Mario Roque Santin x Transporte Rodoviario 1500 Ltda
ID: 321383023
Tribunal: TJMT
Órgão: 2ª VARA CÍVEL DE CAMPO VERDE
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 1004045-54.2024.8.11.0051
Data de Disponibilização:
10/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CARLOS LOMIR JANES DE SOUZA
OAB/PR XXXXXX
Desbloquear
GABRIEL LORENZZATTO
OAB/MT XXXXXX
Desbloquear
Processo nº 1004045-54.2024.8.11.0051 Ação indenizatória com pedido de retratação. Vistos etc. MÁRIO ROQUE SANTIN, já devidamente qualificado nos autos, ajuizou a presente ação indenizatória com pedi…
Processo nº 1004045-54.2024.8.11.0051 Ação indenizatória com pedido de retratação. Vistos etc. MÁRIO ROQUE SANTIN, já devidamente qualificado nos autos, ajuizou a presente ação indenizatória com pedido de em face de TRANSPORTE RODOVIÁRIO 1500 LTDA., pessoa jurídica de direito privado igualmente qualificada. Assevera, em suma, que a empresa requerida registrou indevidamente um boletim de ocorrência em seu desfavor, situação que lhe impingiu abalo anímico, razão pela qual requer a condenação da própria ao pagamento de indenização por danos morais. Recebida a ação foram concedidos os benefícios da gratuidade da justiça, determinada a remessa dos autos ao Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania e ordenada a citação da parte ré. A tentativa de autocomposição restou infrutífera. Em contestação a parte requerida advoga pela rejeição dos pedidos formulados na ação, ao argumento de que não concorreu para nenhum dano experimentado pelo requerente. Sobreveio impugnação à contestação. Oportunizada a especificação de provas, a parte requerente pleiteou a produção de prova oral, ao passo que a parte ré quedou-se silente. Os autos vieram-me conclusos. É o relato do essencial. FUNDAMENTO E DECIDO. Registra-se, de início, que foi preservado no presente feito a garantia constitucional do contraditório, além da ampla defesa, de modo que não paire dúvidas sobre qualquer irregularidade que possa ser apontada para macular o procedimento. I – DO JULGAMENTO IMEDIATO DE MÉRITO. Denota-se, de plano, que o deslinde da controvérsia não carece de dilação probatória, uma vez que as provas trazidas para os autos permitem de forma segura a formação do convencimento, o que, em última análise, confrontaria com os princípios da celeridade e economia processual. É que, mesmo cabendo às partes o ônus da prova (art. 373 do CPC[1]), é o juiz quem analisa a conveniência de sua produção, selecionando quais as indispensáveis para a instrução e julgamento da lide. Nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – PEDIDO CONTRAPOSTO DE REVISÃO CONTRATUAL C/C DECLARAÇÃO DE NULIDADE CLÁUSULA ABUSIVA – JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO CONFIGURADO – MATÉRIA EXCLUSIVAMENTO DE DIREITO – JUROS REMUNERATÓRIOS – ABUSIVIDADE NÃO CONSTATADA – MORA NÃO DESCARACTERIZADA – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. Não configura o cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide, quando o magistrado entende que as provas existentes nos autos são suficientes a formação de seu convencimento, de modo que é desnecessária a dilação probatória e não cerceia o direito a não realização de perícia, máxime considerada que se trata de matéria eminentemente afeta à prova já produzida. Para descaracterizar a mora, necessário o reconhecimento da abusividade na cobrança dos encargos, dentro do período da normalidade contratual. Não demonstrada abusividade da taxa de juros remuneratórios contratada, não há como afastar a mora. (TJMT, Ap nº 10168437020198110003, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Guiomar Teodoro Borges, j. 18-5-2022, sem grifos no original) Desse modo, considerando que o conjunto probatório apresentado é suficiente para a apreciação da pretensão, pois constatadas as condições pertinentes, cumpre ao magistrado decidir a lide, conforme o estado em que se encontra o processo. Sobre o tema, ainda, lecionam LUIZ GUILHERME MARINONI, SERGIO CRUZ ARENHART e DANIEL MITIDIERO: [...] 