Processo nº 5141651-12.2025.8.09.0137
ID: 259170954
Tribunal: TJGO
Órgão: Rio Verde - 2º Juizado Especial Cível e Criminal
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5141651-12.2025.8.09.0137
Data de Disponibilização:
23/04/2025
Polo Passivo:
Advogados:
WENNIKER VINICIUS CARVALHO DIAS
OAB/GO XXXXXX
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Com Resolu��o do M�rito -> Proced�ncia em Parte (CNJ:221)","ListaPendencias":[{"codPendenciaTipo":"2","codTipoProcessoFase":"-1","pendenciaTipo":"Intima��o","prazo":"10","maoPropria":"false","pessoalAdvogado":"N�o","destinatario":"Ambas as Partes","intimacaoAudiencia":"N�o","codDestinatario":"6","codTipoAudiencia":"-1","pessoal":"N�o","expedicaoAutomatica":"false","id":"1","ordemServico":"false","urgencia":"N�o"}]} Configuracao_Projudi--> Estado de GoiásPoder JudiciárioComarca de Rio Verde2º Juizado Especial Cível e CriminalSENTENÇA Processo nº : 5141651-12.2025.8.09.0137 Classe processual : PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento -> Procedimento de Conhecimento -> Procedimento do Juizado Especial Cível Requerente : Israel Da Silva Teixeira e Naessa Guimaraes Rezende de Oliveira Requerida : Azul Linhas Aereas Brasileiras S.a. Cuidam os autos em epígrafe de “Ação de Indenização por Dano Moral” ajuizada por ISRAEL DA SILVA TEIXEIRA e NAESSA GUIMARAES REZENDE DE OLIVEIRA, em desfavor de AZUL LINHAS AÉREAS BRASILEIRAS S/A, partes devidamente qualificadas (ev. 01).Em consonância com o que se extrai do disposto nos artigos 2º e 38 da Lei n.º 9.099/95, que disciplina a dinâmica processual dos Juizados Especiais, a sentença fica dispensada da presença do relatório circunstanciado, em razão dos princípios basilares da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. Em que pese tal faculdade, tenho por proveitosa breve explanação acerca das questões de fato e de direito a serem sopesadas nesta etapa do itinerário procedimental.De conformidade com a narrativa contida na peça de ingresso, bem ainda segundo os documentos que a acompanham, os promoventes alegaram, em síntese, que adquiriam passagens aéreas para retorno de viagem em voo operado pela requerida, com saída de Fortaleza/CE em 27/11/24, às 19h35, conexão e Recife/PE e chegada em Goiânia/GO às 01h10 do dia 28/11/24 (localizador HNWL9K). Contudo, o voo foi cancelado sem aviso prévio quando eles já haviam realizado o check-in e aguardavam o embarque no aeroporto, tendo a requerida justificado o cancelamento sob a alegação de necessidade de manutenção da aeronave, conforme declaração de contingência anexa.Prosseguiram informando que, diante dessa situação, se dirigiram ao balcão da requerida, e, após aguardarem em uma extensa fila até que fossem atendidos, foram realocados pela ré, sem nenhuma possibilidade de escolha, em um voo com uma conexão a mais que a prevista na contratação originária, e com chegada no destino (Goiânia/GO) com diferença de 02 dias, isto é, em 30/11/24, às 08h25, fato esse que lhes gerou desgastes e estresses, e que afetou diretamente os seus estados físicos e emocionais, sobretudo porque viajavam com o filho de 04 anos de idade, que teve a rotina totalmente alterada.Asseveram, também, que ao desembarcarem em Goiânia/GO, dois dias depois da data originalmente contratada, não tiveram suas bagagens restituídas de pronto, tendo que formalizar relatório de irregularidade de bagagem (RIB), e vindo a recebê-la 02 dias depois dos seus desembarques.A par desses fatos, e ao argumento de que houve falha nos serviços comercializados, requereram, em seus pedidos, a aplicação das normas do CDC com a decretação da inversão do ônus da prova e a condenação da requerida ao pagamento dos danos morais no valor de R$ 40.000,00 (R$ 20.000,00 para cada um deles). Juntaram documentos (ev. 01).Na decisão do ev. 11 a inicial foi recebida, sendo, após, determinada a citação e intimação da requerida, bem como a designação do ato conciliatório.Percorrido o itinerário procedimental, devidamente citada para fins desse processo, a promovida apresentou contestação (ev. 23), tecendo, prefacialmente, comentários sobre a sua política comercial e a qualidade do serviço prestado. Após, em preliminar, defendeu a