Processo nº 8002877-90.2024.8.05.0041
ID: 318824667
Tribunal: TJBA
Órgão: VARA CRIMINAL DE CAMPO FORMOSO
Classe: PROCEDIMENTO ESPECIAL DA LEI ANTITóXICOS
Nº Processo: 8002877-90.2024.8.05.0041
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA VARA CRIMINAL DE CAMPO FORMOSO Processo: PROCEDIMENTO ESPECIAL DA LEI ANTITÓXICOS n. 8002877-90.2024.8.05.0041 Órgão Julgador: VARA …
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA VARA CRIMINAL DE CAMPO FORMOSO Processo: PROCEDIMENTO ESPECIAL DA LEI ANTITÓXICOS n. 8002877-90.2024.8.05.0041 Órgão Julgador: VARA CRIMINAL DE CAMPO FORMOSO AUTOR: Ministério Público do Estado da Bahia Advogado(s): REU: ELENILTON MANOEL GONCALVES DA SILVA Advogado(s): SENTENÇA 1. Do relatório O Ministério Público do Estado da Bahia ofereceu denúncia (id. 491860872) contra ELENILTON MANOEL GONÇALVES DA SILVA, vulgo "Sinhá", devidamente qualificado, imputando-lhes a prática do crime de tráfico de drogas, capitulado nos art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, art. 329, caput, do Código Penal e art. 12 da lei 10.826/2003. Consta dos autos que, no dia 30 de outubro de 2024, por volta das 13:00 horas, no povoado de Tuiutiba, Zona Rural, Campo Formoso/BA, o acusado Elenilton Manoel Gonçalves da Silva trazia consigo e mantinha em depósito, para fins de tráfico, drogas, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, bem como portava munição de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal e ainda se opôs à execução de ato legal, mediante violência a funcionário competente para executá-lo. Segundo relatado, a guarnição policial realizava patrulhamento ostensivo na localidade quando recebeu informação de um assalto ocorrido na noite anterior no povoado de Puxadeira. De posse das informações, os policiais se dirigiram à residência do denunciado, o qual, ao perceber a chegada da viatura, tentou evadir-se, buscando refúgio no interior de sua casa, no entanto, foi abordado pelos policiai militares. Ato contínuo, durante a busca pessoal, foi encontrada com o denunciado uma trouxinha de cocaína, pelo que foi lhe dada voz de prisão em flagrante, à qual o denunciado resistiu, desferindo um chute na mão esquerda do cabo da polícia militar Jailton da Silva Souza, que participava da diligência. Contendo a resistência do denunciado, os policiais o algemaram e o indagaram sobre a existência de mais drogas, tendo ele indicado um local nos fundos de sua casa, próximo à cerca, onde estaria o restante do material ilícito. No local indicado, os policiais encontraram: 01 (um) tablete envolto em um saco na cor preta de uma substância seca prensada aparentando ser maconha, 01 (uma) pequena embalagem plástica com uma substância aparentando ser haxixe, 01 (uma) sacola plástica na cor preta com erva seca aparentando ser maconha, 01 (uma) bolsa plástica transparente com 07 (sete) petecas plásticas em diversas cores com pó branco aparentando ser cocaína, 01 (uma) balança digital na cor prata e 01 (uma) munição calibre.38 intacta, tudo conforme auto de exibição e apreensão de ID n. 474427839 - Pág. 13. Ademais, o cabo da polícia militar Jailton, em razão do chute desferido por Elenilton, foi encaminhado ao Hospital São Francisco, onde foi constatada a necessidade de submeter-se à cirurgia na mão esquerda. O acusado foi imediatamente preso em flagrante e conduzido à presença da autoridade policial, oportunidade em que optou por permanecer em silêncio durante o interrogatório. O material apreendido foi encaminhado para teste preliminar de constatação, que, consoante se extrai dos laudos acostados ao ID 474427841 - Pág. 10-13 do IP correspondente, apresentou resultado positivo para "cocaína" na quantia de 51,07g e "canabis sativa", vulgo, maconha" na quantia de 82,41g + 12,18g + 150,99g, cada um dos materiais. Ao ID 480850035, juntou-se certidão de antecedentes criminais do réu com dados do SAIPRO, PJE E SEEU, bem como certidão estadual sobre ações criminais para fins judiciais - 1º grau ao id. 480996969. Ao ID 481975463, certidão de antecedentes emitida pelo ISPE. Notificado (Id. 485078015), o réu ofereceu defesa prévia ao id.489659797, por meio da Defensoria Pública. Por meio de despacho de ID 489768853, foi designada audiência de instrução para o dia 15 de Abril de 2025. Ao ID 491294894, fez-se juntada de laudo pericial definitivo complementar ao laudo de constatação nº. 2024 19 PC 002510-01. Ao ID 491294897, fez-se juntada de laudo de exame de lesões corporais na pessoa de Jailton da Silva Souza e laudo complementar de lesões corporais no qual aponta fratura do primeiro metacarpo esquerdo submetido a cirurgia com convalescença pós operatória. Audiência de instrução e julgamento realizada no dia 15 de abril de 2025, gravada em meio audiovisual, conforme termo juntado ao ID. 496658253, na qual foram colhidos os depoimentos das testemunhas, arroladas pela acusação e pela defesa, CB/PM Jailton da Silva Souza, CAP/PM Fabio Henrique dos Santos Pereira, SD/PM Tulio Matheus Ribeiro da Silva, bem como foi realizado o interrogatório do réu Elenilton Manoel Gonçalves da Silva. O Ministério Público apresentou alegações finais orais, e requereu a procedência DA PRETENSÃO ACUSATÓRIA, com a condenação de ELENILTON MANOEL GONCALVES DA SILVA, vulgo "Sinhá" pela prática dos crimes previstos no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, art. 329, caput, do Código Penal e art. 12 da Lei nº 10.826/2003, em concurso material de crimes, portanto na forma do art. 69 do CP. No que concerne à dosimetria: 1ª Fase: A terceira seção do STJ fixou a seguinte premissa quanto à sistemática da dosimetria da pena, nos casos em que se vislumbre relevância na quantidade e na natureza da droga. 1) A natureza e a quantidade das drogas apreendidas são fatores a serem necessariamente considerados na fixação da pena-base, nos termos do artigo 42 da Lei 11.343/2006; razão pela qual impõe-se o incremento da pena base, em razão da quantidade de entorpecentes apreendidos, além da balança de precisão; a conjuntura demonstra uma culpabilidade que desborda o natural para crimes dessa natureza. Por ocasião da segunda fase da dosimetria, imperativo o reconhecimento da reincidência (art. 61, I, do CP), conforme processo SEEU de n. 2000253-54.2021.8.05.0146. Já na análise das causas de aumento e/ou diminuição incindíveis na espécie, pugna este Órgão de Execução pelo indiscutível afastamento da minorante inserta no art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006, isso porque o réu é reincidente , demonstrando, pois, dedicação à atividades criminosas. Sobre eventual alegativa de bis in idem, não é demais lembrar posicionamento firme do STJ (AgRg no HC 671.329/SP sobre o tema: "Tráfico de drogas - consideração da reincidência para fins de majoração da pena-base e como negativa de concessão da benesse prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas - inocorrência de bis in idem 2. O reconhecimento da agravante da reincidência, na segunda etapa da dosimetria, não é incompatível com a sua utilização, na terceira fase, para afastar a incidência da causa especial de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, porquanto o referido instituto jurídico é sopesado com finalidades distintas em cada fase de fixação da pena, justamente para se alcançar a justa e correta reprimenda necessária para a reprovação e prevenção do delito perpetrado. Não há falar, portanto, em bis in idem." AgRg no HC 671.329/SP. A defesa, por sua vez, apresentou alegações finais por memoriais escritos ao ID 499538664. Suscitou nulidade por ilicitude da busca pessoal e domiciliar, atuação ilegal da atividadepolicial e pela quebra da cadeia de custódia. Pugnou pela declaração da ilicitude da confissão informal; Pela absolvição em relação ao crime previsto no art. 12 da lei nº 10.826/03 pela atipicidade material da conduta ou pela negativa de autoria; Pela absolvição em relação ao crime previsto no art. 329, caput, do Código Penal e art. 33, caput, da lei 11.343/06. Pleiteou seja dada nova classificação jurídica, para que seja imputado ao acusado a prática do crime previsto no art. 28 da lei 11.343/06 e a consequente declaração de extinção da punibilidade; Pela desclassificação para o delito no art. 28 da lei de drogas; Pelo reconhecimento do enquadramento da conduta no §3º do art. 33 da lei de drogas; Em caso de condenação, a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da lei 11.343/06 com a conversão da pena privativa de liberdade pela restritiva de direito. Certidão de antecedentes atualizada ao ID 503780146 e ao ID 503799449 espelho do SEEU. É o relatório. Passo a decidir. 2. Da fundamentação A ação penal tramitou regularmente, com a citação pessoal da parte ré, constituição de defensor público e observância dos direitos ao contraditório e à ampla defesa, respeitado o devido processo legal, sem que se verifiquem vícios formais no procedimento. Primeiramente analisaremos acerca das preliminares de nulidade levantadas pela defesa. A preliminar levantada pela defesa sustenta a nulidade da prova oriunda de prisão em flagrante, por ausência de um verdadeiro estado de flagrância, conforme exigido pelo artigo 302 do Código de Processo Penal. A defesa argumentou que a prisão do acusado ocorreu no dia seguinte ao suposto delito, por volta das 13h, com base apenas em denúncia anônima que informava a ocorrência de um assalto na noite anterior, sem que houvesse qualquer perseguição imediata ou flagrante propriamente dito. Ressaltou que os policiais militares não souberam informar detalhes básicos do crime, como a vítima, o objeto subtraído ou o horário do fato, o que evidencia a falta de elementos mínimos que pudessem justificar a prisão. Segundo a tese defensiva, a abordagem policial que resultou na prisão e busca pessoal foi ilegal, já que não havia justa causa nem elementos que configurassem o flagrante nas formas legalmente previstas. A defesa também apontou que não houve perseguição anterior, tampouco foi encontrado com o acusado qualquer objeto que presumisse a prática do crime, requisitos indispensáveis à configuração do flagrante presumido (art. 302, IV, do CPP), conforme entendimento doutrinário de Aury Lopes Jr. e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Dessa forma, a defesa requereu o reconhecimento da nulidade da prisão e das provas dela decorrentes, por violação ao devido processo legal e às garantias constitucionais, destacando que a simples palavra dos policiais militares, desacompanhada de outras provas, não pode embasar uma condenação, sendo necessário o reconhecimento da ilicitude da prova e o desentranhamento de seus elementos dos autos. Todavia, tais argumentos não prosperam. De início, é importante destacar que a prisão em flagrante não exige, necessariamente, que o indivíduo seja surpreendido na prática do mesmo delito que originou a atuação policial. É suficiente que, no momento da abordagem legítima, o agente esteja cometendo qualquer infração penal, o que atrai a incidência do artigo 302, inciso I, do Código de Processo Penal. No caso dos autos, embora a diligência policial tenha se iniciado com base em informação relacionada a um roubo ocorrido na noite anterior - cuja autoria e circunstâncias estavam ainda indefinidas -, a abordagem