para buscarem a incriminação indevida dos réus, razão pela qual suas palavras prevalecem sobre a tênue e não comprovada tese absolutória. In casu, sem prova de que os agentes públicos estão a inculpar falsamente alguém, impossível desconsiderar a versão apresentada, pois derivada de quem incumbido exatamente do combate à criminalidade. Destarte, partir da premissa de que os policiais, no geral, mentem em seus depoimentos à Justiça ou forjam provas, seria reputar a ilegalidade uma regra entre tais agentes e desrespeitar, sem qualquer justificativa plausível, uma instituição tão respeitada e componente do Estado Democrático de Direito. “ [...] 2. Orienta-se a jurisprudência no sentido de que os depoimentos dos agentes policiais, colhidos sob o crivo do contraditório, merecem credibilidade como elementos de convicção, máxime quando em harmonia com os elementos constantes dos autos. [...]”. (STJ, HC 211.203/DF, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 13/10/2015, DJe 03/11/2015). [...] “‘Os depoimentos dos policiais merecem credibilidade, mormente porque submetidos ao crivo do contraditório, e em consonância com as demais provas colacionadas ao feito. (...)’ (TJPR.AC 880.488-4. Relator Marques Cury. Publ.03/08/2012)”. (TJPR - 4ª C. Criminal - AC - 1008074-3 - Cascavel - Rel.: Antônio Carlos Ribeiro Martins - Unânime - J. 24.07.2014). Assim, realizado o exame da prova, convalidando-se os depoimentos dos policiais (seqs. 1.6, 1.8 e 179), o flagrante (seq. 1.4) e a confissão de Marcelo, em detrimento das declarações impertinentes e nãocomprovadas de Rennan, foi possível concluir que ambos os denunciados estavam praticando o tráfico de drogas. E as circunstâncias que levaram à prisão (já delimitadas acima) são provas claras de que os denunciados realizavam a conduta típica de transportar “maconha” e “capulho” (autoria). Acrescenta-se que a simples declaração de inocência de Rennan não é suficiente para atestar, por si só, a improcedência da imputação ou quiçá permitir o reconhecimento do princípio clássico da dúvida. A garantia constitucional da presunção de inocência (CR/88, art. 5º, LVII) funciona como critério pragmático para a solução de incerteza judicial, ao passo que a dúvida sobre a realidade do fato determinaria a absolvição. Todavia, no caso em análise, o conjunto probatório não permite a vacilação da dúvida. Cabia aos corréus o ônus de produzir provas que desconstituíssem a acusação, não bastando para este fim apenas e tão somente negar a propriedade dos estupefacientes e a traficância. Assim não fosse, bastaria que o denunciado em qualquer processo declarasse sua inocência sem eco na prova para se ver beneficiado com a absolvição. Nos casos em que, como no presente, a prova produzida é robusta no sentido de demonstrar a materialidade e a autoria, resta necessária a produção de provas igualmente relevantes em sentido contrário para que se possa sustentar, no mínimo, o princípio do in dubio pro reo. Vale lembrar de que “A negativa de autoria não tem o condão de retirar a responsabilidade penal do acusado quando se trata de versão isolada e contrária às provas produzidas nos autos” (TJPR - 4ª C. Criminal - AC - 1599237-1 - Região Metropolitana de Maringá - Foro Central de Maringá - Rel.: Celso Jair Mainardi - Unânime - J. 08.12.2016). Destarte, a trajetória fática exprime o tráfico ilícito de entorpecentes pelos réus Rennan Correia de Oliveira e Marcelo Henrique Miranda Moreira. A procedência da pretensão inserida na inicial, sob a ótica da autoria, é certa e irrefutável, pois os elementos cognitivos encartados ao feito trazem a certeza necessária para a condenação criminal, como autorizado em sede jurisprudencial, na forma já decida pelo e. Tribunal de Justiça do Paraná:“ [...] Os depoimentos de policiais que realizaram a prisão em flagrante, com a apreensão da droga, são válidos para sustentar condenação, porquanto se harmonizam com os demais elementos probatórios. [...]”. (TJPR - 5ª C. Criminal - AC - 1299379-8 - Sengés - Rel.: José Laurindo de Souza Netto - Unânime - J. 18.06.2015). Estão presentes os demais elementos do fato típico. Os coacusados transportavam as drogas apreendidas, sem autorização legal ou regulamentar. Agindo assim, realizaram, no mínimo, 01 (uma) das condutas típicas previstas no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006 (consumação e adequação) de maneira livre e consciente (dolo), restando caracterizado o tipo penal. “ A conduta típica do delito de tráfico ilícito de entorpecente, prevista no art. 33, da Lei nº 11.343/2006, exige que o agente tenha o animus de praticar pelo menos um dos verbos integrantes do tipo delitivo [...]”. (in TJPR - 3ª C. Criminal - AC 897866-9 - Apucarana - Rel.: José Cichocki Neto - Unânime - J. 27.09.2012). In casu, os depoimentos dos policiais, a confissão de Marcelo e a apreensão de considerável quantidade de “maconha” (230,05kg) e “capulho” (22,45kg), nas circunstâncias já esmiuçadas, são elementos mais do que suficientes para demonstrar que Rennan e Marcelo transportavam os entorpecentes, tendo cometido o tráfico. APELAÇÃO CRIME - ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/06 - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES - INSURGÊNCIA RECURSAL ABSOLUTÓRIA DE INSUFICIÊNCIA DE PROVAS - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL - PALAVRA DOS POLICIAIS - CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO - MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO - DOSIMETRIA ESCORREITA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. “‘[...] Deve-se manter a condenação pelo delito de tráfico de entorpecentes, uma vez que a conduta se amolda ao tipo penal, sendo, por sua vez, devidamente comprovada a autoria e a materialidade delitivas. [...] (TJPR, AC nº718.389-5, Rel. Des. Maria José de Toledo Marcondes Teixeira, 5ª C. Crim., unânime, DJ 25/03/2011)’. ‘Não há que se falar em absolvição emrelação ao crime de tráfico ilícito de drogas, se o conjunto probatório imputa a autoria delitiva aos agentes, surpreendidos em flagrante pela autoridade policial. O depoimento de policiais militares possui relevante valor de prova, pela premissa de que o servidor público, investido de autoridade, tem o dever funcional de colaborar para o esclarecimento dos fatos e para a aplicação da lei penal. Apelações conhecidas e parcialmente providas (TJPR, AC 0449791- 2, Rel. Des. Jorge Wagih Massad, 5ª Câmara Criminal, DJ. 14.02.2008)’ ”. (TJPR - 5ª C. Criminal - AC 971547-1 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Eduardo Fagundes - Unânime - J. 21.02.2013 – negritei). Vale lembrar de que é impossível ingressar na mente do agente para averiguar qual a sua real intenção. Por isso são as circunstâncias que comprovam ou não a existência do elemento subjetivo do tipo. E neste particular o titular da ação penal