2. Cabimento. O art. 355, CPC, arrola as duas hipóteses em que tem cabimento resolver de maneira imediata o mérito, julgando o juiz procedente ou improcedente o pedido formulado pelo demandante (art. 487, I, CPC). O critério que legitima o julgamento imediato do pedido e que está presente nos dois incisos do artigo em comento é a desnecessidade de produção de provas em audiência. Tem o juiz de estar convencido a respeito das alegações de fato da causa para que possa julgar imediatamente o pedido. Não sendo cabível a colheita de prova oral (depoimentos pessoais e oitiva de testemunhas, art. 361, II e III, CPC) nem a obtenção de esclarecimentos do perito a respeito do laudo pericial (art.361, I, CPC), cabe o julgamento imediato do mérito. [...]. (in Novo código de processo civil comentado I - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 306, sem grifos no original) Outrossim, salienta-se que cabe ao juiz observar o princípio da razoável duração do processo, conforme o art. 139, inciso II, do CPC[2] e o art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal[3], a fim de evitar a produção de provas e a realização de diligências desnecessárias ao julgamento do mérito (CPC, art. 370, parágrafo único[4]). Por conseguinte, conheço diretamente do pedido, nos termos do art. 355, inciso I, do CPC[5]. II – DO MÉRITO. De elementar conhecimento que a análise da responsabilidade civil por atos ilícitos envolve a apuração de quatro (4) elementos: (i) a conduta, (ii) o resultado danoso, (iii) o nexo de causalidade entre aquela ação ou omissão e o dano dela resultante e, por fim, um elemento subjetivo que permeie a conduta do agente, (iv) a culpa. Tais pressupostos são extraídos do Código Civil: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. A propósito, LUIS PAULO COTRIM GUIMARÃES, Doutor em direito pelo Pontífice Universidade Católica de São Paulo, Desembargador Federal do TRF 3ª Região e professor titular da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo – FADISP, e SAMUEL MEZZALIRA, Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, ensinam: Ato ilícito. Ato ilícito é o ato de vontade de um agente contrário à ordem jurídica que viola o direito subjetivo de um terceiro causando-lhe um dano. Sempre que o agente causar um dano ilícito a alguém terá o dever de indenizar esse dano, recompondo ou reparando o patrimônio material ou imaterial do lesado na exata proporção do dano causado (CC, art. 944). São elementos do ato ilícito: (a) um ato voluntário do agente, (b) um dano causado a terceiro e (c) um nexo de causalidade entre o ato voluntário do agente e do dano sofrido pela vítima. É necessário que a ação ou a omissão do agente seja voluntária. Correndo o risco de tentar explicar o óbvio, não pratica ato ilícito quem não praticou ato voluntário algum. Assim, por exemplo, num engarrafamento, o motorista de um veículo que foi lançado ao veículo da frente ao ser atingido na traseira por outro veículo não praticou ato voluntário algum. Por essa razão, mesmo tendo atingido na traseira por outro veículo da frente não terá praticado nenhum ato ilícito. Como regra geral, exige o legislador que a ação ou omissão do agente causador do dano tenha sido culposa para caracterização do ato ilícito. Apenas excepcionalmente é que admite o legislador a existência de responsabilidade sem culpa (objetiva). Caracteriza-se a culpa do agente quando tenha ele agido com imperícia, imprudência ou negligência. Além disso, é necessário que o ato ilícito tenha causado um dano ao terceiro. Não existe responsabilidade civil sem dano. Toda a responsabilidade civil é permeada pela preocupação em indenizar os danos injustamente causados. Não havendo dano, nada haverá a ser reparado. Por fim, é necessário que exista um nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano causado. Costuma-se entender o nexo de causalidade como seno a ação lógica de causa e efeito entre a conduta e o dano. Todavia, para evitar-se indevidamente responsabilizar terceiros que apenas circunstancialmente posam ter concorrido para o evento danoso, é necessário certo temperamento nesse conceito. É o que propõe a teoria da causalidade adequada, que apenas considera juridicamente relevante o nexo de causalidade que existe entre a ação cuja natureza ordinariamente se mostra apropriada e condizente com o tipo de dano causado. (disponível em: https://www.direitocom.com/codigo-civil-comentado/artigo-186-9, acesso em 19-1-2022) Na hipótese versada, a parte