aplicabilidade do Código Brasileiro de Aeronáutica em detrimento do CDC no caso em análise. No mérito, confessou que o primeiro voo de retorno da viagem contratada pelos autores (localizador HNWL9K) – voo 4036 -, que tinha saída de Fortaleza/CE e conexão em Recife/PE, foi cancelado em face da necessidade de manutenção não programada, fato esse que impediu a decolagem, já que preza pela segurança dos passageiros e dos seus tripulantes. Em seguida, defendeu que o cancelamento de voo 4036, pelas razões que se deram, não se enquadra como prática abusiva, configurando fortuito externo ante a ocorrência de caso fortuito/força maior, e que não há que se falar em ato ilícito, até porque agiu de forma a minimizar os transtornos gerados aos autores, fornecendo à eles toda a assistência material indispensável, tal como reacomodação no próximo voo disponível para o destino programado, além de hospedagem e transporte, em absoluto atendimento às normativas previstas na Resolução 400/2016 da ANAC. Seguiu sustentando, também, a inexistência de configuração de dano moral com relação ao extravio temporário da bagagem dos autores, pois, embora ela não tenha sido localizada para ser restituída quando do desembarque no dia 30/11/24, empreendeu todos os esforços para localizá-la, tendo-a restituída no prazo de 24h, isto é, em 1º/12/24, e, portanto, em prazo inferior ao disposto em lei (07 dias). Após, defendeu a inocorrência de danos morais, sobretudo diante do disposto no art. 251-A do CBA, que, para a sua configuração, requer a devida comprovação, e que, segundo pontuou, inexiste nos autos. Ao final, alegou a impossibilidade de decretação da inversão do ônus da prova, e, ao argumento de ausência de conduta ilícita, requereu a improcedência, in totum, dos pedidos da inicial.Realizada audiência de conciliação sem acordo (ev. 24).Sobreveio aos autos impugnação à contestação (ev. 28) oportunidade em que os autores refutaram os argumentos da defesa apresentada, repisando, em especial, a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC) diante da falha na prestação dos serviços comercializados e o consequente dever de indenizar pelos fatos narrados na petição inicial. Ao final, ratificaram os fatos e pedidos da peça de ingresso e pugnaram pela dispensa da dilação probatória e pelo julgamento antecipado da lide.Ausente outras intercorrências, vieram-me os autos conclusos.DECIDO. De início, tenho que não merece acolhimento a preliminar da requerida Azul de aplicação do Código Brasileiro da Aeronáutica em detrimento do CDC, pois, embora todo o transporte aéreo nacional seja regido pela Lei nº. 7.565/86 (CBA), é cediço que o microssistema do Código Protetivo de Consumo, por ser norma posterior, se sobrepõe a ele naquilo que disciplinar de forma diferente.Neste sentido, bem explicita Sérgio Cavalieri Filho, in Programa de Responsabilidade Civil, São Paulo: Malheiros, 2005, fls. 349/350: Não vale argumentar que o Código do Consumidor, por ser lei geral posterior, não derrogou o Código Brasileiro de Aeronáutica, de natureza especial e anterior – lex posterior generalis non derrogat priori speciali – porque essa regra, além de não ser absoluta, não tem aplicação no caso em exame. E assim é porque o Código do Consumidor, em observância a preceito constitucional (Constituição Federal art.5°, XXXII), veio para implantar uma Política Nacional de Relações de Consumo, vale dizer, estabeleceu uma ordem jurídica uniforme e geral destinada a tutelar os interesses patrimoniais e morais de todos os consumidores, bem como o respeito à sua dignidade, saúde e segurança (Código de Defesa do Consumidor, art. 4°). Ao assim fazer, disciplinou não só aquilo que ainda não estava disciplinado como, ainda, alterou a disciplina que já existia em leis especiais, vale dizer concentrou em um único diploma a disciplina legal de todas as relações contratuais e extracontratuais do mercado de consumo brasileiro… Em conclusão: é impertinente a regra lex posterior generalis non derrogat priori speciali, porque, tratando-se de relações de consumo, o Código do Consumidor é a lei própria, específica e exclusiva. Prosseguindo, observo que no contexto dos autos não há vícios ou nulidades processuais a serem declaradas, nem questões prejudiciais ou outras preliminares ao mérito a serem dirimidas incidentalmente. Desta feita, tendo em conta que a matéria prescinde da produção de prova oral, na forma do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, passo incontinente, à apreciação meritória da lide em apreço.Ainda em letras de início, consigo que é patente que a relação jurídica existente entre as partes é de cunho consumerista, de sorte que a matéria delineada nos autos deve ser apreciada à luz das disposições da Lei n.