conseguiu reunir provas suficientes para ensejar neste Juízo a certeza da procedência do pedido condenatório intrínseco à inicial. Acrescenta-se que o traficante não é apenas aquele que comercializa entorpecente, mas qualquer pessoa que, de algum modo, participa da produção e da circulação de drogas, como, por exemplo, quem transporta psicotrópicos ilícitos, como ocorreu na espécie. Portanto, para a configuração do crime, basta que o agente tenha a posse ou a guarda de substância entorpecente não destinada a seu uso próprio, pressuposto este que restou atendido in casu porque Marcelo confessou o tráfico, ao passo que Rennan negou a propriedade da “maconha” e do “ capulho” , apesar da apreensão das drogas em sua posse (autoria). Logo, por certo não eram destinadas ao uso próprio. Provado, pois, que os denunciados realizaram ao menos 01 (um) dos verbos nucleares do tipo do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, sem autorização legal ou regulamentar, tendo inequívoca ciência da ilicitude de seus comportamentos, caracterizado está o crime de tráfico de drogas. Repisa-se que, segundo os próprios réus (seq. 179), as drogas apreendidas não se destinavam ao consumo próprio. A conduta típica descrita na inicial foi perpetrada pelosacusados visando transcender Estados da Federação, fazendo incidir neste particular a majorante do art. 40, V, da Lei nº 11.343/2006. O réu Marcelo admitiu tal circunstância, esclarecendo que receberia R$ 12.000,00 (doze mil reais) para transportar a “maconha” e o “ capulho” de Guaíra/PR até São Paulo/SP (seq. 179). Quando de sua abordagem policial, também relatou aos militares Norberto e Albert que pegou as drogas em Guaíra/PR e as transportaria até São Paulo/SP (seqs. 1.6, 1.8 e 179). Para encerrar o ponto (tipicidade), diante da primariedade, da ausência de antecedentes e da falta de provas de que os réus se dediquem a atividades criminosas ou integrem organização criminosa, incide neste particular a causa especial de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 5 . Quanto à antijuridicidade, ensinava DAMÁSIO DE JESUS 6 que é a relação de contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico. A conduta descrita em norma penal será ilícita ou antijurídica quando não for expressamente declarada lícita. Assim, o conceito de ilicitude de um fato típico é encontrado por exclusão: é ilícito quando não declarado lícito por causas de exclusão da antijuridicidade (CP, art. 23, ou normas permissivas encontradas em sua parte especial ou em leis especiais). Presente a causa de exclusão o fato é típico, mas não antijurídico e não há que se falar em crime, por lhe faltar um de seus requisitos. Na hipótese sub judice não se vislumbra a presença de qualquer causa de exclusão de antijuridicidade. A culpabilidade, ao seu turno, é a reprovação da ordem jurídica em face de estar ligado o agente a um fato típico e antijurídico, sendo, segundo a teoria predominante, o último requisito do delito. Além disso, de acordo com a teoria finalista da ação, adotada pela reforma penal de 1984, é composta dos seguintes elementos: “imputabilidade”, “exigibilidade de conduta diversa” e “potencial consciência da ilicitude”. 5 Trata-se de direito subjetivo do réu, não obstante a redação da Lei (Nesse sentido: GOMES, Luiz Flávio. Lei de drogas comentada. 2ª ed., São Paulo: RT, 2007, p. 197). 6 In “Direito Penal – Parte Geral”, vol.1, pág.137, Ed. SaRaíva/1985.Na espécie, os réus, à época dos fatos, já haviam atingido a maioridade penal (CP, art. 27) e, portanto, imputáveis, sujeitos no gozo de suas perfeitas faculdades mentais, capazes de entender o caráter ilícito dos fatos e de se determinar de acordo com esse entendimento, não se vislumbrando as causas excludentes previstas nos arts. 26, caput, e 28, § 1º, ambos do CP. Pelas condições pessoais dos acusados, tinham ao menos potencial consciência da antijuridicidade de suas condutas, isto é, era perfeitamente possível a eles conhecerem o caráter ilícito dos fatos cometidos, não ocorrendo a excludente de culpabilidade prevista no art. 21, segunda parte, do Código Penal, lembrando que o desconhecimento da lei é inescusável (CP, art. 21, primeira parte). Também pelas circunstâncias dos fatos, tinham os denunciados a possibilidade de realizar comportamentos diversos dos praticados e compatíveis com o ordenamento, não se verificando neste particular as dirimentes de coação moral irresistível e obediência hierárquica (CP, art. 22). Portanto, inexistindo causas excludentes de culpabilidade, têm-se como reprováveis as condutas perpetradas pelos réus (2º fato). III. DISPOSITIVO POSTO ISSO, julgo procedente, em parte, o pedido inserido na denúncia, para o fim de: i) CONDENAR os acusados RENNAN CORREIA DE OLIVEIRA e MARCELO HENRIQUE MIRANDA MOREIRA, já qualificados nos autos, pela prática do crime de tráfico de drogas majorado e privilegiado (art. 33, caput e § 4º, c/c o art. 40, V, ambos da Lei nº 11.343/2006 – 2º fato); e, ii) ABSOLVER os corréus quanto ao delito de associação para o tráfico de drogas (art. 35, caput, c/c o art. 40, V, ambos da Lei nº 11.343/2006 – 1º fato), com fulcro no art. 386, VII, do Código de Processo Penal (favor rei).IV. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA 4.1. Réu: Rennan Correia de Oliveira Circunstâncias judiciais A pena mínima abstratamente prevista para o delito de tráfico (Lei nº 11.343/2006, art. 33, caput) é de 05 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa. A partir desse mínimo, passa-se à análise das circunstâncias judiciais (CP, art. 59), observadas as circunstâncias “ preponderantes” estabelecidas no art. 42 da Lei de Tóxicos: a) a conduta do acusado enseja um maior juízo de culpabilidade (reprovação), além daquele já inerente ao tipo em análise. Isso porque a forma de atuação denota premeditação. Os denunciados foram contratados para sair de suas cidades de origem (Porto Velho/RO e Curitiba/PR) e se deslocarem até Guaíra/PR, onde receberam veículos automotores para transportar os entorpecentes, Rennan agindo como batedor. As drogas seriam levadas a São Paulo/SP e entregues a comparsa não identificado, o qual pagaria a Marcelo R$ 12.000,00 (doze mil reais). Logo, cada passo da empreitada foi previamente arquitetado, de modo a dificultar a ação da força repressiva policial, fomentar o tráfico de drogas e lograr a impunidade. As circunstâncias indicam o elevado grau de reprovação da conduta, notadamente porque os corréus agiram com dolo intenso e bem refletido. Sabiam de todas as possíveis consequências decorrentes da prática delitiva, mas ainda assim optaram por cometê-la, crentes de que, em razão do prévio planejamento e da forma organizada como agiram, ficariam impunes. “ [...] 