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Carlos Roberto Garcia Thiago x Banco Mercantil Do Brasil S/A

ID: 301313740

Tribunal: TJSP Órgão: Foro de Tatuí - 1ª Vara Cível Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1000674-58.2025.8.26.0624

Data de Disponibilização: 17/06/2025

Polo Ativo:

CARLOS ROBERTO GARCIA THIAGO

Polo Passivo:

BANCO MERCANTIL DO BRASIL S/A

Intimação

Advogados:

ROSAN PAES CAMARGO FILHO

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

ANDRE DE ASSIS ROSA

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

Processo 1000674-58.2025.8.26.0624 - Procedimento Comum Cível - Rescisão do contrato e devolução do dinheiro - Carlos Roberto Garcia Thiago - Banco Mercantil do Brasil S/A - CARLOS ROBERTO GARCIA T… Processo 1000674-58.2025.8.26.0624 - Procedimento Comum Cível - Rescisão do contrato e devolução do dinheiro - Carlos Roberto Garcia Thiago - Banco Mercantil do Brasil S/A - CARLOS ROBERTO GARCIA TIAGO, ajuizou intitulada Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica cc Repetição de Indébito cc Indenização por Danos Morais cc pedido de tutela de Urgência em face do BANCO MERCANTIL DO BRASIL S.A., aduzindo, em apertadíssima síntese, que: (i) é beneficiário do INSS; (ii) em data não especificada, verificou descontos referentes a cartões de crédito RMC e RCC; (iii) teria celebrado contrato de empréstimo consignado comum (sem maiores especificações), porém, ainda em sua dicção, foi realizada pelo banco réu, a substituição, sem seu consentimento, do contrato tradicional de consignação por esses mais onerosos, a seu ver; (iv) foi induzido em erro pelo banco réu; (v) além de dívida impagável. Ao final, pugna pela declaração de nulidade dos contratos retromencionados e inexigibilidade dos débitos, condenação do banco réu ao pagamento de indenização por supostos danos morais, no valor de R$ 10.000,00, inversão do ônus da prova, gratuidade da justiça, repetição em dobro dos valores descontados, além do pagamento de custas e honorários advocatícios. Cabe ressaltar também que, apesar do nomem atribuído à ação conter pleito de tutela de urgência, o autor não realizou tal pedido. Juntou instrumento de procuração e documentos às fls. 13/22. Decisão de fl. 23 deferiu a gratuidade da justiça e determinou a citação do réu. Devidamente citado, conforme AR de fl. 28, o banco réu habilitou-se às fls. 29 (instrumento de procuração às fls. 30/79) e ofereceu contestação às fls. 80/95 (documentos às fls. 96/184), sede em que sustenta: (i) preliminarmente, ausência de interesse de agir; (ii) no mérito, teceu comentários acerca dos cartões consignados e do procedimento para suas contratações, sustentando sua regularidade, observando que o contrato nº 000004961473 foi assinado pela parte autora em 20.09.2022 e o contrato nº 000005201137, assinado em 12.12.2022, além disso, a parte autora utilizou os referidos cartões para realizar saques do limite concedido e compras; (iii) sustenta, ainda, a inviabilidade da inversão do ônus da prova; (iv) ausência de danos morais; (v) impossibilidade, a seu ver, de repetição em dobro do indébito. Postulou pelo acolhimento da preliminar, ou pela improcedência dos pedidos. Réplica às fls. 188/191. Instadas à especificação probatória (fls. 192/193), a parte autora manifestou-se a fl. 196, demonstrando seu desinteresse na produção de provas, enquanto que a parte ré quedou-se inerte (certidão de fl. 197). Os autos vieram à conclusão. É O RELATO DO ESSENCIAL. FUNDAMENTO E DECIDO. Em primeiro lugar, rejeito a preliminar de ausência de interesse de agir, vazada em termos genéricos, porquanto a parte autora não teria tentado resolução amigável. Não há se falar, in casu, em ausência de pretensão resistida, tanto é que o réu contestou o feito. Sem prejuízo, é essencial observar que o prévio esgotamento das vias administrativas não é pressuposto e nem condição para o ingresso com ação judicial, notando-se a amplitude do princípio do acesso à Justiça. Não havendo outras questões processuais a dirimir, a lide comporta julgamento no estado do processo, nos termos do art. 355, inc. I, do Código de Processo Civil, porquanto as questões controvertidas nos autos são meramente de Direito, mostrando-se, por outro lado, suficiente a prova documental produzida para elucidar as questões de fato suscitadas. Pretende o autor, em apertadíssima síntese, a declaração de nulidade dos contratos de cartões de crédito consignado, repetição em dobro do indébito, e indenização por supostos danos morais, tudo sob a insígnia aberta de suposta fraude ou indução em erro na contratação (de forma não bem explicada), posto que não seria a modalidade almejada, além de abusividade. Ao que o banco réu opõe a regularidade da contratação. Os pedidos iniciais são totalmente improcedentes, consoante fundamentos a seguir. O Código de Defesa do Consumidor tem aplicação quer pelos conceitos jurídicos de fornecedor e consumidor, quer pelo contido no seu artigo 3º, § 2º aos contratos bancários, porque [...] se o produto é todo o bem jurídico, não há negar-se que o crédito é um bem jurídico que é fornecido pelo banco (fornecedor) ao tomador do crédito (consumidor), como destinatário final (RT.734/488). No entanto, sua aplicação não implica na automática inversão do ônus da prova e, ainda menos, na procedência dos pedidos. A principal sustentação do autor, de vício de consentimento (erro) na contratação não é plausível. Ao revés, nas faturas dos cartões de crédito colacionadas pelo banco réu às fls. 96/158, consta expressamente que o autor sacou valores do cartão consignado e realizou diversas compras, inclusive parceladas, conforme documentos retromencionados, além de realizar pagamentos avulsos do valor da fatura, também consoante documentos supra, que não foram concretamente impugnados pela parte autora e nem objeto de interesse em nenhuma contraprova pericial. De modo que não há que se arguir desconhecimento da contratação ou de suas condições, uma vez que, repise-se, utilizou diversas vezes os cartões de crédito, com saque do valor e compras, inclusive parceladas, com pagamento da fatura pelo desconto no benefício previdenciário do autor e por pagamento avulsos, decorrentes de mera liberalidade do autor, o que, por si só, denota que possuía pleno conhecimento das condições contratuais pactuadas. Com efeito, não é caso de se declarar a nulidade dos contratos, tendo em vista que houve claro consentimento do autor para a contratação de cartões de crédito consignado. Trata-se do que decorre do acervo probatório colacionado aos autos, que aponta inequivocamente a contratação lícita, com autorização para descontos no benefício previdenciário do autor, sem qualquer impugnação concreta. Nesse sentido: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). VALIDADE DA CONTRATAÇÃO. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO OU PRÁTICA ABUSIVA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME: Apelação cível interposta contra sentença de improcedência em ação ordinária com pedido de tutela de urgência, nulidade contratual, devolução em dobro dos valores descontados e indenização por danos morais. A autora alegou ter sido induzida a contratar cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC), a acreditar tratar-se de empréstimo consignado, sem ciência das taxas de juros aplicadas. O juízo de origem concluiu pela regularidade da contratação e inexistência de vício de consentimento, falha na prestação de informações ou prática abusiva. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: Há três questões em discussão: (i) definir se houve vício de consentimento na contratação do cartão de crédito consignado; (ii) verificar a ocorrência de falha na prestação de informações ou prática abusiva por parte da instituição financeira; (iii) determinar a existência de direito à restituição de valores e à indenização por danos morais. III. RAZÕES DE DECIDIR: A contratação de cartão de crédito consignado com RMC encontra respaldo legal no art. 6º da Lei nº 10.820/2003, com a redação dada pela Lei nº 14.601/2023, e nos arts. 15 das Instruções Normativas INSS/PRES nº 28/2008 e nº 138/2022, exigindo solicitação formal do titular do benefício. A autora firmou contrato com cláusulas específicas sobre consignação de valores para quitação de fatura de cartão de crédito, a existir demonstração de consentimento válido mediante elementos eletrônicos como identificação com foto, biometria facial e geolocalização, nos termos do art. 464, § 1º, inciso I, do CPC. A aplicação do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, conforme Súmula nº 297 do STJ, não exime a parte autora do ônus de comprovar suas alegações, não sendo identificada venda casada, erro ou indução dolosa. A documentação anexada comprova a efetiva utilização do cartão por parte da autora, afastando a alegação de desconhecimento da contratação, e a cobrança realizada pela instituição ré se deu no exercício regular de direito, nos termos do art. 188, I, do Código Civil. A ausência de ilicitude ou abuso afasta a pretensão de restituição de valores ou indenização por danos morais, sendo incabível a declaração de nulidade do contrato ou sua conversão para modalidade diversa. Reconhecida litigância de má-fé pela discrepância entre os fatos alegados e a realidade dos autos, com aplicação de multa. IV. DISPOSITIVO: Recurso desprovido. (TJSP; Apelação Cível 1001587-25.2023.8.26.0102; Relator (a): Domingos de Siqueira Frascino; Órgão Julgador: Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau Turma IV (Direito Privado 2); Foro de Cachoeira Paulista - 2ª Vara; Data do Julgamento: 30/04/2025; Data de Registro: 30/04/2025) DIREITO DO CONSUMIDOR E BANCÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO DE BENEFÍCIO CONSIGNADO (RCC). ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. CONJUNTO DE DOCUMENTOS APRESENTADOS PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE CONFEREM AUTENTICIDADE A CONTRATAÇÃO DIGITAL. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA TÉCNICA. REGULARIDADE DO CONTRATO. APELO DO RÉU PROVIDO E DO AUTOR PREJUDICADO. I. CASO EM EXAME Apelações interpostas contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito consignado, cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais. O autor alegou inexistência de relação contratual e requereu a devolução em dobro dos valores descontados, bem como indenização por danos morais. A sentença declarou a nulidade do contrato e condenou a instituição financeira à restituição simples dos valores descontados e ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00. O banco apelante sustentou a regularidade da contratação, afirmando que os documentos apresentados comprovaram a anuência do consumidor e a inexistência de vícios de consentimento. O autor, por sua vez, recorreu pleiteando a majoração da indenização por danos morais e a devolução em dobro dos valores descontados, com fundamento no artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se a contratação do cartão de crédito consignado ocorreu regularmente, afastando a nulidade declarada na sentença; e (ii) verificar se estão presentes os requisitos para a repetição de indébito em dobro e para a condenação por danos morais. III. RAZÕES DE DECIDIR 1. A instituição financeira demonstra a regularidade da contratação ao apresentar documentos que comprovam a adesão do autor ao cartão de crédito consignado, incluindo termo de consentimento esclarecido, termo de adesão, documento pessoal do contratante e comprovantes de transferência. 2. A validade da assinatura eletrônica é confirmada por elementos como biometria facial, geolocalização e código de autenticidade hash, que não exigem conhecimento técnico especializado para sua aferição, nos termos do artigo 464, § 1º, inciso I, do Código de Processo Civil, dispensando-se a necessidade de perícia técnica. 3. A impugnação genérica do autor quanto à autenticidade dos documentos apresentados pela instituição financeira se mostra inconsistente, quando não evidencia se quaisquer dos elementos de autenticidade apresenta vício, sendo isto de seu ônus probatório, nos termos do artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil. 4. A cobrança dos valores descontados decorre do exercício regular de direito do credor, nos termos do artigo 188, inciso I, do Código Civil, inexistindo abusividade na conduta da instituição financeira. 5. O provimento do recurso do réu resulta na reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos iniciais, tornando prejudicado o recurso do autor. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso do réu provido. Recurso do autor prejudicado. Tese de julgamento: A regularidade da contratação do cartão de crédito consignado pode ser comprovada por documentos eletrônicos contendo assinatura digital, biometria facial, geolocalização e demais elementos que atestem a anuência do consumidor. O ônus de provar a inexistência da relação contratual incumbe ao consumidor que alega desconhecer a contratação, nos termos do artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil. A cobrança realizada pela instituição financeira no exercício regular de seu direito não configura prática abusiva e não enseja repetição de indébito em dobro nem indenização por danos morais. Dispositivos relevantes citados: Código de Defesa do Consumidor, artigo 42; Código de Processo Civil, artigos 373, inciso I, e 464, § 1º, inciso I; Código Civil, artigo 188, inciso I; Lei nº 10.820/2003, artigo 6º, § 5º. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula nº 54; STJ, Tema Repetitivo nº 1.061; TJSP, Apelação Cível nº 1006664-02.2023.8.26.0268, Rel. Des. Paulo Sergio Mangerona, j. 05/11/2024. (TJSP; Apelação Cível 1025499-47.2023.8.26.0071; Relator (a): Domingos de Siqueira Frascino; Órgão Julgador: Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau Turma IV (Direito Privado 2); Foro de Bauru - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/02/2025; Data de Registro: 28/02/2025) "RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITOS C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS . SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. AUTORA QUE SUSTENTOU DESCONHECER A CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO RMC. CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE. VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM . VEDAÇÃO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE NA CONTRATAÇÃO E DE PRÁTICA DE ATO ILÍCITO DO RÉU. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. NÃO CONFIGURADOS DANOS MORAIS SENTENÇA MANTIDA . RECURSO NÃO PROVIDO." (TJ-SP - Apelação Cível: 1003635-54.2022.8 .26.0081 Adamantina, Relator.: César Zalaf, Data de Julgamento: 08/08/2023, 14ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/08/2023) Outrossim, cumpre destacar que a reportada Reserva de Margem Consignável (RMC), possui respaldo legal, porquanto prevista no artigo 1º, §1º, da Lei 10.820/03, que dispõe: Art. 1º Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos. (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015) § 1º O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 40% (quarenta por cento), sendo 35% (trinta e cinco por cento) destinados exclusivamente a empréstimos, financiamentos e arrendamentos mercantis e 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito consignado ou à utilização com a finalidade de saque por meio de cartão de crédito consignado. (Redação dada pela Lei nº 14.431, de 2022) (Lei 10.820/03) Notadamente, com relação aos titulares de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), consigne-se que há autorização dos descontos nos termos do dispositivo retro está prevista no art. 6º, §5º e §5º-A da Lei 10.820/03. Para tanto, a exigência, segundo Instrução Normativa INSS/PRES nº 28/2008, é de que a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico, conforme demonstra fl. 84. De se repetir que o autor realizou saque e diversas compras com o cartão, havendo amplo histórico de movimentação e comprovantes de transferência dos valores sacados para a conta corrente do autor, conforme faturas e comprovantes acostados às fls. 96/184. As sustentações de abusividade da taxa de juros e de dívida sem termo final são igualmente genéricas. Para a modalidade contratada, há normativa específica. Os contratos foram firmados aos 20.09.2022 e 12.12.2022 (fl. 84) e das faturas, colacionadas às fls. 96 e 128, constam expressamente as taxas de juros: 3,06% a.m. Cabe observar que a Instrução Normativa PRES/INSS n.º 125, de 09.12.2021, alterou o limite da taxa de juros mensais dos empréstimos consignados para 2,14% e dos cartões de crédito para 3,06%, isto é, as taxas contratadas estão dentro do limite estipulado. Assim, a despeito dos argumentos levantados pela parte autora, acerca de supostas arbitrariedades perpetradas pelo credor, com a apropriação de valores indevidos, reforça-se que o banco réu comprovou, estreme de dúvidas, que houve regular contratação do cartão de crédito consignado, bem assim, a movimentação de valores. Não se vislumbra que a aquisição fora imposta ou estava condicionada à aquisição de qualquer outro produto ou serviço, máxime em virtude do consentimento do autor manifestado em documentação específica. Por tais razões, ademais, não se verifica a ocorrência de nenhum vício de consentimento. É cediço que os vícios de consentimento devem ser comprovados de forma segura e robusta por quem os alega, in casu, o próprio autor. Todavia, não há nos autos qualquer elemento probatório, ou mesmo indícios, que corroborem a narrativa inicial, não logrando o autor êxito em se desincumbir do ônus do art. 373, inc. I, do CPC. Dúvidas não cabem, pois, de que a parte autora efetivamente contratou o cartão de crédito, não havendo que se cogitar vício de consentimento. Por conseguinte, ante a validade e licitude do negócio jurídico, prejudicado o pleito de indenização por supostos danos morais e de repetição em dobro dos valores descontados. DISPOSITIVO Diante do exposto, julgo TOTALMENTE IMPROCEDENTES os pedidos iniciais e, via de consequência, EXTINTO O FEITO, com resolução do mérito, com base no art. 487, inc. I, do CPC/2015, na forma da fundamentação. Custas e despesas processuais pelo autor, bem assim, FIXO os honorários de sucumbência devidos ao I. Advogado do réu em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, suspensa a exigibilidade dessas verbas diante da Gratuidade da Justiça concedida (art. 98, §3º, do CPC/2015). PRIC e, após as formalidades legais, arquivem-se os autos. - ADV: ROSAN PAES CAMARGO FILHO (OAB 315128/SP), ANDRE DE ASSIS ROSA (OAB 505808/SP)