autora reputa ter sido vítima de ato ilícito praticado pela parte requerida, pois segundo alega foi impedida de exercer regularmente a sua atividade laboral – motorista caminhoneiro – em virtude do registro de boletim de ocorrência em seu desfavor por suposta prática crime no exercício da profissão. De fato, revela-se inequívoco que a parte ré, na data de 26-1-2022, compareceu à Delegacia de Polícia de São Joaquim da Barra/SP e registrou ocorrência em face do requerente, imputando-lhe a prática do furto de carga de açúcar, senão vejamos a respectiva narrativa: Comparece nesta repartição policial o proprietário da empresa “1500 Transporte Rodoviário Ltda.”, noticiando-nos ter anunciado em vários grupos de WhatsApp em que participa, bem como na página FreteBras (https://www.fretebras.com.br/), o frede uma carga de açúcar a ser retirada na Usina Alta Mogiana, localizada neste município, com destino ao Porte de Paranaguá, sediado no município de Paranaguá/PR. No dia 18/01/2022, foi contatado pelo motorista, Mário Roque Santin, proprietário dos veículos tração caminhão trator, marca Mercedes Benz, modelo 1938-S, branco diesel, placa JYV4F2/Campo Verde/MT e os Reboques NUA5146/Campo Verde/MT e NUA4916/Campo Verde/MT, que provavelmente teve contato com as informações do frete em algum grupo de WhatsApp e ou pela vitrine FreteBras, que lhe passou seus documentos pessoais e dos veículos através do próprio aplicativo, pelo telefone (66) 9961 7719. Negociaram os valores e acordaram a prestação de serviço. No dia 19/01/2022, o averiguado, Mário Roque Santin, compareceu à Usina Alta Mogiana e inicialmente contratou o preposto da empresa/vítima, João Gabriel Bigatto para a formalização do transporte de carga. Deseja consignar que durante vistorias preliminares, constatou-se que o veículo do suspeito não possuía as “tampas de bica”, necessárias para o transporte daquela espécie de carga. Assim sendo, o suspeito se dirigiu a esta cidade, numa Madereira sediada numa Marginal, onde provavelmente trabalho o indivíduo “Zezinho ou Zequinha”, que lhe confeccionou essas tampas exigíveis. Retornou à Usina e, após novas vistorias, aprovou-se o carregamento e transporte da carga ao destino. Ocorre que ontem, 25/01/2022, foi contatado pela Administração da Usina Alta Mogiana de que a carga que inclusive deveria ter sido entregue no destino no dia 20/01/2022, não foi descarregada. Tentou vários contatos com o suspeito, Mário Roque Santin, através do telefone móvel (66) 9962-7719, todavia, apesar dos esforços, não foi possível contatá-lo. O suspeito Mário Roque Santin já realizou outras prestações de serviço à empresa, a algum tempo atrás no Estado do Mato Grosso/MT e, por conta disso tinha seu cadastro liberado. Antes da contratação do frete, passou toda a documento à Buonny Seguradora que liberou a prestação de serviço. [...]. (id. 174683703, p. 2-3). Todavia, os argumentos ventilados pela parte requerida por ocasião da lavratura do boletim de ocorrência – os quais, a propósito, foram asseverados novamente por ocasião da contestação – foram flagrantemente ilididos pelas notas fiscais acostadas junto à peça vestibular, as quais atestam que nas datas de 18, 20 e 22-1-2022 o requerente e os veículos de sua propriedade (caminhão, reboque e semirreboque), realizavam serviços de transporte de cargas neste Estado de Mato Grosso. Equivale dizer, portanto, ser evidente a impossibilidade de que o autor e seus veículos estivessem concomitantemente realizando o transporte da carga de açúcar no Estado de São Paulo no mesmo lapso temporal em que o realizavam neste Estado de Mato Grosso. A conclusão que resulta, portanto, é de que a parte requerida – e também o demandante – foi vítima de fraude praticada por terceiro – fato reconhecido pela própria ré em sua contestação –, o qual, a toda evidência, utilizou-se indevidamente de documentos falsos do autor e de seus veículos com vistas a obter vantagem indevida. Por consectário lógico, o fato lesivo perpetrado está bem demonstrado ante o indevido registro de boletim de ocorrência em face do requerente, haja vista que competia à parte requerida verificar a validade dos documentos apresentados para fins da contratação dos serviços de transporte ofertados. No mesmo sentido, é assente que