Processo nº 0200898-54.2024.8.06.0031
ID: 320774465
Tribunal: TJCE
Órgão: Vara Única da Comarca de Alto Santo
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0200898-54.2024.8.06.0031
Data de Disponibilização:
09/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FRANCISCO REGIOS PEREIRA NETO
OAB/CE XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁComarca de ALTO SANTOVara Única da Comarca de Alto SantoRua Cel. Simplício Bezerra, 32, Centro, ALTO SANTO - CE - CEP: 62970-000 Processo nº 0200898-54.2024.8.06.…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO CEARÁComarca de ALTO SANTOVara Única da Comarca de Alto SantoRua Cel. Simplício Bezerra, 32, Centro, ALTO SANTO - CE - CEP: 62970-000 Processo nº 0200898-54.2024.8.06.0031 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Assunto: [Defeito, nulidade ou anulação, Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material, Contratos de Consumo] Parte Ativa: FRANCISCO JOSE ARAUJO NOGUEIRA Parte Passiva: BANCO BRADESCO S.A. SENTENÇA I - Relatório. Trata-se de Ação Declaratória de Inexistência ou Nulidade de Negócio Jurídico c/c Pedido de Repetição de Indébito e Indenização por Danos Morais ajuizada por FRANCISCO JOSE ARAUJO NOGUEIRA em face de BANCO BRADESCO S.A., ambos qualificados na inicial. Aduz a requerente, em síntese, que o promovido indevidamente deu causa a descontos em seu benefício previdenciário, em virtude de contrato de empréstimo consignado não anuído (contrato nº. 0123414602154), no valor de R$ 22.380,12 (vinte e dois mil reais e trezentos e oitenta reais e doze centavos). Requer, pela narrativa, a declaração de inexistência ou nulidade do contrato de empréstimo não reconhecido e dos débitos decorrentes, a repetição em dobro do que foi descontado, bem como reparação por danos morais. Pleiteia tutela provisória para suspensão dos descontos. Na decisão de Id 106727833, foi recebida a inicial, deferida a gratuidade judiciária, indeferida a liminar e determinada a citação do requerido para apresentar contestação. O demandado apresentou contestação ao Id 124690327 alegando, preliminarmente, prescrição, ausência de interesse de agir, conexão, decadência, impugnou a concessão da justiça gratuita e o valor da causa e, no mérito, que a contratação ocorreu de forma regular, razão pela qual inexiste falha na prestação do serviço; impugna o pleito de repetição do indébito e indenização por danos morais; ao final, pleiteia pela improcedência da ação. Devidamente intimada (Id 126029299), a parte autora apresentou réplica ao Id 130264915. Decisão de saneamento de ID 142500790, indefere a inversão do ônus da prova e determina a intimação das partes para apresentarem provas, anunciando o julgamento antecipado do mérito em caso de não manifestação. Devidamente intimadas, a parte autora requereu a inversão do ônus da prova e a parte requerida deixou transcorrer o prazo sem manifestação. É o breve relato. Fundamento e decido. II - Fundamentação. II. a) Julgamento antecipado do mérito. Com fundamento no art. 355, I, do Código de Processo Civil (CPC), promovo o julgamento antecipado do mérito, considerando a desnecessidade de produção de outras provas para a solução do litígio. Trata-se de relação estritamente contratual, que pode ser resolvida à luz da prova documental, legislação e entendimento jurisprudencial sobre o tema. A solução prestigia a celeridade processual, com base no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, arts. 4º e 6º, do CPC, bem como reforça a vedação de diligências inúteis e meramente protelatórias, com base no art. 370, parágrafo único, do diploma processual. Importa esclarecer que ambas as partes não manifestaram interesse na produção de outras provas quando intimadas nesse sentido. Indefiro o pedido da parte autora de inversão do ônus da prova, mantendo a decisão de Id 142500790 em todos os seus termos. II. b) Das preliminares II. b.1) Prescrição. A instituição financeira suscitou a prescrição da pretensão autoral, pois desde o início dos descontos até o ajuizamento da ação teria havido o decurso temporal superior ao necessário. Com efeito, a prescrição observa o prazo quinquenal contido no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor. Todavia, ao contrário do que consta na contestação, o termo inicial é a data do último desconto, conforme iterativa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (AREsp 17999042, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª T., j. 19/09/2019), bem como do TJCE (Apelação nº 0001595-27.2019.8.06.0066, Relª. Desembargadora Maria Vilauba Fausto Lopes, 3ª Câmara de Direito Privado, j. 22/04/2020). Nos presentes autos, o ajuizamento da presente ação ocorreu em 13.05.2024 e os descontos permaneceram ativos no benefício previdenciário da parte autora até dezembro de 2022 (Id 100713791), razão pela qual não há que se falar em prescrição. Rejeito, portanto, a questão prejudicial de mérito. II. b.2) Da inépcia da inicial A parte requerida pugnou de forma preliminar a extinção do processo sem resolução do mérito por indeferimento da inicial, alegando que o autor deixou de depositar em juízo o valor objeto do empréstimo recebido em sua conta, ou ainda, de trazer aos autos extrato do benefício previdenciário. Inicialmente, cumpre destacar que não é imprescindível ao ajuizamento das ações declaratórias de inexistência de débito o depósito em juízo do valor referente ao montante do contrato discutido, estando o pedido do demandando carente de supedâneo jurídico. E, no que se refere aos extratos previdenciários, tenho que este não é o único documento apto a comprovar o alegado pelo autor. Ressalto, ainda, que os documentos apresentados, seja em sede de petição inicial ou defesa, são relacionados ao mérito da causa, pelo que com ele serão analisados e valorados. Assim, rejeito a preliminar de inépcia da inicial, pois não estão presentes nenhuma das hipóteses constantes no art. 330, § 1º do CPC, falta de pedido ou causa de pedir, pedido indeterminado, da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão, existência de pedidos incompatíveis entre si. II. b.3) Da ausência de interesse de agir O requerido suscitou a preliminar de ausência de interesse processual, diante da falta de prévio requerimento administrativo, no entanto, a tese não procede. O interesse de agir, uma das condições da ação, envolve o binômio necessidade/utilidade que justifica o prosseguimento do feito. A partir do relato da inicial, constata-se presente, tendo em vista que a parte autora requer a declaração de inexistência ou nulidade do contrato, com a condenação da parte ré em indenização por danos materiais e morais, sendo-lhe assegurado o direito a obter a tutela jurisdicional em caso de lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988). O fato de a parte autora não ter formulado requerimento administrativo não é óbice ao ajuizamento dessa ação, porque não há nenhuma obrigação nesse sentido. II. b.4) Da impugnação à justiça gratuita O art. 98 do CPC dispõe que será beneficiário da gratuidade da justiça todo aquele que não possui recursos suficientes para pagar as custas, as despesas e os honorários do processo. Nesse sentido, nos termos do art. 99 do CPC, mera declaração do interessado acerca de sua hipossuficiência basta para a concessão do pedido, revestindo-se tais documentos de presunção relativa de veracidade. Em análise do processo, verifico que a requerente declarou sua hipossuficiência, não havendo qualquer elemento nos autos que elida a mencionada presunção, inclusive porque recebe benefício do INSS no valor de um salário mínimo (Id 100713791). Portanto, rejeito a preliminar suscitada. II. b.5) Da impugnação ao valor da causa Sustenta o requerido que o valor da causa foi atribuído erroneamente, tendo em vista que pleiteia indenização por danos morais e materiais, mas não quantificou o valor exato da indenização total pretendida. Todavia, extrai-se da inicial que o valor atribuído à causa pela requerente corresponde à soma da indenização por danos materiais e morais pleiteados, estando de acordo com a previsão do art. 292, VI, do CPC. Portanto, não assiste razão ao demandado, de modo que rejeito a preliminar suscitada. II. b.6) Da preliminar de conexão Alega o Promovido que o feito deve ser julgado em conjunto com outros processos, em virtude da ocorrência de conexão. Em que pese a argumentação da instituição financeira, não se vislumbra a presença do instituto processual invocado, porquanto os contratos discutidos nos processos são distintos, o que transmuta tanto a causa de pedir quanto o pedido, pois se relacionam a cada avença individualmente, afastando a incidência do art. 55, CPC/15. Ademais, não há risco de decisões conflitantes, tendo em vista a individualidade de cada contrato firmado, não estando a validade de qualquer deles condicionada a de outro, respeitando o §3º do mencionado art. 55 e reforçando