º 8.078/90. Isto porque, na relação que ora se discute, se fazem presentes os três requisitos hábeis a ensejar o enquadramento da demanda na seara consumerista: a) o contrato de compra e venda de passagens aéreas noticiado nos autos está implícito na própria natureza do fornecimento de serviços, resultado da produção do mercado de consumo; b) os autores, enquanto adquirentes do indigitado serviço, são, a toda evidência, consumidores, por serem destinatários finais dele, na forma do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor; c) a requerida é pessoa jurídica que desenvolve atividade profissional de comercialização de voos, direta e indiretamente, ajustando-se, pois, à noção de fornecedor stricto sensu, contemplada no art. 3º do mesmo diploma legal.Ressalto, contudo, que, apesar de o caso ser a típica relação de consumo, na qual é possível aplicar a inversão do ônus da prova, nos termos do artigo 6º, inciso VIII da Lei Consumerista, o Magistrado deve observar, também, as regras de distribuição do ônus da prova, conforme o artigo 373 e incisos do Código de Processo Civil, de forma que incumbe ao autor (art. 373, I do CPC) produzir a prova quanto aos fatos constitutivos do seu direito e ao réu (art. 373, II do CPC) produzir a prova quanto aos fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do autor.Cinge-se a controvérsia em questão na verificação do direito dos promoventes em serem indenizados moralmente em decorrência do cancelamento do voo (4036) do retorno da viagem contratada para o dia 27/11/24 às 19h35, que tinha saída de Fortaleza/CE, conexão em Recife/PE e chegada em Goiânia/GO na madrugada do dia 28/11/24 às 01h10, e das consequências advindas desse acontecimento, tais como: ausência de informação prévia acerca do cancelamento do voo contratado; por eles terem sido realocados em outro voo sem nenhuma opção de escolha e que chegou ao destino com atraso de mais de 2 dias, isto é, em 30/11/24 às 08h25, mesmo estando com o filho de 04 anos de idade, e, ainda, por não terem restituída, de pronto, uma de suas bagagens ao desembarcarem em Goiânia/GO em 30/11/24.Pois bem. Adianto, desde já, que o pedido de indenização por danos morais é procedente. Explico:De uma detida análise dos autos, verifico, de um lado, que restou incontroverso pela documentação acostada na inicial (ev. 01) e pelos fatos confessados na defesa apresentada (ev. 23) que: I. os autores adquiriram bilhetes aéreos para retorno de viagem em família em voos operados pela requerida, com o seguinte itinerário: saída de Fortaleza/CE em 27/11/24, às 19h35, conexão em Recife/PE e chegada em Goiânia/GO às 01h10 do dia 28/11/24 – Localizador HNWL9K (ev. 01, arq. 08); II. após terem realizado os seus check ins e enquanto aguardavam o embarque no aeroporto de Fortaleza/CE (ev. 01, arq. 10), os autores foram surpreendidos com a informação disponibilizada no painel de voos de que o voo AD 4036 havia sido cancelado (ev. 01, arq. 09), tendo essa informação sido confirmada pela ré, que justificou o cancelamento ao argumento de necessidade de manutenção da aeronave, sendo-lhes fornecido, naquela ocasião, a declaração de contingência - ev. 01, arq. 11, fato esse confessado pela ré na defesa apresentada (ev. 23, págs. 08/09). III. em decorrência do cancelamento, sem aviso prévio, do voo 4036 contratado para o dia 27/11/24, com saída às 19h35, os autores foram realocados, sem nenhuma opção de escolha, em voo com duas conexões (Belém/PA e Campinas/SP), isto é, uma a mais que a prevista na contratação originária (que tinha apenas uma conexão em Recife/PE), e com saída de Fortaleza/CE somente no dia 29/11/24 às 20h30 e chegada em