a parte demandante sofreu danos morais diante da conduta tempestuosa da parte requerida, uma vez que o indevido registro do boletim de ocorrência resulta em constrangimento ao motorista, na medida em que há a inserção de restrição em banco de dados gerenciadores de risco, obstando-lhe sua contratação por outras empresas do ramo. De inteira pertinência ao tema versado, colhe-se da jurisprudência pátria o seguinte precedente: RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS CAUSADOS POR ANOTAÇÃO EM BANCO DE DADOS DE EMPRESA GERENCIADORA DE RISCO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA RÉ. EMPRESA DE GERENCIAMENTO DE RISCOS. RESTRIÇÃO MANTIDA NO BANCO DE DADOS EM RAZÃO DE POSSÍVEL ASSOCIAÇÃO COM TRANSPORTE DE CARGAS ROUBADAS. FATO DESABONADOR INVERÍDICO. TERCEIRO QUE SE PASSOU PELO AUTOR MEDIANTE A APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS FALSOS. RESTRIÇÃO QUE, NO MÍNIMO, CAUSOU CONSTRANGIMENTOS AO MOTORISTA VÍTIMA DA FRAUDE, PASSÍVEIS DE INDENIZAÇÃO DE ORDEM MORAL E MATERIAL. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL CONFIGURADOS. DEVER DE INDENIZAR MANTIDO. DANOS MATERIAIS. OBJETO COMUM. LUCROS CESSANTES. RESTRIÇÃO MANTIDA NO CADASTRO DA EMPRESA GERENCIADORA DE RISCO QUE DIFICULTOU, SE NÃO IMPEDIU, SUA CONTRATAÇÃO POR OUTRAS EMPRESAS DO RAMO DE TRANSPORTES. PREJUÍZO EVIDENTE AO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE PROFISSIONAL. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZOS CONCRETOS A EXTENDER A INDENIZAÇÃO APÓS A RETIRADA DA RESTIÇÃO NO BANCO DE DADOS DA GERENCIADORA DE RISCOS. APELOS DESPROVIDOS NO PONTO. DANOS MORAIS. PEDIDO DO AUTOR PARA REDUÇÃO. REJEIÇÃO. QUANTIFICAÇÃO FIXADA ACIMA DO COMUMENTE ARBITRADA EM CASOS SEMELHANTES. ACOLHIMENTO DA PRETENSÃO DA RÉ. MINORAÇÃO EMPREENDIDA. MANUTENÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. JUSTIÇA GRATUITA. BENEFÍCIO CONCEDIDO NO CURSO DA LIDE. PRETENSÃO PARA SUSPENDER A EXIGIBILIDADE DOS ENCARGOS SUCUMBENCIAIS. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO DA PARTE AUTORA. CONSECTÁRIO LEGAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. APELO NÃO CONHECIDO NO PONTO. RECURSO DO AUTOR PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. APELO DA RÉ CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Ap nº 03001466220178240087, 2ª Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Sebastião César Evangelista, j. 9-3-2023, sem grifos no original) Assim, revela-se satisfatoriamente comprovado o resultado danoso. A respeito do assunto, é imperioso destacar a lição CARLOS ALBERTO BITTAR, para quem: Suporta o agente, na área da responsabilidade civil, efeitos vários de fatos lesivos que lhe possa, ser imputados, subjetiva ou objetivamente, arcando, deste modo, com os ônus correspondentes, tanto em seu patrimônio como em sua pessoa, ou em ambos, conforme a hipótese. Assume, portanto, nessa área, a obrigação de indenizar danos provocados, contra ius, a pessoas, ou bens e direitos alheios. Daí, o impulsionamento dessa teoria depende, em concreto, da existência de dano, oriundo de ação ou omissão de lesante como sua causa. Nesse sentido, dano é pressuposto da responsabilidade civil, entendendo-se como tal qualquer lesão experimentada pela vítima em seu complexo de bens jurídicos, materiais ou morais, como entende a melhor doutrina. Induz, pois, à responsabilidade a demonstração de que o resultado lesivo (dano) proveniente de atuação do lesante (ação ou omissão antijurídica) e como seu efeito ou consequência (nexo causal ou etiológico). Há que se verificar, assim, a prévia existência de dano na esfera jurídica do lesado, para cuja recomposição, ou para cuja composição, pode este valer-se, na busca da justiça, dos instrumentos de reação que da aplicação da teoria em questão resultam adequados, também quando de cunho moral o prejuízo. Dano é, nesse contexto, qualquer lesão injusta a componentes do complexo de valores protegidos pelo Direito, incluído, pois, o de caráter moral, como procuraremos demonstrar no curso da exposição, vencidas certas perplexidades, que da complexidade do tema, de algumas ilações não compatíveis, ou mesmo da influência de fatores políticos, sociológicos, culturais e outros, sempre se ofereceram, ao longo dos tempos, no debate da matéria, obnubilando o real sentido. [...]