ao acusado revelou, de forma imediata e inequívoca, a posse de entorpecentes e munições intactas, configurando, respectivamente, os delitos previstos no artigo 33 da Lei 11.343/2006 (tráfico de drogas) e artigo 12 da Lei 10.826/2003 (posse ilegal de munição). Importa frisar que a abordagem não configurou uma "fishing expedition", isto é, uma devassa probatória arbitrária e sem base legal, com o objetivo genérico e desproporcional de encontrar provas contra o indivíduo. Ao contrário, a diligência foi motivada por fundada suspeita oriunda de denúncia recente, que legitimava a intervenção policial, nos moldes do artigo 244 do CPP. A atuação se restringiu à averiguação objetiva da situação e resultou na apreensão de material de natureza claramente ilícita. Nesse cenário, a descoberta de drogas e munições durante a ação policial constitui o que a doutrina e a jurisprudência denominam de encontro fortuito de prova (serendipity evidence), plenamente admitido no ordenamento jurídico quando decorrente de atividade investigativa ou policial inicialmente legítima e motivada. Vejamos: "1. A descoberta fortuita (serendipidade) de conduta criminosa, durante a realização de diligências para apuração de outros fatos, legitima a prisão em flagrante e, consequentemente, a entrada em domicílio sem mandado judicial, notadamente para que os agentes estatais cumpram o seu munus de interromper atividades ilegais. Na hipótese, os policiais militares flagraram o manejo de aparelhos para a transmissão clandestina de telecomunicações porque a porta do imóvel em que a conduta desenvolvia-se estava aberta, em momento que realizavam diligências em outra residência, para apurar denúncia de maus tratos." RHC 98.182/RJ No presente caso, não há qualquer indício de que a abordagem tenha sido desprovida de justa causa, tampouco se verificou violação ao direito de privacidade ou extrapolação da finalidade policial. O encontro das substâncias entorpecentes e das munições deu-se de forma casual e legítima, dentro de um contexto de atuação amparada pela legalidade e pela urgência inerente à natureza da denúncia recebida. Por conseguinte, considerando que a abordagem teve origem lícita e resultou em flagrante contemporâneo e inequívoco de delitos autônomos, não há que se falar em nulidade das provas produzidas, tampouco em ilicitude da prisão efetuada. A tese defensiva, portanto, deve ser rejeitada. A defesa sustenta, ainda, a nulidade da busca pessoal e domiciliar realizada pelos policiais militares, alegando a inexistência de fundada suspeita ou justa causa, conforme exigido pelos arts. 240, § 2º, e 244 do Código de Processo Penal. Segundo os autos, a abordagem policial teria se iniciado com base em denúncia anônima relacionada a um suposto assalto ocorrido na noite anterior, do qual sequer se identificaram vítima, bens subtraídos ou o horário exato do fato. Os policiais alegaram que o acusado teria sido apontado informalmente como suspeito, além de relatar que este correu para dentro de sua residência ao avistar a guarnição. Para a defesa, tais elementos não constituem suspeita objetiva e concreta, mas meras impressões subjetivas, não autorizando a busca. A argumentação reforça que a versão apresentada pelos policiais durante a instrução apresenta contradições quanto ao local exato da apreensão das drogas e munições, inicialmente atribuídas ao interior da residência do acusado, mas posteriormente deslocadas para uma área externa, nos limites do terreno. Isso, segundo a tese defensiva, indicaria tentativa de legitimar retroativamente uma incursão ilegal no domicílio, sem mandado judicial, sem flagrante e sem consentimento válido e documentado do morador - violando o direito constitucional à inviolabilidade do domicílio, previsto no art. 5º, XI, da Constituição Federal. Além disso, a defesa alega que houve violação ao direito ao silêncio e à não autoincriminação, uma vez que o acusado teria sido informalmente interrogado pela polícia militar, sem ser advertido de seus direitos constitucionais e sem a presença de defensor, em contexto de custódia coercitiva. Tal "confissão informal", colhida sob evidente sujeição, teria sido essencial para atribuir-lhe a posse dos itens apreendidos - pois não houve outros elementos probatórios que estabelecessem um nexo entre o acusado e os objetos ilícitos. A preliminar destaca jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e da Corte Interamericana de Direitos Humanos no sentido de que provas obtidas em contextos de violação de direitos fundamentais - especialmente quando há ausência de justa causa para buscas, ausência de mandado judicial e obtenção informal de declarações sem garantias - devem ser consideradas ilícitas, nos termos do art. 5º, LVI da CF e art. 157 do CPP, bem como suas derivadas. Com base nesses fundamentos, a defesa requer o desentranhamento das provas consideradas ilícitas e de todas as que delas derivam, bem como a absolvição do acusado, nos termos do art. 386, VII do Código de Processo Penal. A preliminar defensiva de nulidade das provas obtidas por meio de busca pessoal e domiciliar não merece prosperar. Inicialmente, cumpre afastar a tese de que a atuação da polícia militar se deu com ausência de fundada suspeita. Conforme consta dos autos, os policiais foram acionados diante de suspeita concreta de envolvimento do acusado em crime ocorrido na noite anterior, possuindo elementos objetivos que motivaram o deslocamento da guarnição ao local. A conduta do investigado ao se evadir para o interior de sua residência, ao avistar os policiais, foi um comportamento típico de fuga, que contribuiu, dentro do juízo de proporcionalidade e razoabilidade, para reforçar a suspeita já existente. A abordagem e posterior revista, portanto, não decorreram de arbitrariedade nem de mera impressão subjetiva, mas sim de elementos objetivos disponíveis à época, conjugando informações pretéritas e a conduta reativa do investigado. Ainda que não se tenha logrado êxito na apreensão de bens relacionados ao assalto, a busca pessoal resultou na apreensão de munições intactas e substância entorpecente, configurando hipótese de encontro fortuito de prova (prova achada legitimamente no curso de uma diligência regular). O artigo 157, §3º, do CPP é claro ao excepcionar do vício as provas fortuitas obtidas em contextos legítimos. Ainda que se alegue ilegalidade da confissão informal, tal argumento também não se sustenta. O conteúdo da confissão não foi o único elemento de prova - tampouco foi formalmente documentado como tal - e, mais importante, a materialidade dos delitos (entorpecente e munições) prescinde de confissão para subsistir. A apreensão física dos objetos é prova robusta, objetiva e autônoma, afastando qualquer alegação de prejuízo gerado por eventual informalidade nas declarações do abordado. Além disso, não há nos autos comprovação de que a entrada no imóvel tenha se dado contra a vontade do morador ou por meio de coação. Na ausência de registro audiovisual, não se pode presumir automaticamente a ilegalidade do ingresso, sobretudo quando não houve resistência à entrada, e a situação fática indicava urgência e fundado receio de destruição de prova. Ressalta-se, ainda, que a busca e apreensão se deram em local aberto e de fácil acesso, fora da parte interna do domicílio, circunstância que, conforme precedentes do STJ, não exige mandado judicial, desde que amparada por suspeita legítima. Portanto, a narrativa da defesa quanto à ocorrência de violação ao domicílio carece de lastro probatório concreto. Diante de todo o exposto, resta evidente que não houve qualquer ilegalidade na atuação dos agentes públicos, tampouco vício na obtenção da prova. A busca foi motivada por fundada suspeita, dentro de padrões de razoabilidade aceitos pelos tribunais superiores. A prova resultante foi lícita, pois encontrada de forma fortuita e legítima, o que afasta a pretensão de reconhecimento de nulidade ou absolvição com base no art. 386, VII do CPP. Assim, a preliminar de nulidade deve ser rejeitada, prosseguindo-se com a análise do mérito da imputação com base em provas válidas. A última preliminar levantada pela defesa - quebra da cadeia de custódia da prova - também não merece acolhimento. De fato, a Lei nº 13.964/2019 introduziu no Código de Processo Penal (CPP) uma série de dispositivos sobre a cadeia de custódia da prova (arts. 158-A a 158-F), estabelecendo parâmetros rigorosos para garantir a autenticidade, integridade e rastreabilidade de vestígios materiais apreendidos em procedimentos criminais. Todavia, a inobservância formal de uma das etapas não conduz automaticamente à nulidade da prova, conforme reconhece a própria jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (HC 653.515/RJ). APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS . PRELIMINAR. NULIDADE DAS PROVAS. VIOLAÇÃO DA CADEIA DE CUSTÓDIA. REJEIÇÃO . SUBSTÂNCIAS APREENDIDAS ENCAMINHADAS, NO MESMO DIA DA COLETA, PARA REALIZAÇÃO DE EXAME PERICIAL. DOCUMENTAÇÃO HISTÓRICA E CRONOLÓGICA DO EXAME PERICIAL EXISTENTE. ADULTERAÇÃO NÃO EVIDENCIADA. PROVA DA MATERIALIDADE ADMITIDA . MÉRITO. ABSOLVIÇÃO. ACOLHIMENTO PARCIAL QUANTO A LUIS HENRIQUE DA CRUZ SANTOS. PROVA JUDICIALIZADA QUE NÃO DEMONSTRA A PARTICIPAÇÃO NO TRÁFICO DE DROGAS . DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA O ART. 28, DA LEI 11.343/2006. INVIABILIDADE QUANTO AO CORRÉU VITOR OLIVEIRA DIAS . PROVA TESTEMUNHAL QUE CORROBORA A VERSÃO ACUSATÓRIA. CREDIBILIDADE DA PROVA ORAL. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11 .343/2006. VERIFICAÇÃO. RÉU PRIMÁRIO, SEM ANTECEDENTES E QUE NÃO RESPONDE A OUTRAS AÇÕES PENAIS. AUSÊNCIA DE REGISTROS CRIMINAIS PRETÉRITOS . PENA REDIMENSIONADA. FIXADO O REGIME INICIAL ABERTO. SANÇÃO CORPORAL SUBSTITUÍDA POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO . 1. Os réus VÍTOR OLIVEIRA DIAS e LUÍS HENRIQUE DA CRUZ SANTOS insurgem-se contra o édito condenatório contra eles firmados. Arguem, preliminarmente, a nulidade das provas que serviram de lastro para a caracterização do crime de tráfico de drogas por força da aventada violação da cadeia de custódia da prova, segundo a disciplina dos arts. 158-A e 158-B, do CPP . 2. A respeito da matéria, cabe destacar que o conceito legal do que seja cadeia de custódia da prova é dado pelo art. 158-A, do CPP, introduzido pelo Lei 13.964/2019 . O detalhamento das etapas e procedimentos que integram a cadeia de custódia é indicado nos artigos subsequentes - 158-B a 158-F, do CPP - com vistas à preservação das fontes de prova (controle epistêmico da atividade probatória), no intuito de garantir, repita-se, a autenticidade e credibilidade das provas apresentadas no processo para a formação do convencimento judicial. 3. No que tange ao efeito jurídico da quebra da cadeia de custódia, Gustavo Badaró adverte, com acurácia, que o legislador não estabeleceu quais seriam as consequências processuais do desrespeito à documentação da cadeia de custódia, seja no que concerne à admissibilidade da prova, seja no que concerne à valoração do meio de prova dela correspondente. De fato, a partir da leitura dos dispositivos em vigor, não se extrai normativa concreta acerca da admissibilidade e valoração da prova cuja cadeia de custódia tenha sido violada . 