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Valdenilda Barroso Dos Santos x Banco Daycoval S/A

ID: 277342423

Tribunal: TJPA Órgão: 1ª Vara Cível e Empresarial de Tucuruí Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 0805094-03.2024.8.14.0061

Data de Disponibilização: 23/05/2025

Polo Ativo:

VALDENILDA BARROSO DOS SANTOS

Polo Passivo:

BANCO DAYCOVAL S/A

Sentença

Advogados:

ANDERSON PONTES PEDROZA

OAB/MS XXXXXX Desbloquear

FELICIANO LYRA MOURA

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BRUNO DOS SANTOS MARCOM

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Processo nº 0805094-03.2024.8.14.0061 SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de ação de repetição de indébito cumulada com indenização por danos morais, proposta por VALDENILDA BARROSO DOS SANTOS em face de B… Processo nº 0805094-03.2024.8.14.0061 SENTENÇA Vistos etc. Trata-se de ação de repetição de indébito cumulada com indenização por danos morais, proposta por VALDENILDA BARROSO DOS SANTOS em face de BANCO DAYCOVAL S/A. A autora alega que, na qualidade de beneficiária do INSS, possui facilidade para contratação de empréstimos consignados, que são legalmente permitidos mediante descontos limitados a 30% (trinta por cento) do valor de seu benefício. Afirma que, além dos empréstimos regularmente contratados, verificou que vêm sendo realizados descontos indevidos em seu benefício previdenciário, oriundos de contrato de número 53-1530187/22, denominado como Empréstimo sobre a RCC. Sustenta que não solicitou nem autorizou a contratação de cartão de crédito consignado, sendo surpreendida com a informação de que o contrato que firmou corresponde à referida modalidade, e não a um mútuo convencional consignado, como desejava. Alega que o procedimento adotado pela instituição financeira é abusivo e ilegal, caracterizando-se como verdadeira venda casada e violando os direitos do consumidor. Argumenta ainda que o cartão de crédito consignado impõe um sistema de descontos “ad eternum”, em razão do pagamento mínimo compulsório, gerando superendividamento e impedindo a quitação da dívida. Requer, assim a declaração de nulidade do contrato de cartão de crédito consignado; a restituição em dobro dos valores indevidamente descontados; a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais. Inicial e documentos no Id 129215107. Citado, o réu Banco Daycoval S.A. apresentou contestação (Id 131351109), na qual sustenta, em síntese, a legalidade e regularidade da contratação. Afirma que a autora anuiu com a contratação do cartão de benefício consignado formalizado em 20/09/2022, mediante assinatura eletrônica com biometria facial e autenticação através de tecnologia de prova de vida ("liveness"), cuja validação foi realizada por empresa especializada, conforme documentos anexados. O réu destaca que a autora assinou também o termo de consentimento e a autorização de saque, tendo recebido o valor de R$ 1.160,00, efetivamente creditado em sua conta bancária. Por fim, requer a total improcedência da demanda. A parte autora apresentou réplica, conforme Id 136781748. Os autos então vieram conclusos. É O RELATÓRIO do necessário. FUNDAMENTO. O feito comporta julgamento antecipado, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, já que não há necessidade de produção de outras provas, sendo suficiente os elementos constantes nos autos para a apreciação da controvérsia. Deixo de analisar as preliminares levantadas pelo requerido, tendo em vista que o mérito lhe favorece. Pretende a autora, em apertadíssima síntese, a declaração de nulidade do contrato de cartão de crédito consignado nº 53-1530187/22, repetição em dobro de suposto indébito e indenização por supostos danos morais, tudo sob alegações, genéricas, de fraude ou indução a erro na contratação (de forma não bem explicada), posto que não seria a modalidade almejada, além de abusividade. Ao que o banco réu opõe a regularidade da contratação. Os pedidos iniciais são totalmente improcedentes. O Código de Defesa do Consumidor tem aplicação quer pelos conceitos jurídicos de fornecedor e consumidor, quer pelo contido no seu artigo 3º, § 2º aos contratos bancários, porque “[...] se o produto é todo o bem jurídico, não há negar-se que o crédito é um bem jurídico que é fornecido pelo banco (fornecedor) ao tomador do crédito (consumidor), como destinatário final” (RT.734/488). No entanto, sua aplicação não implica na “automática” inversão do ônus da prova e, ainda menos, na procedência dos pedidos. A principal sustentação da autora, de vício de consentimento (erro) na contratação não é plausível. Ao revés, no instrumento de contrato de Id 131351112, datado de 20/09/2022, consta expressamente que se trata de contratação de cartão de crédito consignável, além de: AUTORIZAÇÃO PARA RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL: Pelo presente Termo de Adesão as Condições Gerais de Emissão e Utilização do Cartão de Benefício Consignado (“Termo de Adesão”), o Cliente autoriza, em caráter irrevogável e irretratável, o BANCO DAYCOVAL S.A. (“DAYCOVAL”), a constituir reserva de margem consignável de até 5,00% (CINCO por cento) de sua remuneração, nos termos da legislação vigente e convênio celebrado entre sua fonte pagadora e o DAYCOVAL, a fim de que seja possível o pagamento do saldo devedor das faturas do Cartão de Benefício Consignado de sua titularidade, emitidos pelo DAYCOVAL (“Cartão”), devendo tal autorização permanecer válida e eficaz durante todo o período de validade do Cartão, sob pena de cancelamento imediato do Cartão pelo DAYCOVAL, conforme Condições Gerais de Emissão e Utilização do Cartão de Crédito Consignado e/ou Cartão de Benefício Consignado emitidos pelo DAYCOVAL.” (Id 131351112). Além de que há documento anexo, intitulado “termo de consentimento esclarecido do cartão de crédito consignado”, datado de 20/09/2022 (Id 131351113), do qual consta expressamente: “[...] declaro, para os devidos fins e sob as penas da lei, estar de ciente e de acordo que: a) Contratei um Cartão de Benefício Consignado; b) Fui informado que a realização de saque mediante a utilização do meu limite do Cartão de Benefício Consignado ensejará a incidência de encargos e que o valor do saque, acrescido destes encargos, constará na minha próxima fatura do cartão; c) A diferença entre o valor pago mediante consignação (desconto realizado diretamente na remuneração/benefício) e o total da fatura poderá ser paga por meio da minha fatura mensal, o que é recomendado pelo Banco Daycoval S.A, já que, caso a fatura não seja integralmente paga até a data de vencimento, incidirão encargos sobre o valor devido, conforme previsto na fatura; d) Declaro ainda saber que existem outras modalidades de crédito, a exemplo do empréstimo consignado, que possuem juros mensais em percentuais menores; e) Estou ciente de que a taxa de juros do Cartão de Benefício Consignado é inferior à taxa de juros do cartão de crédito convencional; f) Sendo utilizado o limite parcial ou total de meu cartão, para saques ou compras, em uma única transação, o saldo devedor do cartão será liquidado ao final de até 84, contados a partir da data do primeiro desconto em folha, desde que: 1) eu não realize outras transações de qualquer natureza, durante todo o período de amortização projetado a partir da última utilização; 2) não ocorra a redução/perda da minha margem consignável de cartão; 3) os descontos através da consignação ocorram mensalmente, sem interrupção até o total da dívida; 4) eu não realize qualquer pagamento espontâneo via fatura; e 5) não haja alteração da taxa dos juros remuneratórios; […]”. Aliás, consta em letras garrafais na lateral direita do documento de Id 131351113, ao lado da figura de um cartão de crédito: “TENHO CIÊNCIA QUE ESTOU CONTRATANDO UM CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO NAS CONDIÇÕES ACIMA.” Há assinaturas eletrônicas, com elementos identificadores, tais como biometria facial, geolocalização, endereço de IP, identificação do aparelho celular no Id 131351112 e seguintes. Não apenas isso: a autora de fato utilizou o cartão de crédito em referência, solicitando saque na data de 20/09/2022 (efetivado em 22/09/2022, Id 131351122), além de diversas compras, conforme as faturas de Id 131351124. Documentos esses que não foram impugnados pela parte autora. De modo que não há se falar que desconhecia a contratação ou suas condições. Com efeito, não é caso de se declarar a nulidade do contrato, tendo em vista que houve claro consentimento da autora para a contratação de um cartão de crédito com RMC. Isso decorre do acervo probatório colacionado aos autos, que aponta inequivocamente a contratação lícita, com autorização para descontos no benefício previdenciário da autora, sem qualquer impugnação concreta. Nesse sentido: “DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). VALIDADE DA CONTRATAÇÃO. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO OU PRÁTICA ABUSIVA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME: Apelação cível interposta contra sentença de improcedência em ação ordinária com pedido de tutela de urgência, nulidade contratual, devolução em dobro dos valores descontados e indenização por danos morais. A autora alegou ter sido induzida a contratar cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável (RMC), a acreditar tratar-se de empréstimo consignado, sem ciência das taxas de juros aplicadas. O juízo de origem concluiu pela regularidade da contratação e inexistência de vício de consentimento, falha na prestação de informações ou prática abusiva. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: Há três questões em discussão: (i) definir se houve vício de consentimento na contratação do cartão de crédito consignado; (ii) verificar a ocorrência de falha na prestação de informações ou prática abusiva por parte da instituição financeira; (iii) determinar a existência de direito à restituição de valores e à indenização por danos morais. III. RAZÕES DE DECIDIR: A contratação de cartão de crédito consignado com RMC encontra respaldo legal no art. 6º da Lei nº 10.820/2003, com a redação dada pela Lei nº 14.601/2023, e nos arts. 15 das Instruções Normativas INSS/PRES nº 28/2008 e nº 138/2022, exigindo solicitação formal do titular do benefício. A autora firmou contrato com cláusulas específicas sobre consignação de valores para quitação de fatura de cartão de crédito, a existir demonstração de consentimento válido mediante elementos eletrônicos como identificação com foto, biometria facial e geolocalização, nos termos do art. 464, § 1º, inciso I, do CPC. A aplicação do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, conforme Súmula nº 297 do STJ, não exime a parte autora do ônus de comprovar suas alegações, não sendo identificada venda casada, erro ou indução dolosa. A documentação anexada comprova a efetiva utilização do cartão por parte da autora, afastando a alegação de desconhecimento da contratação, e a cobrança realizada pela instituição ré se deu no exercício regular de direito, nos termos do art. 188, I, do Código Civil. A ausência de ilicitude ou abuso afasta a pretensão de restituição de valores ou indenização por danos morais, sendo incabível a declaração de nulidade do contrato ou sua conversão para modalidade diversa. Reconhecida litigância de má-fé pela discrepância entre os fatos alegados e a realidade dos autos, com aplicação de multa. IV. DISPOSITIVO: Recurso desprovido.” (TJSP; Apelação Cível 1001587-25.2023.8.26.0102; Relator (a): Domingos de Siqueira Frascino; Órgão Julgador: Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau Turma IV (Direito Privado 2); Foro de Cachoeira Paulista - 2ª Vara; Data do Julgamento: 30/04/2025; Data de Registro: 30/04/2025). “DIREITO DO CONSUMIDOR E BANCÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO DE BENEFÍCIO CONSIGNADO (RCC). ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. CONJUNTO DE DOCUMENTOS APRESENTADOS PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE CONFEREM AUTENTICIDADE A CONTRATAÇÃO DIGITAL. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA TÉCNICA. REGULARIDADE DO CONTRATO. APELO DO RÉU PROVIDO E DO AUTOR PREJUDICADO. I. CASO EM EXAME Apelações interpostas contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em ação declaratória de nulidade de contrato de cartão de crédito consignado, cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais. O autor alegou inexistência de relação contratual e requereu a devolução em dobro dos valores descontados, bem como indenização por danos morais. A sentença declarou a nulidade do contrato e condenou a instituição financeira à restituição simples dos valores descontados e ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00. O banco apelante sustentou a regularidade da contratação, afirmando que os documentos apresentados comprovaram a anuência do consumidor e a inexistência de vícios de consentimento. O autor, por sua vez, recorreu pleiteando a majoração da indenização por danos morais e a devolução em dobro dos valores descontados, com fundamento no artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se a contratação do cartão de crédito consignado ocorreu regularmente, afastando a nulidade declarada na sentença; e (ii) verificar se estão presentes os requisitos para a repetição de indébito em dobro e para a condenação por danos morais. III. RAZÕES DE DECIDIR 1. A instituição financeira demonstra a regularidade da contratação ao apresentar documentos que comprovam a adesão do autor ao cartão de crédito consignado, incluindo termo de consentimento esclarecido, termo de adesão, documento pessoal do contratante e comprovantes de transferência. 2. A validade da assinatura eletrônica é confirmada por elementos como biometria facial, geolocalização e código de autenticidade hash, que não exigem conhecimento técnico especializado para sua aferição, nos termos do artigo 464, § 1º, inciso I, do Código de Processo Civil, dispensando-se a necessidade de perícia técnica. 3. A impugnação genérica do autor quanto à autenticidade dos documentos apresentados pela instituição financeira se mostra inconsistente, quando não evidencia se quaisquer dos elementos de autenticidade apresenta vício, sendo isto de seu ônus probatório, nos termos do artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil. 4. A cobrança dos valores descontados decorre do exercício regular de direito do credor, nos termos do artigo 188, inciso I, do Código Civil, inexistindo abusividade na conduta da instituição financeira. 5. O provimento do recurso do réu resulta na reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos iniciais, tornando prejudicado o recurso do autor. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso do réu provido. Recurso do autor prejudicado. Tese de julgamento: A regularidade da contratação do cartão de crédito consignado pode ser comprovada por documentos eletrônicos contendo assinatura digital, biometria facial, geolocalização e demais elementos que atestem a anuência do consumidor. O ônus de provar a inexistência da relação contratual incumbe ao consumidor que alega desconhecer a contratação, nos termos do artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil. A cobrança realizada pela instituição financeira no exercício regular de seu direito não configura prática abusiva e não enseja repetição de indébito em dobro nem indenização por danos morais. Dispositivos relevantes citados: Código de Defesa do Consumidor, artigo 42; Código de Processo Civil, artigos 373, inciso I, e 464, § 1º, inciso I; Código Civil, artigo 188, inciso I; Lei nº 10.820/2003, artigo 6º, § 5º. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula nº 54; STJ, Tema Repetitivo nº 1.061; TJSP, Apelação Cível nº 1006664-02.2023.8.26.0268, Rel. Des. Paulo Sergio Mangerona, j. 05/11/2024.” (TJSP; Apelação Cível 1025499-47.2023.8.26.0071; Relator (a): Domingos de Siqueira Frascino; Órgão Julgador: Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau Turma IV (Direito Privado 2); Foro de Bauru - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/02/2025; Data de Registro: 28/02/2025). Outrossim, cumpre destacar que a reportada Reserva de Margem Consignável (RMC), possui respaldo legal, porquanto prevista no artigo 1º, §1º, da Lei 10.820/03, que dispõe: “Art. 1º Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos. (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015). § 1º O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 40% (quarenta por cento), sendo 35% (trinta e cinco por cento) destinados exclusivamente a empréstimos, financiamentos e arrendamentos mercantis e 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito consignado ou à utilização com a finalidade de saque por meio de cartão de crédito consignado. (Redação dada pela Lei nº 14.431, de 2022)” (Lei 10.820/03). Notadamente, com relação aos titulares de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), consigne-se que há autorização dos descontos nos termos do dispositivo retro está prevista no art. 6º, §5º e §5º-A da Lei 10.820/03. Para tanto, a exigência, segundo Instrução Normativa INSS/PRES nº 28/2008, é de que a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico, o que ocorreu no presente caso, conforme demonstra o instrumento e termo de Id 131351118. De se repetir que a autora realizou saque, novamente com assinatura eletrônica. Há também amplo histórico de movimentação, com os relatórios e faturas de Id 131351124. As sustentações de abusividade da taxa de juros e de “dívida impagável” ou “com prazo indeterminado” são igualmente genéricas. Para a modalidade contratada, há normativa específica: Assim, o contrato foi firmado aos 20/09/2022 (Id 131351112) e deste consta expressamente a taxa de juros: 3,06% a.m., ou 43,58% a.a. E a Instrução Normativa INSS/PRES n.º 125, de 09.12.2021, alterou o limite da taxa de juros mensais dos empréstimos consignados para 2,14% e dos cartões de crédito para 3,06%, isto é, exatamente a taxa contratada. Assim, a despeito dos argumentos levantados pela parte autora, acerca de supostas arbitrariedades perpetradas pelo credor, com a apropriação de valores indevidos, reforça-se que o banco réu comprovou, estreme de dúvidas, que houve regular contratação do cartão de crédito consignado, bem assim, a movimentação de valores. Não se vislumbra que a aquisição fora imposta ou estava condicionada à aquisição de qualquer outro produto ou serviço, máxime em virtude do consentimento da requerente manifestado em documentação específica. Por tais razões, ademais, não se verifica a ocorrência de nenhum vício de consentimento. É cediço que os vícios de consentimento devem ser comprovados de forma segura e robusta por quem os alega, in casu, a própria autora. Todavia, não há nos autos qualquer elemento probatório, ou mesmo indícios, que corroborem a narrativa inicial, não logrando a autora êxito em se desincumbir do ônus do art. 373, inc. I, do CPC. Dúvidas não cabem, pois, de que a parte autora efetivamente contratou o cartão de crédito, não havendo que se cogitar vício de consentimento. Por conseguinte, ante a validade e licitude do negócio jurídico, prejudicados os pleitos de repetição de indébito e de indenização por supostos danos morais. Desnecessário demais considerações. DECIDO. Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais e, via de consequência, EXTINTO O FEITO, com resolução do mérito, com base no art. 487, inc. I, do CPC/2015, na forma da fundamentação. Em razão da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, §2º, do CPC. Suspensa a exigibilidade da condenação, conforme art. 98, §3º, do CPC, em razão da justiça gratuita deferida. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Oportunamente, arquivem-se os autos. Tucuruí/PA, data e hora do sistema. THIAGO CENDES ESCÓRCIO Juiz de Direito