. (in Reparação civil por Danos morais, 4ª Edição revista, aumentada e modificada por Eduardo C. B. Bitar – São Paulo: Saraiva, 2015, p. 18-19) Relembre-se, também, a lição de LEONARDO DE MEDEIROS GARCIA, ROBERTO LIMA FIGUEIREDO e LUCIANO L. FIGUEIREDO: O dano ou prejuízo é elemento indispensável para configuração da responsabilidade civil, sendo a pedra de toque entre as diversas responsabilizações. Decerto, é plenamente possível que se responsabilize alguém por uma omissão e independentemente de culpa (modalidade objetiva); mas é impossível responsabilização sem dano. Este é elemento essencial, ainda que seja presumido, como soe ocorrer na responsabilidade contratual, na qual o inadimplemento ocasiona o dano. Justo por isto que cabe ao devedor, em sede de responsabilidade contratual, afastar o dano, arguindo e comprovando que o dano não lhe pode ser imputado. Afirma CARLOS ROBERTO GONÇALVES que a ação de indenização sem dano é pretensão sem objeto, sendo o ônus da prova acerca do dano, em regra, do autor da demanda. [...]. Nesta linha de raciocínio, não há na seara da responsabilidade civil crime de mera conduta ou de perigo abstrato. Lembra SÉRGIO CAVALIERI FILHO que se uma pessoa avançar o sinal dirigindo em velocidade acima da permitida, mas não lesar ninguém, nem atingir nenhum patrimônio, não haverá de se falar em responsabilidade civil. Para CARLOS ALBERTO BITAR o dano é configurado pela "lesão, ou redução patrimonial, sofrida pelo ofendido, em seu conjunto de valores protegidos no direito, seja quanto à sua própria pessoa - moral ou fisicamente - seja quanto a seus bens ou aos seus direitos - a perda, ou a diminuição, total ou parcial, de elemento, ou de expressão, componente de sua estrutura de bens psíquicos, físicos, morais ou materiais". Entende-se por dano ou prejuízo a lesão a um interesse/ patrimônio (patrimonial ou extrapatrimonial) juridicamente tutelado, em virtude de uma conduta humana. Há muito já restou ultrapassado o paradigma patrimonialista, que apenas reconhecia como dano indenizável o material. Interessa-se a responsabilidade civil pelo "dano indenizável". Enxerga-se o dano como a diminuição ou subtração de um bem jurídico tutelado, material ou imaterial, a merecer reparação integral, com retorno ao status quo ante. Justo por isto, é possível afirmar que se guia a responsabilidade civil pelo paradigma da reparação integral - também chamada de princípio do imperador -, medindo-se a indenização ela extensão do dano (art. 944 do CC). Aplica-se, no particular, a teoria alemã da diferença. Explica-se: verifica-se como estaria o patrimônio do lesado se o dano não acontecesse e compara-se como ele atualmente, em função do aludido dano, indenizando-se a diferença. Como toda regra, o princípio da reparação integral, no direito brasileiro, tem exceção. Esta resta capitulada no próprio artigo 944 do Código Civil, especificamente no seu parágrafo único. Sendo assim, ocorrendo manifesta desproporção entre a gravidade da culpa e o dano - leia-se: culpa mínima e dano máximo - o magistrado poderá reduzir, equitativamente, o valor da indenização. Trata-se de uma das situações nas quais o magistrado poderá utilizar-se da equidade para decidir, afinal de contas, nos termos do art. 127 do CPC, o juiz não pode decidir por equidade, salvo nos casos autorizados pela norma. [...]. Hodiernamente é possível a reparação tanto do dano patrimonial como do extrapatrimonial, falando-se em independência entre tais danos em uma leitura despatrimonializada, repersonificada e existencialista do direito civil. Tal afirmativa tem como embasamento a Constituição Federal (art. 5, V e X), o Código Civil (arts. 11/21 e 186) e a jurisprudência (Súmulas 37 e 387 do STJ). Portanto, é possível o pleito cumulado, ou de forma isolada, dos mais diversos danos, a exemplo de dano patrimonial e moral; moral e estético; patrimonial e estético. A cumulação é livre, desde que comprovada a existência dos danos. (in Coleção Sinopse para Concursos Direito Civil Obrigações e Responsabilidade civil. 