4. Em que pese seja a matéria objeto de controvérsia e debate, prevalece na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a compreensão de que a constatação de vícios na cadeia de custódia da prova não conduz, necessariamente, à imprestabilidade e ilicitude da prova no processo, ou seja, não conduz à sua cogente inadmissibilidade. 5. Destaque-se, também por oportuno, o recente julgamento, em 23/11/2021, pela Sexta Turma do STJ, por maioria de votos, do HC 653515-RJ, cujo Acórdão foi publicado no Dje de 01/02/2021, no qual firmou-se a postura no sentido de que a violação da cadeia de custódia - disciplinada pelos artigos 158-A a 158-F do Código de Processo Penal ( CPP)- não implica, de maneira obrigatória, a inadmissibilidade ou a nulidade da prova colhida . "Mostra-se mais adequada a posição que sustenta que as irregularidades constantes da cadeia de custódia devem ser sopesadas pelo magistrado com todos os elementos produzidos na instrução, a fim de aferir se a prova é confiável". Só após essa confrontação é que o magistrado, caso não encontre sustentação na prova cuja cadeia de custódia foi violada, pode retirá-la dos autos ou declará-la nula. (HC 653.515/RJ, Rel . Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/11/2021, DJe 01/02/2022 - https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/09122021-Quebra-da-cadeia-de-custodia-nao-gera-nulidade-obrigatoria-da-prova--define-Sexta-Turma .aspx). 6. Fixado o critério jurídico de valoração da matéria suscitada, passa-se ao exame do caso concreto, com incursão na diligência policial empreendida. Extrai-se dos autos digitais da Ação Penal 0701167-61 .2021.8.05.0001, por meio de consulta ao Sistema PJE/PG, que Luís Henrique e Vitor foram presos em flagrante, no dia 31/01/2021, acusados da prática do crime de tráfico de drogas . 7. A materialidade foi descrita, na fase investigativa, com lastro no auto de exibição e apreensão, tendo sido realizado laudo preliminar de constatação (ID 167611342 - PJE/PG), os quais revelam ter sido encontrado - Na posse do acusado Vitor Oliveira Dias: a quantia de R$ 58,20 (cinquenta e oito reais, e vinte centavos); 47 (quarenta e sete) porções de crack, com massa bruta de 36,04g (trinta e seis gramas, e quatro centigramas); 01 (uma) porção de cocaína, embalada em plástico incolor, com a massa bruta total de 2,18g (dois gramas e dezoito centigramas); 02 (duas) tesouras pequenas; 01 (um) relógio de pulso rosa; 01 (um) recipiente transparente com pinos vazios; 01 (uma) bolsa preta - Na posse do acusado Luís Henrique da Cruz Santos: 01 saco plástico, na cor preta, contendo 07 (sete) porções de maconha com massa bruta de 9,40g (nove gramas e quarenta centigramas); 02 (dois) aparelhos celulares, sendo um deles da marca Samsung, com a capa cor de rosa, e outro de marca Motorola, com a capa na cor preta; 01 (uma) corrente na cor amarela; 01 (um) anel na cor branca; 01 (um) chaveiro e 01 (um) cartão conta-salário do Banco Itaú. 8. Destaque-se que foi expedida a correspondente guia para realização de exame pericial, no mesmo dia da prisão, em 31/01/2021, tendo sido indicado no laudo preliminar, emitido naquela mesma data, o resultado positivo para maconha e cocaína nos materiais analisados (fl . 41, do ID 167611342). A natureza e toxicidade das substâncias apreendidas foi comprovada por meio do laudo pericial definitivo de ID 167611526 (PJE/PG), o qual evidenciou a detecção de Δ-9-tetrahidrocanabinol (THC) e benzoilmetilecgonina nos respectivos materiais analisados, as quais encontram-se relacionados na Portaria 344/1998 da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. 9. Ambos os réus foram encaminhados, no mesmo dia da prisão, para realização de exame de lesões corporais, cujo perito signatário afirmou não haver vestígios recentes de lesão consoante laudos de fls . 36/39, do ID 167611342. Iniciada a instrução criminal, colheu-se o depoimento das testemunhas de acusação e o interrogatório dos réus. 10. A cuidadosa imersão nos elementos de convicção amealhados evidencia que no momento da lavratura do auto de prisão em flagrante foi especificado, de modo individualizado, no auto de exibição e apreensão constante no ID 167611342 (PJE/PG) o que foi encontrado na posse de cada um dos acusados . 11. A documentação constante do Auto de Prisão em Flagrante também revela a documentação histórica e cronológica do exame pericial. Com efeito, as substâncias foram encaminhadas, no mesmo dia da coleta, para realização de exame pericial, sendo retidas amostras para o exame pericial definitivo, que, ao final, comprovou a natureza e toxicidade daquelas, comprovando tratar-se, efetivamente, de maconha, crack e cocaína. 12 . A divergência apontada pela defesa entre os depoimentos prestados pelas testemunhas de acusação, sobre a forma de acondicionamento das substâncias apreendidas, para apresentação na Delegacia, não evidencia a existência de adulteração, em si, do material analisado, uma vez que todas as substâncias coletadas foram guardadas e examinadas. 13. No aludido contexto é de rigor afirmar, com fulcro no critério valorativo adotado, que não há mácula capaz de afetar a admissibilidade, em si, da prova, para efeito de constatação da materialidade, a qual restou cabalmente demonstrada. Note-se, tal como analisado supra, que a descrição sucinta de aspectos que permeiam a coleta, acondicionamento, transporte, recebimento ou processamento das substâncias apreendidas, para realização de exame pericial, não implica em irremediável mácula da prova produzida, o que somente ocorrerá se caracterizada a adulteração do vestígio . Nesse sentido o entendimento da jurisprudência. 14. Por esta senda, em que pese o valioso esforço defensivo, rejeita-se a preliminar suscitada. 15 . Admitida e validada a aptidão da prova da materialidade, cabe discutir, no mérito, se o depoimento prestado pelas testemunhas de acusação, em juízo, é dotado, ou não, de credibilidade para efeito de demonstração da autoria. A esse respeito, pugna a defesa pela absolvição, ao argumento de que a prova oral colhida é frágil e contraditória, não se mostrando apta a demonstrar a autoria, nem que as drogas apreendidas estivessem destinadas à comercialização ilícita. 16. A imersão nos depoimentos das testemunhas de acusação, sob o crivo do contraditório, evidencia que os policiais descreveram que estavam em ronda de rotina quando foram surpreendidos, por disparos de arma de fogo, em local conhecido pela prática do tráfico de drogas, no bairro de Amaralina, em que estavam reunidas cerca de oito pessoas, entre elas os réus, os quais fugiram e foram alcançados na posse de drogas . 17. Não foi referenciada a prática de atos ostensivos de mercancia ilícita no momento da diligência, cingindo-se, portanto, a atuação policial à persecução dos acusados, com eles encontrando as substâncias listadas no auto de exibição e apreensão. 18. No cenário delineado, é de rigor reconhecer que não há como demonstrar se o acusado Luíz Henrique, detido na posse de pequena quantidade de maconha -segundo os termos da acusação, concretamente 07 (sete) porções, pesando 9,40g (nove gramas e quarenta centigramas)-, atuou apenas como usuário ou se participou, de alguma forma, na venda de drogas . 19. Destaque-se, por oportuno, que nas alegações finais de ID 167611635 (PJE/PG) o Parquet aduziu que as provas colhidas não esclareceram se "a pequena quantidade de droga apreendida sob a posse de Luís Henrique seria destinada à comercialização", motivo pelo qual pugnou pela desclassificação da conduta a ele imputada para o delito previsto no art. 28, da Lei 11.343/2006 . De igual forma, em sede de contrarrazões, o Parquet se posicionou pelo conhecimento e provimento parcial do recurso, para que se promova a desclassificação em face e Luís Henrique. 20. Nesses termos, verificada a efetiva dúvida acerca da destinação das porções de maconha encontradas na posse de Luís Henrique da Cruz Santos, cuja quantidade, por si só, não é suficiente para esclarecer se estava sendo perpetrado o crime de tráfico de drogas, é de rigor desclassificar a conduta criminosa a ele atribuída, para o delito tipificado no art. 28, da Lei 11 .343/2006, com a conseguinte remessa dos autos ao Juizado Especial Criminal. 21. Diferentemente, o acervo probatório mostra-se suficiente para demonstrar a prática do delito tipificado no art. 33, da Lei 11 .343/2006, pelo corréu Vítor Oliveira Dias, na medida em que ele foi encontrado na posse de significativa quantidade de crack, já fracionado, concretamente, 47 (quarenta e sete) porções de crack, com massa bruta de 36,04g (trinta e seis gramas, e quatro centigramas); além de 01 (uma) porção de cocaína, embalada em plástico incolor, com a massa bruta total de 2,18g (dois gramas e dezoito centigramas); a quantia de R$ 58,20 (cinquenta e oito reais, e vinte centavos); 02 (duas) tesouras pequenas; 01 (um) relógio de pulso rosa; 01 (um) recipiente transparente com pinos vazios; e 01 (uma) bolsa preta. 22. Os Policiais Militares ouvidos em juízo corroboraram os elementos colhidos na etapa investigativa, indicando a apreensão de drogas na posse de Vítor, notadamente, as porções de craque, de modo a outorgar verossimilhança à versão acusatória, em conjunto com a prova pericial. Embora não tenha sido detalhado, de forma minudente, os aspectos que permearam a coleta, acondicionamento e transporte das substâncias apreendidas, o relato das testemunhas, notadamente, do Policial Militar Ivanildo Ferreira Santos, deixa claro que Vítor foi preso em flagrante quando trazia consigo uma sacola contendo drogas, tendo sido expressamente atribuído a ele a posse de craque e cocaína . 23. Por esta senda, nega-se provimento ao pleito absolutório formulado por Vítor Oliveira Dias, não havendo de se cogitar de ofensa aos dispositivos normativos pré-questionados. 24. No que tange ao pedido subsidiário, requer a defesa a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art . 33, § 4º, da Lei 11.343/2006. A partir da leitura do ato decisório, observa-se que não foi apresentado fundamento idôneo para o afastamento da minorante questionada. Com efeito, a imersão nos fólios revela que se trata de réu primário e portador de bons antecedentes . Ademais não há indicativos tangíveis de seu envolvimento em organização criminosa, nem de sua dedicação a prática de delitos. 25. Destaque-se, por oportuno, em consulta aos autos da Ação Penal nº 0302241-83.2018 .8.05.0079, por meio do sistema SAJ/PG, que este registro diz respeito a persecução penal para apuração de suposta prática do crime de ameaça (art. 147, do CP), no contexto de violência doméstica contra a mulher . No entanto, a punibilidade de Vitor Oliveira Dias foi extinta pelo advento da prescrição da pretensão punitiva, conforme deliberado pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Eunápolis, em 06/09/2021. 26. Assim, em que pese o aludido processo tenha sido referido pelo Parquet, nas alegações finais, e pelo Magistrado, na Sentença, ele não atende aos requisitos legais para afastar a caracterização do tráfico privilegiado, seja pela natureza da infração, seja porque não houve, ao final, condenação, encontrando-se a punibilidade irremediavelmente extinta . Destarte, não há lastro empírico para a afirmação de que o réu se dedique a atividades criminosas. 27. Por esta senda, é de rigor reconhecer que o Apelante Vitor faz jus à aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11 .343/2006, na terceira fase do procedimento dosimétrico. Corrigida a valoração acerca da vida pregressa do réu e sopesadas de modo favorável, na Sentença, todas as demais circunstâncias judiciais, inclusive a quantidade e natureza das drogas apreendidas, consoante acima transcrito, impõe-se a aplicação da minorante na fração máxima de 2/3 (dois terços). Destarte, torna-se definitiva a reprimenda de Vítor Oliveira Dias em 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão, no regime inicial aberto, além do pagamento de 167 (cento e sessenta e sete dias-multa) no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente ao tempo do fato. 28 . Reformulada a sanção corporal e não havendo prova da prática de violência nem grave ameaça à pessoa, deve ser aquela substituída por duas penas restritivas de direito, nos termos do art. 44, do CP, a serem estipuladas pelo Juízo da Execução Penal. 29. Parecer Ministerial pelo conhecimento e não provimento do recurso . 30. RECURSO CONHECIDO, PRELIMINAR REJEITADA E, NO MÉRITO, PROVIDO EM PARTE. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos esses autos de Apelação Criminal de n. 0701167-61 .2021.8.05.0001, da 1ª Vara de Tóxicos da Comarca de Salvador, em que figuram como Apelantes Luiz Henrique da Cruz Santos e Vitor Oliveira Dias e como Apelado o Ministério Público do Estado da Bahia . ACORDAM os Desembargadores integrantes da 2ª Turma da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, à unanimidade, em conhecer do recurso, rejeitar a preliminar suscitada e, no mérito, dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto. (TJ-BA - Apelação: 07011676120218050001, Relator.: NILSON SOARES CASTELO BRANCO, Data de Julgamento: 08/02/2022, PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: 09/03/2022) Na hipótese dos autos, não se verifica vício substancial apto a comprometer a confiabilidade da prova. A droga foi apreendida em situação de flagrante, devidamente registrada no auto de apreensão e acompanhada de laudo de constatação preliminar e posterior laudo toxicológico complementar definitivo, que atestaram a natureza ilícita das substâncias. Os documentos trazidos ao processo estão devidamente assinados, com informações suficientes para identificar o material examinado e sua origem, havendo congruência entre os itens descritos na apreensão e os analisados pela perícia. Ainda que a defesa alegue ausência de lacre ou preenchimento incompleto da Ficha de Acompanhamento de Vestígio (FAV), o fato é que tais eventuais falhas não demonstram quebra material da cadeia de custódia, mas sim possíveis falhas formais, que, por si só, não tornam a prova ilícita ou imprestável, conforme entendimento já consolidado. Portanto, a ausência de menção expressa ao número de lacre ou o não preenchimento de um campo da FAV não compromete, por si, a mesmidade entre o material apreendido e aquele periciado, especialmente quando não há qualquer indício concreto de adulteração, substituição ou violação da substância. Ademais, a própria defesa não apontou divergência material entre o conteúdo dos autos de apreensão e os laudos periciais, tampouco demonstrou qualquer alteração do conteúdo das embalagens, limitando-se a invocar, em tese, a existência de vício formal. Não sendo apontada qualquer descontinuidade real no itinerário da prova, e havendo coerência entre os elementos colhidos e os autos, a alegação de quebra da cadeia de custódia não pode ser acolhida como causa de nulidade, sobretudo por ausência de demonstração de prejuízo concreto, conforme impõe o art. 563 do CPP (princípio do pas de nullité sans grief). Por fim, relembre-se que o conjunto probatório não se limita ao exame da substância entorpecente, mas é composto também pela circunstância da apreensão, pelos depoimentos prestados e pelos demais elementos colhidos nos autos, o que reforça a idoneidade e confiabilidade do material probatório. Dessa forma, a alegada quebra da cadeia de custódia não compromete a validade da prova pericial, razão pela qual a preliminar defensiva deve ser rejeitada, mantendo-se hígidos os elementos constantes nos autos. Passamos à análise do mérito Quanto ao crime previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/0, consta dos inclusos autos de inquérito policial que no dia 30 de outubro de 2024, por volta das 13:00 horas, no Povoado de Tuiutiba, Zona Rural, Campo Formoso/BA, o ora denunciado, de forma livre e consciente, trazia consigo e mantinha em depósito, para fins de tráfico, drogas, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar. Acrescenta-se que durante patrulhamento de rotina, a Polícia Militar foi informada por populares sobre um assalto ocorrido na noite anterior no povoado de Puxadeira. Em diligência para averiguar os relatos, os policiais se dirigiram à residência do denunciado. Ao avistar a aproximação da viatura, o denunciado tentou fugir, adentrando sua casa, mas foi abordado pelos agentes. Na busca pessoal, foi encontrada com o denunciado uma pequena quantidade de cocaína, motivo pelo qual recebeu voz de prisão em flagrante. No momento da prisão, ele reagiu, desferindo um chute na mão de um dos policiais, o cabo Jailton da Silva Souza. Após contida a resistência, o denunciado foi algemado e questionado sobre a existência de mais entorpecentes. Ele indicou um local nos fundos de sua residência, próximo a uma cerca, onde os policiais localizaram diversos itens ilícitos: um tablete de substância aparentando ser maconha, uma embalagem com possível haxixe, uma sacola com erva seca semelhante à maconha, sete petecas coloridas com substância branca aparentando ser cocaína, uma balança de precisão e uma munição calibre .38 intacta. A pena prevista para o crime em questão é de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos de reclusão e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (um mil e quinhentos) dias-multa. Por ser o crime classificado doutrinariamente como sendo de ação múltipla ou de conteúdo variado, este possui vários núcleos do tipo, sendo que o agente nele se enquadra no momento em que sua conduta se amolda a qualquer dos tipos estabelecidos. Em qualquer das modalidades típicas apresentadas é necessário observar o elemento normativo do tipo, pois a configuração do ilícito exige que o agente esteja agindo sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Assim, havendo autorização, ou estando a conduta em conformidade com determinação legal ou regulamentar, ainda que praticado um dos verbos do tipo, é forçoso reconhecer-se a atipicidade da conduta. Configurando crime de perigo abstrato, o tráfico não exige efetiva oferta da droga a terceiro, pois o bem jurídico protegido é a saúde pública. É condenável a simples possibilidade de distribuição (gratuita ou onerosa) do entorpecente. Após os breves comentários sobre o crime imputado ao acusado na peça inaugural, passo, agora, à análise das provas produzidas nos autos a corroborar a autoria delitiva e a materialidade do crime. No caso em análise, a materialidade delitiva está configurada. É o que se extrai do auto de prisão em flagrante delito Pje nº 8002763-54.2024.8.05.0041; auto de exibição e apreensão (ID 474427839, pág. 13); laudos de constatação de drogas (ID 474427841, pág. 12 e 13); laudo de Exame Definitivo Complementar ao Laudo de Constatação (ID 491294894), bem como pelos depoimentos extrajudiciais e judiciais colacionados aos autos. Por sua vez, a autoria do crime sob análise restou indubitavelmente comprovada, sobretudo em razão dos depoimentos dos policiais militares CB/PM Jailton da Silva Souza, CAP/PM Fabio Henrique dos Santos Pereira e SD/PM Tulio Matheus Ribeiro da Silva, que serão expostos a seguir, os quais judicializaram o substrato probatório extrajudicial, realçando a autoria delitiva do acusado. Vejamos: CB/PM Jailton da Silva Souza: DISSE QUE estava com CP Fabio e SD Tulio em razão de ter havido uma tentava de roubo na noite anterior; que resolveram fazer ronda e conversar com cidadãos em busca de informações até chegar em Tuitiba colheram informações; que uma pessoa relatou que a pessoa Sinhá estava envolvido nessa tentativa de roubo; que foram no endereço e ao chegar na rua de forma rápida, ele viu a viatura e tentou fugir; que conseguiram pegar e fizeram abordagem; que CP encontrou uma peteca, até que mandaram "algema Jair"; que tentaram mas ele resistiu e tentou uma fuga; que com muito sacrifício conseguiram algemá-lo; que depois falou que tinha droga no quintal da casa dele; que tinha uma porção grande de maconha, 6 petecas com pó branco e uma porção dentro de uma sacola que era erva; que tinha um cartucho apenas e uma balança de precisão; que a mão do CB Jailton estava doendo; que fizeram um escândalo, ele e sua esposa gritando na rua; que quando chegaram na rua fizeram raio x e que o CB Jailton fraturou a mão, tomou remédios e fez os procedimentos e depois apresentaram ele na delegacia; que Jailton falou onde estava a droga e o colega achou; que o acusado é muito conhecido; que já foi preso, que rouba; que é violento e ameaça as pessoas; que a droga era um pó e uma maconha avulsa dentro da sacola; que havia uma balança e um cartucho; que foi uma tentativa de roubo mas não se consumou; que foi na noite anterior e que não sabe dizer o horário especifico; que a busca pessoal foi baseada no fato que ele estava envolvido na tentativa e que eles sabem que o acusado é traficante; que não entraram na residência; que abordagem foi feita na rua; que o acesso é na lateral da casa que é aberto, é livre; que encontraram um cartucho e uma calibre 38 intacto dentro de uma sacola. CAP/PM Fabio Henrique dos Santos Pereira: DISSE QUE estava na região próxima a Tuiutiba; que quando foi pela manhã foram averiguar; que surgiu informação que era Sinhá; que Sinhá já era conhecido e tinha condenação de assalto; que acompanhou e abordou; que na abordagem encontraram uma peteca aparentemente cocaína; que ofereceu força e que conseguiram algemar; que nessa confusão toda deu vários chutes e atingiu a mão do policial; que depois de algemado ele disse que na residência dele tinha mais quantidade e uma balança, algo desse tipo; que pegaram o material e levaram para delegacia; que havia uma sacola lá atrás mas não lembra especificamente; que tinha maconha mas não lembra exatamente; que havia uma munição que acha que tinha pinos de cocaína e uma balança; que Sinhá que disse onde havia essas drogas; que não era no terreno da casa dele; que não sabe dizer se o terreno era dele; que era em um terreno atrás da casa dele, atrás do quintal; que não encontraram a vítima; que no whats app da companhia tem a denúncia chegando; que não houve investigação; que houve abordagem; que se basearam na tentativa de fuga; que como o acusado tentou evadir; que o acusado não foi obrigado a entrar na casa; que como ele resistiu muito, teve uma luta corporal entraram; que na casa dele, de um lado é solto e tem acesso a um terreno; que no fundo da casa dele tem um portão que dá acesso ao terreno; que não sabe se o terreno dele mas lá foi encontrado a droga; que tem como ir ao terreno sem passar pela casa dele; que não tem certeza mas a balança foi encontrada junto com material; que no momento da abordagem tinha uma peteca; que as outras drogas foram encontradas atrás da casa. SD/PM Túlio Matheus Ribeiro da Silva: DISSE QUE receberam uma informação que na data anterior estava acontecendo roubo na região de Tuiutiba; que algumas pessoas informaram que tinha sido Sinhá e uns colegas dele; que ao fazer a ronda avistaram Sinhá na rua dele e se aproximaram perto da casa dele; que Sinhá confirmou que a droga era dele e que tinha mais no fundo do quintal dele; que acha que era cocaína, maconha e uma 38; que parece que a cocaína estava com ele e que o restante da droga estava no quintal da casa dele; que tinha uma sacola preta lá; que abordagem foi feito perto da casa dele, em frente; que Sinhá na hora de deixar no presidio agrediu eles, dando chutes; que na hora da abordagem, de ser algemado começou agredir todo mundo; que a informação que deram falaram que tinha sido a noite; que ao tentar a fuga foram abordar ele; que já sabia que ele traficava e roubava; que muitos já sabiam; que já sabiam onde era a rua da casa dele; que a droga foi encontrada no fundio da casa dele; que é um terreno baldio; que tem o quintal dele e o fundo do quintal dele tem tipo um terreno aberto; que dentro do quintal tem uma cerca e muro atras; que não se recorda direito; que Tulio era o motorista fazendo a segurança externa; que estava tudo dentro da sacola. Há de se salientar que o autuado fora preso em flagrante e que na ocasião foram encontradas algumas porções de maconha com peso total de (82,41g + 12,18g + 150,99g = 245,58g (duzentos e quarenta e cinco gramas e cinquenta e oito centigramas), sete embalagens plásticas contendo um total de 51,07g de cocaína, bem como 01 (uma) balança digital e 01 (uma) munição de arma de fogo, de calibre nominal .38 SPL. Com efeito, o perito responsável pela elaboração do referido laudo concluiu que no material encaminhado proveniente de amostragem do material descrito no Laudo de Constatação, referente aos entorpecentes apreendidos na posse do acusado, foram detectados a presença de tetrahidrocanabinol, substância perturbadora do sistema nervoso central, princípios ativos da Cannabis sativa L. Relatando que tanto a Cannabis sativa L. quanto a tetrahidrocanabinol são proscritas no país pela Portaria nº 344/1998, e atualizada por meio da RDC nº 473/2021, da ANVISA (evento 95). Além desses elementos, tem-se os depoimentos prestados pelos policiais militares submetidos ao contraditório e ampla defesa. Durante a fase investigativa os policiais militares relataram o ocorrido no mesmo sentido, conforme já demonstrado no tópico acima. No interrogatório prestado na fase do inquérito policial, o réu negou todas as acusações que lhe foram imputadas. Alegou que, na tarde dos fatos, estava trabalhando em sua residência, mais precisamente subindo uma parede, quando a sua esposa chegou em casa, coincidindo com a chegada da guarnição da Polícia Militar. Diante da movimentação, ele afirmou ter fechado o portão de sua casa, momento em que um dos policiais teria contornado o imóvel, arrombando o portão e a porta dos fundos. O interrogando negou que as drogas e a balança apreendidas lhe pertencessem, assim como negou qualquer envolvimento no assalto ocorrido na noite anterior, do qual teve conhecimento apenas pelas redes sociais. Sobre o ferimento na mão do policial, explicou que pode ter ocorrido enquanto ele resistia à tentativa de ser algemado e novamente ao ser colocado na parte traseira da viatura, reiterando que houve resistência física de sua parte, mas sem intenção de agredir. No interrogatório judicial, o acusado Elenilton Manoel Gonçalves da Silva afirmou residir no povoado de Tuiutiba, na rua conhecida como Rua do Colégio ou Rua da Torre, embora não recordasse o número da residência. Declarou possuir escolaridade até a 8ª série e relatou ter dificuldades de leitura, embora consiga compreender o básico. Disse viver com sua companheira e ser pai de três filhos, sustentando a família com trabalhos diversos, atuando com o irmão em serviços de pintura e também na roça, como capinador, já que sua condição familiar não lhe permite manter-se em trabalhos fixos ou diários. Elenilton admitiu já ter sido preso anteriormente pela prática de assalto, mas negou ser proprietário da droga apreendida e afirmou desconhecer a existência da munição encontrada. Confessou ser usuário de maconha e declarou que trabalha para manter o vício e sustentar a família. Contou que, no dia dos fatos, estava dentro de sua casa, sem camisa e de bermuda, quando a polícia chegou e arrombou o portão dos fundos. Disse que, por medo, trancou-se dentro de casa e não saiu para a rua. Alegou ainda que os policiais o revistaram de maneira constrangedora em via pública, inclusive retirando sua bermuda diante de crianças. O acusado sustentou que está sendo usado como bode expiatório pela polícia para dar uma resposta à sociedade, por já ter antecedentes. Disse que a comunidade presenciou a ação dos policiais, que aconteceu por volta das 11 horas da manhã, e questionou o motivo de a suposta vítima do assalto não ter comparecido à delegacia. Segundo ele, os policiais invadiram sua residência sem mandado, quebraram o telefone de sua esposa, que tentava contatar familiares, e teriam o ameaçado dentro da casa de uma vizinha, onde ele se abrigou. Sobre o local onde a droga foi encontrada, o réu afirmou que a área nos fundos de sua casa não lhe pertence, sendo um terreno de roça cercado, com muro e cerca pertencentes ao vizinho. Acrescentou que o local é utilizado como passagem por crianças e idosos da comunidade e reiterou que não se trata de sua propriedade. Finalizou o interrogatório reconhecendo que já teve envolvimento com o crime, mas afirmou estar tentando mudar de vida, desejando acompanhar o crescimento das filhas e abandonar os erros do passado. Pois bem. Tem-se que os depoimentos dos policiais militares ouvidos em Juízo são bastante coerentes com o contexto probatório existente no encarte processual, ao contrário das declarações prestadas pelo acusado. Oportuno destacar que, de acordo com precedentes de nossos Tribunais, o depoimento de policiais que atuaram no flagrante, efetuando a prisão dos acusados e apreendendo a droga, têm valor probante e são provas idôneas para o substrato condenatório, devendo os depoimentos serem valorados com as demais provas. EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 33, CAPUT DA LEI 11.343/2006 E ARTIGO 16, § 1º, INCISO IV, DA LEI 10.826/03. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CREDIBILIDADE DOS POLICIAIS. REGULARIDADE DO INGRESSO NO DOMICÍLIO PARA APREENSÃO DE DROGAS E ARMA. CONDIÇÃO DE USUÁRIO, POR SI SÓ NÃO AFASTA O TRÁFICO. POSSE DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA. (…) 2 - Os depoimentos seguros e harmônicos dos policiais, que atuavam em pleno exercício de suas funções, se revestem de valor probante, não havendo razão para descredibilizar seus relatos, mormente quando corroborados pelos demais elementos de prova. (…) APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJGO, PROCESSO CRIMINAL -> Recursos -> Apelação Criminal 5113576-50.2021.8.09.0024, Rel. Des (a). DESEMBARGADOR JOÃO WALDECK FELIX DE SOUSA, 2ª Câmara Criminal, julgado em 09/08/2023, DJe de 09/08/2023). Grifo nosso. Não difere o entendimento emanado pelo STJ, vejamos: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. REEXAME FÁTICO- PROBATÓRIO INVIÁVEL. REDUTOR DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. INAPLICABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Inicialmente, relembro que o habeas corpus não é a via adequada para apreciar pedido de absolvição, tendo em vista que, para se desconstituir o decidido pelas instâncias de origem, mostra-se necessário o reexame aprofundado dos fatos e das provas constantes dos autos, procedimento vedado pelos estreitos limites do remédio constitucional, caracterizado pelo rito célere e por não admitir dilação probatória. 2. As instâncias ordinárias embasaram a condenação do paciente em elementos fáticos e probatórios concretos, os quais, detidamente examinados em primeiro e segundo graus de jurisdição, conduziram à conclusão de que o réu praticou o crime de associação para o tráfico, de maneira estável e duradoura, com os demais denunciados. Assim, desconstituir tal entendimento, para absolver o paciente, implicaria aprofundado reexame dos fatos e provas carreados aos autos procedimento que é incompatível com a via estreita do habeas corpus. 3. Os depoimentos dos policiais têm valor probante, já que seus atos são revestidos de fé pública, sobretudo quando se mostram coerentes e compatíveis com as demais provas dos autos (AgRg no HC n. 615.554/RJ, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 2/2/2021, DJe de 8/2/2021.) 4. Mantida a condenação pela prática do crime de associação para o tráfico, descabida a aplicação do redutor do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. 5 . Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no HC 816590 / RJ AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS 2023/0126463-4 , Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 15/08/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/08/2023) Grifo nosso. Ressalto que o depoimento dos agentes diligentes da ocorrência encontram ressonância profícua com as demais provas coligidas, nada havendo nos autos que permita presumir pela parcialidade ou má-fé de seus testemunhos, sendo impossível afirmar que os agentes agiram ilegalmente apenas para prejudicar o acusado. Assim, ante todo o exposto, é possível concluir ainda que as alegações do acusado, de que as drogas não lhe pertenciam, não passa de uma tentativa de se desvencilhar das consequências dos seus atos delituosos. Isto posto, tenho que as provas colhidas nos autos estão a indicar, de maneira inequívoca, que o acusado praticou o crime de tráfico de drogas em apuração, mormente em razão do núcleo do tipo ser amplo. Em continuidade, outro aspecto a se consignar, que vem corroborar com a prática criminosa, é a quantidade de droga apreendida, bem como a variedade, quais sejam, maconha e cocaína, sendo este fator considerável à caracterização do delito e o afastamento de que o material encontrado era para uso pessoal. Também foi apreendida uma balança de precisão na residência do acusado, na qual continha resquícios do mesmo entorpecente (cocaína), conforme laudo anexo ao ID 474427841, pág. 11 nos autos do IP nº 8002763-54.2024.8.05.0041. Insta salientar que, para consumação do delito em epígrafe, não é necessário comprovar a mercância das substâncias entorpecentes, o agente não necessariamente deve ser flagrado em efetivo comércio ou auferindo lucro, bastando que se identifique algum dos núcleos elencados no tipo penal e analisada as condições da apreensão. Inobstante, observa-se que o acusado infringiu a norma descrita no art. 33, caput, da Lei de Drogas, por, ao menos, trazer consigo e ter em depósito substância entorpecente. Nesse ponto, é importante destacar que pouco importa se o agente praticou uma ou todas as condutas previstas no tipo penal, de qualquer forma o tráfico restará caracterizado, sendo a jurisprudência mansa e pacífica de que não há necessidade do comércio da droga para a sua configuração, basta a substância entorpecente estar à disposição, para fins de difusão ilícita. Assim, observa-se que os elementos colhidos na fase investigativa encontram-se em sintonia com a prova judicializada, havendo coincidência das versões apresentadas pelos policiais inquiridos em ambas as ocasiões, comprovando o envolvimento do réu com o tráfico de substâncias entorpecentes. Para que se configure o crime de tráfico, basta que a conduta praticada pelo agente se enquadre em algum dos verbos que compõe o núcleo do tipo, quais sejam: Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas. É cediço o entendimento jurisprudencial e doutrinário que a grande quantidade de droga apreendida não é o único fator a orientar a classificação do delito, devendo ser analisada acompanhado dos demais fatores indicados na Lei n. 11.343/06. Nesse sentido, a prova oral colhida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa foi suficiente para deixar evidente que o acusado incorreu no núcleo verbal: "trazer consigo e ter em depósito". Por isso, o acusado encontra-se incurso na conduta tipificada no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, merecendo uma resposta efetiva do Judiciário, pois as provas são robustas no sentido de que estava promovendo o tráfico de entorpecentes no povoado, não havendo, portanto, dúvidas a respeito da autoria. Assim, não merece acolhimento o pleito de absolvição quanto a este delito, tampouco a desclassificação para a conduta descrita no art. 28 da Lei de Drogas, isto porque, conforme asseverado, as provas não são capazes de isentar o acusado da imputação de tráfico de drogas. Além disso, ausente qualquer causa que exclua a ilicitude dos fatos. Quanto à culpabilidade, nota-se que inexistem elementos que venham elidir a imputabilidade e a potencial consciência da ilicitude do agente, sendo-lhe exigido comportamento diverso. Sendo assim, chega-se à conclusão de que o injusto típico é também culpável, merecendo, portanto, a reprovação por meio da imposição da pena cominada na norma penal. Dito isso, torna-se impositiva a condenação do acusado pela prática do crime de tráfico de drogas. Do afastamento da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4o da Lei n. 11.343/06 A diminuição prevista no art. 33, § 4o, da Lei n. 11.343/2006, prevê, in verbis: "Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzida de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa". Sobre a matéria, cumpre destacar que a mencionada causa de diminuição de pena tem como objetivo punir com menor rigor o pequeno traficante, ou seja, aquele indivíduo atuando de forma ocasional, sendo necessário o preenchimento de 04 (quatro) requisitos cumulativos e não alternativos. No caso em apreço, resta inviável a aplicação do tráfico privilegiado ao acusado. A certidão de antecedentes criminais juntada ao ID 503780146, menciona condenação anterior do réu pelos crimes previstos nos art. 157 do CP e 28 da lei 11.343/06, o que o torna reincidente. É certo, então, que o réu não faz jus à minorante da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4o, da Lei Federal n. 11.343/2006, vez que não estão presentes todos os requisitos autorizadores, no caso, não ser primário. Quanto ao crime previsto no art. 12 da lei 10.826/03, a defesa requereu o reconhecimento da atipicidade material da conduta de portar munição desacompanhada de arma e sem a qual não se sabe se existia potencial lesivo em seu uso, pela ausência de laudo de eficiência, porquanto, não representar potencial risco de lesão a bem jurídico. Verifico que o Ministério Público imputa ao acusado a prática do crime do art. 12 da Lei 10.826/03, considerando que a munição encontrava-se nos fundos de sua residência, em desacordo com determinação legal ou regulamentar. "Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa." Grifo nosso. A Lei nº 10.826/03 tutela principalmente a incolumidade pública, ou seja, visa à garantia e à preservação do estado de segurança, integridade corporal, vida, saúde e patrimônio dos cidadãos indefinidamente considerados contra possíveis atos que os exponham a perigo. O crime é de perigo abstrato, dado que a lei não exige para a sua consumação a efetiva exposição de alguém a risco, portanto, é irrelevante a avaliação sobre a ocorrência ou não de risco para a coletividade. O tipo objetivo, aqui nesse caso, possui dois núcleos: possuir e manter sob a sua guarda. Infere-se, pois, que para a configuração do delito em estudo, basta a ocorrência de qualquer uma das condutas nele descritas, por se tratar de infração de perigo abstrato, que não exige resultado naturalístico. Após análise das provas contidas nos autos, verifica-se que a materialidade do crime de posse ilegal de munição de uso permitido é inconteste diante do auto de prisão em flagrante delito nº 8002763-54.2024.8.05.0041; Auto de exibição e apreensão (ID 474427839 - Pág. 13); laudo fisico-descritivo de munição (ID 474427841, pág. 10), bem como pelos depoimentos extrajudiciais e judiciais colacionados aos autos, restando a autoria e materialidade do crime indubitavelmente comprovada. Cumpre salientar que, no caso, não é possível o reconhecimento do Princípio da insignificância em relação ao crime de posse irregular de munição de uso permitido, em razão da pequena quantidade de munições. Embora exista o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que é possível a aplicação do referido princípio em casos que forem apreendidas pequenas quantidades de munições, desacompanhada de arma de fogo para deflagrá-la, o STJ afirma ser inviável o seu reconhecimento quando as munições forem apreendidas no contexto da prática de outro crime, o que ocorreu no presente caso. Vejamos o entendimento jurisprudencial: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. POSSE IRREGULAR DE MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO. ART. 12, CAPUT, DA LEI N. 10.826/2003. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA. REDUZIDA QUANTIDADE DE MUNIÇÕES. DESACOMPANHADAS DE ARMA DE FOGO. APREENSÃO NO CONTEXTO DE OUTRO CRIME. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.1. É firme a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que "o crime de posse ou porte irregular de munição de uso permitido, independentemente da quantidade, e ainda que desacompanhada da respectiva arma de fogo, é delito de perigo abstrato, sendo punido antes mesmo que represente qualquer lesão ou perigo concreto de lesão, não havendo que se falar em atipicidade material da conduta" (AgRg no RHC n. 86.862/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 20/2/2018, DJe 28/2/2018). Por esses motivos, via de regra, inaplicável, o princípio da insignificância aos crimes de posse e de NR.PROCESSO: 5175136-95.2021.8.09.0087 porte de arma de fogo ou munição, sendo irrelevante inquirir a quantidade de munição apreendida. 2. Não obstante, este Superior Tribunal, acompanhando a nova diretriz do Supremo Tribunal Federal, passou a admitir a aplicação do princípio da insignificância na hipótese de apreensão de reduzida quantidade de munição de uso permitido, desacompanhada de arma de fogo apta a deflagrá-la, devendo ser examinadas as peculiaridades do caso concreto para se aferir a patente ausência de lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora, afastado o critério meramente matemático. Precedentes. 3. Nesse diapasão, a orientação jurisprudencial deste Superior Tribunal se consolidou no sentido de não admitir a aplicação do princípio da insignificância quando as munições, apesar de em pequena quantidade, tiverem sido apreendidas em um contexto de outro crime, circunstância que efetivamente demonstra a lesividade da conduta. Precedentes. 4. Na espécie, consta dos autos que foram apreendidas na residência do recorrente 2 munições de uso permitido, uma de calibre .38 e outra de calibre .32, intactas, desacompanhadas de dispositivo que possibilitasse o disparo dos projéteis (e-STJ fls. 265 e 363). Ocorre que, consoante assentado no acórdão recorrido, as munições em questão foram apreendidas no contexto de flagrante e prisão do réu pela prática de outro crime, qual seja, o de tráfico de drogas (e-STJ fl. 372), o que evidencia a ocorrência de ofensa à incolumidade pública e, portanto, inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância para afastar a tipicidade material do fato. 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.460.607/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 20/2/2024, DJe de 26/2/2024) Dessa forma, não há que se falar em aplicação do princípio da insignificância, no presente caso. Desta feita, estando em cristalina adequação o fato praticado pelo réu e a previsão legal da figura típica que lhe foi imputada, impõe-se a condenação pelo delito previsto no art. 12 da Lei n. 10.826/03. Quando ao crime previsto no art. 329 do Código Penal, narra a denúncia que durante a realização da busca pessoal, os policiais encontraram com o denunciado uma trouxinha de substância aparentando ser cocaína. Diante disso, foi dada voz de prisão em flagrante, momento em que o denunciado resistiu à ação policial, desferindo um chute na mão esquerda do cabo da Polícia Militar Jailton da Silva Souza, que integrava a equipe responsável pela diligência. A materialidade e a autoria restaram devidamente comprovadas através de mídia de vídeo anexa aos IDs 474427846 e 474427847, que evidencia a resistência do réu no momento em que foi algemado e está sendo conduzido ao veículo da PM, bem como ele dentro da casa da vizinha, após haver tentado evadir-se do local, o que culminou na sua prisão em flagrante. Em decorrência da agressão sofrida, o referido policial precisou ser encaminhado ao Hospital São Francisco, onde foi constatada a necessidade de intervenção cirúrgica na mão lesionada (vide laudos anexos ao ID 478169067, do retromencionado Inquérito Policial). A materialidade encontra-se demonstrada pelo conjunto robusto de provas testemunhais e documentais, especialmente pelos depoimentos dos policiais militares que participaram da diligência de abordagem do réu. Todos relataram, de forma precisa e harmônica, que o acusado, ao ser cientificado de que seria conduzido à delegacia, resistiu de forma ativa à ordem legal, engajando-se em luta corporal com os agentes de segurança pública. O CB/PM Jailton da Silva Souza, relatou que, ao avistar a viatura, o acusado tentou fugir, sendo alcançado pelos policiais. Durante a abordagem, ao tentarem algemá-lo, o réu resistiu, o que exigiu esforço considerável da equipe para contê-lo. A resistência incluiu agressões físicas, ocasião em que o réu desferiu um golpe que resultou na fratura da mão esquerda do declarante, posteriormente confirmada por exame médico. Afirmou que houve tumulto na rua, com o acusado e sua esposa gritando, e que a força foi necessária para contê-lo e efetivar a prisão. O CAP/PM Fabio Henrique dos Santos Pereira, disse que, ao ser abordado, o acusado resistiu à prisão, desferindo vários chutes durante a confusão, um dos quais atingiu a mão do policial. Informou que, mesmo após ser algemado, o réu permaneceu exaltado, tendo