Goiânia/GO às 08h25 do dia 30/11/24, totalizando uma diferença nas suas chegadas de mais de dois dias (55h), pois a contratação inicial previa desembarque em Goiânia/GO em 28/11/24 às 01h10. E, em razão disso, receberam hospedagem e alimentação, da ré, para o período de espera até o dia/horário do novo voo para os quais foram realocados (ev. 01, arqs. 13/14 e ev. 23, pág. 11). iv. ao desembarcarem em Goiânia/GO no dia 30/11/24, os autores não tiveram uma de suas bagagens restituídas de pronto, sendo necessário a formalização de RIB (ev. 1, arq. 12), vindo-a a recebê-la apenas no dia seguinte aos seus desembarques, isto é, em 1º/12/24 (ev. 23, pág. 14). De outro lado, verifico que, na tentativa de afastar a sua responsabilidade pela situação vivenciada pelos autores, a requerida alegou a ausência de responsabilidade pelo cancelamento do voo do retorno da viagem contratada para o dia 27/11/24 (voo 4036), sob a justificativa de ocorrência de “necessidade de manutenção não programada”, fato esse que, segundo defendeu, é alheio a sua vontade e imprescindível para a segurança de todos, e, também, a inexistência de dano moral com relação ao extravio temporário de uma das bagagens dos autores, já que ela foi localizada e restituída em menos de 24h, isto é, no dia seguinte ao seus desembarques. Primeiramente, no que concerne ao extravio temporário de uma das bagagens dos autores, que foi restituída no dia seguinte ao desembarque (dentro de 24 horas), entendo que a razão assiste à ré. E isso porque, embora tal ocorrência configure falha na prestação dos serviços, em consonância com o artigo 734 do Código Civil ("O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade"), verifico que os autores não cumpriram, de forma satisfatória, com o ônus que lhes incumbia, nos termos do artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil, já que não comprovaram que a ausência de restituição imediata de uma das bagagens despachadas no voo de retorno da viagem contratada causou ofensa aos seus direitos da personalidade.Assim sendo, e considerando que o mero descumprimento contratual por parte das companhias aéreas, desacompanhado da comprovação de prejuízo, não gera direito à indenização por danos morais (art. 251-A do Código Brasileiro de Aeronáutica), não vislumbro a ocorrência de dano extrapatrimonial indenizável (que não se presume) em razão do extravio temporário da bagagem. Isso se deve à ausência de prova mínima de que, em decorrência desse fato, os autores experimentaram prejuízos adicionais além do mero aborrecimento, especialmente porque restou provado a bagagem foi restituída no dia seguinte, sem maiores consequências comprovadas.Todavia, a conclusão é diversa no que tange ao cancelamento unilateral do voo 4036 pela ré. Ora, com relação a esse fato, ressalto que, embora a requerida tenha defendido a ocorrência de causa excludente de responsabilidade (caso fortuito) não há qualquer prova da imprevisibilidade e inevitabilidade desse evento – ev. 23, pág. 08/09, pois a ré se limitou a acostar nos autos (ev. 22) apenas os documentos indispensáveis à sua representação processual, o que, contudo, é insuficiente para a prova das alegações formuladas. Com isso, tenho que a ré não demonstrou a adoção de todas as providências razoáveis na prestação dos serviços prestados, já que faz parte da prestação de seus serviços o transporte dos passageiros em segurança, de forma que, para que se caracterizasse a ocorrência de caso fortuito ou força maior seria necessária a demonstração sobre a imprevisibilidade e inevitabilidade do evento que deu origem ao cancelamento do voo contratado, sem a possibilidade de prévia informação, o que, todavia, não restou comprovado, já que a mera alegação quanto “a necessidade de realização de manutenção não programada na aeronave”, sem dúvida alguma, não a isenta da responsabilidade civil, mormente porque é do fornecedor o ônus da operação dos serviços disponibilizados ao consumo (teoria do risco do empreendimento – sendo a manutenção prévia das aeronaves de sua incumbência), já que não é permitido a internalização dos bônus e externalização dos ônus.Logo, não tenho dúvidas de que o evento narrado nos autos configurou