4ª Edição, 2015, Editora Jus Podivm, p. 323-325) Denota-se, além disso, o nexo causal necessário para a caracterização do dever de indenizar, consoante elucida o manancial probatório encartado aos autos. Inadequado seria esquecer que o liame de causalidade está atrelado à correlação entre a ação/omissão e o dano causado. Ainda que se trate do mais complexo e delicado dos requisitos, a configuração do nexo causal exige que a causa seja necessariamente condição inarredável e diretamente ligada ao dano (condicionamento adequado), conquanto somente são consideradas causas aquelas que se ligarem diretamente ao resultado final, isto é, ao dano. Cabe, então ao julgador, averiguar se entre os fatos conhecidos (ação/omissão e dano) existe uma relação de causalidade suficientemente caracterizada. Doutrinando sobre o tema ora em debate, PAULO NADER, assevera que: 52. CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS. Nas obras científicas em geral, o princípio da causalidade é invocado para explicar a ocorrência de fenômenos naturais. Tudo que se passa no âmbito das leis físicas é devido ao nexo de causa e efeito. Sempre que houver uma causa o efeito ocorrerá inexoravelmente. O que é possível, às vezes, é o homem, conhecendo as leis naturais, impedir que a causa se forme. Por outro lado, os fatos relacionados às atividades humanas são explicados pelo princípio da finalidade: a conduta visa sempre a alcançar determinado fim. Diante de um fenômeno natural a pergunta adequada é “por quê?” e, em face de uma conduta, a indagação é “para quê?”. Em razão do exposto, para alguns autores o conceito de causalidade não é jurídico. Segundo Sérgio Cavalieri Filho, por exemplo, o nexo causal “decorre das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado”. 1 Divergimos desta orientação, partindo da premissa de que, nas leis da natureza, uma vez verificada a causa, o efeito ocorrerá inevitavelmente, enquanto nas relações humanas a causa de um dano moral poderá apresentar-se sem a correspondente efetivação, como no exemplo: “A” calunia “B”, mas este falece sem tomar conhecimento da ofensa. In casu, verifica-se a causa sem a superveniência do efeito. A ação do agente não chegou a ser eficaz no sentido de provocar lesão, embora os meios empregados possam ter sido idôneos para efetivá-la. 53. NOÇÃO E SIGNIFICADO. Não são suficientes, à caracterização do ato ilícito, a conduta antijurídica, a culpa ou risco e o dano. Fundamental, igualmente, é a relação de causa e efeito entre a conduta e o dano causado a outrem. É preciso que os prejuízos sofridos por alguém decorram da ação ou omissão do agente contrária ao seu dever jurídico. Se houve a conduta, seguida de danos, mas estes não decorreram daquela, não haverá ato ilícito. O ato ou omissão somente constituirá esta modalidade de fato jurídico, na dicção do art. 186 do Códex, se “causar dano a outrem”. Nesta expressão em destaque está contido o elemento nexo de causalidade ou nexo etiológico. Não se confundem as noções de imputabilidade e causalidade. A primeira consiste no fato de se atribuir a alguém a responsabilidade por um dano, praticado pelo imputável ou não. Já a causalidade é o reconhecimento de que a conduta imputada a alguém foi a determinante do dano, ou seja, a conduta imputada constitui a causa da qual o dano figura como efeito. Enquanto a imputabilidade se define considerando-se o elemento subjetivo da conduta, a causalidade é de natureza objetiva, pois acusa o laço existente entre a ação ou omissão e o dano. É possível a imputabilidade sem o correspondente nexo de causalidade. Serpa Lopes exemplifica: alguém coloca veneno na bebida a ser tomada por uma pessoa, mas esta, antes da ingestão causar efeito, vem a falecer em razão de um ataque cardíaco. Causa de um dano é o fato sem o qual este não teria ocorrido. A definição da causa eficiente é complexa, especialmente quando as circunstâncias apontam diversos fatores na etiologia do dano, ou seja, diversas causas. Se um paciente, após submeter-se à determinada cirurgia, torna-se incapaz para as suas atividades físicas habituais, não quer dizer que a culpa, forçosamente, seja do profissional que o operou. Caso se comprove que o paciente foi o único culpado, devido à inobservância dos cuidados que lhe foram recomendados, não haverá responsabilidade civil. Igualmente, se o cirurgião provar que a lesão decorreu de caso fortuito ou força maior. Pode, todavia, o dano físico advir