havido luta corporal para conter a resistência. Afirmou ainda que só após a contenção o acusado revelou a existência de mais drogas no terreno nos fundos de sua residência. O SD/PM Túlio Matheus Ribeiro da Silva, relatou que, ao ser abordado, o acusado reagiu agressivamente, desferindo chutes contra os policiais, inclusive no momento em que seria algemado. Afirmou que o réu também apresentou resistência física posteriormente, no momento em que seria conduzido ao presídio. Confirmou que foi necessário uso de força moderada para conter a resistência e efetivar a prisão. A autoria é igualmente certa, recaindo de forma direta sobre o réu, que foi identificado pelos próprios policiais e cuja conduta foi capturada através de mídia de vídeo. O acusado Elenilton Manoel Gonçalves da Silva afirmou que resistiu ao ser algemado por medo, já que acreditava que os policiais poderiam agredi-lo ou até matá-lo, razão pela qual teria se debatido. Negou que tenha agido com intenção de agredir os policiais e afirmou que a resistência decorreu do pânico e da forma truculenta como a abordagem foi conduzida, inclusive com retirada de sua bermuda em via pública, diante de crianças. Declarou ainda que a população presenciou o ocorrido e que sua reação foi motivada pela sensação de injustiça e perseguição, já que possui antecedentes e acredita estar sendo usado como bode expiatório pelas autoridades, o que, diante do restante do acervo probatório, não se sustenta. A tese defensiva de ausência de dolo não merece acolhida. A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça é clara no sentido de que o tipo penal da resistência exige dolo específico de obstar, por meio de violência ou ameaça, a execução de ato legal por funcionário público competente. Tal dolo resta evidente no presente caso, uma vez que o réu agiu com hostilidade, empregou força física para resistir à prisão e causou lesões corporais a um dos agentes, conduta que extrapola a simples desobediência ou tentativa de evadir-se do local, caracterizando efetiva oposição ao cumprimento da lei. Vejamos: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE RESISTÊNCIA E DESACATO. REQUERIMENTO DE ABSOLVIÇÃO POR ATIPICIDADE DA CONDUTA. SUBSIDIARIAMENTE, PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE DESOBEDIÊNCIA E ABSORÇÃO DO DESACATO PELO CRIME DE RESISTÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1 . Apelação criminal defensiva contra sentença condenatória que condenou o réu pelos crimes de resistência (art. 329, caput, do Código Penal) e desacato (art. 331 do Código Penal), aplicando-lhe a pena de 10 meses e 13 dias de detenção em regime inicial semiaberto. O apelante busca a absolvição sob alegação de atipicidade da conduta quanto ao crime de resistência, sustentando a ausência de dolo específico . Alternativamente, pleiteia a desclassificação para o delito de desobediência (art. 330 do CP) e a absorção do crime de desacato pelo de resistência. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2 . Há três questões em discussão: (i) determinar se há atipicidade na conduta do apelante quanto ao crime de resistência, em razão de ausência de dolo específico; (ii) verificar se é cabível a desclassificação do crime de resistência para o delito de desobediência; e (iii) analisar se o crime de desacato deve ser absorvido pelo crime de resistência, em razão da aplicação do princípio da consunção. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A materialidade e autoria dos delitos de resistência e desacato encontram-se devidamente comprovadas por meio dos autos de prisão em flagrante, boletim de ocorrência e depoimentos testemunhais colhidos, os quais confirmam que o apelante resistiu de forma violenta à prisão e proferiu ofensas aos policiais . 4. A tipicidade do crime de resistência subsiste, uma vez que a conduta do apelante, ao opor-se à execução de ato legal mediante violência e ameaça, enquadra-se no tipo penal do art. 329 do CP. O dolo específico de impedir o ato legal se evidencia na conduta de chutar a porta da viatura e tentar tomar a arma de um policial, demonstrando a intenção de obstruir a ação policial. 5. Não se admite a desclassificação para o delito de desobediência (art. 330 do CP), pois a resistência praticada pelo apelante foi ativa, envolvendo violência física, o que caracteriza o tipo penal do art. 329 do CP e não se confunde com a mera desobediência passiva . 6. Não cabe a aplicação do princípio da consunção entre os crimes de resistência e desacato, pois as condutas foram realizadas de forma autônoma e com objetivos distintos. O desacato (art. 331 do CP) teve como finalidade específica ofender e desrespeitar a autoridade dos policiais, enquanto a resistência objetivou impedir a execução do ato legal. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso desprovido. Tese de julgamento: "A oposição a ato legal mediante violência ou ameaça contra funcionário público competente configura o crime de resistência, independentemente da frustração do ato. A desclassificação do crime de resistência para o de desobediência não é cabível quando há emprego de violência física, caracterizando resistência ativa. O crime de desacato não é absorvido pelo crime de resistência quando praticado de forma autônoma e com objetivos diversos, devendo ser punidos ambos os delitos." Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 329, caput; 330; 331 . Jurisprudência relevante citada: TJMS, ACr nº 0026582-92.2021.8.12 .0001, Rel. Des. Luiz Claudio Bonassini da Silva, j. 23 .09.2022; TJMS, Apelação Criminal nº 0004290-12.2014.8 .12.0114, Rel. Des. Jairo Roberto de Quadros, j . 31.05.2019. (TJ-MS - Apelação Criminal: 00003342020208120003 Bela Vista, Relator.: Des . Fernando Paes de Campos, Data de Julgamento: 08/11/2024, 3ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 12/11/2024). Grifo nosso. Ressalte-se que o ato ao qual o réu se opôs era manifestamente legal, pois decorrente da constatação, in loco, de crime em flagrante, devidamente confirmado pelas circunstâncias verificadas pela guarnição. Por fim, o contexto da conduta do acusado, que demonstrava descontrole emocional, agressividade e ausência de respeito à autoridade policial, reforça a presença do elemento subjetivo do tipo penal, afastando a possibilidade de aplicação de excludentes ou de desclassificação da conduta. Diante de todo o exposto, reputo plenamente demonstradas a materialidade e a autoria do crime de resistência, previsto no art. 329 do Código Penal, praticado com violência contra funcionário público no exercício da função legal, devendo o réu responder pelo fato típico, antijurídico e culpável nos termos da legislação penal vigente. Do dispositivo Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE A PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL, para CONDENAR o réu Elenilton Manoel Gonçalves da Silva como incurso nas penas cominadas no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, art. 329, caput, do Código Penal e art. 12 da Lei nº 10.826/2003, na forma do art. 69 do CP. Atento ao disposto no artigo 68 do Código Penal, passo à dosimetria da pena. Do Crime de Tráfico de Drogas (Art. 33, da lei 11.343/06) Comina o preceito secundário do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, para o crime de tráfico de drogas, em sua modalidade fundamental, pena de reclusão, de 05 (cinco) a 15 (quinze) anos, além do pagamento de multa de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. Na primeira fase da dosimetria, consideram-se as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, observando-se ainda o que dispõe o art. 42 da Lei n. 11.343/2006. Atendendo aos ditames do art. 42 da Lei 11.343/06 e do art. 59 do Código Penal, fixo a pena-base do réu em 1/6 acima do mínimo legal em razão da diversidade na natureza das drogas apreendidas - notadamente maconha e cocaína, fator que justifica a majoração da reprimenda penal, na medida em que incrementa o potencial ofensivo à saúde pública (bem jurídico tutelado pela norma penal), revelando uma maior reprovabilidade da conduta do agente (STF, HC 73.097, rel. Min. Maurício Corrêa, HC nº 76.543-5, rel. Min. Sydney Sanches; STJ, HC nº35.539, rel. Min. Paulo Medina, HC nº 35.795, rel. Min. Nilson Naves, HC nº35.159, rel. Min. Hamilton Carvalhido), perfazendo 06 (seis) anos e 07(sete) meses de reclusão e 583 dias-multa. Quanto à possibilidade de aumento da pena-base em razão da natureza das drogas, destaca-se julgado do e. Tribunal: "(...) Na primeira fase, a base foi fixada no mínimo legal, ou seja, em 05 anos de reclusão e em 500 dias multa, o que será mantida ante a inércia ministerial, posto que cabível aumento em face da natureza de parte dos entorpecentes apreendidos, que somente não será levado a efeito neste momento porque vedado a reformatio in pejus em recurso exclusivo da Defesa. Destaca-se inexistir bis in idem no uso da natureza em uma fase e a quantidade em outra. Na segunda fase, ausentes circunstâncias atenuantes e agravantes, a pena permaneceu inalterada. Na terceira fase, à míngua de causas de aumento e diminuição, a pena definitiva resultou em 05 anos de reclusão e no pagamento de 500 dias-multa. O redutor não foi reconhecido em face da quantidade e diversidade de drogas, o que não merece reparos. Foi apreendida grande quantidade de drogas, suficiente para a confecção de cerca de 105 porções individuais de cocaína e 46 de maconha, além de 43 porções de crack. A grande quantidade de entorpecente apreendida denota que há profissionalização no tráfico de drogas, vez que a um iniciante e sem experiência na traficância não seria confiado montante substancial de entorpecentes. Portanto, a grande quantidade, indicativa de profissionalização, demonstra que a acusada se dedica a atividades criminosas e obsta a aplicação do redutor no presente caso. " (TJSP; Apelação Criminal 1500309-78.2020.8.26.0540; Des. Rel. Mens de Mello; 6ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Mauá - 2ª Vara Criminal; Data do Julgamento: 09/07/2021). Grifo nosso. A culpabilidade do agente é inerente ao tipo penal envolvido, não sendo possível valoração negativa. Por sua vez, embora haja notícia nos autos de maus antecedentes, tal circunstância será valorada na segunda fase da dosimetria, sendo certo que, conforme enunciado n. 444 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, "[é] vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base". Inexistem, nos autos, elementos indicativos da conduta social ou da personalidade do agente que ensejem maior censura, tratando-se de circunstâncias neutras. Os motivos do crime são aqueles próprios do delito praticado, notadamente a obtenção de lucro fácil, já valorados abstratamente pelo legislador ao firmar as balizas mínima e máxima da pena. As circunstâncias do crime também não merecem maior reprovação, por corresponderem às inerentes ao crime consumado, já tendo sido consideradas pelo legislador quando da fixação da pena abstrata, não merecendo maior reprovação. Não há evidências de que as consequências delituosas extrapolam as inerentes ao tráfico de drogas, descabendo sua valoração negativa. Por fim, não sendo possível afirmar que o comportamento da vítima contribuiu, de qualquer modo, para a