manifesto descumprimento contratual, na medida em que a companhia aérea demandada tinha a obrigação de embarcar os promoventes no voo por eles contratados, de conformidade com a respectiva passagem aérea e no horário previamente estipulado (27/11/24 – voos 4036 e 4001), de forma que o cancelamento, pelas razões que se deram (manutenção não programada), caracterizou falha na prestação do serviço da ré, uma vez que, à ela, estava debitado o dever de prestar um serviço com qualidade e segurança, sob pena de incorrer na responsabilidade pelos danos que viessem a causar àquele que com ela contratou.Incide, no caso, ademais, a indicada “teoria do risco do empreendimento”, segundo a qual todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no campo do fornecimento de bens e serviços deve suportar as consequências advindas dos fatos e vícios resultantes do negócio que se dispôs a realizar, independentemente de culpa (responsabilidade objetiva), na medida em que tal responsabilidade germina do simples fato de ter optado por produzir, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços no mercado de consumo.No caso, aquele que aufere lucros com sua atividade, com ela, assume integralmente todos os riscos que lhe são inerentes, porquanto o contrato de transporte tem um fim bem específico, ou seja, assume o transportador a obrigação de entregar em seu destino, ilesos e no prazo convencionado, as pessoas que viajam e os seus respectivos bens.Não ignoro que, na aviação comercial, não se pode desprezar o caso fortuito e a força maior como causas excludentes da responsabilidade. Todavia, conforme exposto linhas acima, não há perder de vista que somente se eximirá da responsabilidade o fornecedor que efetivamente provar não apenas a ausência de culpa, mas precipuamente que o evento danoso decorreu por caso fortuito, força maior ou por culpa exclusiva da vítima, prova essa inexistente nos autos.A rigor, sobre a matéria de fundo, o artigo 737 do Código Civil, estabelece que o dever de pontualidade é ínsito ao contrato de transporte aéreo: "Art. 737. O transportador está sujeito aos horários e itinerários previstos, sob pena de responder por perdas e danos, salvo motivo de força maior." E, a Resolução 400 da ANAC, assim dispõe: Art. 20. O transportador deverá informar imediatamente ao passageiro pelos meios de comunicação disponíveis:I - que o voo irá atrasar em relação ao horário originalmente contratado, indicando a nova previsão do horário de partida; eII - sobre o cancelamento do voo ou interrupção do serviço.§ 1º O transportador deverá manter o passageiro informado, no máximo, a cada 30 (trinta) minutos quanto à previsão do novo horário de partida do voo nos casos de atraso.§ 2º A informação sobre o motivo do atraso, do cancelamento, da interrupção do serviço e da preterição deverá ser prestada por escrito pelo transportador, sempre que solicitada pelo passageiro.Art. 21. O transportador deverá oferecer as alternativas de reacomodação, reembolso e execução do serviço por outra modalidade de transporte, devendo a escolha ser do passageiro, nos seguintes casos:I - atraso de voo por mais de quatro horas em relação ao horário originalmente contratado;II - cancelamento de voo ou interrupção do serviço;III - preterição de passageiro; eIV - perda de voo subsequente pelo passageiro, nos voos com conexão, inclusive nos casos de troca de aeroportos, quando a causa da perda for do transportador.Parágrafo único. As alternativas previstas no caput deste artigo deverão ser imediatamente oferecidas aos passageiros quando o transportador dispuser antecipadamente da informação de que o voo atrasará mais de 4 (quatro) horas em relação ao horário originalmente contratado.Art. 25. Os casos de atraso, cancelamento de voo e interrupção do serviço previstos nesta Seção não se confundem com a alteração contratual programada realizada pelo transportador e representam situações contingenciais que ocorrem na data do voo originalmente contratado.Art. 26. A assistência material ao passageiro deve ser oferecida nos seguintes casos:I - atraso do voo;II - cancelamento do voo; Art. 27. A assistência material consiste em satisfazer as necessidades do passageiro e deverá ser oferecida gratuitamente pelo transportador, conforme o tempo de espera, ainda que os passageiros estejam a bordo da aeronave com portas abertas, nos seguintes termos: (...) II - superior a 2 (duas) horas: alimentação, de acordo com o horário, por meio do fornecimento de refeição ou de voucher individual; eIII - superior a 4 (quatro) horas: serviço de hospedagem, em caso de pernoite, e traslado de ida e volta.Art. 28. A reacomodação será gratuita, não se sobreporá aos contratos de transporte já firmados e terá precedência em relação à celebração de novos contratos de transporte, devendo ser feita, à escolha do passageiro, nos seguintes termos: I - em voo próprio ou de terceiros para o mesmo destino, na primeira oportunidade; ou II - em voo próprio do transportador a ser realizado em data e horário de conveniência do passageiro. (g.n) Diante, portanto, da legislação pertinente e da documentação presente nos autos, concluo que a ré não demonstrou ter adotado todas as medidas necessárias para mitigar o dano causado aos autores, seja oferecendo alternativas adequadas de reacomodação, seja comprovando que a escolha do voo para o qual foram remanejados foi feita de livre e espontânea vontade.Conquanto a requerida tenha providenciado a reacomodação dos passageiros, o voo disponibilizado somente chegou ao destino contratado com dois dias de atraso, e uma diferença de 55 horas em relação ao horário originalmente previsto, dado que apenas pousou em Goiânia/GO no dia 30/11/2024, às 8h25. Tal situação não se mostra razoável, considerando que os autores viajavam com uma criança de apenas quatro anos de idade, cuja rotina foi inevitavelmente alterada. Ademais, nos termos da legislação vigente (artigo 28, incisos I e II, da Resolução nº 400 da ANAC), a assistência adequada consistia na reacomodação em voo com o horário mais próximo possível ao contratado, ainda que operado por outra companhia aérea.Nesse sentido, é a jurisprudência pátria: APELAÇÃO. Ação de indenização por danos morais. Transporte aéreo nacional. Atraso de voo. Responsabilidade civil objetiva. Sentença de improcedência. Inconformismo do autor. Atraso de voo de mais de dois dias, no trajeto de Manaus (AM) a Belo Horizonte (MG), constitui falha na prestação de serviço disponibilizado pela companhia aérea. Requerida não realocou o autor para o voo que chegaria ao destino em horário próximo ao adquirido. Dano moral configurado. Cancelamento de voo em razão de má condição climática não afasta o dano moral. Indenização de R$ 5.000,00 pleiteada pelo autor mostra-se adequada para o caso concreto. Sentença reformada para condenar a requerida em indenização por danos morais. Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1000845-40.2022.8.26.0003; Relator (a): Régis Rodrigues Bonvicino; Órgão Julgador: 21a Câmara de Direito Privado; Foro Regional III - Jabaquara - 4a Vara Cível; Data do Julgamento: 20/06/2022; Data de Registro: 20/06/2022). Assim, não tenho dúvidas de que o evento narrado nos autos configurou manifesto descumprimento contratual, devendo, portanto, a promovida responder nos termos do artigo 14 do Código do Consumidor, pois a sua conduta impôs aos promoventes um atraso de 55h na chegada do destino contratado (Goiânia/GO). "Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos."Outrossim, não há como reconhecer que a ré prestou a devida assistência, nos termos prescritos na Resolução 400/16 da ANAC, ainda que tenha fornecido à eles alimentação, hospedagem e translado, como indicado na defesa e confessado na própria inicial. Essa assistência material, aliás, era o mínimo que ela poderia prestar aos seus consumidores, ante o cancelamento sem aviso prévio, sem a mínima justificativa, e sem possibilitá-los a opção de escolha em voo de realocação. Estando, pois, consubstanciado nos autos os requisitos previstos no art. 186 do Código Civil c/c art. 14 do CDC como ação ilícita, nexo de causalidade e o dano sofrido, há que se empunhar contra a requerida a condenação pelos danos morais impingidos aos autores, pois é flagrante que a situação por eles vivenciada, de chegar ao destino com atraso de 55h, ultrapassa meros aborrecimentos cotidianos, lhe gerando angústia e ofensa às suas honras subjetivas, pelo que nasce o dever de indenizar, conforme precedentes do E. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. COMPANHIA AÉREA. ATRASO NO VOO SUPERIOR A DEZ HORAS. PERDA DA CONEXÃO FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DANO MORAL. CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. 1. A empresa de aviação responde civilmente pelos danos morais advindos pelo cancelamento do voo e realocação em outro com atraso que ultrapassa o razoável. 2. A manutenção da aeronave caracteriza fortuito interno, o que não exclui a responsabilidade civil da prestadora de serviços. 3. Comprovada a ocorrência dos danos morais, o valor da indenização deve ser fixado de modo consentâneo com os propósitos do instituto e harmonizar-se com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, além de evitar enriquecimento ilícito do autor. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA. (TJ-GO - Apelação Cível: 5604477-44.2023 .8.09.0051 GOIÂNIA, Relator.: Des(a). Algomiro Carvalho Neto, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 03/06/2024 (S/R) DJ)EMENTA APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - TRANSPORTE AÉREO – ATRASO DE VOO – PROBLEMA TÉCNICO DA AERONAVE – FORTUITO INTERNO - CHEGADA AO DESTINO FINAL 18 HORAS APÓS O PERÍODO CONTRATADO - FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO EVIDENCIADA - DANO MORAL CONFIGURADO - QUANTUM INDENIZATÓRIO ADEQUADO – JUROS DE MORA - INCIDÊNCIA A PARTIR DA CITAÇÃO – CORREÇÃO MONETÁRIA – A PARTIR DO ARBITRAMENTO – RECURSO DESPROVIDO. O problema ou falha técnica da aeronave que acarreta manutenção não programada, caracteriza-se como fortuito interno, inerente ao risco da atividade empresa e ao risco do negócio, de modo que é incapaz de isentar a responsabilidade da companhia aérea. Há falha na prestação de serviços pela companhia aérea que culminou no atraso do voo e perda da conexão, gera o dever de indenizar. O valor arbitrado a título de danos morais deve levar em conta as circunstâncias do caso concreto, as condições das partes, o grau de culpa e, principalmente, a finalidade da reparação do dano moral, que é a de compensar o dano ocorrido, bem como inibir a conduta abusiva. Em condenação por danos morais decorrente de relação contratual a incidência dos juros de mora se dá a partir da citação e a correção monetária a partir do arbitramento. (TJ-MT - AC: 10057883720218110041, Relator.: GUIOMAR TEODORO BORGES, Data de Julgamento: 17/05/2023, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/05/2023)EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - COMPANHIA AÉREA - CANCELAMENTO DE VÔO - NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DA AERONAVE - FORTUITO INTERNO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - VALOR INDENIZATÓRIO - REDUÇÃO RAZOÁVEL E PROPORCIONAL - TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA - DATA DA CITAÇÃO. 1 - A responsabilidade da companhia aérea, em face da relação consumerista, é objetiva e somente pode ser afastada se comprovada a ocorrência das hipóteses elencadas no art. 14, § 3º, do CDC. 2 - O cancelamento da viagem e todos os constrangimentos daí advindos em virtude de necessidade de manutenção da aeronave e de reacomodação em outro voo próprio (fortuito interno) são suficientes para gerar responsabilização da empresa aérea pelos danos material e moral sofridos pelo cliente. 3 - A quantificação da indenização por danos morais deve levar em conta o grau da responsabilidade atribuída ao réu, a extensão dos danos sofridos pela vítima, bem como a condição social e econômica do ofendido e do autor da ofensa. 4- Em caso de responsabilidade contratual, "contam-se os juros de mora desde a citação inicial". (art. 405 do Código Civil). (TJ-MG - AC: 10000212740732001 MG, Relator: Claret de Moraes, Data de Julgamento: 08/03/2022, Câmaras Cíveis / 10ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 10/03/2022).APELAÇÃO - TRANSPORTE AÉREO NACIONAL – CANCELAMENTO DE VÔO – DANO MORAL - Pretensão de reforma da r. sentença de procedência – Descabimento – Hipótese em que a empresa aérea se limitou a imputar a culpa pelo ocorrido a uma manutenção não programada na aeronave, sem carrear aos autos do processo alguma prova da regularidade ou do zelo nos serviços prestados – Responsabilidade objetiva da empresa aérea ( CDC, art. 14, CDC), a qual não se desincumbiu do ônus da prova que lhe cabia sobre a regularidade na prestação dos serviços oferecidos – Dano moral configurado – Indenização fixada em R$ 10.000,00 (dez mil reais) que se mostra adequada para compensar o sofrimento e o exacerbado grau de transtorno experimentados pelo autora, com o cancelamento de voo na véspera de Natal, não comportando redução alguma – RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP - AC: 10138873320208260002 SP 1013887-33.2020.8.26.0002, Relator: Ana de Lourdes Coutinho Silva da Fonseca, Data de Julgamento: 21/03/2021, 13ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/03/2021). Reconhecida a responsabilidade da ré pela indenização extrapatrimonial devida aos autores, ante a situação por eles vivenciadas pela falha dos serviços contratados, passo a sua quantificação.Quanto ao montante a ser indenizado, observo que no momento da fixação do quantum do dano a ser ressarcido, cabe ao julgador a sua estipulação, obedecendo os critérios da razoabilidade, de maneira que, atendidas as circunstâncias do caso analisado, atendam a natureza compensatória e pedagógica da medida, sem se converter em enriquecimento ilícito.Feitas essas ponderações, e uma vez restou comprovado (i) que o cancelamento do voo contratado pelos autores se deu sem aviso prévio e quando eles já estavam no aeroporto aguardando o embarque, (ii) que eles foram realocados de forma arbitrária, sem opção de escolha e sem que fosse levado em conta que eles estavam com o filho de apenas 04 anos de idade, em voo com uma conexão a mais que a prevista na contratação originária e que chegou no destino contratado com 55h de atraso (em 30/11/24 às 8h25, ao passo que a contratação originária tinha data para 28/11/24, às 01h10 da madrugada) e, ainda, (iii) sopesando que, conforme dito acima, o extravio temporário de uma de suas bagagens não foi suficiente para acarretar-lhes abalo na suas honras subjetivas, até porque se deu no voo de retorno e lhes foi entregue no dia seguinte ao desembarque, no local por eles indicado, concluo que deve ser fixada a indenização, a título de danos morais, na quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada um dos autores, já que referido numerário atende as peculiaridades do caso concreto e obedece aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, em atendimento à Teoria do Desestímulo (“punitive damage”), cumprindo o objetivo de, ao mesmo tempo, compensar ao lesado e impor ao agente sanção de caráter pedagógico, sem causar enriquecimento indevido da vítima.É o que basta.DISPOSITIVOANTE O EXPOSTO, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, resolvo o mérito e JULGO PROCEDENTE o pedido inicial para CONDENAR a promovida a pagar, para cada um dos autores, a título de compensação pelos danos morais, a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), corrigida pelos índices do IPCA a contar da publicação da sentença (Súmula n.º 362 do Superior Tribunal de Justiça), e com juros de mora a partir da citação (art. 405), na forma do disposto no art. 406 e parágrafos, CC.Sem custas e honorários advocatícios nesta fase, a teor dos arts. 54 e 55 da Lei n.º 9.099/95.Transitada em julgado esta sentença, e requerido o cumprimento de sentença (art. 52, IV da Lei 9.099/95), desde já, fica INTIMADA a parte vencida acerca do prazo de 15 (quinze) dias úteis para cumprimento, sob pena da incidência da multa de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, bem como de submeter-se aos atos executórios a serem requeridos pelo credor. Advirto que não haverá nova intimação para início da fase executiva, cabendo ao devedor efetuar o pagamento diretamente ao credor ou mediante depósito judicial – Enunciados 38 e 106 do FONAJ.Nada sendo requerido no prazo de 30 (trinta) dias, arquivem-se os autos com as cautelas de praxe.Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.Rio Verde-GO, data da assinatura digital. Ana Paula TanoJuíza de Direito03
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