2. Não há falar em constrangimento ilegal na exasperação da pena decorrente da culpabilidade acentuada da agente, porquanto a premeditação, ao contrário do dolo de ímpeto, está a apontar uma conduta mais censurável, diante do planejamento antecipado da ação criminosa, mostrando-se justificada, portanto, a elevação da pena-base sob esse argumento. [...]” (STJ, HC176404/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 05/04/2011, DJe 14/04/2011). Assim, desfavorável esta moduladora, aumenta-se a pena- base em 01 (um) ano, 03 (três) meses de reclusão 7 e 100 (cem) dias-multa; b) o réu não tem antecedente criminal (seq. 77); c) no tocante à conduta social e à personalidade (previstas tanto no art. 59 do Código Penal quanto no art. 42 da Lei de Drogas), não há elementos que permitam fazer um juízo desfavorável ao denunciado; d) os motivos são os peculiares a esta espécie de delito: buscar, pela via ilícita e supostamente mais branda, lucro fácil à custa do vício alheio; e) as circunstâncias pesam contra o réu, ante a expressiva quantidade de “maconha” (230,05kg) e “capulho” (22,45kg – seq. 1.10). “ [...] d) No caso, a quantidade da substância entorpecente apreendida - 995g (novecentos e noventa e cinco gramas) de ‘haxixe’ - autoriza o aumento da pena- base pela valoração negativa das circunstâncias do crime, a teor do disposto no art. 42, da Lei nº 11.343/2006 -- Apelação Criminal nº 1.148.256-9 -- [...]”. (TJPR - 3ª C. Criminal - AC - 1148256-9 - Medianeira - Rel.: Rogério Kanayama - Unânime - J. 13.02.2014 - negritei). Destarte, aumenta-se a pena-base em mais 01 (um) ano, 03 (três) meses de reclusão e 100 (cem) dias-multa; f) as consequências do crime não foram graves, notadamente diante da apreensão dos entorpecentes; e, g) não há que se cogitar quanto ao comportamento da vítima, pois se trata da coletividade. Sopesadas todas as circunstâncias abstratamente previstas 7 Aumento que não é desproporcional, pois correspondente à diferença entre as penas mínima e máxima (dez anos), dividida pelo número de circunstâncias judiciais (oito).no art. 59 do Código Penal e no art. 42 da Lei de Drogas com os dados do caso concreto, na forma acima realizada, fixo a pena-base em 07 (sete) anos, 06 (seis) meses de reclusão e 700 (setecentos) dias-multa, quantum que reputo necessário e suficiente para a prevenção e repressão do delito. Circunstâncias legais (agravantes e atenuantes) Não há agravantes e nem atenuantes. Causas de aumento ou diminuição de pena Presentes a majorante do art. 40, V, da Lei nº 11.343/2006; e a minorante do art. 33, § 4º, do mesmo Diploma Repressivo. Nessa toada, seguindo o critério trifásico (CP, art. 68), será considerada primeiramente a causa de diminuição e, depois, a de aumento. Anota-se que, à luz da regra matemática basilar, “a ordem dos fatores não altera o produto”. Ou seja, ainda que a operação fosse realizada de maneira inversa, o resultado da dosimetria seria idêntico. Pois bem, aplica-se a causa especial de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, para o fim de reduzir a pena acima fixada (pena provisória) em 1/6 (um sexto). A não aplicação da redutora em seu grau máximo é justificada. Com efeito, de acordo com a jurisprudência pacífica do e. Superior Tribunal de Justiça, “a atuação na condição de mula, embora não seja suficiente para denotar que integre, de forma estável e permanente, organização criminosa, configura circunstância concreta e elemento idôneo para valorar negativamente a conduta do agente, na terceira fase da dosimetria, modulando-se a aplicação da causa especial de diminuição de pena pelo tráfico privilegiado, como ocorre na espécie” (RHC n. 59.063/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 7/6/2018, DJe de 1/8/2018 – negritei). “ [...] II - Com efeito, esta Corte Superior assentou o entendimento de que ‘a condição de ‘mula’ do tráfico justifica a aplicação do redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 na fração mínima de 1/6 (um sexto), dada a maior gravidade da conduta decorrente do exercício dessa função de transporte, que se revelacomo uma etapa fundamental para que a traficância alcance vasta escala de distribuição’ (AgRg no HC n. 820.508/PR, Sexta Turma, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe de 22/6/2023, grifei). III - Na presente hipótese, destacou a Corte de origem que ‘além pelas palavras dos agentes públicos, restou evidenciado que o acusado atuou como mula’ (fl. 299), razão pela qual manteve a aplicação do redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas em seu grau mínimo. Agravo regimental desprovido”. (STJ, AgRg no HC n. 813.423/GO, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 25/9/2023, DJe de 28/9/2023 – destaquei). “ [...] 2. Nos termos da orientação firmada nesta Corte Superior de Justiça, o fato de o acusado ostentar a condição de mula do tráfico justifica a aplicação da fração mínima (1/6 - um sexto) do redutor previsto no art. 33, § 4.º, da Lei de Drogas, dada a maior gravidade da conduta decorrente do exercício dessa função de transporte. [...]”. (STJ, AgRg no HC n. 891.006/SP, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 24/6/2024, DJe de 27/6/2024 – destaquei). De outro lado, o crime de tráfico foi cometido pelo denunciado visando transpor Estados da Federação, fazendo incidir a causa especial de aumento de pena prevista no art. 40, V, da Lei nº 11.343/2006. Assim, considerando o trajeto a ser percorrido pelo réu, isto é, passando por apenas 02 (dois) Estados Federativos (PR e SP), a pena será aumentada no patamar mínimo, em 1/6 (um sexto). PENA DEFINITIVA Cumpridas as fases do art. 68 do Código Penal e porque ausentes outras circunstâncias modificativas, fixo a pena privativa de liberdade ao acusado Rennan Correia de Oliveira, DEFINITIVAMENTE, em 07 (sete) anos, 03 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão; e a pena de multa em 680 (seiscentos e oitenta) dias-multa.Valor do dia-multa Em função da situação econômica do denunciado, fixo cada dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo federal vigente por ocasião dos fatos e atualizado até a data do pagamento, cujo valor deverá ser revertido em favor do Fundo Penitenciário (CP, art. 49, §§ 1º e 2º, c/c o art. 60). A pena de multa deverá ser paga nos termos e no prazo previstos no art. 50 do Código Penal, sob pena de execução civil (CP, art. 51). Detração e regime inicial de cumprimento de pena Primeiramente, deixa-se de realizar a detração, pois na espécie não irá impor qualquer alteração ao regime de cumprimento de pena. A propósito, “A detração penal, preconizada no artigo 387, § 2º, do Código de Processo Penal, incluído pela Lei nº 12.736/2012, deve ser realizada pelo Juiz do processo de conhecimento com o único escopo de definir o regime inicial para cumprimento da pena privativa de liberdade imposta, e não para reduzir a pena do sentenciado descontando o período de sua prisão provisória. Logo, se a detração não importar em