a inocorrência de conexão entre os processos. II. b.6) Decadência. Em sede de Contestação, o requerido alega que o direito da parte autora foi atingido pela decadência, eis que já decorreu mais de 04 (quatro) anos entre a data da celebração do contrato e o ajuizamento da ação, tendo em vista ser este o prazo decadencial para anulação de negócio jurídico, nos termos do art. 178, II, do CC. Todavia, não assiste razão ao demandado, eis que o caso dos autos retrata obrigação de trato sucessivo, e a parte autora somente teve ciência dos descontos em momento posterior, não podendo ser aplicada a data da contratação como termo inicial da contagem do prazo decadencial. Nesse sentido, colaciono o seguinte precedente do Tribunal de Justiça do Ceará: APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA E DECADÊNCIA AFASTADAS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE EMPRÉSTIMOBANCÁRIO. DESCONTOS INDEVIDOS. AUSÊNCIA DE CONTRATAÇÃO. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUMARBITRADO DE FORMA PROPORCIONAL. RECURSOIMPROVIDO. 1. DAS PRELIMINARES. 1.1. É pacífico na jurisprudência o entendimento de que o Banco recorrente e o Banco Itaú BMG Consignado S/A fazem parte do mesmo grupo econômico, o que confere ao consumidor, parte hipossuficiente da relação, a possibilidade de acionar qualquer destes fornecedores de serviço. 1.2. Não há como ser acolhida, também, a prejudicial de decadência, sobretudo porque o caso não diz respeito a vício de fácil constatação. Ademais, o contrato versa sobre obrigações de trato sucessivo, cujas supostas irregularidades só foram constatas em momento posterior, não podendo ser adotado como termo inicial para contagem de prazo decadencial a data da contratação. 2. DO MÉRITO. 2.1. Quanto ao mérito, à instituição financeira incumbe demonstrar o fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito do consumidor, o qual não restou comprovado, haja vista não existir o suposto contrato bancário firmado com a apelada, o que demonstra a má prestação do serviço do Banco. 2.2. Assim, não foi comprovada a contratação, pois não consta nos autos cópia do contrato assinado pelo recorrente. Desta forma, não há dúvida de que o banco desatendeu o inciso II do art. 373 do CPC quanto ao ônus da prova. 2.3. Destarte, a alegação de inexistência de dano moral não merece prosperar, pois é de se observar que o fato causou à parte consumidora gravame que sobeja a esfera do aborrecimento 2.4. Em relação ao valor arbitrado, este deve estar regrado dentro dos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, sob pena de deferir enriquecimento indevido a uma das partes. Assim, em análise detalhada dos autos, entende-se aqui ser razoável e proporcional o valor arbitrado pelo Juízo a quo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), posto que atende às circunstâncias do caso, considerando a natureza da conduta, as consequências do ato, bem como os valores do contrato impugnado. 3. Recurso improvido. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer do recurso, mas para negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator. Fortaleza, 19 de outubro de 2022 CARLOS ALBERTO MENDES FORTE Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR CARLOS ALBERTOMENDES FORTE Relator (Apelação Cível - 0010367-81.2016.8.06.0163, Rel. Desembargador(a) CARLOS ALBERTO MENDES FORTE, 2ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 19/10/2022, data da publicação: 21/10/2022). Destaquei. Portanto, rejeito a questão prejudicial. II. c) Mérito. A parte autora, em suma, impugna a existência do contrato de empréstimo consignado acima discriminado. Nítida é a relação de consumo estabelecida entre as partes. A instituição financeira, oferecendo contrato de empréstimo, é fornecedora, nos termos do art. 3º, §2º, do Código de Defesa do Consumidor, e Súmula nº 297 do STJ. A parte requerente, por sua vez, é equiparada a consumidora, à luz do art. 17 do CDC, pois vítima de evento possivelmente defeituoso. A responsabilidade civil, no microssistema consumerista, não prescinde da caracterização de seus requisitos essenciais: conduta lesiva, dano e nexo de causalidade. Entretanto, com base no art. 14, §3º, I, do CDC, o fornecedor pode esquivar-se da obrigação caso comprove a inexistência de vício no serviço prestado, operando-se, no ponto, verdadeira inversão ope legis do ônus da prova. Incide ao caso a Teoria do Risco do Empreendimento, acolhida pelo Código de Defesa do Consumidor, pela qual todo aquele que se dispõe a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. No mérito, a parte autora questiona contrato de empréstimo consignado nº 0123414602154 e afirma não o ter celebrado com a parte requerida, sendo as cobranças em seu benefício previdenciário indevidas. No caso em apreço, a parte ré não se desincumbiu de provar a inexistência de defeito na prestação do serviço e consequentemente desconstituir a pretensão da parte autora. Isso porque o réu não junta qualquer documento comprobatório da realização do mútuo pelo autor. Ainda que o contrato tenha sido celebrado mediante uso de cartão e senha pessoal, caberia à instituição financeira ter juntado esse documento, o que não fez. Cumpre destacar, a propósito, que a tela sistêmica presente na Contestação apresentada pelo demandado não tem força probatória, pois produzida unilateralmente. Nesse sentido, aliás, tem se firmado a jurisprudência, senão vejamos: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO - CONTRATAÇÃO DE PLANO TELEFÔNICO - CANCELAMENTO DO PLANO - COBRANÇA NÃO CESSADA - PAGAMENTO INDEVIDO - TELAS SISTÊMICAS - PROVA UNILATERAL - DANO MORAL CONFIGURADO - SENTENÇA REFORMADA. A apresentação de telas de sistema, por se tratarem de documentos unilaterais, não se presta a comprovar os fatos alegados. Na fixação do valor da compensação, imprescindível sejam levadas em consideração a proporcionalidade e razoabilidade. (TJ-MG - AC:10000212014476001 MG, Relator: Marcos Henrique Caldeira Brant, Data de Julgamento: 09/02/2022, Câmaras Cíveis / 16ª CÂMARACÍVEL, Data de Publicação: 10/02/2022) - Destaquei. APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Autora que alega desconhecer a origem do débito que ensejou a negativação de seu nome junto ao órgão de proteção ao crédito. Ré que informou não possuir mais o contrato de financiamento, tampouco qualquer outro documento comprobatório da transação, tendo se limitado a apresentar "prints" de suas telas sistêmicas. Prova unilateral que não é suficiente para demonstrar a validade do negócio. Ônus da prova que incumbia à empresa, nos termos do art. 6º, VIII do CDC. Inexigibilidade do débito reconhecida, com a consequente determinação de baixa do gravame. Inexistência, contudo, de dano moral, uma vez que, à época da negativação, a autora já possuía outros apontamentos em seu nome. Sentença reformada para julgar parcialmente procedente os pedidos, invertidos os ônus de sucumbência. Recurso parcialmente provido. (TJ-SP - AC: 10059106920198260084 SP 1005910-69.2019.8.26.0084,Relator: Nuncio Theophilo Neto, Data de Julgamento: 18/02/2022, 27ªCâmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/02/2022) Sem a prova válida de que os descontos foram consentidos, está comprometido o plano de existência do contrato. Para elidir sua responsabilidade, como dito, deveria o réu ter demonstrado que a parte demandante efetiva e voluntariamente participou do contrato de empréstimo impugnado, ônus do qual não se desincumbiu. Mesmo que se atribua a ilicitude da contratação à ação de terceiro fraudador, tal fato não desonera o requerido de sua responsabilidade perante o consumidor, vítima do evento. Trata-se de situação inerente à rotina de serviço da instituição e imanente aos riscos assumidos com a atividade, no que a doutrina e jurisprudência tacham de fortuito interno. Assim dispõe o enunciado de súmula nº 479, do Superior Tribunal de Justiça: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". Constatado, portanto, o defeito na prestação do serviço, nos termos do art. 14, caput, do CDC, há de se reconhecer a inexistência do contrato de empréstimo consignado objeto dos autos e, em consequência, o cancelamento dos débitos dele decorrentes. II. b. 1) Repetição de indébito. Na espécie, a parte autora comprovou através do documento de Id 100713791 que os descontos em seu benefício previdenciário iniciaram em setembro de 2020, e continuaram ativos até dezembro de 2022, razão pela qual a restituição de tais valores é também decorrência da declaração de inexistência contratual, sobre a qual deve incidir juros de mora e correção monetária. Quanto à restituição em dobro do indébito, é imperioso ressaltar o entendimento firmado pela Corte Especial do STJ no julgamento dos embargos de divergência no EREsp 1.413.542, EAREsp 676.608, EAREsp 664.888 e EAREsp 600.663, em que se firmaram as seguintes teses na forma do art. 927, V, do CPC: A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo (EREsp 1413542/RS e EAREsp 600.663/RS Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/10/2020, DJe 30/03/2021) (EAREsp 664.888/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/10/2020, DJe 30/03/2021). Primeira tese: A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva (EAREsp 676.608/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/10/2020, DJe 30/03/2021). Sobre esse ponto, vale ressaltar o seguinte trecho da ementa do aludido julgado do EREsp 1.413.542, em que se esclarece o sentido e o alcance da tese referida: RESUMO DA PROPOSTA DE TESE RESOLUTIVA DA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL 22. A proposta aqui trazida - que procura incorporar, tanto quanto possível, o mosaico das posições, nem sempre convergentes, dos Ministros MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, NANCY ANDRIGHI, LUIS FELIPE SALOMÃO, OG FERNANDES, JOÃO OTÁVIO DE NORONHA E RAUL ARAÚJO - consiste em reconhecer a irrelevância da natureza volitiva da conduta (se dolosa ou culposa) que deu causa à cobrança indevida contra o consumidor, para fins da devolução em dobro a que refere o parágrafo único do art. 42 do CDC, e fixar como parâmetro excludente da repetição dobrada a boa-fé objetiva do fornecedor (ônus da defesa) para apurar, no âmbito da causalidade, o engano justificável da cobrança [destaque nosso]. Convém sublinhar ainda que a mencionada tese foi objeto de modulação temporal nos seguintes termos: PARCIAL MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DA PRESENTE DECISÃO 25. O art. 927, § 3º, do CPC/2015 prevê a possibilidade de modulação de efeitos não somente quando alterada a orientação firmada em julgamento de recursos repetitivos, mas também quando modificada jurisprudência dominante no STF e nos tribunais superiores. 26. Na hipótese aqui tratada, a jurisprudência da Segunda Seção, relativa a contratos estritamente privados, seguiu compreensão (critério volitivo doloso da cobrança indevida) que, com o presente julgamento, passa a ser completamente superada, o que faz sobressair a necessidade de privilegiar os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança dos jurisdicionados. 27. Parece prudente e justo, portanto, que se deva modular os efeitos da presente decisão, de maneira que o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação deste acórdão [...] 29. Impõe-se MODULAR OS EFEITOS da presente decisão para que o entendimento aqui fixado - quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público - se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão [destaque nosso] Modulação dos efeitos: Modulam-se os efeitos da presente decisão - somente com relação à primeira tese - para que o entendimento aqui fixado quanto à restituição em dobro do indébito seja aplicado apenas a partir da publicação do presente acórdão. A modulação incide unicamente em relação às cobranças indevidas em contratos de consumo que não envolvam prestação de serviços públicos pelo Estado ou por concessionárias, as quais apenas serão atingidas pelo novo entendimento quando pagas após a data da publicação do acórdão [destaque nosso]. No presente caso, verifica-se que parte dos descontos se deram antes da publicação do acórdão atinente ao julgado aqui mencionado (30/03/2021 - RSTJ vol. 261), razão pela qual se deve aplicar o entendimento até então consolidado na Segunda Seção do STJ, segundo o qual, para a incidência do disposto no art. 42, parágrafo único, do CDC, é necessária a demonstração de má-fé do fornecedor, o que não se logrou comprovar nestes autos, motivo pelo qual se impõe a repetição de indébito na forma simples em relação ao período compreendido entre setembro de 2020 a março de 2021. A título ilustrativo desse entendimento, até então predominante, vejam-se os seguintes precedentes: AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. DESCONTO INDEVIDO EM FOLHA DE PAGAMENTO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. MÁ-FÉ. 1. A devolução em dobro dos valores pagos pelo consumidor é possível quando demonstrada a má-fé do credor. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento (STJ - AgInt no AREsp: 1110103 DF 2017/0126429-3, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 10/04/2018, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/04/2018). AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. ADMISSIBILIDADE. SÚMULA 322/STJ. PROVA DO ERRO. PRESCINDIBILIDADE. REPETIÇÃO EM DOBRO. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. REPETIÇÃO DE FORMA SIMPLES. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível tanto a compensação de créditos quanto a devolução da quantia paga indevidamente, independentemente de comprovação de erro no pagamento, em obediência ao princípio que veda o enriquecimento ilícito. Inteligência da Súmula 322/STJ. Todavia, para se determinar a repetição do indébito em dobro deve estar comprovada a má-fé, o abuso ou leviandade, como determinam os arts. 940 do Código Civil e 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, o que não ficou comprovado na presente hipótese. 2. Agravo regimental desprovido (STJ - AgRg no REsp: 1498617 MT 2014/0277943-9, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 18/08/2016, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/08/2016). Desse modo, impõe-se a repetição de indébito na forma simples até a mencionada data, referente à publicação do referido acórdão do STJ. No tocante aos descontos realizados a partir de abril de 2021, por ser posteriores à publicação do acórdão atinente ao julgado acima mencionado (30/03/2021 - RSTJ vol. 261), devem ser restituídos na forma dobrada. Ressalte-se, por oportuno, que não tendo havido prova de contratação regular, entendo que o caso retrata responsabilidade de cunho extracontratual, decorrendo daí a contagem de juros moratórios a partir do evento danoso, nos termos da súmula nº 54 do STJ, e correção monetária desde o efetivo prejuízo, conforme súmula nº 43 do STJ, sendo em ambos os casos a data dos descontos. II. b. 2) Danos morais. Quanto à pretensão de reparação por danos morais, entendo que não deve prosperar. Isso porque, de acordo com o documento de Id 100713791, os descontos no benefício previdenciário da autora tiveram início em setembro de 2020 e a ação somente foi ajuizada em maio de 2024, ou seja, quase 04 (quatro) anos depois. Ora, se de fato a autora tivesse experimentado angústia, dor, vexame ou humilhação, de modo a atingir seus direitos da personalidade, decerto teria recorrido ao Poder Judiciário muito antes. Nesse contexto, cito o seguinte precedente do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C.C. DANOS MORAIS - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - QUANTIA MÓDICA - VALOR RESSARCIDO - DEMORA NO AJUIZAMENTO DA AÇÃO - MERO DISSABOR - DANO MORAL NÃO CONFIGURADO - RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES - MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA - RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. Considerando que a prova dos autos dá conta de que ocorreram apenas quatro descontos de R$ 15,67, cujo prejuízo material será ressarcido integralmente, aliado ao fato de que aguardou o apelante por longo período para ingressar em juízo, não se vislumbra a ocorrência de ofensa moral indenizável A ocorrência de aborrecimentos, contrariedades da vida cotidiana, como os provenientes de uma relação contratual insatisfatória, não caracterizam dano moral, o qual somente deve ser reconhecido quando demonstrada efetiva violação de direitos da personalidade, quais sejam, dignidade, honra, imagem, intimidade ou vida privada., o que não se vislumbra no caso. A restituição de parcelas deve se dar na forma simples, diante da ausência de comprovação de má-fé por parte do banco. Recurso conhecido e improvido. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM, em sessão permanente e virtual, os (as) magistrados (as) do (a) 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, na conformidade da ata de julgamentos, a seguinte decisão: Por unanimidade, negaram provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. (TJ-MS - AC: 08003934620208120044 MS 0800393-46.2020.8.12.0044, Relator: Juiz Luiz Antônio Cavassa de Almeida, Data de Julgamento: 17/01/2022, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 19/01/2022). Destaquei. Sendo assim, não estão configurados danos morais e, por conseguinte, indevida indenização. II. b. 3) Compensação. Conforme extrato bancário de Id 124690329, o crédito referente ao suposto contrato de empréstimo, no valor de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), foi disponibilizado na conta bancária da parte autora no dia 05/08/2020. Assim, diante da juntada do comprovante de liberação do valor na conta da autora, cabia à requerente ter acostado extrato de sua conta bancária, a fim de demonstrar eventual