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Processo nº 1006664-65.2024.8.11.0015

ID: 280930027

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1006664-65.2024.8.11.0015

Data de Disponibilização: 27/05/2025

Polo Ativo:

MUNICIPIO DE SINOP

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

JOSE JEFFERSON SANTANA DA SILVA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 1006664-65.2024.8.11.0015 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral] Relator… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 1006664-65.2024.8.11.0015 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral] Relator: Des(a). AGAMENON ALCANTARA MORENO JUNIOR Turma Julgadora: [DES(A). AGAMENON ALCANTARA MORENO JUNIOR, DES(A). HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, DES(A). RODRIGO ROBERTO CURVO] Parte(s): [JOSE SOUSA FERREIRA - CPF: 740.740.832-72 (APELADO), DIRCEU KATH - CPF: 401.760.960-00 (ADVOGADO), AMALIA GARCIA KATH - CPF: 029.086.171-37 (ADVOGADO), MATHEUS GARCIA KATH - CPF: 017.708.421-95 (ADVOGADO), ANTONIA NONATA DA SILVA - CPF: 641.015.172-15 (APELADO), MUNICIPIO DE SINOP - CNPJ: 15.024.003/0001-32 (APELANTE), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0030-89 (APELANTE), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0020-07 (APELANTE), JOSE JEFFERSON SANTANA DA SILVA - CPF: 056.064.371-39 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARIA EROTIDES KNEIP, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O APELO DO ESTADO DE MATO GROSSO E PROVEU PARCIALMENTE DO MUNICÍPIO DE SINOP NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. E M E N T A DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. PERDA DE UMA CHANCE. RECURSO ESTADO DESPROVIDO – RECURSO MUNICÍPIO PROVIDO PARCIALMENTE. I. CASO EM EXAME 1. Apelações interpostas pelo Estado de Mato Grosso e pelo Município de Sinop contra sentença que os condenou solidariamente ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 40.000,00 para cada autor, em razão do descumprimento de ordem judicial que determinava a imediata transferência hospitalar da paciente Mara Weslaine da Silva Ferreira. 2. Os autores sustentaram que a omissão dos entes públicos impossibilitou o acesso ao tratamento médico especializado, o que teria contribuído para o óbito da paciente. 3. O Estado alegou ausência de nexo causal e pleiteou improcedência da ação. O Município defendeu a responsabilidade subjetiva, pugnou pela redução da indenização e apontou a responsabilidade exclusiva do Estado, dada a complexidade do procedimento médico necessário. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 4. Há três questões em discussão: (i) se há responsabilidade objetiva dos entes públicos pelo descumprimento de ordem judicial que determinava a transferência hospitalar da paciente; (ii) se existe nexo causal entre a omissão estatal e o falecimento da paciente e; (iii) se o Município de Sinop possui legitimidade passiva na demanda, considerando a complexidade do tratamento requerido. III. RAZÕES DE DECIDIR 5. A responsabilidade civil por omissão exige a demonstração de dever jurídico específico de agir, dano, nexo causal e ausência de causa excludente, conforme entendimento do STF (Tema 366). 6. As provas apontam que a paciente foi internada e posteriormente transferida, ainda que tardiamente, conforme decisão judicial. O óbito ocorreu poucos dias após a transferência. 7. A certidão de óbito indica múltiplas causas, não havendo comprovação de que a morte decorreu exclusivamente da demora no atendimento. 8. Reconhece-se, contudo, que a inércia estatal violou decisão judicial e privou a paciente de uma real possibilidade de melhora clínica, caracterizando perda de uma chance. 9. Aplica-se a teoria da perda de uma chance, conforme precedentes do STJ e TJ/RJ, havendo responsabilidade objetiva dos entes públicos por essa omissão. 10. O Município de Sinop possui responsabilidade secundária na presente hipótese, uma vez que o procedimento médico requerido era de média/alta complexidade, cuja execução compete, primariamente, ao Estado de Mato Grosso, nos termos do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 793, bem como conforme dispõe o Enunciado nº 60 da II Jornada de Direito da Saúde. 11. O pedido de revisão dos juros é incabível nesta fase processual. 12. Mantido o valor da indenização por dano moral fixado em R$ 40.000,00, diante da razoabilidade e proporcionalidade da quantia arbitrada. IV. DISPOSITIVO E TESE 13. Recurso do Estado de Mato Grosso desprovido. Recurso do Município de Sinop parcialmente provido, para reconhecer que a responsabilidade pela obrigação recai, primariamente, sobre o Estado. Tese de julgamento: “1. A omissão do Estado no cumprimento de ordem judicial que determinava transferência hospitalar urgente caracteriza violação de dever jurídico específico de agir. 2. Tal conduta enseja responsabilidade objetiva pela perda de uma chance de melhora clínica da paciente, ainda que não haja nexo causal direto com o óbito. 3. Conforme o Tema 793 do STF, a responsabilidade pela realização de procedimentos de média e alta complexidade recai, primariamente, sobre o ente estadual.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 37, § 6º; CPC, art. 85, § 11. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 136861, Rel. Min. Edson Fachin, j. 11.03.2020 (Tema 366); STF, RE 855178, Rel. Min. Luiz Fux, j. 06.08.2015 (Tema 793); STJ, AgRg no AREsp 173.148/RJ, Rel. Min. Assusete Magalhães, j. 03.12.2015; TJ-RJ, APL 0016294-11.2014.8.19.0042, Rel. Des. Cesar Felipe Cury, j. 11.12.2019. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DR. AGAMENON ALCÂNTARA MORENO JUNIOR Egrégia Câmara: Trata-se de recursos de apelação interpostos pelo Estado de Mato Grosso e pelo Município de Sinop contra sentença que condenou os apelantes ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) para cada autor (José Sousa Ferreira e Antonia Nonata da Silva). A condenação decorreu da omissão dos entes públicos no cumprimento de ordem judicial que determinava a transferência da paciente Mara Weslaine da Silva Ferreira para hospital especializado. Os autores sustentaram que a negligência dos apelantes culminou no falecimento da jovem, impedindo que ela recebesse tratamento adequado para as suas condições críticas de saúde. Em seu recurso, o Estado de Mato Grosso alega a ausência de nexo causal e pleiteia a reforma da sentença para que a ação seja julgada improcedente. Subsidiariamente, requereu a revisão dos juros fixados. O Município de Sinop sustenta que a sua responsabilidade no presente caso deve ser analisada sob o aspecto subjetivo e afirma que inexiste nexo de causalidade entre a omissão e os danos narrados. Pugna, alternativamente, pela redução do valor do dano moral e defende que o ônus da condenação deve ser suportado pelo Estado, uma vez que o procedimento pretendido era de alto custo e de alta complexidade. Contrarrazões à Apelação foi juntada ao ID. 250581692, oportunidade na qual os recorridos postularam a manutenção da sentença proferida pelo juízo a quo. Em vistas, a D. Procuradoria de Justiça considerou desnecessária sua intervenção no feito (ID. 253497666). É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DR. AGAMENON ALCÂNTARA MORENO JUNIOR Egrégia Câmara: Inicialmente, registro que os recursos apresentados preenchem os requisitos extrínsecos, tais como regularidade formal e preparo, assim como os requisitos intrínsecos, incluindo cabimento, legitimidade, interesse recursal e a inexistência de fato extintivo ou impeditivo do direito de recorrer, o que autoriza o reconhecimento de sua admissibilidade e a consequente análise do mérito da pretensão recursal. Embora se trate de dois recursos (Estado de Mato Grosso e Município de Sinop), verifico que os argumentos dos apelos são semelhantes, razão pela qual passo à sua análise de forma conjunta. Conforme mencionado, os apelantes pretendem a reforma da sentença para reconhecer a ausência de sua responsabilidade, em razão da não demonstração do nexo causal entre o dano sofrido e a conduta dos entes públicos. Caso tal pretensão não seja acolhida, o ente estadual pleiteou a revisão dos juros fixados na sentença. O Município de Sinop requereu, subsidiariamente, a redução do valor do dano moral fixado com fundamento nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade ou o direcionamento do ônus da condenação ao Estado de Mato Grosso. Pois bem. É sabido que a responsabilidade extracontratual do Estado em caso de danos causados aos usuários de serviços públicos é objetiva, em conformidade com o artigo 37, §6º, da Constituição Federal. A despeito de ser objetiva, para haver responsabilidade do Estado, adotando-se a teoria do risco administrativo, é necessário que o interessado demonstre a existência dos seguintes requisitos: dano; ação ou omissão administrativa; ocorrência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa; e ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. Além disso, a responsabilidade objetiva por omissão exige que se comprove a violação de um dever jurídico específico de agir, conforme precedente do Supremo Tribunal Federal, firmado na ocasião do julgamento do Tema 366: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FISCALIZAÇÃO DO COMÉRCIO DE FOGOS DE ARTIFÍCIO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. NECESSIDADE DE VIOLAÇÃO DO DEVER JURÍDICO ESPECÍFICO DE AGIR. 1. A Constituição Federal, no art. 37, § 6º, consagra a responsabilidade civil objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Aplicação da teoria do risco administrativo. Precedentes da CORTE. 2. Para a caracterização da responsabilidade civil estatal, há a necessidade da observância de requisitos mínimos para aplicação da responsabilidade objetiva, quais sejam: a) existência de um dano; b) ação ou omissão administrativa; c) ocorrência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa; e d) ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. 3. Na hipótese, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo concluiu, pautado na doutrina da teoria do risco administrativo e com base na legislação local, que não poderia ser atribuída ao Município de São Paulo a responsabilidade civil pela explosão ocorrida em loja de fogos de artifício. Entendeu-se que não houve omissão estatal na fiscalização da atividade, uma vez que os proprietários do comércio desenvolviam a atividade de forma clandestina, pois ausente a autorização estatal para comercialização de fogos de artifício. 4. Fixada a seguinte tese de Repercussão Geral: “Para que fique caracterizada a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes do comércio de fogos de artifício, é necessário que exista a violação de um dever jurídico específico de agir, que ocorrerá quando for concedida a licença para funcionamento sem as cautelas legais ou quando for de conhecimento do poder público eventuais irregularidades praticadas pelo particular”. 5. Recurso extraordinário desprovido. (RE 136861, Relator(a): EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 11-03-2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-201 DIVULG 12-08-2020 PUBLIC 13-08-2020 REPUBLICAÇÃO: DJe-011 DIVULG 21-01-2021 PUBLIC 22-01-2021).”