prática do crime, por se cuidar o tráfico de drogas de crime vago, fixo a pena-base em 06 (seis) anos e 07(sete) meses de reclusão e 583 dias-multa. Na segunda fase da dosimetria deve-se analisar a presença de agravantes ou atenuantes, não podendo, também, o resultado atingido ficar fora das balizas penais abstratas previstas para o delito (Súmula n. 531, STJ). Nesse particular, aplico a agravante da reincidência, vez que condenado por crime de tráfico de drogas no processo de nº 0000009-28.2017.805.0041, com trânsito em julgado em 12 de janeiro de 2018, conforme certidão de cálculo da pena ao ID. 107846785 nos autos de pje nº 0000395-24.2018.8.05.0041, ficando como intermediária a pena de 07 (sete) anos, 08 (oito) meses e 05 (cinco) dias de reclusão, além de 680 (seiscentos e oitenta) dias-multa. Por fim, a terceira fase da dosimetria abrange as causas de aumento e diminuição de pena, genéricas ou específicas, podendo, neste momento, o resultado ficar além ou aquém dos limites abstratos da pena, uma vez que incidem em patamar objetivo fixado pelo legislador. Nesse ponto, como já fundamentado, restou afastada a minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, considerando que o réu não cumpre os requisitos para alcançar tal benesse, vez que é reincidente. Assim, atinge-se para o réu Elenilton Manoel Gonçalves da Silva a pena definitiva de 07 (sete) anos, 08 (oito) meses e 05 (cinco) dias de reclusão, além de 680 (seiscentos e oitenta) dias-multa. Do crime de resistência (art. 329, caput, do CP) Atento ao disposto no artigo 68 do Código Penal, passo à dosimetria da pena Comina o preceito secundário do art. 329 do CP, para o crime de resistência, a pena de detenção, de 02 (dois) meses a 02 (dois) anos. Na primeira fase da dosimetria, consideram-se as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, devendo o resultado de sua incidência permanecer nos limites da pena abstrata cominada para a infração. A culpabilidade do agente, enquanto juízo de reprovação da conduta, não exacerbou os elementos do crime. Em que pese a existência de maus antecedentes, deixo para valorar negativamente na segunda fase da dosimetria, ressaltando que, conforme enunciado n. 444 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, "[é] vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base". Inexistem, nos autos, elementos indicativos da conduta social ou da personalidade do agente que ensejem maior censura, tratando-se de circunstâncias neutras. O motivo do crime é normal ao próprio do tipo penal incriminador, ou seja, opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo. As circunstâncias do crime entendidas como elementos acidentais que não integram a estrutura do tipo, não são aptas a incrementar a reprimenda do condenado. As consequências delituosas não são normais à espécie, uma vez que a infração penal implicou efeitos deletérios diferenciados a terceiros. Conforme já mencionado, como consequência da resistência praticada pelo réu, o PM Jailson sofreu uma fratura na mão esquerda, e por este motivo, tal circunstância deve ser valorada negativamente. Por fim, não havendo como reputar que o comportamento da vítima contribuiu, de qualquer modo, para a prática do crime, fixo a pena-base em 02 (dois) meses e 07 (sete) dias de detenção. Na segunda fase da dosimetria deve-se analisar a presença de agravantes ou atenuantes, não podendo, também, o resultado atingido ficar fora das balizas penais abstratas previstas para o delito (Súmula n. 231, STJ). Nesse particular, não há causas atenuantes a serem aplicadas no presente caso. Aplico a agravante da reincidência, conforme já fundamentado na dosimetria anterior. Desta feita, fixo como intermediária a pena de 02 (dois) meses e 18 (dezoito) dias de detenção. Por fim, a terceira fase da dosimetria abrange as causas de aumento e diminuição de pena, genéricas ou específicas, podendo, neste momento, o resultado ficar além ou aquém dos limites abstratos da pena, uma vez que incidem em patamar objetivo fixado pelo legislador. Inexistem minorantes ou majorantes a serem consideradas. Assim, atinge-se para o réu Elenilton Manoel Gonçalves da Silva a pena definitiva de 02 (dois) meses e 18 (dezoito) dias de detenção. Do crime de posse irregular de munição de uso permitido (art. 12, da lei 10.826/03) Atento ao disposto no artigo 68 do Código Penal, passo à dosimetria da pena Comina o preceito secundário do art. 12 da Lei 10.826/03, para o crime de posse irregular de munição de uso permitido, a pena de detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Na primeira fase da dosimetria, consideram-se as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, devendo o resultado de sua incidência permanecer nos limites da pena abstrata cominada para a infração. A culpabilidade do agente, enquanto juízo de reprovação da conduta, não exacerbou os elementos do crime. Em que pese a existência de maus antecedentes, deixo para valorar negativamente na segunda fase da dosimetria, ressaltando que, conforme enunciado n. 444 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, "[é] vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base". Inexistem, nos autos, elementos indicativos da conduta social ou da personalidade do agente que ensejem maior censura, tratando-se de circunstâncias neutras. Os motivos são os ínsitos ao tipo penal. As circunstâncias do crime entendidas como elementos acidentais que não integram a estrutura do tipo, não são aptas a incrementar a reprimenda do condenado. As consequências delituosas são normais à espécie, uma vez que a infração penal não implicou efeitos deletérios diferenciados à coletividade. Por fim, não havendo como reputar que o comportamento da vítima contribuiu, de qualquer modo, para a prática do crime, vez que o sujeito passivo é a coletividade, assim, fixo a pena-base em 01 (um) ano de detenção, além de 10 (dez) dias-multa. Na segunda fase da dosimetria deve-se analisar a presença de agravantes ou atenuantes, não podendo, também, o resultado atingido ficar fora das balizas penais abstratas previstas para o delito (Súmula n. 231, STJ). Nesse particular, não há causas atenuantes a serem aplicadas no presente caso. Aplico a agravante da reincidência, conforme já fundamentado na primeira dosimetria. Desta feita, fixo como intermediária a pena de 01 (um) ano, 02 (dois) meses de detenção, além de 12 (doze) dias multa. Por fim, a terceira fase da dosimetria abrange as causas de aumento e diminuição de pena, genéricas ou específicas, podendo, neste momento, o resultado ficar além ou aquém dos limites abstratos da pena, uma vez que incidem em patamar objetivo fixado pelo legislador. Inexistem minorantes ou majorantes a serem consideradas. Assim, atinge-se para o réu Elenilton Manoel Gonçalves da Silva a pena definitiva de 01 (um) ano, 02 (dois) meses de detenção, além de 12 (doze) dias multa. DO CONCURSO MATERIAL DE CRIMES Por derradeiro, reconhecido o concurso material, uma vez que as condutas foram praticadas com desígnios autônomos, nos termos do artigo 69, do Código Penal, as penas devem ser somadas, tornando-se definitivas em 07 (sete) anos, 08 (oito) meses e 05 (cinco) dias de reclusão, além de 680 (seiscentos e oitenta) dias-multa, e 01 (um) ano, 04 (quatro) meses, 18 (dezoito) dias de detenção além de 12 (doze) dias multa. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendimento de que as penas de reclusão e detenção, por serem modalidades de pena privativa de liberdade, podem ser unificadas para fins de cálculo do regime de cumprimento e outros benefícios na execução penal. O acusado deverá iniciar o cumprimento das penas privativas de liberdades em REGIME FECHADO, nos termos do art. 33, § 2º, alínea "a" do Código Penal. Não havendo indícios da condição econômica do réu, arbitro o valor do dia-multa no mínimo legal de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, considerado o valor vigente à época dos fatos. Ante o montante da pena concreta de reclusão, tratando-se de réu reincidente e havendo circunstâncias judiciais que justifiquem modalidade mais gravosa, fixo o regime fechado para início de seu cumprimento, em observância ao artigo 33, § 2º, "a", do Código Penal. A quantidade de pena aplicada impede substituição por restritiva de direitos (art. 44, I, do CP), ou suspensão condicional (art. 77 do CP). Diante do regime de pena aplicado e, considerando que o réu se encontra preso, não concedo ao acusado o direito de recorrer em liberdade. Haja vista a inexistência de dados concretos a respeito do comportamento carcerário do condenado, requisito subjetivo indispensável para progressão de regime, deixo de analisar detração (art. 387, §2º, do CPP). Deixo de estabelecer mínimo indenizatório de reparação dos danos causados com a prática criminosa (art. 387, IV, CPP), por não haver pedido expresso da vítima ou do Ministério Público (STJ, AgRg no AREsp 720.055/RJ, Sexta Turma, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 26/06/2018, DJe 02/08/2018). Determino que as drogas apreendidas sejam destruídas, em observância ao art. 50, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, caso tal providência ainda não tenha sido tomada pela autoridade policial. Decreto o perdimento dos bens apreendidos [01 (uma) balança digital] em favor da União, nos termos do art. 243, parágrafo único, da CF e art. 63, I, da Lei n. 11.343/2006. Encaminhe-se ao FUNAD (art. 63, § 1º, da Lei n. 11.343/2006), prestando-se as informações necessárias ao FUNAD e à SENAD (art. 63, §§ 2º e 4º, da Lei de Drogas). Caso haja recurso, estando o sentenciado preso por outro motivo, expeça-se guia de execução provisória, na forma do Provimento-CGJ n. 04/2017. Nos termos do artigo 804 do Código de Processo Penal, condeno o réu, por sucumbente, ao pagamento das custas judiciais. Nesse ponto, de acordo com a jurisprudência do STJ, o momento de se aferir a situação do condenado para eventual suspensão da exigibilidade do pagamento das custas processuais é a fase de execução e, por tal razão, "nos termos do art. 804 do Código de Processo Penal, mesmo que beneficiário da justiça gratuita, o vencido deverá ser condenado nas custas processuais" (AgRg no AREsp n. 394.701/MG, Rel. Ministro Rogerio Schietti, Sexta Turma, DJe 4/9/2014). Após o trânsito em julgado: 1. lance-se o nome do réu no rol dos culpados; 2. oficie-se ao TRE deste Estado comunicando a condenação do réu, para fins de cumprimento do disposto no art. 71, § 2º, do Código Eleitoral c/c o art. 15, inciso III, da CF/88; 3. comunique-se, ainda, aos Órgãos de Estatística Criminal do Estado; 4. promova-se junto ao juízo de execuções a identificação de perfil genético, conforme art. 9º-A da Lei n. 7.210/84; 5. expeça-se guia de recolhimento definitiva, conforme o caso; e 6. arquivem-se estes autos e apensos. Publique-se (art. 389, CPP). Registre-se (art. 389, in fine, CPP). Intime-se, pessoalmente, o Ministério Público (art. 390, CPP). Intimem-se o réu, pessoalmente, e seus defensores (art. 392, CPP), expedindo-se, oportunamente, a guia de execução definitiva. Atribuo ao ato, força de mandado/ carta/ ofício. Campo Formoso/BA, data da assinatura eletrônica. Pedro Praciano Pinheiro Juiz de Direito
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