alteração do regime prisional, tal operação não pode ser aplicada, devendo deixá-la a cargo do juízo da execução”. (TJPR - 4ª C. Criminal - AC - 1457925-4 - Uraí - Rel.: Celso Jair Mainardi - Unânime - J. 28.04.2016 - negritei). Outrossim, é vedada a detração neste particular porque há circunstâncias judiciais desfavoráveis (STJ, AgRg no HC n. 736.349/PR, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 10/5/2022, DJe de 16/5/2022). Destarte, levando em consideração o montante da reprimenda aplicada, as circunstâncias judiciais (duas desfavoráveis) e principalmente a quantidade de “maconha” (que é preponderante – já visto), estabelece-se o regime FECHADO para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade, com fulcro no art. 33, § 2º, “b”, e § 3º, do Código Penal, a ser cumprido em estabelecimento prisional adequado, oportunamente indicado pela Vara de Execuções Penais (CP, art. 33, § 1º, “b”).AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. REDUTOR PREVISTO NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/06. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA. INCOMPATIBILIDADE. PENA SUPERIOR A 4 ANOS DE RECLUSÃO. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA APREENDIDA. MAUS ANTECEDENTES. FUNDAMENTOS VÁLIDOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. “1. O redutor foi afastado em decorrência dos elementos fáticos apurados na instrução processual, que demostraram que o agente dedicava-se à atividade criminosa. A modificação desse entendimento demanda o exame aprofundado de provas, o que é vedado na estreita via do habeas corpus. 2. A fixação da pena-base acima do mínimo legal, em razão da presença de circunstância judicial desfavorável, justifica a aplicação de regime mais gravoso, em observância ao disposto no art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, bem como à jurisprudência pacífica desta Corte. Portanto, no caso, não há ilegalidade na adoção do regime fechado. 3. Agravo regimental desprovido”. (STJ, AgRg no HC n. 835.899/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 5/12/2023, DJe de 12/12/2023 – negritei). “ [...] 4. Quanto ao regime inicial para o resgate da reprimenda, embora o recorrente seja primário e a pena reclusiva do crime de tráfico de drogas tenha sido fixada em patamar superior a 4 anos e não excedente a 8 anos de reclusão, o regime fechado mostra- se adequado para o início do cumprimento da sanção imposta, diante da aferição desfavorável de circunstância judicial (quantidade do entorpecente), nos termos dos art. 33 do CP c.c o art. 42 da Lei n. 11.343/2006. [...]”. (STJ, AgRg no AREsp n. 2.279.438/MS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 6/6/2023, DJe de 12/6/2023). Substituição por restritiva de direito e da SURSIS Diante do montante da reprimenda e das circunstâncias judiciais desfavoráveis, o réu não faz jus à substituição da pena (CP, art. 44), nem à SURSIS (CP, art. 77), pois não se afiguram socialmente recomendáveis.4.2. Réu: Marcelo Henrique Miranda Moreira Circunstâncias judiciais A pena mínima abstratamente prevista para o delito de tráfico (Lei nº 11.343/2006, art. 33, caput) é de 05 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa. A partir desse mínimo, passa-se à análise das circunstâncias judiciais (CP, art. 59), observadas as circunstâncias “ preponderantes” estabelecidas no art. 42 da Lei de Tóxicos: a) a conduta do acusado enseja um maior juízo de culpabilidade (reprovação), além daquele já inerente ao tipo em análise. Isso porque a forma de atuação denota premeditação. Os denunciados foram contratados para sair de suas cidades de origem (Porto Velho/RO e Curitiba/PR) e se deslocarem até Guaíra/PR, onde receberam veículos automotores para transportar os entorpecentes, Rennan agindo como batedor. As drogas seriam levadas a São Paulo/SP e entregues a comparsa não identificado, o qual pagaria a Marcelo R$ 12.000,00 (doze mil reais). Logo, cada passo da empreitada foi previamente arquitetado, de modo a dificultar a ação da força repressiva policial, fomentar o tráfico de drogas e lograr a impunidade. Portanto, as circunstâncias indicam o elevado grau de reprovação da conduta, notadamente porque os corréus agiram com dolo intenso e bem refletido. Sabiam de todas as possíveis consequências decorrentes da prática delitiva, mas ainda assim optaram por cometê-la, crentes de que, em razão do prévio planejamento e da forma organizada como agiram, ficariam impunes. “ [...] 2. Não há falar em constrangimento ilegal na exasperação da pena decorrente da culpabilidade acentuada da agente, porquanto a premeditação, ao contrário do dolo de ímpeto, está a apontar uma conduta mais censurável, diante do planejamento antecipado da ação criminosa, mostrando-se justificada, portanto, a elevação da pena-base sob esse argumento. [...]” (STJ, HC 176404/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 05/04/2011, DJe 14/04/2011).Assim, desfavorável esta moduladora, aumenta-se a pena- base em 01 (um) ano, 03 (três) meses de reclusão 8 e 100 (cem) dias-multa; b) o réu não tem antecedente criminal (seqs. 76, 180/181); c) no tocante à conduta social e à personalidade (previstas tanto no art. 59 do Código Penal quanto no art. 42 da Lei de Drogas), não há elementos que permitam fazer um juízo desfavorável ao denunciado; d) os motivos são os peculiares a esta espécie de delito: buscar, pela via ilícita e supostamente mais branda, lucro fácil à custa do vício alheio; e) as circunstâncias pesam contra o réu, ante a expressiva quantidade de “maconha” (230,05kg) e “capulho” (22,45kg – seq. 1.10). “ [...] d) No caso, a quantidade da substância entorpecente apreendida - 995g (novecentos e noventa e cinco gramas) de ‘haxixe’ - autoriza o aumento da pena- base pela valoração negativa das circunstâncias do crime, a teor do disposto no art. 42, da Lei nº 11.343/2006 -- Apelação Criminal nº 1.148.256-9 -- [...]”