. (Destaquei). Necessário, portanto, analisar se a situação dos autos se adequa aos termos contidos na decisão do STF. In casu, as provas demonstram que a filha dos requerentes, MARA WESLAINE DA SILVA FERREIRA, foi diagnosticada com ANEURISMA DISSECANTE DA AORTA, sendo indicado TRATAMENTO DE ANEURISMA DA AORTA. Nota-se que a “classificação de risco” preenchido no SISREG nº 474173670 era de “Prioridade 0 - Emergência, necessidade de atendimento imediato” (ID. 147970897). O pedido liminar formulado nos autos do Pje nº 1014197-12.2023.8.11.0015 foi deferido em 17/05/2023, determinando ao requeridos para “DISPONIBILIZAR, imediatamente, seja na REDE PÚBLICA ou PRIVADA, às suas expensas, nesta localidade ou em outra cidade do Estado de Mato Grosso, ou ainda, em outro Estado do país, o tratamento médico imprescindível para a manutenção da saúde da parte Autora, qual seja, “TRATAMENTO DE ANEURISMA DA AORTA, COM CLINICA COMPLEMENTAR DE UTI ADULTO - TIPO II” (Id. 147969732). Em 24/05/2023, a filha dos apelados foi transferida para leito de UTI no HOSPITAL SÃO MATHEUS CUIABÁ, e foi a óbito dia 29/05/2023 às 08:10hs (ID. 155108015). A certidão de óbito da filha dos apelados informa as seguintes causas de sua morte (ID. 250581199): “CHOQUE SÉPTICO, DISCRASIA SANGUÍNEA GRAVE, DISSECÇÃO DA AORTA CRÔNICA TIPO A, DOENÇA RENAL CRÔNICA, HIPERTENSÃO ARTERIAL CRÔNICA”. Feita esta breve contextualização, observo que, embora os autores da ação aleguem que a causa da morte tenha sido a não realização da cirurgia de dissecção da aorta crônica, por omissão/inércia dos apelantes, as provas dos autos parecem não corroborar com esta afirmação. Explico. Compulsando os autos, é possível verificar que a filha dos autores/apelados se encontrava internada, portanto, não estava desprovida de atendimento médico. Houve a devida regulação para o procedimento considerado necessário – cirurgia cardíaca devido a aneurisma de Stanfor A (ID. 250581659) e em seguida, a transferência hospitalar, que de fato ocorreu, em observância (mesmo que não imediata) à decisão judicial. Somo a isso o fato de que a certidão de óbito aponta diversas causas para a sua morte e não apenas a questão cardíaca. Assim, embora a situação seja trágica, reforço que não há elementos nos autos que sejam suficientes para evidenciar que a omissão dos entes públicos demandados ou qualquer conduta (ativa ou omissiva) seja a causadora direta do óbito da filha dos apelados. Dessa maneira, não há nexo de causalidade entre o dano (morte) e a omissão dos entes (demora na transferência hospitalar), o que afasta a responsabilidade objetiva estatal por omissão, neste particular, diante da ausência de um dos requisitos mínimos para sua aplicação. Em verdade, o único resultado evidente gerado pela omissão foi a privação da paciente da possibilidade, ainda que incerta, de eventual melhora em sua condição de saúde, o que não significa que o óbito teria sido evitado. O que de fato ocorreu foi a perda de uma chance de reestabelecimento da saúde da de cujus diante do descumprimento de decisões judiciais que determinaram a disponibilização imediata de tratamento médico imprescindível para a manutenção da saúde da paciente. A aplicação da “teoria da perda de uma chance” ao caso em tela foi inclusive aventada pelos autores/apelados na petição inicial (ID. 250581194 - Pág. 9). Isso posto, o nexo de causalidade entre o dano e a omissão dos entes somente existe no tocante ao descumprimento da decisão judicial e a consequente perda de uma possibilidade de tratamento imediato. No caso dos autos, não restam dúvidas de que houve a violação de um dever jurídico específico de agir, uma vez que o Estado e o Município deixaram de cumprir as decisões que ordenaram a transferência hospitalar imediata. Dessa forma, estão presentes os requisitos que caracterizam a responsabilidade objetiva por omissão, o que gera o dever de indenizar por parte dos entes estatais tão somente em relação em relação a conduta omissa que ensejou a perda de uma chance de tratamento para a filha dos apelantes. Nessa direção, é pertinente destacar que o C. Superior Tribunal de Justiça já aplicou a “teoria da perda de uma chance” em julgamento de caso semelhante, conforme se expõe adiante: “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ALEGADA OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. DEMORA NO CUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL, QUE CONDENARA O MUNICÍPIO E O ESTADO DO RIO DE JANEIRO, AO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. MORTE DO PACIENTE. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM QUE, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS, CONCLUIU PELA RESPONSABILIDADE DE AMBOS OS ENTES PÚBLICOS, BEM COMO PELA PRESENÇA DOS REQUISITOS ENSEJADORES DO DEVER DE INDENIZAR. VALOR DOS DANOS MORAIS. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I. Não há falar, na hipótese, em violação ao art. 535 do CPC, porquanto a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, de vez que o voto condutor do acórdão recorrido apreciou fundamentadamente, de modo coerente e completo, as questões necessárias à solução da controvérsia, dando-lhes, contudo, solução jurídica diversa da pretendida. II. Na hipótese, o Município do Rio de Janeiro, ora agravante, e o Estado do Rio de Janeiro, com fundamento na denominada teoria da perda de uma chance, foram condenados, de forma solidária, ao pagamento de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), a título de indenização por danos morais, decorrentes da demora no cumprimento da obrigação de fornecer medicamentos, determinada por decisão judicial, o que ocasionou a morte do marido da parte autora, ora agravada. III. Com efeito, "a jurisprudência desta Corte admite a responsabilidade civil e o consequente dever de reparação de possíveis prejuízos com fundamento na denominada teoria da perda de uma chance, "desde que séria e real a possibilidade de êxito, o que afasta qualquer reparação no caso de uma simples esperança subjetiva ou mera expectativa aleatória" (STJ, REsp 614.266/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe de 02/08/2013). No mesmo sentido: STJ, REsp 1.354.100/TO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 06/03/2014; STJ, REsp 1.308.719/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 01/07/2013). IV. No caso, as instâncias de origem, com fundamento no conjunto fático-probatório dos autos, reconheceram a responsabilidade de ambos os entes públicos, bem como a presença dos requisitos ensejadores do dever de indenizar, pela perda de uma chance, já que a demora no cumprimento da decisão judicial, que determinara o fornecimento de medicamento imprescindível à mantença da saúde do paciente, reduziu a sua possibilidade de sobrevida. Conclusão em contrário encontra óbice na Súmula 7/STJ. Precedentes do STJ. V. No que tange ao pleito de redução do valor indenizatório, a jurisprudência desta Corte consolidou o entendimento no sentido de que o valor arbitrado, a título de danos morais, somente pode ser revisto excepcionalmente, quando irrisório ou exorbitante, sob pena de ofensa ao disposto na Súmula 7/STJ. No caso, o Tribunal de origem, em vista das circunstâncias fáticas do caso, arbitrou o valor dos danos morais em R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), observando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, não se mostrando ele exorbitante, ante o quadro fático delineado no acórdão de origem. Incidência da Súmula 7/STJ. VI. Agravo Regimental improvido. (AgRg no AREsp n. 173.148/RJ, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 3/12/2015, DJe de 15/12/2015.). (Destaquei).”. Frise-se que, no caso ora analisado, não houve comprovação de que o descumprimento das determinações judiciais tenha diretamente causado a morte da filha dos apelados. Nesse sentido, colaciona-se decisão proferida pelo E. TJ/RJ em julgamento de caso que mais se assemelha a estes autos: “APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. CÔNJUGE E PAI DOS AUTORES QUE FALECEU, SEM QUE FOSSE ATENDIDO PELO ENTE PÚBLICO A INDICAÇÃO DE EQUIPE ESPECIALIZDA EM UROLOGIA E CIRURGIA, BEM COMO DE INTERNAÇÃO EM UTI. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA. DIREITO À SAÚDE QUE É AMPARADO PELA CRFB/88. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES PÚBLICOS. OMISSÃO ESPECÍFICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO RÉU, À LUZ DO DISPOSTO NO ART. 37, § 6º, DA CRFB/88. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE, SEGUNDO A QUAL O DEVER DE INDENIZAR SE ORIGINA DA PERDA DA OPORTUNIDADE DE SE OBTER UMA VANTAGEM, NA HIPÓTESE, A PERDA DE UMA CHANCE DE RESTABELECIMENTO DA SAÚDE DO DE CUJUS. CASO QUE NÃO É DE RESPONSABILIDADE CIVIL PELO FALECIMENTO DO CÔNJUGE E PAI DOS AUTORES, EIS QUE NÃO RESTOU COMPROVADO NOS AUTOS QUE A AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO DE EQUIPE CIRÚRGICA / UROLÓGICA, E DE TRANSFERÊNCIA PARA LEITO EM UTI TENHA SIDO A CAUSA DIRETA PARA A MORTE DO PACIENTE, MAS SIM POR LHE TER SIDO NEGADO O CORRETO TRATAMENTO MÉDICO VISANDO À SUA RECUPERAÇÃO. DANO MORAL IN RE IPSA. JURISPRUDÊNCIA DO STJ NO SENTIDO DE QUE A INDENIZAÇÃO DO DANO MORAL OCORRIDO EM RAZÃO DA PERDA DE UMA CHANCE DEVE SER ARBITRADA EM PROPORÇÃO AO QUANTUM QUE SERIA FIXADO NO CASO DE SE INDENIZAR PELO PREJUÍZO FINAL. VERBA INDENIZATÓRIA FIXADA EM R$ 40.000,00 PARA CADA AUTOR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJ-RJ - APL: 00162941120148190042, Relator: Des(a). CESAR FELIPE CURY, Data de Julgamento: 11/12/2019, DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL). (Destaquei).” Dessa forma, entendo que a omissão estatal causou, sim, a perda de uma chance de melhora no quadro clínico da paciente, mas tal conduta não contribuiu diretamente para o evento morte que aconteceu em exíguo espaço de tempo depois de prolatadas as decisões descumpridas (liminar em 17/05/2023, decisão determinando imediato cumprimento em 19/05/2023, decisão determinando a imediata transferência ao Hospital Geral de Cuiabá em 23/05/2023 e óbito em 29/05/2023). Assim sendo, em suma, reforço que inexiste nexo de causalidade entre a omissão estatal e o falecimento da paciente. O dano moral está caracterizado em razão do não cumprimento das decisões judiciais que privou a paciente de uma possível chance de melhora em sua condição clínica, agravando o sofrimento físico e psicológico dela e de seus familiares. Ademais, verifico ainda que, em relação a responsabilidade dos entes públicos, a disponibilização de UTI E SUPORTE DE CIRURGIA CARDÍACA/TORÁCICA PARA COLOCAÇÃO DE ENDOPRÓTESE é considerado como procedimento de média/alta complexidade. Dessarte, torna-se importante pontuar que o Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral, fixou a tese de que “os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro – Tema 793”. Ainda, o Enunciado nº 60 da II Jornada de Direito da Saúde estabelece que: “ENUNCIADO Nº 60 A responsabilidade solidária dos entes da Federação não impede que o Juízo, ao deferir medida liminar ou definitiva, direcione inicialmente o seu cumprimento a um determinado ente, conforme as regras administrativas de repartição de competências, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento.”. Com base nesse entendimento, embora a responsabilidade entre os entes federativos seja solidária, cabe ao juízo observar as regras de repartição de competências administrativas para definir a quem incumbe, inicialmente, o cumprimento da obrigação. Esse direcionamento busca conferir maior efetividade à tutela do direito pleiteado, sem prejuízo de eventual redirecionamento, em caso de inadimplemento pelo ente originalmente designado. Assim, tratando-se de direito fundamental, diretamente relacionado à dignidade da pessoa humana, e diante da natureza do procedimento — classificado como de média/alta complexidade —, competia primariamente ao Estado de Mato Grosso providenciar a vaga em unidade de terapia intensiva (UTI). Diante disso, reconheço que a execução da obrigação incumbe, em primeiro lugar, ao Estado de Mato Grosso, recaindo subsidiariamente sobre o Município de Sinop, em caso de descumprimento por parte do ente estadual. Em relação ao requerimento feito pelo Estado de Mato Grosso visando a revisão dos juros fixados na sentença, consigno que, no que se refere às alterações promovidas pela EC n.º 113/2021, estas dizem respeito tão somente à fase do precatório, o que ainda não é o caso. No tocante ao valor do dano extrapatrimonial, sigo os parâmetros adotados na sentença para fixação da indenização, sem, contudo, considerar que a omissão estatal ensejou o evento morte. À vista do exposto, nego provimento ao recurso interposto pelo Estado de Mato Grosso e dou parcial provimento à apelação do Município de Sinop, unicamente para reconhecer que o cumprimento da obrigação deve recair, em primeiro lugar, sobre o Estado de Mato Grosso, nos termos do Tema 793 do STF, conforme fundamentação supra. Por derradeiro, com fundamento no §11, do artigo 85, do CPC, majoro os honorários sucumbenciais recursais para 12% (doze por cento). É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 07/05/2025

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Processo nº 1006664-65.2024.8.11.0015

ID: 280930035

Tribunal: TJMT Órgão: Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1006664-65.2024.8.11.0015

Data de Disponibilização: 27/05/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

ANTONIA NONATA DA SILVA JOSE SOUSA FERREIRA

Acórdão

Advogados:

MATHEUS GARCIA KATH

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 1006664-65.2024.8.11.0015 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral] Relator… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 1006664-65.2024.8.11.0015 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral] Relator: Des(a). AGAMENON ALCANTARA MORENO JUNIOR Turma Julgadora: [DES(A). AGAMENON ALCANTARA MORENO JUNIOR, DES(A). HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, DES(A). RODRIGO ROBERTO CURVO] Parte(s): [JOSE SOUSA FERREIRA - CPF: 740.740.832-72 (APELADO), DIRCEU KATH - CPF: 401.760.960-00 (ADVOGADO), AMALIA GARCIA KATH - CPF: 029.086.171-37 (ADVOGADO), MATHEUS GARCIA KATH - CPF: 017.708.421-95 (ADVOGADO), ANTONIA NONATA DA SILVA - CPF: 641.015.172-15 (APELADO), MUNICIPIO DE SINOP - CNPJ: 15.024.003/0001-32 (APELANTE), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0030-89 (APELANTE), ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0020-07 (APELANTE), JOSE JEFFERSON SANTANA DA SILVA - CPF: 056.064.371-39 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARIA EROTIDES KNEIP, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O APELO DO ESTADO DE MATO GROSSO E PROVEU PARCIALMENTE DO MUNICÍPIO DE SINOP NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. E M E N T A DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. PERDA DE UMA CHANCE. RECURSO ESTADO DESPROVIDO – RECURSO MUNICÍPIO PROVIDO PARCIALMENTE. I. CASO EM EXAME 1. Apelações interpostas pelo Estado de Mato Grosso e pelo Município de Sinop contra sentença que os condenou solidariamente ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 40.000,00 para cada autor, em razão do descumprimento de ordem judicial que determinava a imediata transferência hospitalar da paciente Mara Weslaine da Silva Ferreira. 2. Os autores sustentaram que a omissão dos entes públicos impossibilitou o acesso ao tratamento médico especializado, o que teria contribuído para o óbito da paciente. 3. O Estado alegou ausência de nexo causal e pleiteou improcedência da ação. O Município defendeu a responsabilidade subjetiva, pugnou pela redução da indenização e apontou a responsabilidade exclusiva do Estado, dada a complexidade do procedimento médico necessário. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 4. Há três questões em discussão: (i) se há responsabilidade objetiva dos entes públicos pelo descumprimento de ordem judicial que determinava a transferência hospitalar da paciente; (ii) se existe nexo causal entre a omissão estatal e o falecimento da paciente e; (iii) se o Município de Sinop possui legitimidade passiva na demanda, considerando a complexidade do tratamento requerido. III. RAZÕES DE DECIDIR 5. A responsabilidade civil por omissão exige a demonstração de dever jurídico específico de agir, dano, nexo causal e ausência de causa excludente, conforme entendimento do STF (Tema 366). 6. As provas apontam que a paciente foi internada e posteriormente transferida, ainda que tardiamente, conforme decisão judicial. O óbito ocorreu poucos dias após a transferência. 7. A certidão de óbito indica múltiplas causas, não havendo comprovação de que a morte decorreu exclusivamente da demora no atendimento. 8. Reconhece-se, contudo, que a inércia estatal violou decisão judicial e privou a paciente de uma real possibilidade de melhora clínica, caracterizando perda de uma chance. 9. Aplica-se a teoria da perda de uma chance, conforme precedentes do STJ e TJ/RJ, havendo responsabilidade objetiva dos entes públicos por essa omissão. 10. O Município de Sinop possui responsabilidade secundária na presente hipótese, uma vez que o procedimento médico requerido era de média/alta complexidade, cuja execução compete, primariamente, ao Estado de Mato Grosso, nos termos do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 793, bem como conforme dispõe o Enunciado nº 60 da II Jornada de Direito da Saúde. 11. O pedido de revisão dos juros é incabível nesta fase processual. 12. Mantido o valor da indenização por dano moral fixado em R$ 40.000,00, diante da razoabilidade e proporcionalidade da quantia arbitrada. IV. DISPOSITIVO E TESE 13. Recurso do Estado de Mato Grosso desprovido. Recurso do Município de Sinop parcialmente provido, para reconhecer que a responsabilidade pela obrigação recai, primariamente, sobre o Estado. Tese de julgamento: “1. A omissão do Estado no cumprimento de ordem judicial que determinava transferência hospitalar urgente caracteriza violação de dever jurídico específico de agir. 2. Tal conduta enseja responsabilidade objetiva pela perda de uma chance de melhora clínica da paciente, ainda que não haja nexo causal direto com o óbito. 3. Conforme o Tema 793 do STF, a responsabilidade pela realização de procedimentos de média e alta complexidade recai, primariamente, sobre o ente estadual.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 37, § 6º; CPC, art. 85, § 11. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 136861, Rel. Min. Edson Fachin, j. 11.03.2020 (Tema 366); STF, RE 855178, Rel. Min. Luiz Fux, j. 06.08.2015 (Tema 793); STJ, AgRg no AREsp 173.148/RJ, Rel. Min. Assusete Magalhães, j. 03.12.2015; TJ-RJ, APL 0016294-11.2014.8.19.0042, Rel. Des. Cesar Felipe Cury, j. 11.12.2019. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DR. AGAMENON ALCÂNTARA MORENO JUNIOR Egrégia Câmara: Trata-se de recursos de apelação interpostos pelo Estado de Mato Grosso e pelo Município de Sinop contra sentença que condenou os apelantes ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) para cada autor (José Sousa Ferreira e Antonia Nonata da Silva). A condenação decorreu da omissão dos entes públicos no cumprimento de ordem judicial que determinava a transferência da paciente Mara Weslaine da Silva Ferreira para hospital especializado. Os autores sustentaram que a negligência dos apelantes culminou no falecimento da jovem, impedindo que ela recebesse tratamento adequado para as suas condições críticas de saúde. Em seu recurso, o Estado de Mato Grosso alega a ausência de nexo causal e pleiteia a reforma da sentença para que a ação seja julgada improcedente. Subsidiariamente, requereu a revisão dos juros fixados. O Município de Sinop sustenta que a sua responsabilidade no presente caso deve ser analisada sob o aspecto subjetivo e afirma que inexiste nexo de causalidade entre a omissão e os danos narrados. Pugna, alternativamente, pela redução do valor do dano moral e defende que o ônus da condenação deve ser suportado pelo Estado, uma vez que o procedimento pretendido era de alto custo e de alta complexidade. Contrarrazões à Apelação foi juntada ao ID. 250581692, oportunidade na qual os recorridos postularam a manutenção da sentença proferida pelo juízo a quo. Em vistas, a D. Procuradoria de Justiça considerou desnecessária sua intervenção no feito (ID. 253497666). É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DR. AGAMENON ALCÂNTARA MORENO JUNIOR Egrégia Câmara: Inicialmente, registro que os recursos apresentados preenchem os requisitos extrínsecos, tais como regularidade formal e preparo, assim como os requisitos intrínsecos, incluindo cabimento, legitimidade, interesse recursal e a inexistência de fato extintivo ou impeditivo do direito de recorrer, o que autoriza o reconhecimento de sua admissibilidade e a consequente análise do mérito da pretensão recursal. Embora se trate de dois recursos (Estado de Mato Grosso e Município de Sinop), verifico que os argumentos dos apelos são semelhantes, razão pela qual passo à sua análise de forma conjunta. Conforme mencionado, os apelantes pretendem a reforma da sentença para reconhecer a ausência de sua responsabilidade, em razão da não demonstração do nexo causal entre o dano sofrido e a conduta dos entes públicos. Caso tal pretensão não seja acolhida, o ente estadual pleiteou a revisão dos juros fixados na sentença. O Município de Sinop requereu, subsidiariamente, a redução do valor do dano moral fixado com fundamento nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade ou o direcionamento do ônus da condenação ao Estado de Mato Grosso. Pois bem. É sabido que a responsabilidade extracontratual do Estado em caso de danos causados aos usuários de serviços públicos é objetiva, em conformidade com o artigo 37, §6º, da Constituição Federal. A despeito de ser objetiva, para haver responsabilidade do Estado, adotando-se a teoria do risco administrativo, é necessário que o interessado demonstre a existência dos seguintes requisitos: dano; ação ou omissão administrativa; ocorrência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa; e ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. Além disso, a responsabilidade objetiva por omissão exige que se comprove a violação de um dever jurídico específico de agir, conforme precedente do Supremo Tribunal Federal, firmado na ocasião do julgamento do Tema 366: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FISCALIZAÇÃO DO COMÉRCIO DE FOGOS DE ARTIFÍCIO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. NECESSIDADE DE VIOLAÇÃO DO DEVER JURÍDICO ESPECÍFICO DE AGIR. 1. A Constituição Federal, no art. 37, § 6º, consagra a responsabilidade civil objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Aplicação da teoria do risco administrativo. Precedentes da CORTE. 2. Para a caracterização da responsabilidade civil estatal, há a necessidade da observância de requisitos mínimos para aplicação da responsabilidade objetiva, quais sejam: a) existência de um dano; b) ação ou omissão administrativa; c) ocorrência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa; e d) ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. 3. Na hipótese, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo concluiu, pautado na doutrina da teoria do risco administrativo e com base na legislação local, que não poderia ser atribuída ao Município de São Paulo a responsabilidade civil pela explosão ocorrida em loja de fogos de artifício. Entendeu-se que não houve omissão estatal na fiscalização da atividade, uma vez que os proprietários do comércio desenvolviam a atividade de forma clandestina, pois ausente a autorização estatal para comercialização de fogos de artifício. 4. Fixada a seguinte tese de Repercussão Geral: “Para que fique caracterizada a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes do comércio de fogos de artifício, é necessário que exista a violação de um dever jurídico específico de agir, que ocorrerá quando for concedida a licença para funcionamento sem as cautelas legais ou quando for de conhecimento do poder público eventuais irregularidades praticadas pelo particular”. 5. Recurso extraordinário desprovido. (RE 136861, Relator(a): EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 11-03-2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-201 DIVULG 12-08-2020 PUBLIC 13-08-2020 REPUBLICAÇÃO: DJe-011 DIVULG 21-01-2021 PUBLIC 22-01-2021).”