não recebimento do valor do mútuo, o que não fez. Ressalte-se, aliás, que a hipossuficiência não desobriga o consumidor de produzir as provas constitutivas de seu direito que estejam ao seu alcance, nos termos do art. 373, I, do Código de Processo Civil. Em que pese tratar-se de relação consumerista, na qual existe expressa previsão de meios facilitadores da defesa do elo mais frágil, compete à parte autora trazer aos autos prova mínima de suas alegações. Nesse sentido posiciona-se o Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. INDENIZAÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REGRA DE INSTRUÇÃO. COMPROVAÇÃO MÍNIMA DOS FATOS ALEGADOS. SÚMULAS 7 E 83 DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. É assente nesta Corte Superior o entendimento de que a inversão do ônus da prova é regra de instrução e não de julgamento. 2. "A jurisprudência desta Corte Superior se posiciona no sentido de que a inversão do ônus da prova não dispensa a comprovação mínima, pela parte autora, dos fatos constitutivos do seu direito" (AgInt no Resp 1.717.781/RO, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 05/06/2018, DJe de 15/06/2018). 3. Rever o acórdão recorrido e acolher a pretensão recursal demandaria a alteração do conjunto fático-probatório dos autos, o que é inviável nesta via especial ante o óbice da Súmula 7 do STJ. 4. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no AREsp: 1951076 ES 2021/0242034-2, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 21/02/2022, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/02/2022). Grifei. Portanto, deve ser feita a compensação entre a referida quantia e o valor da condenação e, se for o caso, ser devolvido o excedente ao requerido. III - Dispositivo. Ante o exposto, rejeito as preliminares arguidas e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão autoral e extinguir o feito com resolução do mérito, com fulcro no art. 487, I, do vigente Código de Processo Civil, para: a) Declarar inexistente o vínculo e a consequente obrigação referente ao contrato n.º 0123414602154, determinando a restituição do "status quo ante" e, por consequência, que a parte autora devolva ao banco demandado o valor do empréstimo depositado em sua conta bancária, autorizando-se, desde já, a compensação; corrigido monetariamente pelo IPCA desde a data do depósito. Caso a parte autora informe que não recebeu o valor em sua conta bancária, para fins de cumprimento de sentença, deverá instruir com extratos bancários do mês de início dos descontos do empréstimo questionado, bem como dos três meses anteriores e posteriores; b) Condenar o requerido a devolver à parte autora os valores indevidamente descontados de seu benefício previdenciário, referente ao contrato declarado inexistente, de forma simples em relação ao período de setembro de 2020 a março de 2021, e de forma dobrada a partir de abril de 2021, acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês a contar do dia em que cada desconto foi efetuado (art. 398, do Código Civil e súmula 54 do STJ) e correção monetária da mesma data (Súmula nº 43, do STJ), com base no INPC-E. A correção monetária será calculada nos moldes acima fixados, que devem incluir, a partir da respectiva vigência, o critério traçado pela Lei 14.905/2024 (IPCA - IBGE). Os juros moratórios serão considerados no percentual de 1% ao mês até 30/06/2024 e, a partir de 1º de julho de 2024 (publicação da Lei 14.905/2024), serão calculados conforme a taxa referencial do Sistema de Liquidação e de Custódia (SELIC), deduzido o índice de correção monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 do Código Civil (Lei 14.905/2024); Condeno ambas as partes, na proporção de 50% para cada uma, ao pagamento de custas e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do art. 85, §§ 2º e 8º e art. 86, ambos do Código de Processo Civil, considerando a natureza da demanda e ausência de complexidade da matéria. No entanto, essa obrigação ficará sob condição suspensiva de exigibilidade quanto à parte autora, em virtude da gratuidade da justiça deferida, como determina o art. 98, §3º, do CPC. Publique-se. Registre-se. Intimem-se as partes por seus advogados. Não havendo irresignação, certifique-se o trânsito em julgado e arquive-se com baixa na estatística. Alto Santo/CE, data da assinatura digital. ISAAC DANTAS BEZERRA BRAGA Juiz Auxiliar em Respondência
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