. (TJPR - 3ª C. Criminal - AC - 1148256-9 - Medianeira - Rel.: Rogério Kanayama - Unânime - J. 13.02.2014 - negritei). Destarte, aumenta-se a pena-base em mais 01 (um) ano, 03 (três) meses de reclusão e 100 (cem) dias-multa; f) as consequências do crime não foram graves, notadamente diante da apreensão dos entorpecentes; e, g) não há que se cogitar quanto ao comportamento da vítima, pois se trata da coletividade. Sopesadas todas as circunstâncias abstratamente previstas no art. 59 do Código Penal e no art. 42 da Lei de Drogas com os dados do caso concreto, na forma acima realizada, fixo a pena-base em 07 (sete) anos, 06 (seis) meses de reclusão e 700 (setecentos) dias-multa, quantum que reputo necessário e 8 Aumento que não é desproporcional, pois correspondente à diferença entre as penas mínima e máxima (dez anos), dividida pelo número de circunstâncias judiciais (oito).suficiente para a prevenção e repressão do delito. Circunstâncias legais (agravantes e atenuantes) Não há agravantes. Presente, contudo, a atenuante da confissão (CP, art. 65, III, “ d”), a reprimenda será atenuada em 01 (um) ano, 03 (três) meses de reclusão e 117 (cento e dezessete) dias-multa, ficando a pena provisoriamente estabelecida em 06 (seis) anos, 03 (três) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa. Causas de aumento ou diminuição de pena Presentes a majorante do art. 40, V, da Lei nº 11.343/2006; e a minorante do art. 33, § 4º, do mesmo Diploma Repressivo. Nessa toada, seguindo o critério trifásico (CP, art. 68), será considerada primeiramente a causa de diminuição e, depois, a de aumento. Anota-se que, à luz da regra matemática basilar, “a ordem dos fatores não altera o produto”. Ou seja, ainda que a operação fosse realizada de maneira inversa, o resultado da dosimetria seria idêntico. Pois bem, aplica-se a causa especial de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 9 , para o fim de reduzir a pena acima fixada (pena provisória) em 1/6 (um sexto). A não aplicação da redutora em seu grau máximo é justificada. Com efeito, de acordo com a jurisprudência pacífica do e. Superior Tribunal de Justiça, “a atuação na condição de mula, embora não seja suficiente para denotar que integre, de forma estável e permanente, organização criminosa, configura circunstância concreta e elemento idôneo para valorar negativamente a conduta do agente, na terceira fase da dosimetria, modulando-se a aplicação da causa especial de diminuição de pena pelo tráfico privilegiado, como ocorre na espécie” (RHC n. 59.063/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 7/6/2018, DJe de 1/8/2018 – negritei). 9 Trata-se de direito subjetivo do réu, não obstante a redação da Lei (Nesse sentido: GOMES, Luiz Flávio. Lei de drogas comentada. 2ª ed., São Paulo: RT, 2007, p. 197).“ [...] II - Com efeito, esta Corte Superior assentou o entendimento de que ‘a condição de ‘mula’ do tráfico justifica a aplicação do redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 na fração mínima de 1/6 (um sexto), dada a maior gravidade da conduta decorrente do exercício dessa função de transporte, que se revela como uma etapa fundamental para que a traficância alcance vasta escala de distribuição’ (AgRg no HC n. 820.508/PR, Sexta Turma, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe de 22/6/2023, grifei). III - Na presente hipótese, destacou a Corte de origem que ‘além pelas palavras dos agentes públicos, restou evidenciado que o acusado atuou como mula’ (fl. 299), razão pela qual manteve a aplicação do redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas em seu grau mínimo. Agravo regimental desprovido”. (STJ, AgRg no HC n. 813.423/GO, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 25/9/2023, DJe de 28/9/2023 – destaquei). “ [...] 2. Nos termos da orientação firmada nesta Corte Superior de Justiça, o fato de o acusado ostentar a condição de mula do tráfico justifica a aplicação da fração mínima (1/6 - um sexto) do redutor previsto no art. 33, § 4.º, da Lei de Drogas, dada a maior gravidade da conduta decorrente do exercício dessa função de transporte. [...]”. (STJ, AgRg no HC n. 891.006/SP, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 24/6/2024, DJe de 27/6/2024 – destaquei). De outro lado, o crime de tráfico foi cometido pelo denunciado visando transpor Estados da Federação, fazendo incidir a causa especial de aumento de pena prevista no art. 40, V, da Lei nº 11.343/2006. Assim, considerando o trajeto a ser percorrido pelo réu, isto é, passando por apenas 02 (dois) Estados Federativos (PR e SP), a pena será aumentada no patamar mínimo, em 1/6 (um sexto). PENA DEFINITIVA Cumpridas as fases do art. 68 do Código Penal e porque ausentes outras circunstâncias modificativas, fixo a pena privativa de liberdade ao acusado Marcelo Henrique Miranda Moreira, DEFINITIVAMENTE, em 06 (seis) anos e 27(vinte e sete) dias de reclusão; e a pena de multa em 565 (quinhentos e sessenta e cinco) dias-multa. Valor do dia-multa Em função da situação econômica do denunciado, fixo cada dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo federal vigente por ocasião dos fatos e atualizado até a data do pagamento, cujo valor deverá ser revertido em favor do Fundo Penitenciário (CP, art. 49, §§ 1º e 2º, c/c o art. 60). A pena de multa deverá ser paga nos termos e no prazo previstos no art. 50 do Código Penal, sob pena de execução civil (CP, art. 51). Detração e regime inicial de cumprimento de pena Primeiramente, deixa-se de realizar a detração, pois na espécie não irá impor qualquer alteração ao regime de cumprimento de pena. A propósito, “A detração penal, preconizada no artigo 387, § 2º, do Código de Processo Penal, incluído pela Lei nº 12.736/2012, deve ser realizada pelo Juiz do processo de conhecimento com o único escopo de definir o regime inicial para cumprimento da pena privativa de liberdade imposta, e não para reduzir a pena do sentenciado descontando o período de sua prisão provisória. Logo, se a detração não importar em alteração do regime prisional, tal operação não pode ser aplicada, devendo deixá-la a cargo do juízo da execução”. (TJPR - 4ª C. Criminal - AC - 1457925-4 - Uraí - Rel.: Celso Jair Mainardi - Unânime - J. 28.04.2016 - negritei). Outrossim, é vedada a detração neste particular porque há circunstâncias judiciais desfavoráveis (STJ, AgRg no HC n. 736.349/PR, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 10/5/2022, DJe de 16/5/2022). Destarte, levando em consideração o montante da reprimenda aplicada, as circunstâncias judiciais (duas desfavoráveis) e principalmente a quantidade de “maconha” (que é preponderante – já visto), estabelece-se o regime FECHADO para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade, com fulcro no art. 33, § 2º, “b”, e § 3º, do Código Penal, a ser cumprido em estabelecimento prisional adequado, oportunamente indicado pelaVara de Execuções Penais (CP, art. 33, § 1º, “b”). AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. REDUTOR PREVISTO NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/06. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA. INCOMPATIBILIDADE. PENA SUPERIOR A 4 ANOS DE RECLUSÃO. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA APREENDIDA. MAUS ANTECEDENTES. FUNDAMENTOS VÁLIDOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. “1. O redutor foi afastado em decorrência dos elementos fáticos apurados na instrução processual, que demostraram que o agente dedicava-se à atividade criminosa. A modificação desse entendimento demanda o exame aprofundado de provas, o que é vedado na estreita via do habeas corpus. 2. A fixação da pena-base acima do mínimo legal, em razão da presença de circunstância judicial desfavorável, justifica a aplicação de regime mais gravoso, em observância ao disposto no art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, bem como à jurisprudência pacífica desta Corte. Portanto, no caso, não há ilegalidade na adoção do regime fechado. 3. Agravo regimental desprovido”. (STJ, AgRg no HC n. 835.899/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 5/12/2023, DJe de 12/12/2023 – negritei). “ [...] 4. Quanto ao regime inicial para o resgate da reprimenda, embora o recorrente seja primário e a pena reclusiva do crime de tráfico de drogas tenha sido fixada em patamar superior a 4 anos e não excedente a 8 anos de reclusão, o regime fechado mostra- se adequado para o início do cumprimento da sanção imposta, diante da aferição desfavorável de circunstância judicial (quantidade do entorpecente), nos termos dos art. 33 do CP c.c o art. 42 da Lei n. 11.343/2006. [...]”. (STJ, AgRg no AREsp n. 2.279.438/MS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 6/6/2023, DJe de 12/6/2023). Substituição por restritiva de direito e da SURSIS Diante do montante da reprimenda e das circunstâncias judiciais desfavoráveis, o réu não faz jus à substituição da pena (CP, art. 44), nem à SURSIS (CP, art. 77), pois não se afiguram socialmente recomendáveis.V. PERDIMENTO DE DINHEIRO APREENDIDO É efeito genérico da condenação o perdimento, em favor da União, “do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso” (CP, art. 91, II, “b”). A medida constritiva tem previsão em foro constitucional 10 e deve decorrer de sentença penal condenatória, conforme regulamentado no art. 63 da Lei nº 11.343/2006 11 . In casu, houve a apreensão de dinheiro por ocasião do flagrante dos réus (seq. 1.10). Essa pecúnia não foi alvo de pedido de restituição e os acusados não provaram sua origem lícita. Ademais, Marcelo confessou o tráfico (seqs. 1.16 e 179) e o numerário foi apreendido em incursão policial que resultou na apreensão de “ maconha” e “capulho”; na prisão em flagrante e condenação dos denunciados pela prática do crime de tráfico de drogas. Pelas circunstâncias do caso e o provado cometimento do delito de tráfico, é certo que o montante pecuniário foi obtido por meio da traficância, de modo que o dinheiro se trata de produto de crime e deve ser perdido em favor da União. A propósito, “A jurisprudência desta Corte estabeleceu-se no sentido de considerar a expropriação de bens em favor da União pela prática de tráfico ilícito de entorpecentes um efeito automático da condenação, já que encontra previsão em foro constitucional (art. 243) e decorre da sentença condenatória, conforme regulamentado no art. 63 da Lei 11.343/2006. [...]”. (STJ, AgRg no AREsp 507.029/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 10/10/2017, DJe 18/10/2017 - negritei). Diante disso, inexistindo o menor indício de que os acusados Rennan Correia de Oliveira e Marcelo Henrique Miranda Moreira tinham renda fixa, 10 CR/88, art. 243. [...]. Parágrafo único. “Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias”. 11 “Ao proferir a sentença de mérito, o juiz decidirá sobre o perdimento do produto, bem ou valor apreendido, seqüestrado ou declarado indisponível”.conclui-se que o dinheiro apreendido na posse deles (junto com as drogas) era produto do tráfico que realizavam, o que autoriza seu perdimento. “ [...] Não provada a origem lícita do dinheiro apreendido juntamente com a droga, opera-se o perdimento em prol do Fundo Nacional Antidrogas”. (TJPR - 5ª C. Criminal - AC - 813608-7 - Ponta Grossa - Rel.: Rafael Vieira de Vasconcellos Pedroso - Unânime - - J. 06.09.2012 – negritei). “ [...] Perdimento de dinheiro em favor da União deferida considerando a comprovação da prática do tráfico e a não demonstração da origem lícita do valor apreendido. APELO IMPROVIDO. (TJRS, Apelação Crime Nº 70053532917, Segunda Câmara Criminal, Relator: Rosaura Marques Borba, Julgado em 25/06/2015 – negritei). Assim, com base no art. 63 da Lei nº 11.343/2006, DECRETO o perdimento em favor da União do valor pecuniário em espécie apreendido (R$ 1.320,00 - seq. 1.10), com os acréscimos do depósito judicial (seq. 62). VI. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR O art. 92, III, do Código Penal é claro ao determinar que “são também efeitos da condenação: [...] III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso”. Extrai-se da jurisprudência que são exigidos dois requisitos para que se aplique como efeito da condenação a inabilitação para dirigir veículo: (a) ter o réu praticado o crime de forma dolosa e (b) o veículo se constituir em meio para a prática do delito (STJ, AgRg no REsp 1522252/PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, julg. em 07/05/2015, DJe 18/05/2015). No caso dos autos, os denunciados, utilizando de suas habilidades de dirigir automóveis, cometeram crime doloso e se valeram de veículos automotores como instrumentos para a sua prática. Para tanto, transportaram 230,05kg de “maconha” e 22,45kg de “capulho”, cujas drogas entregariam a outrem.Destarte, aplica-se aos acusados Rennan Correia de Oliveira e Marcelo Henrique Miranda Moreira pena acessória de inabilitação para dirigir veículos automotores, pelos mesmos prazos das reprimendas corporais 12 , com fulcro no art. 92, III, do Código Penal. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES (ART. 33, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/2006). INAPLICABILIDADE DO § 4º DO ART. 33, DA LEI DE DROGAS. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA, ALIADA ÀS CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE SE DESENVOLVEU O EPISÓDIO DELITUOSO QUE DEMONSTRAM A HABITUALIDADE DO ENVOLVIMENTO DO ACUSADO COM A NARCOTRAFICÂNCIA. APREENSÃO DE APROXIMADAMENTE 217KG (DUZENTOS E DEZESSETE QUILOS) DE "MACONHA". INVIABILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. NÃO PREENCHIMENTO DO REQUISITO PREVISTO NO ART. 44, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DO VALOR APREENDIDO. CONJUNTO PROBATÓRIO, EM ESPECIAL A CONFISSÃO DO RÉU, ATESTA QUE O DINHEIRO ENCONTRADO COM O ACUSADO ERA PROVENIENTE DO TRÁFICO DE DROGAS. PENA ACESSÓRIA DE INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO ADEQUADAMENTE FIXADA, NOS TERMOS DO ART. 92, INC. III DO CÓDIGO PENAL. COMPROVAÇÃO DE QUE O ACUSADO UTILIZOU DE SUAS HABILIDADES DE DIREÇÃO DE VEÍCULO PARA TRANSPORTAR SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 3ª C. Criminal - AC - 1630483- 1 - Iporã - Rel.: Desembargador Paulo Roberto Vasconcelos - Unânime - J. 28.09.2017 – negritei). VII. PERDIMENTO DE VEÍCULOS APREENDIDOS Repete-se que é efeito genérico da condenação o perdimento, em favor da União, “do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso” (CP, art. 91, II, “b”). 12 “Tendo em vista que a Constituição Federal, no seu art. 5º, XLVII, ‘b’, proíbe penas de caráter perpétuo, bem como o fato de o art. 92, III, do Código Penal não estabelecer prazo para a inabilitação, entendo aplicável como limitação o parâmetro do art. 15, III, da Constituição Federal, de modo que limito o efeito ora imposto à duração da pena corporal aplicada ao réu, iniciando-se o prazo a partir do recolhimento da CNH por parte do Juízo da Execução ou da autoridade administrativa” (STJ, REsp 1837882/PR – decisão monocrática –, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 24/10/2019).A medida constritiva tem previsão em foro constitucional 13 e deve decorrer de sentença penal condenatória, conforme regulamentado no art. 63 da Lei nº 11.343/2006, que dispõe: Art. 63. Ao proferir a sentença, o juiz decidirá sobre: I - o perdimento do produto, bem, direito ou valor apreendido ou objeto de medidas assecuratórias; e II - o levantamento dos valores depositados em conta remunerada e a liberação dos bens utilizados nos termos do art. 62. O c. Supremo Tribunal Federal, em julgamento de recurso extraordinário submetido aos efeitos de repercussão geral (tema 647), sufragou entendimento no sentido de que, para o perdimento de veículos, basta que a apreensão decorra de fato envolvendo o tráfico de drogas. Confira a ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL. PROCESSUAL PENAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. TEMA 647 DO PLENÁRIO VIRTUAL. TRÁFICO DE DROGAS. VEÍCULO APREENDIDO COM O SUJEITO ATIVO DO CRIME. DECRETAÇÃO DE PERDIMENTO DO BEM. CONTROVÉRSIA SOBRE A EXIGÊNCIA DE HABITUALIDADE DO USO DO BEM NA PRÁTICA CRIMINOSA OU ADULTERAÇÃO PARA DIFICULTAR A DESCOBERTA DO LOCAL DE ACONDICIONAMENTO. DESNECESSIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 243, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. “1. O confisco de bens pelo Estado encerra uma restrição ao direito fundamental de propriedade, insculpido na própria Constituição Federal que o garante (art. 5º, caput, e XXII). 2. O confisco de bens utilizados para fins de tráfico de drogas, à semelhança das demais restrições aos direitos fundamentais expressamente previstas na Constituição Federal, deve conformar-se com a literalidade do texto constitucional, vedada a adstrição de seu alcance por requisitos outros que não os estabelecidos no artigo 243, parágrafo único, da Constituição. 3. O confisco no direito comparado é instituto de grande aplicabilidade nos delitos de repercussão econômica, sob o viés de que “o crime não deve compensar”, perspectiva adotada não só pelo constituinte 13 CR/88, art. 243. [...]. Parágrafo único. “Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias”.brasileiro, mas também pela República Federativa do Brasil que internalizou diversos diplomas internacionais que visam reprimir severamente o tráfico de drogas. 4. O tráfico de drogas é reprimido pelo Estado brasileiro, através de modelo jurídico- político, em consonância com os diplomas internacionais firmados. 5. Os preceitos constitucionais sobre o tráfico de drogas e o respectivo confisco de bens constituem parte dos mandados de criminalização previstos pelo Poder Constituinte originário a exigir uma atuação enérgica do Estado sobre o tema, sob pena de o ordenamento jurídico brasileiro incorrer em proteção deficiente dos direitos fundamentais. Precedente: HC 104410, Relator(a): Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 06/03/2012, DJ 26-03-2012. 6. O confisco previsto no artigo 243, parágrafo único, da Constituição Federal deve ser interpretado à luz dos princípios da unidade e da supremacia da Constituição, atentando à linguagem natural prevista no seu texto. Precedente: RE 543974, Relator(a): Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 26/03/2009, DJ 28-05-2009. 7. O Supremo Tribunal Federal sedimentou que: AGRAVO DE INSTRUMENTO - EFICÁCIA SUSPENSIVA ATIVA - TRÁFICO DE DROGAS - APREENSÃO E CONFISCO DE BEM UTILIZADO - ARTIGO 243, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Impõe-se o empréstimo de eficácia suspensiva ativa a agravo, suspendendo-se acórdão impugnado mediante extraordinário a que visa imprimir trânsito, quando o pronunciamento judicial revele distinção, não contemplada na Constituição Federal, consubstanciada na exigência de utilização constante e habitual de bem em tráfico de droga, para chegar-se à apreensão e confisco - artigo 243, parágrafo único, da Constituição Federal. (AC 82-MC, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 3-2-2004, Primeira Turma, DJ de 28-5-2004). 8. A habitualidade do uso do bem na prática criminosa ou sua adulteração para dificultar a descoberta do local de acondicionamento, in casu, da droga, não é pressuposto para o confisco de bens, nos termos do art. 243, parágrafo único, da Constituição Federal. 9. Tese: É possível o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico de drogas, sem a necessidade de se perquirir a habitualidade, reiteração do uso do bem para tal finalidade, a sua modificação para dificultar a descoberta do local do acondicionamento da droga ou qualquer outro requisito além daqueles previstos expressamente no artigo 243, parágrafo único, daConstituição Federal. 10. Recurso Extraordinário a que se dá provimento” . (RE 638491, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 17/05/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-186 DIVULG 22-08-2017 PUBLIC 23-08-2017 – negritei). Acrescenta-se que o e. Superior Tribunal de Justiça compartilha dessa mesma posição externada pelo Pretório Excelso (vide: AgRg no AREsp 1522195/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgamento em 10/03/2020, DJe 17/03/2020). In casu, houve a apreensão dos veículos VW/Parati, placas CQK1F48; e FORD/Escort, placas AGJ-4352, por ocasião da prisão em flagrante dos acusados. Ficou estabelecido nos autos que Rennan e Marcelo fizeram uso dos automotores para transportar “maconha” e “capulho” entre os Estados do Paraná e São Paulo, de modo que os carros sem dúvida estavam sendo utilizados como instrumentos para a concretização do delito. Ao lado disso, não há prova da aquisição dos automotores com dinheiro lícito, nem houve pedido de restituição (inclusive por terceiro). Nada obstante, “A jurisprudência desta Corte estabeleceu- se no sentido de considerar a expropriação de bens em favor da União pela prática de tráfico ilícito de entorpecentes um efeito automático da condenação, já que encontra previsão em foro constitucional (art. 243) e decorre da sentença condenatória, conforme regulamentado no art. 63 da Lei 11.343/2006. [...]”. (STJ, AgRg no AREsp 507.029/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 10/10/2017, DJe 18/10/2017 - negritei). Assim, com base no art. 63 da Lei nº 11.343/2006, DECRETO o perdimento em favor da União dos veículos VW/Parati, placas CQK1F48; e FORD/Escort, placas AGJ-4352 (seq. 1.10), ressalvado eventual direito de terceiro de boa-fé. VIII. DISPOSIÇÕES FINAIS Condeno os réus Rennan e Marcelo também ao pagamento das custas, na forma pro rata (metade para cada um). Ressalta-se que eventuaisisenção e/ou suspensão são matérias afetas ao Juízo da Execução (TJPR - 2ª Câmara Criminal - 0003585-67.2018.8.16.0112 - Marechal Cândido Rondon - Rel.: DESEMBARGADOR MARIO HELTON JORGE - J. 27.11.2022). As drogas apreendidas já foram incineradas, mediante a preservação de amostras para eventual contraprova (Lei nº 11.343/2006, art. 50, § 3º - seq. 184). Destrua-se o telefone celular (seq. 1.10), pois não houve pedido de restituição, não há prova da aquisição com dinheiro lícito e, pelas circunstâncias do caso, fora utilizado na prática criminosa. Considerando que os corréus Rennan Correia de Oliveira e Marcelo Henrique Miranda Moreira foram condenados; que se estabeleceu o regime fechado para o início do cumprimento das penas; e que os motivos que ensejaram a decretação da prisão preventiva não se alteraram (seq. 25), a custódia cautelar de ambos deve ser mantida, pois necessária para garantir a ordem pública (CPP, art. 312) e evitar que, em liberdade, voltem a cometer novos crimes. “ [...] 2. É incompatível com a realidade processual manter o acusado preso durante a instrução e, após a sua condenação, preservado o quadro fático-processual decorrente da custódia cautelar, assegurar- lhe a liberdade. Consoante já concluiu o Supremo Tribunal Federal, trata-se de situação em que enfraquecida está a presunção de não culpabilidade, pois já emitido juízo de certeza acerca dos fatos, materialidade, autoria e culpabilidade, ainda que não definitivo. Afinal, se os elementos apontados no decreto constritivo foram suficientes para manter a medida excepcional em momento processual em que existia somente juízo de cognição provisória e sumária acerca da responsabilidade criminal do acusado, com a prolação do édito condenatório precedido de amplo contraditório, no qual as provas foram analisadas por órgão judiciário imparcial, é de todo incoerente reconhecer ao condenado o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado do processo quando inalterados os motivos ensejadores da medida. 3. Ademais, na espécie, as circunstâncias da prática do crime indicam a efetiva periculosidade do agente e a gravidade concreta da conduta, ante a mecânica delitiva empregada, de forma que é válida a manutenção da custódia cautelar para o resguardo da ordem pública. Outrossim, ascircunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal foram consideradas desfavoráveis - tanto que a pena-base saltou de 2 (dois) anos para 8 (oito) anos de reclusão -, elemento esse que não pode ser desprezado juntamente com a reiteração delitiva do paciente. 4. Agravo regimental a que se nega provimento”. (STJ, AgRg no HC 273.380/BA, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 19/09/2013, DJe 26/09/2013 – negritei). Ademais, à luz da Lei nº 12.043/2011, que alterou o Código de Processo Penal, vislumbra-se que as medidas cautelares diversas da prisão (CPP, art. 319) se apresentam inadequadas e insuficientes, tendo em vista que a constrição à liberdade dos réus é medida imprescindível para acautelar a ordem pública e evitar a reiteração criminosa. Neste sentido: PENAL. CRIME DE ROUBO E CORRUPÇÃO DE MENORES. (...) ADVENTO DA LEI Nº 12.403/2011. INVIABILIDADE DE APLICAÇÃO, NO CASO CONCRETO, DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO PREVISTAS NO NOVO ART. 319, DO CPP. MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR. RECURSO DESPROVIDO E, DE OFÍCIO, RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA PARA UM DOS RÉUS. (..) A decisão que indeferiu o direito dos apelantes de recorrer em liberdade possui fundamento idôneo, merecendo ser mantida nos termos em que prolatada, principalmente por não se vislumbrar, na espécie, o cabimento de qualquer das medidas cautelares diversas da prisão, nos termos da Lei n° 12.403/2011. (TJPR - 3ª C. Criminal - AC 0783799-2 - Rolândia - Rel.: Des. Rogério Kanayama - Unânime - J. 04.08.2011 – negritei). Em cumprimento aos arts. 831 a 837 do Código de Normas, expeçam-se guias de recolhimento provisório para ambos os condenados. Após, formem-se, em apartado, autos de Execução Provisória de Pena, um para cada sentenciado, instruindo-os com cópias das respectivas guias, da denúncia, da sentença, dos Relatórios de “Informações Processuais” pertinentes e dos demais documentos necessários. Em seguida, remetam-se as execuções à Vara de Execuções em Regime Fechado e Semiaberto de Cruzeiro do Oeste/PR, que é a competente.Após o trânsito em julgado: a) façam-se as devidas comunicações, inclusive ao Juízo Eleitoral, para fins do art. 15, III, da Constituição Federal; b) remetam-se os autos ao contador judicial para o cálculo das custas e das penas de multa. Após, intimem-se os condenados para pagamento, encaminhando-se as respectivas guias; c) oficie-se à Autoridade Policial para que proceda à incineração das drogas preservadas a título de contraprova, com certidão nos autos, na forma do art. 72 da Lei nº 11.343/2006 (redação da Lei nº 12.961/2014); d) oficie-se ao CONTRAM e ao DETRAN/PR para o cumprimento da pena de inabilitação para dirigir veículo automotor (CP, art. 92, III). E caso os sentenciados não sejam habilitados no momento da execução das penas, ficarão proibidos de obter permissão ou habilitação pelo órgão de trânsito pelo mesmo prazo da condenação; e) intimem-se os reeducandos e as defesas a entregarem eventuais Carteiras Nacionais de Habilitação (CNHs) de Rennan Correia de Oliveira e Marcelo Henrique Miranda Moreira na Secretaria desta Vara Criminal, com prazo de 48h (quarenta e oito horas – CTB, art. 293, § 1º). Em seguida, encaminhem-se os ofícios com a comunicação da sentença, constando o prazo das penalidades, e com os documentos recolhidos à Circunscrição Regional de Trânsito (CIRETRAN) desta jurisdição (Ofício Circular nº 46/2016 da Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Paraná); f) expeçam-se guias de recolhimento para a execução das penas privativas de liberdade dos sentenciados (LEP, arts. 105 a 109); g) transfira-se o dinheiro apreendido ao FUNAD; h) comunique-se o FUNAD sobre o perdimento dos carros, observando o disposto no art. 63, § 2º, da Lei nº 11.343/2006; i) oficie-se ao DETRAN/PR informando acerca do perdimento dos veículos VW/Parati, placas CQK1F48; e FORD/Escort, placas AGJ-4352, e para realizar as averbações necessárias, na forma do art. 63, § 4º-A, da Lei nº 11.343/2006;j) comunique-se a SENAD sobre o perdimento dos automóveis e do dinheiro, conforme determina o art. 63, § 4º, da Lei nº 11.343/2006; e, k) voltem conclusos para novas deliberações. Cumpram-se, no que forem pertinentes, as disposições contidas no Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Umuarama/PR, datado e assinado digitalmente. ADRIANO CEZAR MOREIRA Juiz de Direito
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