. (Destaquei). Necessário, portanto, analisar se a situação dos autos se adequa aos termos contidos na decisão do STF. In casu, as provas demonstram que a filha dos requerentes, MARA WESLAINE DA SILVA FERREIRA, foi diagnosticada com ANEURISMA DISSECANTE DA AORTA, sendo indicado TRATAMENTO DE ANEURISMA DA AORTA. Nota-se que a “classificação de risco” preenchido no SISREG nº 474173670 era de “Prioridade 0 - Emergência, necessidade de atendimento imediato” (ID. 147970897). O pedido liminar formulado nos autos do Pje nº 1014197-12.2023.8.11.0015 foi deferido em 17/05/2023, determinando ao requeridos para “DISPONIBILIZAR, imediatamente, seja na REDE PÚBLICA ou PRIVADA, às suas expensas, nesta localidade ou em outra cidade do Estado de Mato Grosso, ou ainda, em outro Estado do país, o tratamento médico imprescindível para a manutenção da saúde da parte Autora, qual seja, “TRATAMENTO DE ANEURISMA DA AORTA, COM CLINICA COMPLEMENTAR DE UTI ADULTO - TIPO II” (Id. 147969732). Em 24/05/2023, a filha dos apelados foi transferida para leito de UTI no HOSPITAL SÃO MATHEUS CUIABÁ, e foi a óbito dia 29/05/2023 às 08:10hs (ID. 155108015). A certidão de óbito da filha dos apelados informa as seguintes causas de sua morte (ID. 250581199): “CHOQUE SÉPTICO, DISCRASIA SANGUÍNEA GRAVE, DISSECÇÃO DA AORTA CRÔNICA TIPO A, DOENÇA RENAL CRÔNICA, HIPERTENSÃO ARTERIAL CRÔNICA”. Feita esta breve contextualização, observo que, embora os autores da ação aleguem que a causa da morte tenha sido a não realização da cirurgia de dissecção da aorta crônica, por omissão/inércia dos apelantes, as provas dos autos parecem não corroborar com esta afirmação. Explico. Compulsando os autos, é possível verificar que a filha dos autores/apelados se encontrava internada, portanto, não estava desprovida de atendimento médico. Houve a devida regulação para o procedimento considerado necessário – cirurgia cardíaca devido a aneurisma de Stanfor A (ID. 250581659) e em seguida, a transferência hospitalar, que de fato ocorreu, em observância (mesmo que não imediata) à decisão judicial. Somo a isso o fato de que a certidão de óbito aponta diversas causas para a sua morte e não apenas a questão cardíaca. Assim, embora a situação seja trágica, reforço que não há elementos nos autos que sejam suficientes para evidenciar que a omissão dos entes públicos demandados ou qualquer conduta (ativa ou omissiva) seja a causadora direta do óbito da filha dos apelados. Dessa maneira, não há nexo de causalidade entre o dano (morte) e a omissão dos entes (demora na transferência hospitalar), o que afasta a responsabilidade objetiva estatal por omissão, neste particular, diante da ausência de um dos requisitos mínimos para sua aplicação. Em verdade, o único resultado evidente gerado pela omissão foi a privação da paciente da possibilidade, ainda que incerta, de eventual melhora em sua condição de saúde, o que não significa que o óbito teria sido evitado. O que de fato ocorreu foi a perda de uma chance de reestabelecimento da saúde da de cujus diante do descumprimento de decisões judiciais que determinaram a disponibilização imediata de tratamento médico imprescindível para a manutenção da saúde da paciente. A aplicação da “teoria da perda de uma chance” ao caso em tela foi inclusive aventada pelos autores/apelados na petição inicial (ID. 250581194 - Pág. 9). Isso posto, o nexo de causalidade entre o dano e a omissão dos entes somente existe no tocante ao descumprimento da decisão judicial e a consequente perda de uma possibilidade de tratamento imediato. No caso dos autos, não restam dúvidas de que houve a violação de um dever jurídico específico de agir, uma vez que o Estado e o Município deixaram de cumprir as decisões que ordenaram a transferência hospitalar imediata. Dessa forma, estão presentes os requisitos que caracterizam a responsabilidade objetiva por omissão, o que gera o dever de indenizar por parte dos entes estatais tão somente em relação em relação a conduta omissa que ensejou a perda de uma chance de tratamento para a filha dos apelantes. Nessa direção, é pertinente destacar que o C. Superior Tribunal de Justiça já aplicou a “teoria da perda de uma chance” em julgamento de caso semelhante, conforme se expõe adiante: “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ALEGADA OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. DEMORA NO CUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL, QUE CONDENARA O MUNICÍPIO E O ESTADO DO RIO DE JANEIRO, AO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. MORTE DO PACIENTE. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM QUE, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS, CONCLUIU PELA RESPONSABILIDADE DE AMBOS OS ENTES PÚBLICOS, BEM COMO PELA PRESENÇA DOS REQUISITOS ENSEJADORES DO DEVER DE INDENIZAR. VALOR DOS DANOS MORAIS. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I. Não há falar, na hipótese, em violação ao art. 535 do CPC, porquanto a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, de vez que o voto condutor do acórdão recorrido apreciou fundamentadamente, de modo coerente e completo, as questões necessárias à solução da controvérsia, dando-lhes, contudo, solução jurídica diversa da pretendida. II. Na hipótese, o Município do Rio de Janeiro, ora agravante, e o Estado do Rio de Janeiro, com fundamento na denominada teoria da perda de uma chance, foram condenados, de forma solidária, ao pagamento de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), a título de indenização por danos morais, decorrentes da demora no cumprimento da obrigação de fornecer medicamentos, determinada por decisão judicial, o que ocasionou a morte do marido da parte autora, ora agravada. III. Com efeito, "a jurisprudência desta Corte admite a responsabilidade civil e o consequente dever de reparação de possíveis prejuízos com fundamento na denominada teoria da perda de uma chance, "desde que séria e real a possibilidade de êxito, o que afasta qualquer reparação no caso de uma simples esperança subjetiva ou mera expectativa aleatória" (STJ, REsp 614.266/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe de 02/08/2013). No mesmo sentido: STJ, REsp 1.354.100/TO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 06/03/2014; STJ, REsp 1.308.719/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 01/07/2013). IV. No caso, as instâncias de origem, com fundamento no conjunto fático-probatório dos autos, reconheceram a responsabilidade de ambos os entes públicos, bem como a presença dos requisitos ensejadores do dever de indenizar, pela perda de uma chance, já que a demora no cumprimento da decisão judicial, que determinara o fornecimento de medicamento imprescindível à mantença da saúde do paciente, reduziu a sua possibilidade de sobrevida. Conclusão em contrário encontra óbice na Súmula 7/STJ. Precedentes do STJ. V. No que tange ao pleito de redução do valor indenizatório, a jurisprudência desta Corte consolidou o entendimento no sentido de que o valor arbitrado, a título de danos morais, somente pode ser revisto excepcionalmente, quando irrisório ou exorbitante, sob pena de ofensa ao disposto na Súmula 7/STJ. No caso, o Tribunal de origem, em vista das circunstâncias fáticas do caso, arbitrou o valor dos danos morais em R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), observando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, não se mostrando ele exorbitante, ante o quadro fático delineado no acórdão de origem. Incidência da Súmula 7/STJ. VI. Agravo Regimental improvido. (AgRg no AREsp n. 173.148/RJ, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 3/12/2015, DJe de 15/12/2015.). (Destaquei).”. Frise-se que, no caso ora analisado, não houve comprovação de que o descumprimento das determinações judiciais tenha diretamente causado a morte da filha dos apelados. Nesse sentido, colaciona-se decisão proferida pelo E. TJ/RJ em julgamento de caso que mais se assemelha a estes autos: “APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. CÔNJUGE E PAI DOS AUTORES QUE FALECEU, SEM QUE FOSSE ATENDIDO PELO ENTE PÚBLICO A INDICAÇÃO DE EQUIPE ESPECIALIZDA EM UROLOGIA E CIRURGIA, BEM COMO DE INTERNAÇÃO EM UTI. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA. DIREITO À SAÚDE QUE É AMPARADO PELA CRFB/88. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES PÚBLICOS. OMISSÃO ESPECÍFICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO RÉU, À LUZ DO DISPOSTO NO ART. 37, § 6º, DA CRFB/88. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE, SEGUNDO A QUAL O DEVER DE INDENIZAR SE ORIGINA DA PERDA DA OPORTUNIDADE DE SE OBTER UMA VANTAGEM, NA HIPÓTESE, A PERDA DE UMA CHANCE DE RESTABELECIMENTO DA SAÚDE DO DE CUJUS. CASO QUE NÃO É DE RESPONSABILIDADE CIVIL PELO FALECIMENTO DO CÔNJUGE E PAI DOS AUTORES, EIS QUE NÃO RESTOU COMPROVADO NOS AUTOS QUE A AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO DE EQUIPE CIRÚRGICA / UROLÓGICA, E DE TRANSFERÊNCIA PARA LEITO EM UTI TENHA SIDO A CAUSA DIRETA PARA A MORTE DO PACIENTE, MAS SIM POR LHE TER SIDO NEGADO O CORRETO TRATAMENTO MÉDICO VISANDO À SUA RECUPERAÇÃO. DANO MORAL IN RE IPSA. JURISPRUDÊNCIA DO STJ NO SENTIDO DE QUE A INDENIZAÇÃO DO DANO MORAL OCORRIDO EM RAZÃO DA PERDA DE UMA CHANCE DEVE SER ARBITRADA EM PROPORÇÃO AO QUANTUM QUE SERIA FIXADO NO CASO DE SE INDENIZAR PELO PREJUÍZO FINAL. VERBA INDENIZATÓRIA FIXADA EM R$ 40.000,00 PARA CADA AUTOR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJ-RJ - APL: 00162941120148190042, Relator: Des(a). CESAR FELIPE CURY, Data de Julgamento: 11/12/2019, DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL). (Destaquei).” Dessa forma, entendo que a omissão estatal causou, sim, a perda de uma chance de melhora no quadro clínico da paciente, mas tal conduta não contribuiu diretamente para o evento morte que aconteceu em exíguo espaço de tempo depois de prolatadas as decisões descumpridas (liminar em 17/05/2023, decisão determinando imediato cumprimento em 19/05/2023, decisão determinando a imediata transferência ao Hospital Geral de Cuiabá em 23/05/2023 e óbito em 29/05/2023). Assim sendo, em suma, reforço que inexiste nexo de causalidade entre a omissão estatal e o falecimento da paciente. O dano moral está caracterizado em razão do não cumprimento das decisões judiciais que privou a paciente de uma possível chance de melhora em sua condição clínica, agravando o sofrimento físico e psicológico dela e de seus familiares. Ademais, verifico ainda que, em relação a responsabilidade dos entes públicos, a disponibilização de UTI E SUPORTE DE CIRURGIA CARDÍACA/TORÁCICA PARA COLOCAÇÃO DE ENDOPRÓTESE é considerado como procedimento de média/alta complexidade. Dessarte, torna-se importante pontuar que o Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral, fixou a tese de que “os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro – Tema 793”. Ainda, o Enunciado nº 60 da II Jornada de Direito da Saúde estabelece que: “ENUNCIADO Nº 60 A responsabilidade solidária dos entes da Federação não impede que o Juízo, ao deferir medida liminar ou definitiva, direcione inicialmente o seu cumprimento a um determinado ente, conforme as regras administrativas de repartição de competências, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento.”. Com base nesse entendimento, embora a responsabilidade entre os entes federativos seja solidária, cabe ao juízo observar as regras de repartição de competências administrativas para definir a quem incumbe, inicialmente, o cumprimento da obrigação. Esse direcionamento busca conferir maior efetividade à tutela do direito pleiteado, sem prejuízo de eventual redirecionamento, em caso de inadimplemento pelo ente originalmente designado. Assim, tratando-se de direito fundamental, diretamente relacionado à dignidade da pessoa humana, e diante da natureza do procedimento — classificado como de média/alta complexidade —, competia primariamente ao Estado de Mato Grosso providenciar a vaga em unidade de terapia intensiva (UTI). Diante disso, reconheço que a execução da obrigação incumbe, em primeiro lugar, ao Estado de Mato Grosso, recaindo subsidiariamente sobre o Município de Sinop, em caso de descumprimento por parte do ente estadual. Em relação ao requerimento feito pelo Estado de Mato Grosso visando a revisão dos juros fixados na sentença, consigno que, no que se refere às alterações promovidas pela EC n.º 113/2021, estas dizem respeito tão somente à fase do precatório, o que ainda não é o caso. No tocante ao valor do dano extrapatrimonial, sigo os parâmetros adotados na sentença para fixação da indenização, sem, contudo, considerar que a omissão estatal ensejou o evento morte. À vista do exposto, nego provimento ao recurso interposto pelo Estado de Mato Grosso e dou parcial provimento à apelação do Município de Sinop, unicamente para reconhecer que o cumprimento da obrigação deve recair, em primeiro lugar, sobre o Estado de Mato Grosso, nos termos do Tema 793 do STF, conforme fundamentação supra. Por derradeiro, com fundamento no §11, do artigo 85, do CPC, majoro os honorários sucumbenciais recursais para 12% (doze por cento). É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 07/05/2025

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