da concorrência de causas: imperícia do cirurgião e imprudência do paciente, caso em que o valor da indenização a ser imposta ao profissional deverá ser reduzida. Neste caso, o juiz decidirá por equidade, levando em conta o grau de ambas as culpas, atendendo ao disposto no art. 945 do Código Civil. O juiz deverá considerar o grau de participação de cada qual na produção do dano, ou seja, haverá de aferir a proporcionalidade das culpas e em função delas estabelecer o quantum indenizatório. Se após a demolição de um prédio, o edifício vizinho apresenta rachaduras, nem por isso se poderá afirmar, conclusivamente, que estas são uma consequência daquela. Caberá à prova técnica apurar os cuidados observados na demolição, bem como as condições em que se encontrava o prédio afetado. Caso as conclusões da perícia revelem que a causa determinante da ocorrência foi a má qualidade da fundação ou da estrutura do prédio abalado, que não resistiu às vibrações normais havidas no solo, não se positivará o nexo de causalidade, inexistindo, pois, responsabilidade civil. O nexo entre causa e efeito, como adverte Demogue, deve ser real, não interrompido. Assim, se alguém desfere um tiro contra uma pessoa, que vem a falecer mas em razão de um disparo efetuado por um terceiro, inexistirá a causalidade entre o óbito e a primeira conduta. Esta “não foi uma condição indispensável do resultado”. (in Curso de direito civil, volume 7: responsabilidade civil. / Paulo Nader. – 6. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 77-78) Na espécie, o dano moral sofrido pela parte autora, consubstanciado no abalo de sua imagem, respeito, credibilidade e nome no âmbito comercial perante terceiros, está estritamente vinculado à ação da parte requerida, que registrou indevidamente um boletim de ocorrência em seu desfavor, causando-lhe restrição perante outros contratantes de serviços de frete. Em última análise, resta caracterizada a conduta dolosa da parte requerida, pois, nos termos bem explicitados alhures, é evidente que agiu assumindo o risco de causar o dano a requerente. Sobre o elemento subjetivo, ANDERSON SCHREIBER, FLÁVIO TARTUCE, JOSÉ FERNANDO SIMÃO, MARCO AURÉLIO BEZERRA DE MELO e MÁRIO LUIZ DELGADO, doutrinam: A configuração do ato ilícito depende, em primeiro lugar, de dolo ou culpa por parte do agente. Exige-se que a conduta voluntária do sujeito (ação ou omissão) tenha se caracterizado pela intenção de causar o prejuízo (dolo) ou pela falta de observância de um dever jurídico (culpa). Como se vê, a identificação da culpa ou dolo – noções reunidas sob a denominação de culpa lato sensu – depende de uma valoração da conduta do sujeito. (in Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência – 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 395, sem grifos no original) Nesta linha de intelecção, uma vez que a parte requerida não logrou êxito em infirmar a narrativa autoral, embora tal providência lhe recaísse, ex vi do previsto no art. 373, inciso II, do CPC, e tendo a parte requerente, por seu turno, logrado êxito em retratar a ocorrência do ato ilícito, do resultado danoso, do nexo de causalidade e da autoria pelos elementos de prova por ela apresentados, conclui-se como imperativo o dever de indenizar. Via de consequência, de rigor a imposição à parte requerida do dever de indenizar, posto que violado o princípio constitucional descrito no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, como se vê: Art. 5º (omissis) X - São invioláveis a intimidade, a vida provada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Quanto ao arbitramento do dano, têm entendido a doutrina e a jurisprudência que devem ser observados certos critérios como a conduta das partes, condições sociais e econômicas do ofendido e do ofensor, a gravidade do dano, o grau de culpa, a fama do lesado. Doutrinando sobre o tema ora em debate, com a clareza que lhe é peculiar MARIA HELENA DINIZ proclama: A fixação do quantum competira ao prudente arbítrio do magistrado de acordo com o estabelecido em lei, e nos casos de dano moral não contemplado legalmente a reparação correspondente será fixada por arbitramento (CC, art. 1553, RTJ, 69: 276, 67: 277). Arbitramento e o exame pericial tendo em vista determinar o valor do bem, ou da obrigação, a ele ligado, muito comum na indeniza ção dos danos. E de competência jurisdicional o estabelecimento do modo como o lesante deve reparar o dano moral, baseado em critérios subjetivos (posição social ou política do ofendido, intensidade do animo de ofender; culpa ou dolo) ou objetivos (situação econômica do ofensor, risco criado, gravidade e repercussão da ofensa). Na avaliação do dano moral o órgão judicante deverá estabelecer uma reparação equitativa, baseada na culpa do agente, na extensão do prejuízo causado e na capacidade econômica do responsável. Na reparação do dano moral o juiz determina, por equidade, levando em conta as circunstancias de cada caso, o quantum da indenização devida, que devera corresponder a lesão e não se equivalente, por ser impossível tal equivalência. (in Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 7, p. 78-79, sem grifos no original) Assim, levando-se em consideração que a parte autora não concorreu para o fato, sopesando-se a conduta tempestuosa da parte requerida, sua condição financeira e a extensão das lesões causadas à ofendida, aliado ao caráter pedagógico da indenização, fixo-a em R$ 10.000,00 (dez mil reais). No tocante ao termo a quo dos juros de mora, estes deverão incidir desde o evento danoso (data do registro do boletim de ocorrência), tendo em vista a relação extracontratual entre as partes (S. 54/STJ). Já a correção monetária será devida a partir da data do arbitramento (S. 362/STJ). Por fim, impende registrar que a despeito do nome dado à ação não foi formalizado pedido final de retratação, de modo que defeso ao juízo incursionar neste tocante, sob pena de tornar a sentença extra petita. Com tais considerações, a procedência da ação é medida de rigor. III – DISPOSITIVO. Diante do exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil[6], JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na ação para CONDENAR a parte requerida ao pagamento da importância de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de indenização por danos morais, a qual deverá ser atualizada da seguinte forma: i) até a data de 31-8-2024, os juros de mora – devidos desde o evento danoso (data do registro do boletim de ocorrência) – deverão incidir à taxa de 1% (um por cento) ao mês, sendo que a partir de 1-9-2024 (vigência da Lei nº 14.905/2024 no tocante ao sistema de juros e taxas) o referido encargo deverá corresponder à taxa SELIC (CC, art. 406), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 do Código Civil, nos termos da Taxa Legal divulgada pelo Banco Central do Brasil; ii) o crédito deverá ser corrigido monetariamente, desde a data do arbitramento, segundo o IPCA/IBGE ou do índice que vier a substituí-lo (CC, art. 389, parágrafo único). CONDENO, ainda, a parte requerida ao pagamento das custas, despesas processuais e dos honorários advocatícios, os quais FIXO em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (indenização por danos morais), nos termos do art. 85, § 2º do CPC. PUBLIQUE-SE. INTIMEM-SE. Com o trânsito em julgado, e nada sendo requerido pelas partes, ARQUIVEM-SE os autos, com as baixas e anotações de praxe. CUMPRA-SE, expedindo o necessário. Campo Verde/MT, 9 de julho de 2025. MARIA LÚCIA PRATI Juíza de Direito [1] Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. § 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. § 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil. § 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando: I - recair sobre direito indisponível da parte; II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. § 4º A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o processo. [2] Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: [...] II – velar pela duração razoável do processo; [...]. [3] LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. [4] Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito. Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias. [5] Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I – não houver necessidade de produção de outras provas; [...]. [6] Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: I – acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção; [...].
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear