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Processo nº 1051546-44.2025.8.26.0053

ID: 301267354

Tribunal: TJSP Órgão: Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 15ª Vara da Fazenda Pública Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1051546-44.2025.8.26.0053

Data de Disponibilização: 17/06/2025

Polo Ativo:

GENTIL DE MOURA DIáLOGO EMPREENDIMENTOS IMOBILáRIOS SPE LTDA

Polo Passivo:

Intimação

Advogados:

BRUNO CANHEDO SIGAUD

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

Processo 1051546-44.2025.8.26.0053 - Procedimento Comum Cível - Anulação de Débito Fiscal - Gentil de Moura Diálogo Empreendimentos Imobilários Spe Ltda - Vistos. Trata-se de procedimento comum cível… Processo 1051546-44.2025.8.26.0053 - Procedimento Comum Cível - Anulação de Débito Fiscal - Gentil de Moura Diálogo Empreendimentos Imobilários Spe Ltda - Vistos. Trata-se de procedimento comum cível requerido por Gentil de Moura Diálogo Empreendimentos Imobilários Spe Ltda contra o PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO no qual aduz a requerente que atua no ramo da construção civil, realizando construção e incorporação de empreendimentos imobiliários. Alega ser proprietária do imóvel localizado na Av. Dr. Gentil de Moura, 172 - Ipiranga, São Paulo - SP, 04278-000, onde construiu o empreendimento imobiliário denominado Walk Alto do Ipiranga. Ocorre que a Municipalidade condiciona a emissão do correspondente Certificado de Conclusão de Obra (Habite-se) ao prévio recolhimento do ISSQN. Requer a antecipação da tutela para que seja deferida a emissão do Certificado de Conclusão (Habite-se) do empreendimento Walk Alto Ipiranga, localizado na Av. Dr. Gentil de Moura, 172 - Ipiranga, São Paulo - SP, 04278-000, objeto da DTCO nº 2025.0002076-9, independentemente do pagamento do ISS pertinente. Requer a procedência da ação para que seja confirmada a impossibilidade da exigência do pagamento do ISS para fins da emissão do Certificado de Conclusão do empreendimento da Autora e declarada ilegal a utilização de uma Pauta Fiscal Mínima de valores do ISS sem que seja observado o artigo 148 do CTN, confirmando-se, por consequência, a inexistência de relação jurídico tributária que obrigue a Autora ao recolhimento do ISS devido no empreendimento Walk Alto Ipiranga sob o instituto da Pauta Fiscal, uma vez que o ISS devido em seu empreendimento foi regularmente recolhido com base no efetivo preço do serviço, afastando-se qualquer exigência fiscal de ISS constante da DTCO nº 2025.0002076-9 e igualmente vedando qualquer tentativa de arbitramento futuro para a construção ora discutida. A dedução de tutela provisória, segundo a Lei e histórica doutrina, não se dá pautado exclusivamente no risco do direito. O risco de direito é - sabe-se - verso e reverso, e não basta em si mesmo. Sensibiliza, contudo não decide. É mais inerente à Realidade das coisas e ao Tempo que propriamente ao rito jurisdicional. Comumente, e aqui não é diferente, o dito perigo na demora é palpável. Some-se ao perigo, evidente impaciência da parte com a situação. Apesar de tudo isso, o verdadeiro requisito pendente de análise é outro: probabilidade de direito, seja decorrente de prova inequívoca, seja ao menos de fumaça de direito. Centro a análise, pois, nele. A demanda trazida a conhecimento se insere no âmbito da exigência de ISSQN por cálculo embasado em valor administrativo, provavelmente pauta fiscal, que se dá à revelia das notas fiscais de mão de obra apresentada. Quanto ao primeiro aspecto, irresigna-se o contribuinte contra a exigência de complementação do ISSQN para expedição de Habite-se. A Lei Complementar nº 116/03, que dispõe sobre os Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências, preconiza em seu artigo 7º que "A base de cálculo do imposto é o preço do serviço". Nesse teor, o Município sustenta a constitucionalidade do artigo 14, § 3º, da Lei 13.701/2003, o qual assim dispõe: Art. 14. A base de cálculo do Imposto é o preço do serviço, como tal considerada a receita bruta a ele correspondente, sem nenhuma dedução, excetuados os descontos ou abatimentos concedidos independentemente de qualquer condição. § 1º Na falta desse preço, ou não sendo ele desde logo conhecido, será adotado o corrente na praça. § 2º Na hipótese de cálculo efetuado na forma do parágrafo 1º, qualquer diferença de preço que venha a ser efetivamente apurada acarretará a exigibilidade do Imposto sobre o respectivo montante. § 3º O preço mínimo de determinados tipos de serviços poderá ser fixado pela Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico em pauta que reflita o corrente na praça. (grifo nosso). Desta feita, o Fisco Municipal costumeiramente defende que o preço mínimo fixado pelo seu setor competente reflete o mais próximo possível do valor real, corrigindo distorções provocadas pela eventual inidoneidade das informações de alguns contribuintes. Vale citar que a natureza do lançamento do imposto objeto destes autos, sobretudo na melhor doutrina, denomina-se lançamento por homologação ou "autolançamento". Sendo uma das modalidades mais importantes e comum entre os tributos, o autolançamento antecipa atos de ofício do Fisco, incumbindo ao contribuinte a obrigação de mensurar a base de calculo, aplicar a alíquota correta instituída por cada Município, e recolher previamente o tributo. Observe o disposto pelo art. 150 do Código Tributário Nacional: Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. A base de calculo do ISSQN, como se sabe e dito acima, é o preço do serviço. Assim, à luz do esclarecido, o contribuinte, sem o auxilio do Fisco, calcula os valores de seu serviço e realiza o pagamento. Ocorre que, em alguns casos, notado um descompasso entre a base de calculo declarada pelo contribuinte e a base de cálculo constante nos estudos de cada Município, seja nos índices setoriais, seja no valor mínimo contido em pauta fiscal, realiza-se de ofício o lançamento da diferença, conhecido como lançamento complementar. No caso do Município de São Paulo, a previsão legal que permite o complemento do lançamento pressupõe a DIFERENÇA. Significa dizer que o montante residual entre as bases de calculo, então, é constatado a partir da comparação dos preços praticados pelo contribuinte com os preços mínimos embutidos na pauta fiscal elaborada pela Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico, na qual se estabelece parâmetros dos preços médios dos serviços praticados pela praça comercial. Nessa senda, o supracitado §3º, art. 14, da Lei Municipal nº 13.701/13, o qual reescrevo: Artigo 14, § 3º: O preço mínimo de determinados tipos de serviços poderá ser fixado pela Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico em pauta que reflita o corrente na praça. Tecidas as premissas, passo ao cerne. A causa de pedir depende desse ponto. Afinal, pode ou não o Município cobrar complementarmente tributo quando da comparação da base de calculo declarada pelo contribuinte com pauta fiscal da administração municipal? A meu ver, conforme venho me posicionando, é constitucional e por conseguinte legal tal previsão. A pauta fiscal, dentro de um ponto de vista prático, serve como instrumento de fiscalização dos entes municipais, dando azo para que o Município não fique às cegas, sobretudo desatualizado, quando da conferência dos autolançamentos praticados pelos contribuintes. É um meio cabível de apuração de eventuais inconsistências e omissões nas declarações e documentos apresentados pelo sujeito passivo da relação tributária. Conferir esta possibilidade à administração impede a pratica de simulações, fraudes, dentre outras de má-fé, sendo perfeitamente cabível e justificável sua elaboração. Acrescente-se, ainda, que nada interfere a constituição da pauta fiscal decorrer de Portaria, porquanto a lei que a instituiu permite sua regulação por meios infralegais. Inclusive, a fim de corroborar o fundamentado, há entendimento similar nas cortes superiores. Observe o que entende o E. TJSP: TRIBUTÁRIO APELAÇÃO AÇÃO ANULATÓRIA ISS MUNICÍPIO DE ARARAQUARA. Alegação de inconstitucionalidade da utilização de valor mínimo estabelecido em pauta fiscal para o arbitramento do imposto Inocorrência Meio cabível de apuração de eventuais inconsistências e omissões nas declarações e documentos apresentados pelo contribuinte, ante a possibilidade de arbitramento prevista no art. 148 do Código Tributário Nacional Precedentes deste E. Tribunal de Justiça No caso, após a análise dos livros e documentos apresentados pela autora, e por meio de regular processo administrativo, o Município procedeu ao lançamento considerando o valor mínimo da pauta, abatendo o ISS que já havia sido recolhido Ausência de ilegalidade Autora que, ademais, não requereu a produção de prova pericial para que fosse atestada a regularidade das notas fiscais que apresentou, cingindo-se a atacar em abstrato a utilização da pauta fiscal Alegação rejeitada (...) (TJSP; Apelação 1004858-24.2015.8.26.0037; Relator (a): Eurípedes Faim; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de Araraquara - 1º Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 06/10/2017; Data de Registro: 06/10/2017). E também: APELAÇÕES. Anulatória c.c. repetição de indébito Procedência em parte. ISSQN sobre incorporação construção e comercialização de imóveis residenciais Exigência de recolhimento com base em pauta fiscal. Alegação de inconstitucionalidade Inocorrência. Instrumento utilizado como parâmetro em situações que não permitam apurar o real valor do serviço. Provido o apelo da Prefeitura, e desprovido o da autora. (TJSP; Apelação 9089086-19.2006.8.26.0000; Relator (a): João Alberto Pezarini; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Público; Foro de Piracicaba - 5ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 02/02/2012; Data de Registro: 07/02/2012). Concluo pela constitucionalidade da previsão referente à PAUTA FISCAL. Apesar disso, não se esgota o tema. Ainda que o valor em pauta seja admissível, é de se indagar se essa seria a BASE DE CÁLCULO CORRETA. O pedido mesmo pretende ser declarado como quitado o imposto. Nesse prisma, tem-se, no caso concreto, que os valores da pauta fiscal podem ser elididos pelas notas fiscais específicas do empreendimento. Permite-se o uso dos referidos documentos como dado mais adequado da realidade em lugar da pauta estimada. Afinal, o imposto é pago em concreto, e não em perspectiva de base de cálculo presumida. Isso somente é assim porque nem sempre o contribuinte é omisso ou age com má-fé. Portanto, não há como presumir que seus lançamentos tributários estejam sempre necessariamente maculados, sob pena de ser ignorado o real preço do serviço em detrimento de se considerar incondicionalmente a pauta fiscal preestabelecida abstratamente. Não que seja impossível afastamento da base de cálculo, mas elidir a presunção decorrente do faturamento do serviço dependeria de prova robusta em sentido contrário, produzida em âmbito administrativo. E aqui, então, o arbitramento. Quanto ao aludido arbitramento, antes de prosseguir, vale citar o artigo 148 do Código Tributário Nacional e tecer alguns comentários sobre ele: Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial (grifo nosso). Conforme se depreende da leitura da norma legal transcrita, haverá arbitramento, excepcionalmente, quando forem omissos ou não merecerem fé as declarações ou os esclarecimentos prestados pelo contribuinte. Nesse sentido é a jurisprudência do Eg. Tribunal de Justiça de São Paulo: ISSQN sobreconstruçãocivil -- Alegação de que o tributo que já havia sido pago pelos prestadores dos serviços -- Suposta cobrança com base empautafiscal Impossibilidade Base de cálculo do tributo é o valor da prestação de serviço -- Ausência de prova de subfaturamento apto a autorizar a incidência do art. 148, CTN. HABITE-SE - Condicionamento da expedição do documento à comprovação de quitação do ISS Impossibilidade -- Ato administrativo municipal que deve se limitar ao exame da regularidade formal da obra, no exercício do poder de polícia, sem condicioná-lo à quitação de tributos, sob pena de configuração de abuso de direito, pelo meio indireto e coercitivo da cobrança de dívidas fiscais, sem a utilização do procedimento adequado para tal -- Vedação pelas súmulas 70, 323 e 547 do STF RECURSO PROVIDO(TJSP; Apelação Cível 1004206-90.2014.8.26.0053; Relator (a):Fortes Muniz; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes -6ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 07/02/2019; Data de Registro: 28/02/2019). E ainda: ANULATÓRIA ISSQN Município de São Paulo Construção Civil Exigência de recolhimento de diferença de ISSQN com base em pauta fiscal, instituída por norma infralegal Alteração da base de cálculo, com utilização de preços mínimos Impossibilidade - Afronta ao princípio da legalidade e hierarquia das normas Imposto que deve ser recolhido com base no preço do serviço - Comprovação da autora de que houve o recolhimento do tributo, através da retenção nas notas fiscais Ausência de irregularidades que autorizem o arbitramento do valor do serviço prestado - Inteligência dos artigos 7º, da Lei 116/2003 e 148 do CTN Sentença que julgou improcedente o pedido reformada, com inversão do ônus da sucumbência - Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1024150-73.2017.8.26.0053; Relator (a):Rezende Silveira; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes -11ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 21/05/2018; Data de Registro: 21/05/2018). Nos autos, nada parece justificar que houve processo administrativo de arbitramento. Se estamos diante de arbitramento unilateral puro e simples, há ilegalidade. Daí porque a exigência então de valor de imposto parece ilegal. Por derradeiro, tomada essa premissa, a autora pretende a abstenção da vinculação à exigência de expedição de HABITE-SE ao pagamento de tributos de ISSQN. A tese está pautada em torno da doutrina de vedação às sanções políticas. Segundo a causa de pedir, o habite-se estaria sendo condicionado à comprovação de regularidade fiscal, o que, em última instância, caracterizaria desvio de finalidade de segurança própria do poder de polícia sobre construções urbanas, tornando-o ferramenta própria do constrangimento de direito, que forçaria o contribuinte a recolher tributos impagos qualquer que seja o motivo de forma alheia à Lei de Execução Fiscal. Compreende-se por sanção política as diferentes formas de meio coercitivo de cobrar tributo usado pelas Fazendas Públicas, alheias à técnica do lançamento. É forma indireta de cobrança de tributo, quando impaga, alheia à Execução Fiscal. Não raras vezes, infelizmente, a Administração Fiscal opta por tolher o direito subjetivo dos contribuintes como modo de obriga-los e coagí-los a recolher tributo que a Administração Pública entende impago. Esse desvio de finalidade que coage direito do administrado é repelido pela jurisprudência, de sorte que, não obstante possa a Fazenda Pública cobrar os tributos que entende devidos, deve fazê-lo sem negar a expedição do habite-se, instrumento que possui finalidade específica que não se confunde com as exações tributárias, ao exemplo de ISSQN. Ademais, a imposição de restrições ao exercício das atividades do contribuinte inadimplente, como meio coercitivo para a cobrança do tributo, é descabida e viola o disposto nas Súmulas 70, 323 e 547 da Suprema Corte. Assim já se pronunciou o E. Supremo Tribunal Federal, ao decidir questão análoga: Sanções Políticas no Direito Tributário Inadmissibilidade da utilização, pelo poder público, de meios gravosos e indiretos de coerção estatal destinados a compelir o contribuinte inadimplente a pagar o tributo (Súmulas 70, 323 e 547 do STF). Restrições estatais, que, fundadas em exigências que transgridem os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade em sentido estrito, culminam por inviabilizar, sem justo fundamento, o exercício, pelo sujeito passivo da obrigação tributária, de atividade econômica ou profissional lícita. Limitações arbitrárias que não podem ser impostas pelo estado ao contribuinte em débito, sob pena de ofensa ao substantive due process of law. Impossibilidade constitucional de o estado legislar de modo abusivo ou imoderado (RTJ 160/140-141 RTJ 173/807-808 RTJ 178/22-24). O Poder de Tributar que encontra limitações essenciais no próprio texto constitucional, instituídas em favor do contribuinte não pode chegar à desmedida do poder de destruir (Min. Orosimbo Nonato, RDA 34/132). A prerrogativa estatal de tributar traduz poder cujo exercício não pode comprometer a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria do contribuinte. A significação tutelar, em nosso sistema jurídico, do estatuto constitucional do contribuinte. Doutrina Precedentes. Recurso extraordinário a que se nega seguimento (ARE 731833/RS, Rel. Min. Celso de Mello, j. 07/02/2013, DJe 21/02/2013). Com relação ao tema, o E. Tribunal de Justiça de São Paulo assim tem entendido: Reexame necessário. Mandado de Segurança. Direito líquido e certo comprovado. Vinculação da concessão de 'habite-se' ao pagamento de ISSQN. Impossibilidade. Ordem concedida. Reexame necessário, único interposto, não provido. É majoritário o entendimento deste E. Tribunal no sentido de que não é possível a vinculação de concessão do habite-se ao pagamento de tributo, pois 'a Municipalidade é dotada de diversas prerrogativas conferidas por Lei para receber os valores devidos, não podendo coagir, ilicitamente, o contribuinte a pagá- los'" (TJSP, Ap. 0008759-51.2009.8.26.0223, 1ª Câm. De Dir. Público, Rel . Des. Vicente de Abreu Amadei, v.u., j. 7.8.12). ISS. Construção civil. Município de São José dos Campos. Impetração de mandado de segurança com vistas à obtenção de 'habite-se'. Ordem concedida. Hipótese em que a recusa se funda na ausência de recolhimento do ISS. Inadmissibilidade, todavia, dessa subordinação. Concessão do alvará sujeita ao exame de requisitos diversos. Precedentes desta Corte Recursos oficial e voluntário não providos" (TJSP, Ap. 136250-09.2008.8.26.0000, 15ª Câm. De Dir. Público, Rel . Des. Beretta Filho, v.u., j. 28.6.12). Isso posto, DEFIRO a antecipação da tutela para que seja expedido o habite-se do imóvel descrito na inicial sem a exigência de quitação de tributos de ISSQN pela autora. Considerando a imperatividade da medida tutelar, desde logo FIXO prazo de 30 (trinta) dias para cumprimento integral, contados a partir do cumprimento do mandado. Considerando a causa de pedir, em COOPERAÇÃO com as partes, vislumbro que a litigiosidade aparentemente se resume apenas à ilegalidade de condicionar a emissão de certidão à quitação de tributo. Cite-se pelo portal eletrônico. Consigno que deixo de designar, por ora, a audiência de conciliação no presente feito tendo em vista algumas vedações ainda não superadas aos Procuradores combinadas com o princípio constitucional da duração razoável do processo. Ressalva-se a possibilidade de encaminhamento ao CEJUSC no caso de manifestação expressa das partes. Cumpra-se, na forma e sob as penas legais, servindo esta decisão como mandado. Cite-se. Intime-se. Cientifique-se. - ADV: BRUNO CANHEDO SIGAUD (OAB 401583/SP)

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Processo nº 1063547-61.2025.8.26.0053

ID: 323864072

Tribunal: TJSP Órgão: Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 15ª Vara da Fazenda Pública Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVEL Nº Processo: 1063547-61.2025.8.26.0053

Data de Disponibilização: 14/07/2025

Polo Ativo:

MTR ORIGEM PENHA EMPREENDIMENTOS SPE LTDA (ATUAL DENOMINAçãO DE MITRE H EMPREENDIMENTOS LTDA)

Polo Passivo:

Intimação

Advogados:

PAULO ROGÉRIO GARCIA RIBEIRO

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

GILBERTO CIPULLO

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

Processo 1063547-61.2025.8.26.0053 - Mandado de Segurança Cível - Suspensão da Exigibilidade - MTR Origem Penha Empreendimentos Spe Ltda (Atual Denominação de Mitre H Empreendimentos Ltda) - Vistos. … Processo 1063547-61.2025.8.26.0053 - Mandado de Segurança Cível - Suspensão da Exigibilidade - MTR Origem Penha Empreendimentos Spe Ltda (Atual Denominação de Mitre H Empreendimentos Ltda) - Vistos. Trata-se de mandado de segurança preventivo impetrado por MTR Origem Penha Empreendimentos Spe Ltda (Atual Denominação de Mitre H Empreendimentos Ltda) contra o Secretário Municipal da Fazenda da Prefeitura Municipal de São Paulo no qual requer a concessão de medida liminar para suspender a exigibilidade do débito de ISSQN (R$ 803.798,81) complementar vinculado à obra objeto do contrato social da Impetrante, situado na Rua Mapu, nº 00022, Vl Carlos de Campos, localizado no Município de São Paulo, Estado de São Paulo, objeto da matrícula nº 233.633, registrado no 12º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo (DTCO nº 2025.0002083-1), determinando-se que a autoridade responsável (DICAJ) desvincule os Certificados de Quitação de ISS do Certificado de Conclusão de Obra, de modo que seja possível à Impetrante adotar as providências necessárias à expedição do almejado Habite-se. Ao final, requer que a concessão da segurança seja julgada procedente confirmando-se a liminar reconhecendo a ilegalidade e inconstitucionalidade do ISSQN (R$ 803.798,81) complementar cobrado pela D. Autoridade Impetrada pela DTCO nº2025.0002083-1, o qual foi calculado mediante a utilização da pauta fiscal instituída pelo §3º do artigo 14 da Lei Municipal nº 13.701/03 e prevista na Portaria Secretaria Municipal da Fazenda - SF nº 390/2024, sem processo administrativo prévio, em razão da violação ao disposto no artigo 156, inciso III da Constituição Federal, bem como ao artigo 7º da Lei Complementar nº 116/03 e ao artigo 148 do Código Tributário Nacional, cancelando-se a referida exigência fiscal. A dedução de tutela provisória, segundo a Lei e histórica doutrina, não se dá pautado exclusivamente no risco do direito. O risco de direito é - sabe-se - verso e reverso, e não basta em si mesmo. Sensibiliza, contudo não decide. É mais inerente à Realidade das coisas e ao Tempo que propriamente ao rito jurisdicional. Comumente, e aqui não é diferente, o dito perigo na demora é palpável. Some-se ao perigo, evidente impaciência da parte com a situação. Apesar de tudo isso, o verdadeiro requisito pendente de análise é outro: probabilidade de direito, seja decorrente de prova inequívoca, seja ao menos de fumaça de direito. Centro a análise, pois, nele. A demanda trazida a conhecimento se insere no âmbito da exigência de ISSQN por cálculo embasado em valor administrativo, provavelmente pauta fiscal, que se dá à revelia das notas fiscais de mão de obra apresentada. Quanto ao primeiro aspecto, irresigna-se o contribuinte contra a exigência de complementação do ISSQN para expedição de Habite-se. A Lei Complementar nº 116/03, que dispõe sobre os Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências, preconiza em seu artigo 7º que "A base de cálculo do imposto é o preço do serviço". Nesse teor, o Município sustenta a constitucionalidade do artigo 14, § 3º, da Lei 13.701/2003, o qual assim dispõe: Art. 14. A base de cálculo do Imposto é o preço do serviço, como tal considerada a receita bruta a ele correspondente, sem nenhuma dedução, excetuados os descontos ou abatimentos concedidos independentemente de qualquer condição. § 1º Na falta desse preço, ou não sendo ele desde logo conhecido, será adotado o corrente na praça. § 2º Na hipótese de cálculo efetuado na forma do parágrafo 1º, qualquer diferença de preço que venha a ser efetivamente apurada acarretará a exigibilidade do Imposto sobre o respectivo montante. § 3º O preço mínimo de determinados tipos de serviços poderá ser fixado pela Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico em pauta que reflita o corrente na praça. (grifo nosso). Desta feita, o Fisco Municipal costumeiramente defende que o preço mínimo fixado pelo seu setor competente reflete o mais próximo possível do valor real, corrigindo distorções provocadas pela eventual inidoneidade das informações de alguns contribuintes. Vale citar que a natureza do lançamento do imposto objeto destes autos, sobretudo na melhor doutrina, denomina-se lançamento por homologação ou "autolançamento". Sendo uma das modalidades mais importantes e comum entre os tributos, o autolançamento antecipa atos de ofício do Fisco, incumbindo ao contribuinte a obrigação de mensurar a base de calculo, aplicar a alíquota correta instituída por cada Município, e recolher previamente o tributo. Observe o disposto pelo art. 150 do Código Tributário Nacional: Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. A base de calculo do ISSQN, como se sabe e dito acima, é o preço do serviço. Assim, à luz do esclarecido, o contribuinte, sem o auxilio do Fisco, calcula os valores de seu serviço e realiza o pagamento. Ocorre que, em alguns casos, notado um descompasso entre a base de calculo declarada pelo contribuinte e a base de cálculo constante nos estudos de cada Município, seja nos índices setoriais, seja no valor mínimo contido em pauta fiscal, realiza-se de ofício o lançamento da diferença, conhecido como lançamento complementar. No caso do Município de São Paulo, a previsão legal que permite o complemento do lançamento pressupõe a DIFERENÇA. Significa dizer que o montante residual entre as bases de calculo, então, é constatado a partir da comparação dos preços praticados pelo contribuinte com os preços mínimos embutidos na pauta fiscal elaborada pela Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico, na qual se estabelece parâmetros dos preços médios dos serviços praticados pela praça comercial. Nessa senda, o supracitado §3º, art. 14, da Lei Municipal nº 13.701/13, o qual reescrevo: Artigo 14, § 3º: O preço mínimo de determinados tipos de serviços poderá ser fixado pela Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico em pauta que reflita o corrente na praça. Tecidas as premissas, passo ao cerne. A causa de pedir depende desse ponto. Afinal, pode ou não o Município cobrar complementarmente tributo quando da comparação da base de calculo declarada pelo contribuinte com pauta fiscal da administração municipal? A meu ver, conforme venho me posicionando, é constitucional e por conseguinte legal tal previsão. A pauta fiscal, dentro de um ponto de vista prático, serve como instrumento de fiscalização dos entes municipais, dando azo para que o Município não fique às cegas, sobretudo desatualizado, quando da conferência dos autolançamentos praticados pelos contribuintes. É um meio cabível de apuração de eventuais inconsistências e omissões nas declarações e documentos apresentados pelo sujeito passivo da relação tributária. Conferir esta possibilidade à administração impede a pratica de simulações, fraudes, dentre outras de má-fé, sendo perfeitamente cabível e justificável sua elaboração. Acrescente-se, ainda, que nada interfere a constituição da pauta fiscal decorrer de Portaria, porquanto a lei que a instituiu permite sua regulação por meios infralegais. Inclusive, a fim de corroborar o fundamentado, há entendimento similar nas cortes superiores. Observe o que entende o E. TJSP: TRIBUTÁRIO APELAÇÃO AÇÃO ANULATÓRIA ISS MUNICÍPIO DE ARARAQUARA. Alegação de inconstitucionalidade da utilização de valor mínimo estabelecido em pauta fiscal para o arbitramento do imposto Inocorrência Meio cabível de apuração de eventuais inconsistências e omissões nas declarações e documentos apresentados pelo contribuinte, ante a possibilidade de arbitramento prevista no art. 148 do Código Tributário Nacional Precedentes deste E. Tribunal de Justiça No caso, após a análise dos livros e documentos apresentados pela autora, e por meio de regular processo administrativo, o Município procedeu ao lançamento considerando o valor mínimo da pauta, abatendo o ISS que já havia sido recolhido Ausência de ilegalidade Autora que, ademais, não requereu a produção de prova pericial para que fosse atestada a regularidade das notas fiscais que apresentou, cingindo-se a atacar em abstrato a utilização da pauta fiscal Alegação rejeitada (...) (TJSP; Apelação 1004858-24.2015.8.26.0037; Relator (a): Eurípedes Faim; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro de Araraquara - 1º Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 06/10/2017; Data de Registro: 06/10/2017). E também: APELAÇÕES. Anulatória c.c. repetição de indébito Procedência em parte. ISSQN sobre incorporação construção e comercialização de imóveis residenciais Exigência de recolhimento com base em pauta fiscal. Alegação de inconstitucionalidade Inocorrência. Instrumento utilizado como parâmetro em situações que não permitam apurar o real valor do serviço. Provido o apelo da Prefeitura, e desprovido o da autora. (TJSP; Apelação 9089086-19.2006.8.26.0000; Relator (a): João Alberto Pezarini; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Público; Foro de Piracicaba - 5ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 02/02/2012; Data de Registro: 07/02/2012). Concluo pela constitucionalidade da previsão referente à PAUTA FISCAL. Apesar disso, não se esgota o tema. Ainda que o valor em pauta seja admissível, é de se indagar se essa seria a BASE DE CÁLCULO CORRETA. O pedido mesmo pretende ser declarado como quitado o imposto. Nesse prisma, tem-se, no caso concreto, que os valores da pauta fiscal podem ser elididos pelas notas fiscais específicas do empreendimento. Permite-se o uso dos referidos documentos como dado mais adequado da realidade em lugar da pauta estimada. Afinal, o imposto é pago em concreto, e não em perspectiva de base de cálculo presumida. Isso somente é assim porque nem sempre o contribuinte é omisso ou age com má-fé. Portanto, não há como presumir que seus lançamentos tributários estejam sempre necessariamente maculados, sob pena de ser ignorado o real preço do serviço em detrimento de se considerar incondicionalmente a pauta fiscal preestabelecida abstratamente. Não que seja impossível afastamento da base de cálculo, mas elidir a presunção decorrente do faturamento do serviço dependeria de prova robusta em sentido contrário, produzida em âmbito administrativo. E aqui, então, o arbitramento. Quanto ao aludido arbitramento, antes de prosseguir, vale citar o artigo 148 do Código Tributário Nacional e tecer alguns comentários sobre ele: Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial (grifo nosso). Conforme se depreende da leitura da norma legal transcrita, haverá arbitramento, excepcionalmente, quando forem omissos ou não merecerem fé as declarações ou os esclarecimentos prestados pelo contribuinte. Nesse sentido é a jurisprudência do Eg. Tribunal de Justiça de São Paulo: ISSQN sobreconstruçãocivil -- Alegação de que o tributo que já havia sido pago pelos prestadores dos serviços -- Suposta cobrança com base empautafiscal Impossibilidade Base de cálculo do tributo é o valor da prestação de serviço -- Ausência de prova de subfaturamento apto a autorizar a incidência do art. 148, CTN. HABITE-SE - Condicionamento da expedição do documento à comprovação de quitação do ISS Impossibilidade -- Ato administrativo municipal que deve se limitar ao exame da regularidade formal da obra, no exercício do poder de polícia, sem condicioná-lo à quitação de tributos, sob pena de configuração de abuso de direito, pelo meio indireto e coercitivo da cobrança de dívidas fiscais, sem a utilização do procedimento adequado para tal -- Vedação pelas súmulas 70, 323 e 547 do STF RECURSO PROVIDO(TJSP; Apelação Cível 1004206-90.2014.8.26.0053; Relator (a):Fortes Muniz; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes -6ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 07/02/2019; Data de Registro: 28/02/2019). E ainda: ANULATÓRIA ISSQN Município de São Paulo Construção Civil Exigência de recolhimento de diferença de ISSQN com base em pauta fiscal, instituída por norma infralegal Alteração da base de cálculo, com utilização de preços mínimos Impossibilidade - Afronta ao princípio da legalidade e hierarquia das normas Imposto que deve ser recolhido com base no preço do serviço - Comprovação da autora de que houve o recolhimento do tributo, através da retenção nas notas fiscais Ausência de irregularidades que autorizem o arbitramento do valor do serviço prestado - Inteligência dos artigos 7º, da Lei 116/2003 e 148 do CTN Sentença que julgou improcedente o pedido reformada, com inversão do ônus da sucumbência - Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1024150-73.2017.8.26.0053; Relator (a):Rezende Silveira; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes -11ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 21/05/2018; Data de Registro: 21/05/2018). Nos autos, nada parece justificar que houve processo administrativo de arbitramento. Se estamos diante de arbitramento unilateral puro e simples, há ilegalidade. Daí porque a exigência então de valor de imposto parece ilegal. Por derradeiro, tomada essa premissa, a autora pretende a abstenção da vinculação à exigência de expedição de HABITE-SE ao pagamento de tributos de ISSQN. A tese está pautada em torno da doutrina de vedação às sanções políticas. Segundo a causa de pedir, o habite-se estaria sendo condicionado à comprovação de regularidade fiscal, o que, em última instância, caracterizaria desvio de finalidade de segurança própria do poder de polícia sobre construções urbanas, tornando-o ferramenta própria do constrangimento de direito, que forçaria o contribuinte a recolher tributos impagos qualquer que seja o motivo de forma alheia à Lei de Execução Fiscal. Compreende-se por sanção política as diferentes formas de meio coercitivo de cobrar tributo usado pelas Fazendas Públicas, alheias à técnica do lançamento. É forma indireta de cobrança de tributo, quando impaga, alheia à Execução Fiscal. Não raras vezes, infelizmente, a Administração Fiscal opta por tolher o direito subjetivo dos contribuintes como modo de obriga-los e coagí-los a recolher tributo que a Administração Pública entende impago. Esse desvio de finalidade que coage direito do administrado é repelido pela jurisprudência, de sorte que, não obstante possa a Fazenda Pública cobrar os tributos que entende devidos, deve fazê-lo sem negar a expedição do habite-se, instrumento que possui finalidade específica que não se confunde com as exações tributárias, ao exemplo de ISSQN. Ademais, a imposição de restrições ao exercício das atividades do contribuinte inadimplente, como meio coercitivo para a cobrança do tributo, é descabida e viola o disposto nas Súmulas 70, 323 e 547 da Suprema Corte. Assim já se pronunciou o E. Supremo Tribunal Federal, ao decidir questão análoga: Sanções Políticas no Direito Tributário Inadmissibilidade da utilização, pelo poder público, de meios gravosos e indiretos de coerção estatal destinados a compelir o contribuinte inadimplente a pagar o tributo (Súmulas 70, 323 e 547 do STF). Restrições estatais, que, fundadas em exigências que transgridem os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade em sentido estrito, culminam por inviabilizar, sem justo fundamento, o exercício, pelo sujeito passivo da obrigação tributária, de atividade econômica ou profissional lícita. Limitações arbitrárias que não podem ser impostas pelo estado ao contribuinte em débito, sob pena de ofensa ao substantive due process of law. Impossibilidade constitucional de o estado legislar de modo abusivo ou imoderado (RTJ 160/140-141 RTJ 173/807-808 RTJ 178/22-24). O Poder de Tributar que encontra limitações essenciais no próprio texto constitucional, instituídas em favor do contribuinte não pode chegar à desmedida do poder de destruir (Min. Orosimbo Nonato, RDA 34/132). A prerrogativa estatal de tributar traduz poder cujo exercício não pode comprometer a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria do contribuinte. A significação tutelar, em nosso sistema jurídico, do estatuto constitucional do contribuinte. Doutrina Precedentes. Recurso extraordinário a que se nega seguimento (ARE 731833/RS, Rel. Min. Celso de Mello, j. 07/02/2013, DJe 21/02/2013). Com relação ao tema, o E. Tribunal de Justiça de São Paulo assim tem entendido: Reexame necessário. Mandado de Segurança. Direito líquido e certo comprovado. Vinculação da concessão de 'habite-se' ao pagamento de ISSQN. Impossibilidade. Ordem concedida. Reexame necessário, único interposto, não provido. É majoritário o entendimento deste E. Tribunal no sentido de que não é possível a vinculação de concessão do habite-se ao pagamento de tributo, pois 'a Municipalidade é dotada de diversas prerrogativas conferidas por Lei para receber os valores devidos, não podendo coagir, ilicitamente, o contribuinte a pagá- los'" (TJSP, Ap. 0008759-51.2009.8.26.0223, 1ª Câm. De Dir. Público, Rel . Des. Vicente de Abreu Amadei, v.u., j. 7.8.12). ISS. Construção civil. Município de São José dos Campos. Impetração de mandado de segurança com vistas à obtenção de 'habite-se'. Ordem concedida. Hipótese em que a recusa se funda na ausência de recolhimento do ISS. Inadmissibilidade, todavia, dessa subordinação. Concessão do alvará sujeita ao exame de requisitos diversos. Precedentes desta Corte Recursos oficial e voluntário não providos" (TJSP, Ap. 136250-09.2008.8.26.0000, 15ª Câm. De Dir. Público, Rel . Des. Beretta Filho, v.u., j. 28.6.12). Isso posto, DEFIRO a medida liminar para suspender a exigibilidade do débito de ISSQN complementar vinculado à obra do imóvel situado na Rua Mapu, nº 00022, Vl Carlos de Campos, Município de São Paulo, Estado de São Paulo, objeto da matrícula nº 233.633, registrado no 12º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo (DTCO nº 2025.0002083-1), bem como para determinar que a autoridade coatora desvincule os Certificados de Quitação de ISS do Certificado de Conclusão de Obra, possibilitando a expedição do Habite-se sem prévia quitação do ISSQN. Considerando a imperatividade da medida liminar, desde logo FIXO prazo de 30 (trinta) dias para cumprimento integral, contados a partir do cumprimento do mandado. Considerando a causa de pedir, em COOPERAÇÃO com as partes, vislumbro que a litigiosidade aparentemente se resume apenas à ilegalidade de condicionar a emissão de certidão à quitação de tributo. Notifiquem-se as autoridades impetradas do conteúdo da petição inicial, para que, no prazo de dez dias, preste informações (art. 12 da Lei nº 12.016/09). Tratando-se na espécie de processo que tramita pela via digital, se possível, fica desde logo autorizado que as informações da autoridade sejam diretamente encaminhadas para o email da serventia: sp15faz@tjsp.jus.br. Após, cumpra-se o art. 7º de Lei 12.016/09 (intimação do órgão que exerce a representação judicial da pessoa jurídica interessada). Findo o prazo, ouça-se o representante do Ministério Público, em dez dias. Após, tornem conclusos para decisão. Cumpra-se, na forma e sob as penas legais, servindo esta decisão como mandado. Notifique-se. Intime-se. Cientifique-se. - ADV: PAULO ROGÉRIO GARCIA RIBEIRO (OAB 220753/SP), GILBERTO CIPULLO (OAB 24921/SP)

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Jonas Elpidio Pessoa Filho x Banco Do Brasil Sa

ID: 292239176

Tribunal: TJES Órgão: 027 - Gabinete Desª. DEBORA MARIA AMBOS CORREA DA SILVA Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 5001321-36.2021.8.08.0006

Data de Disponibilização: 09/06/2025

Polo Ativo:

JONAS ELPIDIO PESSOA FILHO

Polo Passivo:

BANCO DO BRASIL SA

Acórdão

Advogados:

WELLINGTON RIBEIRO VIEIRA

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ISABELA FRACALOSSI AFONSO

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IGOR BITTI MORO

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MARLON SOUZA DO NASCIMENTO

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RICARDO LOPES GODOY

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RICARDO LOPES GODOY

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MARLON SOUZA DO NASCIMENTO

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ISABELA FRACALOSSI AFONSO

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IGOR BITTI MORO

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WELLINGTON RIBEIRO VIEIRA

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ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO PROCESSO Nº 5001321-36.2021.8.08.0006 APELAÇÃO CÍVEL (198) APELANTE: JONAS ELPIDIO PESSOA FILHO e outros APELADO: BANCO DO BRASIL SA e outros RELATOR(A):DEBO… ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO PROCESSO Nº 5001321-36.2021.8.08.0006 APELAÇÃO CÍVEL (198) APELANTE: JONAS ELPIDIO PESSOA FILHO e outros APELADO: BANCO DO BRASIL SA e outros RELATOR(A):DEBORA MARIA AMBOS CORREA DA SILVA ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ EMENTA Ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR E BANCÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTO INDEVIDO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA CONTRATAÇÃO. ÔNUS DA PROVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO. RECURSOS DESPROVIDOS. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta por BANCO DO BRASIL S/A e apelação adesiva interposta por JONAS ELPIDIO PESSOA FILHO contra sentença da 1ª Vara Cível, Família e de Órfãos e Sucessões de Aracruz/ES, que, nos autos da “Ação Declaratória c/c Pedido de Indenização por Dano Moral e Material e Pedido de Urgência”, declarou a inexistência do débito relativo ao contrato de empréstimo consignado nº 91295909, determinou a restituição dos valores descontados de forma simples e condenou a instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 2.000,00. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) verificar se houve comprovação válida da contratação do empréstimo consignado pelo consumidor, justificando os descontos realizados em seu benefício previdenciário; (ii) definir se a indenização por danos morais arbitrada em primeiro grau deve ser mantida, majorada ou reduzida. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O ônus de comprovar a regularidade da contratação recai sobre a instituição financeira, nos termos do art. 373, II, do CPC e do art. 6º, VIII, do CDC, sendo insuficiente a apresentação de telas sistêmicas unilaterais como prova válida da celebração do contrato. 4. A ausência de assinatura do consumidor em contrato escrito ou de prova inequívoca da contratação mediante autorização telefônica evidencia falha na prestação do serviço bancário, impondo a inexigibilidade do débito. 5. Os descontos indevidos no benefício previdenciário do consumidor caracterizam dano moral in re ipsa, prescindindo de comprovação de prejuízo concreto, conforme jurisprudência consolidada do STJ e dos Tribunais Estaduais 6. O valor da indenização por danos morais, fixado em R$ 2.000,00, é adequado e proporcional à ofensa, considerando o montante do empréstimo questionado e os parâmetros adotados pelos Tribunais em casos semelhantes. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recursos desprovidos. Tese de julgamento: 1. A instituição financeira tem o ônus de comprovar a validade da contratação de empréstimos consignados, não sendo suficiente a apresentação de telas sistêmicas unilaterais como prova da pactuação. 2. A ausência de prova inequívoca da contratação do empréstimo pelo consumidor configura falha na prestação do serviço, impondo a inexigibilidade do débito. 3. Os descontos indevidos em benefício previdenciário caracterizam dano moral in re ipsa, ensejando reparação. 4. O valor da indenização por danos morais deve observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, considerando o montante da contratação indevida e os precedentes jurisprudenciais. Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 373, II; CDC, art. 6º, VIII. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmulas 43 e 54; TJES, Apelação Cível nº 5002705-37.2023.8.08.0047, Rel. Des. Fábio Brasil Nery, 4ª Câmara Cível, j. 02/07/2024; TJES, Apelação Cível nº 5014185-57.2022.8.08.0011, Rel. Des. Débora Maria Ambos Correa da Silva, 3ª Câmara Cível, j. 03/06/2024; TJSP, Apelação Cível nº 1049741-94.2021.8.26.0506, Rel. Des. Jairo Brazil, 15ª Câmara de Direito Privado, j. 21/09/2023. ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ ACÓRDÃO A unanimidade, conhecer e negar provimento aos recursos, nos termos do voto do Relator. Composição de julgamento: 027 - Gabinete Desª. DEBORA MARIA AMBOS CORREA DA SILVA - DEBORA MARIA AMBOS CORREA DA SILVA - Relator / 005 - Gabinete Des. CARLOS SIMÕES FONSECA - CARLOS SIMOES FONSECA - Vogal / 013 - Gabinete Des. FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY - FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY - Vogal ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ RELATÓRIO Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto por BANCO DO BRASIL S/A e de apelação adesiva por JONAS ELPIDIO PESSOA FILHO contra a r. sentença (ID 8141366) proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível, Família e de Órfãos e Sucessões de Aracruz/ES que, nos autos da “Ação Declaratória c/c Pedido de Indenização por Dano Moral e Material e Pedido de Urgência” ajuizada pelo segundo apelante em face do primeiro, julgou procedente o pedido inicial para: i) DECLARAR a inexistência do débito relativo a empréstimo do contrato nº 91295909, firmado com o Banco requerido em fevereiro/2019 em nome do autor, descontado no benefício previdenciário de nº 156.643.521-5. ii) RATIFICAR a liminar deferida em ID nº 9275883. iii) DETERMINAR a restituição dos valores já descontados na forma simples, com correção monetária e juros de mora, até a data em que cumprida a liminar nestes autos, com correção monetária e os juros de mora a incidir a partir da data do evento danoso (data de cada desconto), nos termos do disposto nas Súmulas 43 e 54, ambas do C. Superior Tribunal de Justiça. Remeto a definição do quantum para sede de liquidação; iv) CONDENAR o requerido ao pagamento de indenização por danos morais, no importe de R$ 2.000,00 (dois mil reais), com correção monetária a contar do arbitramento e juros de mora de 1% (um por cento) a partir da citação. Na oportunidade, condenou a parte requerida também ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como em honorários, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, na forma do art. 85, §2º do CPC. Em suas razões recursais (ID 8141369), o Banco apelante sustenta, em síntese, que (i) o contrato existiu e foi firmado voluntariamente pelo autor, com utilização do crédito contratado; (ii) o autor teria executado parte do contrato, o que invalidaria a alegação de inexistência do débito; (iii) os documentos apresentados, como registros do sistema, seriam suficientes para comprovar a contratação; (iv) o valor da indenização por danos morais seria indevido, pois o caso não configuraria dano moral indenizável, (v) o Banco pede que, caso mantida a condenação, a restituição dos valores ocorra de forma simples e não em dobro, e que a indenização por danos morais seja reduzida. Em apelação adesiva (ID 8141376), o autor pleiteia a majoração dos danos morais. Contrarrazões apresentadas no ID 8141375 e ID 8141378. É o relatório. ________________________________________________________________________________________________________________________________________________ VOTO VENCEDOR Conforme relatado, trata-se de recurso de Apelação Cível interposto por BANCO DO BRASIL S/A e de apelação adesiva por JONAS ELPIDIO PESSOA FILHO contra a r. sentença (ID 8141366) proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível, Família e de Órfãos e Sucessões de Aracruz/ES que, nos autos da “Ação Declaratória c/c Pedido de Indenização por Dano Moral e Material e Pedido de Urgência” ajuizada pelo segundo apelante em face do primeiro, julgou procedente o pedido inicial para: i) DECLARAR a inexistência do débito relativo a empréstimo do contrato nº 91295909, firmado com o Banco requerido em fevereiro/2019 em nome do autor, descontado no benefício previdenciário de nº 156.643.521-5. ii) RATIFICAR a liminar deferida em ID nº 9275883. iii) DETERMINAR a restituição dos valores já descontados na forma simples, com correção monetária e juros de mora, até a data em que cumprida a liminar nestes autos, com correção monetária e os juros de mora a incidir a partir da data do evento danoso (data de cada desconto), nos termos do disposto nas Súmulas 43 e 54, ambas do C. Superior Tribunal de Justiça. Remeto a definição do quantum para sede de liquidação; iv) CONDENAR o requerido ao pagamento de indenização por danos morais, no importe de R$ 2.000,00 (dois mil reais), com correção monetária a contar do arbitramento e juros de mora de 1% (um por cento) a partir da citação. Na oportunidade, condenou a parte requerida também ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como em honorários, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, na forma do art. 85, §2º do CPC. Em suas razões recursais (ID 8141369), o Banco apelante sustenta, em síntese, que (i) o contrato existiu e foi firmado voluntariamente pelo autor, com utilização do crédito contratado; (ii) o autor teria executado parte do contrato, o que invalidaria a alegação de inexistência do débito; (iii) os documentos apresentados, como registros do sistema, seriam suficientes para comprovar a contratação; (iv) o valor da indenização por danos morais seria indevido, pois o caso não configuraria dano moral indenizável, (v) o Banco pede que, caso mantida a condenação, a restituição dos valores ocorra de forma simples e não em dobro, e que a indenização por danos morais seja reduzida. Em apelação adesiva (ID 8141376), o autor pleiteia a majoração dos danos morais. Contrarrazões apresentadas no ID 8141375 e ID 8141378. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo a análise. De início, verifico inquestionável a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) ao caso em tela, eis que a relação havida entre as partes se enquadra nos parâmetros estabelecidos pela lei. In casu, insurge-se autor quanto ao contrato de empréstimo consignado de nº 91295909, sustentando que jamais realizara tal contratação, não tendo assinado nenhum contrato ou autorizado que alguém o fizesse em seu nome, tendo sido surpreendida com descontos em seu benefício previdenciário nº 156.643.521-5. Logo, alega ser imprescindível que o banco, além de apresentar documentos justificando todos esses empréstimos, explique satisfatoriamente a cadeia de acontecimentos, sob pena de ficarem configuradas graves ilegalidades. Após regular tramitação processual, sobreveio a sentença de ID 8141366, a qual julgou procedentes os pedidos autorais para declarar inexigível o débito litigioso e condenar o requerido, a título de repetição do indébito, à devolução em simples dos valores indevidamente cobrados e à indenização por danos morais da quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais). Em seu arrazoado, a instituição financeira apelante, basicamente retomando os fundamentos utilizados em sua peça contestatória, o sustenta que (i) o contrato existiu e foi firmado voluntariamente pelo autor, com utilização do crédito contratado; (ii) o autor teria executado parte do contrato, o que invalidaria a alegação de inexistência do débito; (iii) os documentos apresentados, como registros do sistema, seriam suficientes para comprovar a contratação; (iv) o valor da indenização por danos morais seria indevido, pois o caso não configuraria dano moral indenizável, (v) o Banco pede que, caso mantida a condenação, a restituição dos valores ocorra de forma simples e não em dobro, e que a indenização por danos morais seja reduzida. Assim, aduz que não haveria ilegalidade nos descontos realizados em seu benefício previdenciário e, por conseguinte, não haveria que se falar em condenação na restituição em dobro do valor debitado e na indenização por danos morais. Dito isso, e após compulsar detidamente o caderno processual, como bem constatado pelo Juiz a quo, verifico que a instituição financeira não se desincumbiu de demonstrar, quando podia e devia fazê-lo, fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito da autora/apelada, nos termos da lei processual (art. 373, II do CPC) de modo a comprovar a existência de negócio jurídico válido. Embora o Banco requerido tenha apresentado prints da tela de seu sistema interno, em consonância com o posicionamento do juiz sentenciante, entendo que as telas sistêmicas não são hábeis a comprovar a validade da contratação e utilização dos serviços. Isso porque as telas sistêmicas apresentadas são documentos produzidos unilateralmente, sem força probatória e que poderiam ser modificados de acordo com a necessidade do Réu/Apelante. Tais imagens, ainda que sejam aptas a comprovar a existência de dados cadastrais do consumidor no sistema interno da empresa, não possuem o condão de provar a legítima contratação, seja mediante assinatura em contrato escrito, seja por meio de autorização (atestada por protocolo) via telefone. Ora, um consumidor, vítima de um evento fraudulento que alega ter sofrido, narra que nunca realizou qualquer contratação junto ao Banco demandado. Esta, por sua vez, alegando ser legítima a contratação dos serviços, deveria, por lhe ser plena e legalmente possível, demonstrar que a contratação ocorreu por ato do próprio cliente, sendo um ônus de sua própria atividade comercial a precaução de preservação de elementos probatórios da legitimidade da pactuação. Nesse sentido, destaco: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RITO COMUM – CONSUMIDOR – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TELEFONIA – AUSÊNCIA DE JUNTADA DO CONTRATO - CONTRATAÇÃO MEDIANTE FRAUDE - INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES - DANO MORAL - VALOR PROPORCIONAL - TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA - RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL – RECURSO DA TELEFÔNICA DESPROVIDO – RECURSO DE CRISTIANE TIMBOHIBA DE OLIVEIRA PROVIDO EM PARTE. 1. Da análise dos autos, não há como se afirmar, tão somente da apresentação das telas sistêmicas da concessionária, que o serviço foi efetivamente contratado, não havendo sequer a apresentação de contrato escrito, ligação telefônica de contratação, ou qualquer outra prova da existência de relação contratual entre as partes. Logo, irretocável a sentença impugnada quanto à declaração de inexistência da contratação, do débito e determinação de retirada do nome da apelada dos órgãos de restrição. 2. O enunciado da súmula 385 do c. STJ dispõe que “da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento". Na hipótese, conforme se observa do extrato constante do id. 7233835, a autora não possuía, à época da inscrição, outro apontamento restritivo de crédito, devendo ser mantida a condenação ao pagamento de indenização pelos danos morais sofridos, caracterizando-se o dano moral presumido. 3. Não obstante, o quantum fixado se mostra adequado ao caso e em sintonia à reiterada jurisprudência deste egrégio Tribunal de Justiça, devendo ser acolhido tão somente o pleito de fixação do termo inicial dos juros de mora a partir do evento danoso, formulado pela consumidora em seu recurso. 4. Recurso da TELEFÔNICA BRASIL S.A. conhecido e desprovido. Recurso de CRISTIANE TIMBOHIBA DE OLIVEIRA provido em parte. (TJES, Apelação Cível nº 5002705-37.2023.8.08.0047, Magistrado: FÁBIO BRASIL NERY, Órgão julgador: 4ª Câmara Cível, Data: 02/07/2024) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. COBRANÇA INDEVIDA. ÔNUS DA PROVA DO FORNECEDOR. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. APLICAÇÃO DO CDC. TELAS SISTÊMICAS. PROVA UNILATERAL. INSCRIÇÃO NOS ÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. DANO MORAL IN RE IPSA. QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO. PERCENTUAL DE HONORÁRIOS FIXADOS EM SENTENÇA MANTIDA. MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA ADVOCATÍCIA APENAS EM DECORRÊNCIA DO DESPROVIMENTO DO RECURSO INTERPOSTO PELA PARTE REQUERIDA. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. SENTENÇA MANTIDA. 1) Impugnação à assistência judiciária gratuita rejeitada. Embora tenha a parte impugnante/apelada sustentado que “a Apelante não faz prova da sua condição de hipossuficiência, tendo em vista que as provas apresentadas não confere certeza de que a parte autora realmente se encontra em estado de necessidade”, tal argumento genérico não é apto a afastar tal presunção. 2) Conforme registrado na sentença impugnada, competia à demandada comprovar “a efetiva contratação, a existência, origem e extensão de seu pretenso crédito”, ao passo que “não logrou êxito em comprovar a regular contratação nos planos telefônicos referente aos contatos de nº 28-3015-5619, 28-99902-3748 e 28-99949-2628”. O juízo a quo pontuou ainda que “como fornecedora de serviços consolidada no mercado, poderia facilmente trazer as cópias dos contratos de prestação de serviços de telefonia ou ordem de serviço gerada no momento da instalação da linha fixa”. 3) Embora a empresa ré, ora apelada, tenha apresentado prints da tela de seu sistema interno, entendo que estas não são hábeis a comprovar a validade da contratação e utilização dos serviços. Isso porque as telas sistêmicas apresentadas são documentos produzidos unilateralmente, sem força probatória e que poderiam ser modificados de acordo com a necessidade da Ré/Apelada. Tal imagem, ainda que seja apta a comprovar a existência de dados cadastrais do consumidor no sistema interno da empresa, não possui o condão de provar a legítima contratação, seja mediante assinatura em contrato escrito, seja por meio de autorização (atestada por protocolo) via telefone. 4) Um consumidor, vítima de um evento fraudulento que alega ter sofrido, narra que nunca realizou qualquer contratação junto à empresa demandada. Esta, por sua vez, alegando ser legítima a contratação dos serviços, deveria, por lhe ser plena e legalmente possível, demonstrar que a contratação ocorreu por ato do próprio cliente, sendo um ônus de sua própria atividade comercial a precaução de preservação de elementos probatórios da legitimidade da pactuação. 5) Não merece prosperar a tese recursal de que “a Autora não logrou êxito em comprovar ter sofrido qualquer abalo à sua imagem”, uma vez que resta pacificado na Corte Superior o entendimento de que “Nos casos de protesto indevido ou inscrição irregular em cadastro de inadimplentes, o dano moral se configura in re ipsa, mesmo que o ato tenha prejudicado pessoa jurídica” (STJ - AgInt nos EDcl no AREsp: 1584856 SP 2019/0277043-3, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 24/08/2020, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/08/2020). 6) Em que pesem as pretensões de ambas as partes pela revisão do valor arbitrado na origem atinente à indenização por danos morais, constata-se que o importe de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) já fixado na sentença impugnada é proporcional e razoável, estando, ainda, dentro do patamar estipulado por este Sodalício em casos análogos. Precedentes TJES. 7) Recursos conhecidos e desprovidos. Sentença mantida. Honorários recursais majorados. (TJES, Apelação Cível nº 5014185-57.2022.8.08.0011, Magistrado: DÉBORA MARIA AMBOS CORREA DA SILVA, Órgão julgador: 3ª Câmara Cível, Data: 03/06/2024) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO - CONTRATAÇÃO DE PLANO TELEFÔNICO - CANCELAMENTO DO PLANO - COBRANÇA NÃO CESSADA - PAGAMENTO INDEVIDO - TELAS SISTÊMICAS - PROVA UNILATERAL - DANO MORAL CONFIGURADO - SENTENÇA REFORMADA. A apresentação de telas de sistema, por se tratarem de documentos unilaterais, não se presta a comprovar os fatos alegados. Na fixação do valor da compensação, imprescindível sejam levadas em consideração a proporcionalidade e razoabilidade. (TJ-MG - AC: 10000212014476001 MG, Relator: Marcos Henrique Caldeira Brant, Data de Julgamento: 09/02/2022, Câmaras Cíveis / 16ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 10/02/2022) Outrossim, se o banco se põe no mercado adotando como política de contrato a via mais econômica e acessível, sem se precaver através dos instrumentos formais para a contratação do serviço, deve obrigatoriamente suportar os ônus decorrentes dessa falta de segurança. Dessa forma, entendo que houve, sim, falha do apelante, uma vez que esta, em momento algum, apresentou prova hábil a comprovar, de forma efetiva, a contratação de qualquer cartão ou empréstimo consignado pela consumidora apelada, ou que de fato tenha entregado qualquer valor a esta. Como dito, os documentos apresentados junto à contestação de ID 8141344, são unilaterais, produzidos exclusivamente pela apelante, e não demonstram, de forma alguma, que tenha ocorrido qualquer contratação de empréstimo junto a esta pelo apelado. Ademais, a instituição bancária, em nenhum momento, tanto no corpo da peça recursal, quanto no decorrer do processo, acostou aos autos documento comprobatório dessa contratação eletrônica, via biometria facial. Além disso, o apelante sequer comprovou ter enviado cartão de crédito consignado ao apelado, ônus que lhe competia, seja por força das normas consumeristas (CDC, art. 6º, VIII), ou mesmo em razão do que estabelece o art. 373, II do CPC. Os Tribunais, de forma reiterada, tem se manifestado sobre o cabimento tanto a suspensão dos valores cobrados, como o ressarcimento daqueles já debitados na conta do consumidor, bem como sobre o cabimento de indenização por danos morais quando não contratado o empréstimo consignado, como no caso dos autos, ou mesmo nas hipóteses de envio indevido de cartão de crédito consignado ao cliente: APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO DO BANCO RÉU. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MÉRITO. DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ATO ILÍCITO DEMONSTRADO. PROVA DO DANO MORAL. IN RE IPSA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. I. À instituição incumbia o ônus de comprovar que agiu com as cautelas de praxe na contratação de seus serviços, até porque, ao consumidor não é possível a produção de prova negativa (CDC art. 6, VIII c/c CPC, art. 373, II). Não comprovada a contratação válida entre as partes, possibilita-se a declaração de inexistência da relação jurídica. Declaração de nulidade da contratação que se mantém. II. Não é necessária a realização de prova do efetivo dano causado ao consumidor, tendo em vista que o dano moral puro independe de comprovação. EMENTA. APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO DA PARTE AUTORA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MÉRITO. DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DANO MORAL IN RE IPSA. PEDIDO DE MAJORAÇÃO DO QUANTUM ARBITRADO. ACOLHIDO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. No ordenamento jurídico brasileiro não existem critérios objetivos para a quantificação do dano moral, até porque esta espécie de dano, por atingir a esfera psíquica do indivíduo e estar intimamente ligada à sua moral, não permite que se criem parâmetros concretos para a análise de sua extensão, devendo ser arbitrado de acordo com a possibilidade econômica do ofensor, as necessidades do ofendido, a potencialidade do dano e o grau de culpa ou dolo envolvido no ato lesivo. Dano moral majorado, observando-se o que estabelece o art. 926 do novo CPC, no sentido de que os Tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. (TJMS; AC 0820528-77.2021.8.12.0001; Campo Grande; Terceira Câmara Cível; Rel. Des. Marco André Nogueira Hanson; DJMS 27/09/2023; Pág. 89) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÍVIDA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E TUTELA DE URGÊNCIA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. AFASTADA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. Descontos no holerite da autora. Ausência de prova da contratação. Cobrança indevida. Ocorrência de fraude. Falha na prestação do serviço evidenciada. Responsabilidade civil verificada. Dano moral in re ipsa. Quantum indenizatório mantido. Manutenção do dever de restituir em dobro. Honorários sucumbenciais mantidos. Sentença de procedência mantida. Recurso conhecido e desprovido (TJMS; AC 0808481-37.2022.8.12.0001; Campo Grande; Terceira Câmara Cível; Rel. Des. Amaury da Silva Kuklinski; DJMS 27/09/2023; Pág. 85) DECLARATÓRIA CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. Contratação negada. Prova pericial apta a demonstrar a autenticidade do contrato não produzida. Ônus probatório que competia ao banco, ante a impugnação das assinaturas pela autora. Tese fixada em sede de regime de Recursos Repetitivos pelo C. Superior Tribunal de Justiça (RESP nº 1846649-MA / tema 1061). Aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor. Relação jurídica inexistente. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. Devolução devida já que, embora comprovada a devolução de uma parcela, aparentemente foram realizados outros 15 (quinze) descontos. DANO MORAL. Configuração. Responsabilidade objetiva da instituição financeira. Dano in re ipsa. Teoria do risco da atividade. Quantum corretamente estipulado. Redução incabível. Sentença mantida. Apelação não provida. (TJSP; AC 1049741-94.2021.8.26.0506; Ac. 17169697; Ribeirão Preto; Décima Quinta Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Jairo Brazil; Julg. 21/09/2023; DJESP 27/09/2023; Pág. 2507) AÇÃO DECLARATÓRIA C/C DEVOLUÇÃO DE VALORES C/C DANOS MORAIS. CONTRATO DE CARTÃO CONSIGNADO. NEGATIVA DE SUA CONTRATAÇÃO. Ausência de prova inequívoca de adesão do autor ao contrato. O risco da atividade deve ser suportado pelo fornecedor, artigo 14 do CDC. Contexto probatório que autoriza o reconhecimento da responsabilidade civil do banco. Dano moral verificado. Valor da indenização mantido. Cabimento do pedido de compensação do valor da condenação com eventuais valores creditados em favor do autor. Recurso parcialmente provido. (TJSP; AC 1004858-20.2022.8.26.0347; Ac. 17176975; Matão; Vigésima Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Luis Carlos de Barros; Julg. 22/09/2023; DJESP 27/09/2023; Pág. 2542) Assim, concluo que houve falha na prestação do serviço, devendo a apelante reparar o prejuízo suportado pela apelada, inclusive aquele de ordem moral decorrente dos reiterados descontos indevidos em seu benefício previdenciário. Diante desse cenário, não vejo razões para alterar a conclusão primeva quanto à ausência de elementos capazes de demonstrar que a contratação de fato ocorreu. No que tange aos danos morais, assim como afirmado na r. sentença, também entendo que resta configurado o dever de indenizar diante da situação vivenciada pela apelada, que viu seu benefício previdenciário sofrer redução em razão dos descontos indevidos. Outrossim, “Esta Egrégia Corte possui o entendimento segundo o qual as hipóteses de contratação fraudulenta de empréstimo consignado consistem em situações configuradoras de dano moral in re ipsa, o qual se comprova mediante a simples demonstração da ocorrência da fraude”. (TJES, Classe: Apelação Cível, 011190053436, Relator: JORGE HENRIQUE VALLE DOS SANTOS, Órgão julgador: TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Julgamento: 09/02/2021, Data da Publicação no Diário: 05/03/2021). Desta feita, é consabido que a indenização por danos morais possui o objetivo de compensar a dor causada à vítima e desestimular o ofensor de cometer atos da mesma natureza, deste modo, entendo que o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), arbitrado pelo juízo de primeiro grau, mostra-se suficiente e dentro dos padrões dos Tribunais pátrios para casos semelhantes, sobretudo em razão do baixo valor do empréstimo em discussão: R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais) a ser pago pelo Requerente em 60 (sessenta) parcelas de R$ 34,46 (trinta e quatro e quarenta e seis reais e quarenta e seis centavos). Forte nessas razões, e com os esclarecimentos e considerações acima elencadas, CONHEÇO dos recursos de apelação principal e adesivo e, no mérito, NEGO-LHES PROVIMENTO. Nos termos do §11 do art. 85 do CPC, majoro os honorários sucumbenciais devidos pelo Banco para 11% (onze por cento) sobre o valor da condenação. É como voto. _________________________________________________________________________________________________________________________________ VOTOS VOGAIS 005 - Gabinete Des. CARLOS SIMÕES FONSECA - CARLOS SIMOES FONSECA (Vogal) Proferir voto escrito para acompanhar 013 - Gabinete Des. FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY - FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY (Vogal) Acompanhar

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Decio Prado x Banco Agibank S.A

ID: 262702184

Tribunal: TJES Órgão: Vitória - Comarca da Capital - 5ª Vara Cível Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 5023137-15.2024.8.08.0024

Data de Disponibilização: 30/04/2025

Polo Ativo:

DECIO PRADO

Polo Passivo:

BANCO AGIBANK S.A

Intimação - Diário

Advogados:

CAUE TAUAN DE SOUZA YAEGASHI

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

JOANA BARROS VALENTE

OAB/ES XXXXXX Desbloquear

ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Vitória - Comarca da Capital - 5ª Vara Cível Rua Leocádia Pedra dos Santos, 80, Enseada do Suá, VITÓRIA - ES - CEP: 29050-370 Telefone:(27) 31980626… ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Vitória - Comarca da Capital - 5ª Vara Cível Rua Leocádia Pedra dos Santos, 80, Enseada do Suá, VITÓRIA - ES - CEP: 29050-370 Telefone:(27) 31980626 PROCESSO Nº 5023137-15.2024.8.08.0024 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) REQUERENTE: DECIO PRADO REQUERIDO: BANCO AGIBANK S.A Advogado do(a) REQUERENTE: JOANA BARROS VALENTE - ES16012 Advogado do(a) REQUERIDO: CAUE TAUAN DE SOUZA YAEGASHI - SP357590 SENTENÇA Trata-se de Ação Ordinária ajuizada por DÉCIO PRADO em face de BANCO AGIBANK S.A., na qual a parte autora pleiteia a declaração de inexistência de débito relativo a empréstimo consignado que afirma não ter contratado, bem como a restituição em dobro dos valores descontados de seu benefício previdenciário e a condenação da instituição requerida ao pagamento de indenização por danos morais. Alega o autor, em síntese, que jamais solicitou ou autorizou a contratação do empréstimo consignado discutido nos autos, apesar de ter identificado crédito em sua conta corrente, seguido de descontos mensais em seu benefício previdenciário. Sustenta que, ao buscar esclarecimentos junto ao banco requerido, foi orientado a realizar a devolução do valor creditado, ocasião em que teria sido vítima de golpe perpetrado por terceiro, que se apresentou como representante da instituição ré, utilizando o mesmo número do canal oficial de atendimento do banco. Tal indivíduo teria emitido boleto fraudulento para devolução dos valores, o que levou o autor a transferir quantia a terceiro fraudador. O banco requerido apresentou contestação, sustentando que houve regular contratação mediante utilização de assinatura digital com reconhecimento biométrico facial. Juntou aos autos documentação relativa ao processo de contratação, inclusive suposto comprovante da operação. Afirmou não haver falha na prestação dos serviços e que eventual fraude perpetrada por terceiro dar-se-ia por culpa exclusiva da vítima, não havendo nexo de causalidade entre sua conduta e o prejuízo experimentado pelo autor. O autor apresentou réplica, na qual reiterou a inexistência de qualquer solicitação voluntária do contrato em questão, questionando a ausência de comprovação de envio de contrato, a falta de comunicação clara e segura e a omissão do banco em evitar que terceiros se utilizassem de seus canais para consumar fraude. Aduziu que jamais teve acesso ao contrato, tampouco à suposta proposta, e que não houve qualquer manifestação de vontade válida que pudesse embasar a avença. As partes declararam não haver outras provas a serem produzidas, requerendo ambas o julgamento antecipado da lide. É o relatório. Decido. A controvérsia consiste em aferir se há relação jurídica entre as partes, se houve falha na prestação dos serviços da requerida, se ocorreu fraude e quem deve ser responsabilizado, bem como se a situação descrita é suficiente para gerar danos morais compensáveis. Após a detida análise do feito, tenho que merece acolhida a pretensão autoral. De acordo com o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, “o fornecedor responde, independente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”. Ademais, o §3º do art. 14 do CDC, prescreve que o fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar que: (i) tendo prestado o serviço o defeito inexiste ou (ii) a culpa exclusiva do consumidor ou terceiro. Portanto, para restar configurado o dever de indenizar do fornecedor de serviços, será necessária a presença dos requisitos de conduta, dano e nexo de causalidade. No caso em apreço, como exposto em linhas volvidas, o requerente não reconhece a realização de contrato com a requerida, afirmando ainda que apesar de receber o saldo mencionado em conta, não recebeu cópia do contrato, tampouco foi aposta sua assinatura. Desta feita, por entender que a instituição requerida não trouxe aos autos prova de que o requerente realmente solicitou os serviços disponibilizados pela requerida, vislumbro que deve ser reconhecida a falha na prestação dos serviços da ré, notadamente nos padrões de segurança adotados. Em relação a fraude perpetrada por terceiro, igualmente deve se responsabilizar a instituição financeira. Conforme relatado, com o intuito de restituir a quantia creditada em sua conta bancária, o demandante entrou em contato com a demandada, via telefônica, e posteriormente, foi abordado por terceiro via aplicativo whatsapp, utilizando o mesmo número telefônico do canal oficial do banco. Ocorre que, pelo restou evidenciado nos autos, a comunicação procedida no momento da restituição fora operada por indivíduo mal intencionado presente nos quadros de funcionários, que gerou boleto fraudulento para que fosse realizada a devolução da quantia. Tenho que o banco requerido não logrou êxito em demonstrar qualquer fato impeditivo do direito do autor, carente de provas cabais no sentido de que ele teve culpa exclusiva na fraude bancária sofrida. Aplica-se ao caso a Teoria do Risco Profissional, segundo a qual em decorrência das atividades empresariais exercidas pelos réus, ao disponibilizar determinados serviços aos consumidores, ficam obrigados a suportar os riscos que advierem de sua conduta, independentemente da aferição do elemento subjetivo culposo para a caracterização da responsabilidade civil. Ressalta-se, ainda, que o benco réu não pode se furtar da responsabilidade ao tentar atribuí-la ao próprio autor ou mesmo a terceiros, em razão do disposto no artigo 7º, parágrafo único, da Lei Consumerista: “Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”. Aplicável, ainda, o entendimento sumulado pelo STJ a partir do verbete 479: "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". Dos diálogos sob análise, empreende-se que o praticante do ilícito obteve os dados do demandante, inclusive sua fotografia, para que então pudesse realizar a contratação do cartão de crédito em nome do aposentado junto à requerida. Assim, é possível inferir que não fora o requerente que efetivamente realizou a contratação, mas sim terceiro se utilizando de seus dados pessoais. Ainda, vale destacar o recente entendimento jurisprudencial acerca do tema, no qual entendeu-se que contratação do crédito consignado deve ser pessoal, de modo que não pode ser aceita a autorização por telefone ou via aplicativo de mensagens instantâneas, in verbis: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO COLETIVA – DIREITO DO CONSUMIDOR – PRELIMINARES DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA E AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR – REJEIÇÃO – CRÉDITO EM CONTA SEM A ANUÊNCIA DO CORRENTISTA – ILEGALIDADE – OPERAÇÕES DE CRÉDITO VIA TELEFONE – "TELE SAQUE" – ABUSIVIDADE. (...)Ainda que a contratação do cartão de crédito siga a forma prescrita em lei, a oferta desse serviço "facultativo" de saque ocorre via telefone, induzindo-se à contração de novo empréstimo, bastando mera autorização para o lançamento do crédito na conta do consumidor. Referida prática viola o direito à informação, a boa-fé e à função social do contrato, sobretudo porque geralmente os consumidores a ela sujeitados – pensionistas ou aposentados – são pessoas idosas e vulneráveis em inúmeros aspectos (saúde, conhecimento, condição social etc.) (art. 39, IV do CDC). A abusividade não reside propriamente na opção de saque atrelada ao cartão de crédito consignado, mas sim na oferta deste tipo de crédito pela via da ligação telefônica. Ademais, a norma do art. 39, III do CDC também veda ao fornecedor a execução de serviços ou a entrega de produtos "sem prévia autorização" ou "solicitação do cliente", o que torna abusivo o crédito na conta bancária do consumidor sem sua clara, informada e insuspeita autorização ou anuência. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.19.145399-2/001, Relator(a): Des.(a) Manoel dos Reis Morais , 20ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 19/08/0020, publicação da súmula em 20/08/2020) Entende-se que tal prática afronta o direito à informação, a boa-fé contratual. Isto porque, tratando-se os consumidores aposentados e indivíduos de notável vulnerabilidade, inclusive no que respeita à compreensão dessa pactuação, acabam extremamente lesados com cobrança de juros e outros encargos, sem contar o desgaste de se deslocarem de um lugar para o outro intentando desfazer o tal" empréstimo via cartão consignado ". A esse respeito, dispõe o CDC no inciso IV do seu artigo 39: "É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras prácas abusivas: IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços". Outrossim, o art. 52 do CDC estabelece: "No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre: I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional; II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros; III - acréscimos legalmente previstos; IV - número e periodicidade das prestações; V - soma total a pagar, com e sem financiamento". Uma vez que tais regras consumeristas não foram observadas no momento da contratação do cartão de crédito pela via telefônica, não pode o idoso se responsabilizar pelo deposito dos valores em sua conta. Tampouco deve arcar com prejuízo advindo da devolução de tal monta a terceiro fraudador, esse último que se furtou do mesmo canal de comunicação utilizado para realizar o contato inicial com o idoso e proceder a contratação do serviço. Assim entende a jurisprudência, in verbis: RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EFETIVADO ATRAVÉS DE CARTÃO DE CRÉDITO. NEGATIVA DE CONTRATAÇÃO DO EMPRÉSTIMO. DESCONSTITUIÇÃO DO DÉBITO QUE SE IMPÕE, COM IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DA MEDIDA. DANOS MORAIS EXCEPCIONALMENTE CONFIGURADOS, DIANTE CONDUTA ABUSIVA DO BANCO REQUERIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Caso em que o autor recebeu uma ligação do banco demandado com oferta de um cartão de crédito, a qual foi aceita pelo consumidor. No entanto, a contratação, que se deu através de aplicativo de mensagens (WhatsApp), acabou por gerar um crédito na conta do autor, no valor de R$ 3.000,00, que se tratava de empréstimo consignado não contratado pelo demandante. 2. Dessa forma, patente a abusividade da conduta do banco requerido, ao promover contratação não desejada pelo autor e, ainda, conceder-lhe crédito (empréstimo consignado vinculado à margem consignável do cartão). 3. Cabível, assim, a desconstituição dos valores concernentes ao contrato de empréstimo, sobretudo porque o autor já efetuou o depósito em juízo da quantia depositada, sem ter solicitado. 4. Danos morais excepcionalmente configurados, diante das particularidades do caso concreto, dada a conduta abusiva da instituição financeira ré. 5. Quantum indenizatório que não comporta redução, na medida em que arbitrados em consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, no valor de R$ 2.000,00. 6. Multa diária fixada em caso de descumprimento da medida cominatória imposta, que não comporta modificação. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNANIME. (TJRS. Recurso inominado n. 71008228611 (N. CNJ: 0081100-54.2018.8.21.9000) COMARCA DE CAXIAS DO SUL.) APELAÇÃO - Ação declaratória com pedido indenizatório - Emprésmos pessoais - Alegação de inexistência de contratação - Pedidos parcialmente acolhidos para declarar a inexigibilidade do contrato de mútuo nº 857532582 e condenar o banco ao pagamento de R$ 20.000,00, a tulo de dano moral - Pleito de reforma - Impossibilidade - Desrespeito à boa-fé, à função social do contrato e ao dever de informação - Infringência aos argos 6º, incisos III e IV, 30, 39, incisos IV e V e 46, todos do Código de Defesa do Consumidor - Consumidora idosa - Contratação por telefone - Representante da instuição financeira que se aproveitara da fragilidade da autora para impor-lhe novo contrato, manifestamente, oneroso ao liquidando - Idosa que tentara se esquivar da proposta e não se encontrava em boas condições de saúde no dia dos fatos - Ausência de boa-fé do banco requerido - Instuição financeira que, dolosamente, engendrou cálculos nebulosos, com a única finalidade de ampliar seus lucros, em afronta à função social dos contratos - Manifesta inexigibilidade das obrigações decorrentes da avença - Dano moral - Ocorrência - Conduta predatória da instituição financeira - Consumidora que sofrera abalo na vida financeira - Quantum a ser fixado, em observância aos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade - Apreciação equitava, levando-se em conta a extensão do dano, o grau de culpabilidade do ofensor e a situação econômica das partes, de modo a reparar o abalo sofrido, bem como, inibir a repeção da conduta - Circunstâncias fáticas, que, in casu, não autorizam o pleito de redução - Sentença manda - Recurso improvido. (TJSP. AC n. 1016195-59.2015.8.26.0344; Relator (a): Claudia Grieco Tabosa Pessoa; Órgão Julgador: 19ª Câmara de Direito Privado; Foro de Marília - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/05/2018; Data de Registro: 25/05/2018) EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. CONTRATAÇÃO POR TELEFONE. ENGANO. INFORMAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE CRÉDITO DISPONÍVEL QUE NÃO FOI COMPREENDIDA PELO IDOSO. CONSUMIDOR COM VULNERABILIDADE AGRAVADA. INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/PRES Nº 28/2008. ILEGALIDADE. 1. É irregular a contratação de emprésmo consignado a aposentados (desconto no benecio previdenciário) por telefone. Instrução Normava INSS/PRES nº 28/2008, art. 3º, III. 2. Além dessa irregularidade, o idoso, pessoa com vulnerabilidade agravada, sequer entendeu que se tratava de um empréstimo. Embora seja cediço que bancos não doam dinheiro, não é incomum que idosos sejam ludibriados pelas palavras dos funcionários do banco. 3. Adira-se que, além da ilegalidade da forma de contratação, o idoso nha direito de arrependimento que não foi observado. Mesmo que o prazo de sete dias da data da assinatura tenha sido ultrapassado, no caso, tal prazo deveria ser computado a parr do momento em que o autor soube da natureza da contratação. 4. A devolução dos valores deve ser em dobro. Presume-se a má-fé de um contrato firmado de maneira ilegal, contrário às normas vigentes. 5. Com a devolução de valores, o dano material resta ressarcido. O dano moral, no entanto, não fica configurado, tendo o autor apenas vivenciado um grande aborrecimento. 6. Recurso parcialmente provido. (TJSP. AC n. 1009969-31.2014.8.26.0002; Relator (a): Melo Colombi; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II - Santo Amaro - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/04/2018; Data de Registro: 10/04/2018) Com efeito, no que se refere a fraude do boleto empregada no momento da devolução da quantia, entendo que igualmente o não pode o autor ser responsabilizado. Neste sentido, cabe dizer que não é possível sustentar a ideia de que o homem médio tem condições de prever a ocorrência de tal tipo de fraude, e com isso, evitá-las, já que a fraude pode ser tão bem elaborada que até mesmo aqueles que possuem conhecimento e informação são passíveis de sofrê-la, motivo pelo qual deve ser analisado caso a caso. Assim entendeu a jurisprudência pátria em casos análogos, in verbis: RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADO COM SUSPENSÃO DE PAGAMENTO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DOS RÉUS. LEGITIMIDADE PASSIVA DO BANCO INTER QUE SE CONFUNDE COM O MÉRITO. RELAÇÃO NEGOCIAL REGIDA PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Ação de obrigação de fazer cumulada com suspensão de pagamento e indenização por danos morais – Sentença de parcial procedência – Inconformismo dos réus – Legitimidade passiva do Banco Inter que se confunde com o mérito – Relação negocial regida pelo Código de Defesa do Consumidor – Autor vítima de estelionato, após retorno de ligação ao SAC do Banco Pan, iniciada pelo autor com o intuito de efetuar a quitação de financiamento bancário – Fraude na emissão de boleto bancário – Apelantes que não carrearam qualquer documentação pertinente para elucidação do caso em apreço; não demonstraram interesse na investigação administrativa da fraude praticada por terceiros, evidenciando total descaso com os danos causados ao consumidor e o desinteresse no deslinde e no combate ao referido crime – Evidente a falha no sistema bancário do recorrente Banco Pan, que permitiu que terceiros estelionatários fizessem interceptações em ligações de sua central de atendimento e em dados de seus clientes, como ocorreu com o autor – Não há que se falar na ilegitimidade passiva do Banco Inter, cujo correntista foi o beneficiário da transação fraudulenta, e ainda assim, não demonstrou o apelante mínimo interesse na apuração do ocorrido, indicando os dados do beneficiário para tanto – Falha na prestação do serviço configurada – Responsabilidade objetiva pelo risco da atividade – Fraude praticada por terceiro que não exime o banco de responsabilidade, na forma da Súmula nº 479 do STJ – Culpa exclusiva do autor não caracterizada – Indenização material bem acolhida na origem – Danos morais fixados em patamar módico, inexistindo apelo do requerente suplicando eventual majoração – Sentença mantida – Recursos não providos. (TJ-SP - AC: 10048583820198260084 SP 1004858-38.2019.8.26.0084, Relator: Helio Faria, Data de Julgamento: 17/08/2020, 18ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/08/2020) RESPONSABILIDADE CIVIL. Ação de indenização por danos materiais e morais – Sentença de improcedência – Inconformismo o autor – Interposicao de recurso inominado quando o correto é apelação – Recebimento em razão do princípio da instrumentalidade das formas e da fungibilidade – Relação negocial regida pelo Código de Defesa do Consumidor – Autor vítima de estelionato, após retorno de ligação ao SAC do Banco Safra, iniciada pelo autor com o intuito de efetuar o pagamento de parcela do financiamento bancário – Não foi um terceiro quem ligou para o autor, mas o apelante entrou em contato com o SAC e acessou o site do Banco Safra – Evidente a falha no sistema bancário do recorrido Banco Safra, que permitiu que terceiros estelionatários fizessem phishing no site a fim de redirecionar o contato por WhastApp, permitindo ações de criminosos – Não há que se falar na ilegitimidade passiva do PagSeguro, cujo correntista foi o beneficiário da transação fraudulenta, e ainda assim, não demonstrou o apelante mínimo interesse na apuração do ocorrido, indicando os dados do beneficiário para tanto – Falha na prestação do serviço configurada – Responsabilidade objetiva pelo risco da atividade – Fraude praticada por terceiro que não exime o banco de responsabilidade, na forma da Súmula nº 479 do STJ – Culpa exclusiva do autor não caracterizada – Fraude na emissão de boleto bancário – Pedido de dano material que deve ser acolhido, a fim de considerar quitada a parcela de R$ 953,08, com vencimento em 24/07/2020, referente ao contrato de financiamento entre o autor e o Banco Safra, sem prejuízo da cobrança de eventuais parcelas que estejam em atraso – Situação vivida pelo autor ultrapassou o mero dissabor, eis que gerou incertezas, angústias, desgaste emocional, sendo passível de indenização – Precedentes desta Corte – Danos morais arbitrados em R$ 5.000,00 – Sentença reformada para julgar parcialmente procedente a demanda – Recurso parcialmente provido. (TJ-SP - AC: 10026769620208260358 SP 1002676-96.2020.8.26.0358, Relator: Helio Faria, Data de Julgamento: 27/09/2021, 18ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/09/2021) Assim, constatada a lesão sofrida pelo requerente com o desconto do valor creditado em favor de terceiro estelionatário, impossível o retorno ao status quo ante, nos moldes do art. 884 e seguintes do Código Civil, não havendo que se falar em acolher a manifestação do requerido no sentido de determinar ao autor a devolução da quantia recebida com os devidos acréscimos legais. Isso porque, os valores não se encontram mais depositados em conta-corrente do demandante ante golpe aplicado em razão na falha de segurança e estrutura de suporte e atendimento digital do banco requerido. Ainda, deve a instituição ré suportar os danos materiais correlatos montantes já descontados do benefício do requerente. Em relação à modalidade de repetição, simples ou dobrada, o parágrafo único do artigo 42 Código de Defesa do Consumidor estabelece que “O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.”. Sobre o assunto, a jurisprudência pátria do Col. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que a restituição em dobro do indébito independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que cobrou valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva (STJ, Corte Especial, EAREsp 676608/RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 21/10/2020). Nesse sentido, colaciono o seguinte julgado: RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO. COBRANÇA JUDICIAL. INDEVIDA. DÍVIDA PAGA. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. MÁ-FÉ. DEMONSTRAÇÃO. ART. 42 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. ARTIGO 940 DO CÓDIGO CIVIL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO. PRESSUPOSTOS PREENCHIDOS. COEXISTÊNCIA DE NORMAS. CONVERGÊNCIA. MANDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a discutir a possibilidade de se aplicar a sanção do art. 940 do Código Civil - pagamento da repetição do indébito em dobro - na hipótese de cobrança indevida de dívida oriunda de relação de consumo. 3. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 4. Os artigos 940 do Código Civil e 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor possuem pressupostos de aplicação diferentes e incidem em hipóteses distintas. 5. A aplicação da pena prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC apenas é possível diante da presença de engano justificável do credor em proceder com a cobrança, da cobrança extrajudicial de dívida de consumo e de pagamento de quantia indevida pelo consumidor. 6. O artigo 940 do CC somente pode ser aplicado quando a cobrança se dá por meio judicial e fica comprovada a má-fé do demandante, independentemente de prova do prejuízo. 7. No caso, embora não estejam preenchidos os requisitos para a aplicação do art. 42, parágrafo único, do CDC, visto que a cobrança não ensejou novo pagamento da dívida, todos os pressupostos para a aplicação do art. 940 do CC estão presentes. 8. Mesmo diante de uma relação de consumo, se inexistentes os pressupostos de aplicação do art. 42, parágrafo único, do CDC, deve ser aplicado o sistema geral do Código Civil, no que couber. 9. O art. 940 do CC é norma complementar ao art. 42, parágrafo único, do CDC e, no caso, sua aplicação está alinhada ao cumprimento do mandamento constitucional de proteção do consumidor. 10. Recurso especial não provido. (REsp 1645589/MS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/02/2020, DJe 06/02/2020). In casu, ante as razões apresentadas acima, entendo que merece ser acolhido o pedido de restituição ao requerente da quantia indevidamente descontada de seu benefício, em dobro, devidamente atualizada, como exposto acima. Por fim, importa analisar o pedido de indenização por danos morais. De acordo com a doutrina “só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem estar”. Infere-se do conceito apresentado por Sérgio Cavalieri Filho, que para haver a configuração de danos morais passíveis de compensação deve haver ofensa grave aos direitos da personalidade, causando angústias e aflições que se excedem à normalidade. Após a detida análise dos autos, entendo que a situação descrita nos autos é suficiente para gerar danos morais. Ainda, além de sofrer a prática da conduta de estelionato, o demandado se viu obrigado a suportar a cobrança da quantia por parte do requerido, que não fora creditada em favor do banco e já havia sido retirada da conta do aposentado por intermédio do boleto fraudulento. Desta feita, a situação descrita nos autos me parece suficiente para gerar danos morais compensáveis. Assim entendem os tribunais em casos análogos, in verbis: RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO INTERPOSTO PELO AUTOR. DEMANDANTE IDOSO, APOSENTADO, ANALFABETO E INDÍGENA. DANO MORAL CONFIGURADO. MONTANTE QUE DEVE ATENDER AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE, BEM COMO AO CARÁTER INIBITÓRIO DA CONDUTA. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL A SER CORRIGIDA MONETARIAMENTE A PARTIR DA SESSÃO DE JULGAMENTO (SÚMULA 362 DO STJ) E ACRESCIDA DE JUROS MORATÓRIOS DESDE O PRIMEIRO DESCONTO IRREGULAR NÃO PRESCRITO. SENTENÇA REFORMADA. PLEITO DE MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ACOLHIMENTO. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. .RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO ,(TJPR - 10ª C.Cível - 0004004-82.2016.8.16.0104 - Laranjeiras do Sul - Rel.: Desembargador Guilherme Freire de Barros Teixeira - J. 28.02.2019) No que pertine ao valor dos danos morais, a doutrina e jurisprudência são firmes em que o arbitramento deve ser realizado, caso a caso, pautado na repercussão do dano, na possibilidade econômica do ofensor e nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Nesse sentido, transcrevo a seguinte lição do Professor Sergio Cavalieri, a qual elucida os critérios que devem ser observados para o arbitramento dos danos morais: “o juiz, ao valorar o dano moral deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes”. Assim, observadas as premissas fixadas acima, a lesão ao direito informação, forma de contratação abusiva, possível pratica de estelionato, cobranças em face do autor, bem como a observância à razoabilidade e proporcionalidade, reputo como suficiente para indenizar os danos suportados pelo requerente, o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Ante o exposto, na forma do art. 487, I, do CPC/15 e resolvendo o mérito, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos autorais para: (i) declarar inexistentes os débitos relativos aos empréstimos discutidos nesses autos, bem como confirmar a liminar, determinando que o banco requerido se abstenha definitivamente de realizar descontos no benefício do requerente; (ii) condenar a ré a indenizar o autor pelos danos materiais dos montantes já descontados do benefício do requerente, atualizados e com incidência de juros de mora de 1% ao mês, do efetivo desconto até o efetivo pagamento e daqueles que vierem a descontar no decorrer da lide, em dobro, nos termos ao §único do artigo 42 do CDC; (iii) para condenar a ré a indenizar ao autor pelos danos morais suportados no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Por entender que o requerente sucumbiu em parte mínima, condeno a requerida em custas e honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor da condenação, com fulcro no art. 85, §2º do CPC. Vindo aos autos recurso de apelação, intime-se a parte apelada para apresentar contrarrazões, caso queira, no prazo legal (art. 1.010, §1º do CPC). De outra banda, apresentada apelação adesiva, intime-se a parte ex adversa para apresentar contrarrazões no prazo legal. Na ausência de apelação adesiva, apresentadas contrarrazões à apelação ou decorrido o prazo in albis, remetam-se os presentes autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Espírito Santo, com as nossas homenagens, nos termos do que dispõe o §3º do art. 1.010 do CPC. Transitado em julgado o decisum ou requerida a desistência do prazo recursal, o que desde já fica homologado, nada sendo requerido pelas partes, proceda-se à serventia a baixa com as cautelas de estilo e arquivem-se os autos. P.R.I.-se. Diligencie-se. Vitória/ES, data da assinatura eletrônica. RODRIGO CARDOSO FREITAS Juiz de Direito

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Processo nº 0000561-37.2010.8.11.0084

ID: 308544336

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 0000561-37.2010.8.11.0084

Data de Disponibilização: 26/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

ADEMAR DIEFENTHAELER

Acórdão

Advogados:

MARCO AURELIO MONTEIRO ARAUJO

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 0000561-37.2010.8.11.0084 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Esbulho / Turbação / Ameaça] Relator: Des(a). AN… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 0000561-37.2010.8.11.0084 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Esbulho / Turbação / Ameaça] Relator: Des(a). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA Turma Julgadora: [DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, DES(A). SERLY MARCONDES ALVES] Parte(s): [ADEMAR DIEFENTHAELER - CPF: 568.288.101-04 (APELADO), MARCO AURELIO MONTEIRO ARAUJO - CPF: 460.622.111-91 (ADVOGADO), Idelson de Andrade (APELANTE), CAMILA EMILY DO NASCIMENTO SOUZA - CPF: 038.219.611-20 (ADVOGADO), RICARDO ZEFERINO PEREIRA - CPF: 005.454.049-67 (ADVOGADO), FREDERICO STECCA CIONI - CPF: 058.716.439-57 (ADVOGADO), ROSIMERI FELIPETO - CPF: 695.748.129-87 (APELANTE), Jose Geraldo Felippeto (APELANTE), JOSE CARLOS FELIPPETO - CPF: 570.508.649-00 (APELANTE), CRISTINA FATIMA DA SILVA FELIPPETO - CPF: 024.112.519-71 (APELANTE), ELISABETE FELIPPETO NATAL - CPF: 004.478.409-08 (APELANTE), JOSE CARLOS NATAL - CPF: 169.536.739-15 (APELANTE), NIVALDO HENZEN - CPF: 251.671.629-04 (APELANTE), ROSA FIRMINA FELIPPETO HENZEN - CPF: 554.576.659-68 (APELANTE), ELMO DE FREITAS ARANTES - CPF: 629.422.041-68 (TERCEIRO INTERESSADO), ANDERSON DAVI MACIEL DOS SANTOS - CPF: 037.993.981-98 (ADVOGADO), JOSE GERALDO FELIPPETO - CPF: 258.404.289-49 (APELANTE), IDELSON DE ANDRADE - CPF: 424.436.449-87 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PROVIDO, UNÂNIME. E M E N T A DIREITO CIVIL. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE E INTERDITO PROIBITÓRIO. IMÓVEL RURAL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA FUNDADO EM PROCURAÇÃO FALSA. NEGÓCIO VICIADO. POSSE INJUSTA EVIDENCIADA. ESBULHO CONFIGURADO. POSSE LEGÍTIMA DOS AUTORES COMPROVADA. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS DA REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DIREITO À INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS NECESSÁRIAS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSOS PROVIDOS. I. CASO EM EXAME 1. Apelações Cíveis interpostas contra sentença una que julgou improcedente a Ação de Reintegração de Posse e procedente o Interdito Proibitório, determinando que a parte requerida se abstenha de qualquer ato que implique turbação ou esbulho na posse do imóvel de titularidade e/ou posse do autor referente ao imóvel rural situado em Apiacás/MT, cuja ocupação se deu com base em contrato de compra e venda firmado com procuração. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) definir se houve cerceamento de defesa em razão do indeferimento de perícia grafotécnica; (ii) estabelecer se os apelantes demonstraram posse legítima e anterior sobre o imóvel rural; e (iii) determinar se o apelado possui direito à indenização por benfeitorias. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O indeferimento da prova pericial não configura cerceamento de defesa quando o juízo reconhece a suficiência do conjunto probatório e a falsidade dos documentos é confirmada por outros meios de prova constantes nos autos. 4. A posse originada de contrato de compra e venda baseado em procuração falsa, reconhecimento de firma inexistentes e documentos bancários inconsistentes é considerada injusta e não merece tutela possessória. 5. Comprovada a posse legítima, contínua e anterior dos apelantes desde 1985, mediante escritura pública registrada, presença esporádica, manutenção do imóvel e atuação de preposto, são suficientes para preenchimento dos requisitos do art. 561 do CPC. 6. O apelado, por ser possuidor de má-fé, não tem direito à retenção do imóvel, mas faz jus à indenização por eventuais benfeitorias necessárias, nos termos do art. 1.220 do Código Civil, a serem apuradas em fase de liquidação de sentença. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Preliminar rejeitada. Recursos de apelação providos. Tese de julgamento: 1. A ausência de perícia grafotécnica não configura cerceamento de defesa quando a falsidade documental é demonstrada por outros meios de prova. 2. A posse decorrente de contrato viciado por falsidade é injusta e não goza de proteção possessória. 3. O possuidor de má-fé tem direito apenas à indenização por benfeitorias necessárias, sem direito de retenção ou indenização por benfeitorias úteis ou voluptuárias. Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 55, § 3º; 370; 560; 561; CC, arts. 1.196, 1.200, 1.219, 1.220. Jurisprudência relevante citada: TJMT, ApCiv n. 0009449-93.2014.8.11.0006, Rel. Des. Dirceu dos Santos, j. 05.07.2023; TJMG, ApCiv n. 1.0346.12.002305-3/002, Rel. Des. Baeta Neves, j. 31.01.2024; TJMT, N.U. 1034030-27.2024.8.11.0000, Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, j. 29.01.2025; TJMG, ApCiv n. 1.0000.23.328035-3/001, Rel. Des. Leonardo de Faria Beraldo, Nona Câmara Cível, j. 16.04.2024, DJE 18.04.2024; TJMT, N.U. 0026931-56.2008.8.11.0041, Rel. Des. Sebastião de Moraes Filho, Segunda Câmara de Direito Privado, j. 18.12.2019, DJE 20.12.2019. R E L A T Ó R I O EXMA. SRA. DESEMBARGADORA ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA Egrégia Câmara: Trata-se de Apelações Cíveis interpostas por JOSE CARLOS FELIPPETO e outros contra a sentença una proferida pelo Juízo da Vara Única de Apiacás/MT, que julgou procedente o pedido na Ação de interdito proibitório n. 0000561-37.2010.8.11.0084 ajuizada por ADEMAR DIEFENTHAELER e julgou improcedente o pedido na Ação de reintegração de posse n. 0000958-96.2010.8.11.0084 ajuizada pelos apelantes, determinando que a parte requerida se abstenham de qualquer ato que implique turbação ou esbulho na posse do imóvel de titularidade e/ou posse do autor referente ao imóvel rural situado em Apiacás/MT (ids. 283233997 e 284789852). Os apelantes sustentam, em síntese, preliminar de cerceamento de defesa, sob o fundamento de que foi indeferida a produção de prova pericial grafotécnica quanto aos documentos relevantes (inclusive novos documentos juntados nos autos), os quais apresentariam indícios de falsificação, notadamente a proposta de abertura de conta, CPF e declaração de endereço, apresentados pela cooperativa Sicredi. Sustenta que tal prova seria imprescindível à elucidação da controvérsia e à demonstração de que a posse exercida pelo apelado é fruto de negócio jurídico fraudulento, conforme já reconhecido em incidente de falsidade n. 0000393-59.2015.8.11.0084. Reforça que o contrato de compra e venda celebrado entre as partes foi retirado dos autos por decisão judicial, justamente em razão da constatação de sua falsidade, e que os documentos remanescentes são insuficientes para comprovar a posse legítima do apelado, o qual teria, segundo os apelantes, agido de má-fé ao pleitear proteção possessória com base em documentos e fatos contaminados por vícios. Argumenta, ainda, que os apelantes são os legítimos possuidores e proprietários do imóvel rural, cuja aquisição remonta ao ano de 1985, conforme demonstra a cadeia dominial, escritura registrada, fotos, testemunhos e demais provas produzidas ao longo dos autos. Requer, ao final, a nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, ou, subsidiariamente, a sua reforma, para que seja julgada procedente a Ação de reintegração de posse, com a consequente restituição do imóvel em litígio (ids. 283233999 e 284789854). Em contrarrazões, o apelado ADEMAR DIEFENTHAELER pugna pelo desprovimento do recurso e manutenção da sentença, rechaçando a preliminar de cerceamento de defesa. Argumenta que ficou comprovado, inclusive por prova testemunhal idônea e corroborada por documentos, que o apelado exerce posse mansa e pacífica desde 2009, com animus domini e sem qualquer demonstração válida de esbulho praticado (id. 283234004 e 284789859). O terceiro interessado ELMO DE FREITAS ARANTES, regularmente admitido nos autos, em apertada síntese, reforça os fundamentos das contrarrazões do apelado, especialmente quanto à inexistência de cerceamento de defesa e à legitimidade da posse exercida. Requer o não acolhimento da preliminar, bem como o desprovimento do recurso de Apelação (ids. 284969853 e 284969854). A Procuradoria de Justiça se manifestou pela não intervenção no feito (ids. 287163358 e 287161890). É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMA. SRA. DESEMBARGADORA ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA Egrégia Câmara: 1. Da necessidade de julgamento conjunto Considerando a sentença uma proferida pelo Juízo de primeiro grau, aliado à identidade de partes, conexão entre as matérias discutidas e a necessidade de assegurar a coerência das decisões, procedo ao julgamento conjunto dos recursos n. 0000958-96.2010.8.11.0084 e 0000561-37.2010.8.11.0084, nos termos do art. 55, § 3º, do CPC, para evitar decisões conflitantes e assegurar a segurança jurídica. Passo a análise da preliminar arguida. VOTO – PRELIMINAR 2. Cerceamento de Defesa Alegam os apelantes que houve cerceamento de defesa em razão do indeferimento da prova pericial grafotécnica em documentos relevantes, os quais apresentariam indícios de falsificação, notadamente a proposta de abertura de conta, CPF e declaração de endereço, apresentados pela cooperativa Sicredi em nome de José Carlos Felippeto. Todavia, razão não lhes assiste. O Juízo de origem, ao determinar a apresentação de memoriais e julgar os feitos, motivou a decisão pela suficiência do conjunto probatório já constante dos autos, inclusive com base na prova documental, oral e no incidente de falsidade produzido nos autos, situação que não configura nulidade processual, mas exercício legítimo do poder de direção do processo. Ademais, a verificação da alegada falsidade na abertura da conta bancária junto à cooperativa Sicredi não se revela imprescindível à solução da lide, porquanto os próprios documentos oficiais juntados aos autos pela instituição financeira, quando cotejados com os documentos de identificação dos apelantes, apontam de plano evidentes divergências entre as assinaturas e dados pessoais, dispensando, assim, o exame técnico grafoscópico para constatação das inconsistências. Nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL – INTERDITO PROIBITÓRIO – NÃO COMPROVAÇÃO DA POSSE LEGÍTIMA - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – PEDIDO DE NULIDADE DE SENTENÇA - ALEGAÇÃO DE NÃO ANÁLISE DAS PROVAS – QUESTÃO JÁ DECIDIDA NO RAI 107358/2012 – COISA JULGADA – DESNECESSIDADE DE PERÍCIA GRAFOTÉCNICA – BOA-FÉ DO ADQUIRENTE AFASTADA - SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. O apelante funda sua irresignação na alegação de que o Juízo teria deixado de analisar provas anexadas aos autos (recibo e pedido de regularização junto à INTERMAT), incorrendo, assim, em cerceamento de defesa. Contudo, é cediço que o referido documento do INTERMAT foi objeto de análise quando do julgamento do RAI nº. 107358/2012, interposto pelo ora apelante, originário dos Embargos de Terceiro (Código 777380) e desprovido à unanimidade. Assim, o apelante busca a reanálise de questão já acobertada pelo manto da coisa julgada, o que não se mostra viável. A alegada necessidade de perícia grafotécnica no recibo da compra de licença de ocupação urbana, também fundamento do pedido de anulação por cerceamento de defesa, não encontra respaldo nos autos, tendo em vista a conclusão do Magistrado, da qual este Relator partilha, de que “a senhora Elisandra de Morais e seu companheiro Elizeu Roberto eram inquilinos do senhor Renato, ou seja, meros detentores da posse” e que “apesar do autor ser pessoa do comércio com prática na realização de negócios, o mesmo não tomou os cuidados necessários ao adquirir o imóvel de quem não tinha a posse de fato, sendo o vendedor apenas mero detentor”. Portanto, a perícia grafotécnica em nada contribuiria para o deslinde da causa e, tendo em vista que o Juiz é o destinatário das provas, cabendo a ele aferir sobre a necessidade ou não de sua produção, a teor do que estabelece o art. 370, do CPC, tendo o Magistrado que preside a causa o dever de evitar a coleta de prova que se mostre inútil a solução do litígio. Ademais, restou comprovado nos autos que, no momento da venda para o autor, em 29/09/2008, já existia sentença datada de 09/07/2008, determinando o despejo por falta de pagamento de alugueis de Elizeu Roberto Hermann, companheiro da vendedora, Sra. Elisandra de Morais, o que, obviamente, afasta a tese de que tenha adquirido o imóvel de boa-fé. (N.U 0026931-56.2008.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO DE MORAES FILHO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 18/12/2019, Publicado no DJE 20/12/2019) Assim, REJEITO a preliminar. VOTO - MÉRITO A controvérsia recursal diz respeito à titularidade possessória do imóvel rural descrito na inicial, com 704,78 hectares, localizada às margens da estrada calcário, km19, MT-160, situado no Município de Apiacás/MT, que, segundo os autos, teria sido objeto de ocupação pelo apelado Ademar Diefenthaeler com base em Contrato de compra e venda celebrado com os ora apelantes. 3. Da proteção possessória Nas ações possessórias, o art. 561 do CPC enuncia que para a concessão da reintegração de posse é preciso apurar se estão presentes as seguintes condições: “Art. 561. Incumbe ao autor provar: I - a sua posse; II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III- a data da turbação ou do esbulho; IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração.” Como visto, o que importa é a demonstração da posse anterior, a ameaça de moléstia, turbação ou esbulho e a data de seu início. Não se discute, em regra, a titularidade, matéria restrita ao juízo petitório. A questão do domínio fica relegada ao segundo plano na análise em ações possessórias, considerando-se possuidor “todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”– artigo 1.196 do Código Civil, quais sejam os poderes de usar, gozar e dispor da coisa, sendo justa aquela posse que “não for violenta, clandestina ou precária” – artigo 1.200 do Código Civil. Pois bem. A sentença recorrida entendeu pela comprovação da posse exercida pelo apelado Ademar, reputando ausente a prova do exercício anterior da posse pelos autores, ora apelantes. Entretanto, os autos fornecem elementos suficientes a recomendar conclusão diversa. Extrai-se que os apelantes adquiriram o imóvel rural em 25/9/1985, devidamente registrado sob o n. 0428, do Cartório de registro de imóveis de Apiacás/MT, oriunda da escritura pública de venda e compra com o Indeco (id. 284788383 – fls. 132/137), oportunidade em que detinham a posse sobre o bem e, por morarem em Umuarama, vinham todos os anos para verificação e cuidado do imóvel, valendo-se, inclusive, de preposto para tanto. Extrai-se, ainda, que no dia 19/8/2009 o apelado Ademar adquiriu através de Contrato de compra e venda de imóvel rural, figurando como vendedores Rosimeri Felipeto, Jose Carlos Felippeto, Cristina Fatima Da Silva Felippeto, Elisabete Felippeto Natal, Jose Carlos Natal, Nivaldo Henzen, Rosa Firmina Felippeto Henzen, Idelson De Andrade e Jose Geraldo Felippeto, representados pelo procurador José Carlos Felippeto, pelo valor de R$. 150.000,00, sendo R$. 100.000,00 à vista e R$. 50.000,00 com vencimento em 20/8/2010. O contrato foi firmado em Nossa Senhora do Livramento/MT e as firmas reconhecidas no Cartório local (id. 283233907 – fls. 25/27). O apelado Ademar afirma que entrou na área e vinha exercendo a posse quando foi procurado pelos apelantes, o que motivou o registro do Boletim de ocorrência em 22/7/2010 (id. 283233907 - fls.43). Da mesma forma, os apelantes registraram Boletim de ocorrência em 22/7/2010 (id. 284788383 – fls. 144/145) e denunciaram à Sema a existência de desmate ilegal, em 29/7/2010 (id. 284788383 - fls. 146/150). Em 13/8/2010 o apelado Ademar interpôs a Ação de interdito proibitório n. 0000561-37.2010.8.11.0084, ao passo que em 24/11/2010 os apelantes José Carlos Felippeto e outros ajuizaram a Ação de reintegração de posse n. 0000958-96.2010.8.11.0084. Pois bem. Da análise acurada de todo o conjunto fático-probatório em que me debrucei, verifico que a posse do apelado Ademar sobre a área litigiosa decorreu do Contrato de compra e venda de imóvel rural, cujos fundamentos foram comprometidos por vícios materiais, notadamente quanto à procuração que teria conferido poderes para a alienação do imóvel. Isso porque, há provas de que a procuração que embasou a compra e venda ao apelado Ademar não foi emitida pelos apelantes, pois os supostos reconhecimentos de firma das assinaturas perante o Cartório Xavier de Matos, município de Cuiabá, não foram confirmados pelo Tabelião responsável, conforme se vê do ofício encartado no id. 283233912 – fls. 64/65. Vejamos: Tal instrumento foi objeto de incidente específico de falsidade, do qual resultou o desentranhamento dos principais documentos que lastreavam a alegada transação, incluindo os cheques e o próprio contrato de compra e venda. A fragilidade dos elementos que instruíram o ingresso do apelado Ademar na posse resta agravada pela inconsistência nos documentos bancários que, supostamente, demonstrariam o pagamento do preço ajustado. Dos autos constam apenas três cheques no valor de R$. 31.540,00 cada, totalizando a quantia de R$. 94.620,00, cuja compensação é comprovada. Contudo, não há outras provas acerca do pagamento dos valores remanescentes pactuados. Constato que os referidos cheques foram depositados em conta poupança em nome de José Carlos Felippeto no Banco Sicredi, cuja conta foi aberta um dia antes da confecção do Contrato de compra e venda e embasou-se em documentos pessoais diferentes do apelante. Ainda, as únicas movimentações bancárias da conta se derem com o depósito das cártulas e, posteriormente, saques dos respectivos valores. Tal conclusão se extrai das informações encartadas pelo Banco Sicredi aos autos (ids. 283233937, 283233958 e 283233980): Não se pode desconsiderar o vasto conjunto probatório colacionado aos autos ao longo de mais de 14 anos de tramitação, o qual deve ser adequadamente valorado para subsidiar a análise dos requisitos legais da proteção possessória. Inclusive, impende registrar que a sentença de primeiro grau ancorou-se preponderantemente na prova testemunhal colhida em audiência realizada em 30/7/2022, e as testemunhas ouvidas confirmaram, em linhas gerais, que o apelado Ademar encontrava-se na posse da área rural desde 2009, circunstância que, de fato, não se contesta. No entanto, é imprescindível ressaltar que essa posse foi autorizada por força de liminar concedida nos autos de Agravo de instrumento interposto contra a decisão que deferira, na origem, a reintegração na posse aos apelantes. Tal decisão liminar teve como fundamento o Contrato de compra e venda juntado pelo apelado Ademir, o qual, como exaustivamente demonstrado, teve sua validade comprometida e posteriormente afastada por decisão no incidente de falsidade, com base em provas documentais robustas, notadamente, o reconhecimento da falsidade da procuração e das irregularidades nos instrumentos de pagamento. Observa-se da referida ementa (id. 284788383 – fls. 322): Contudo, a testemunha Inácio informou em Juízo que os apelantes eram os donos, que o Idelson (preposto) vinha todo ano para cuidar da área, pelo menos duas vezes, e que a área tinha placa. Vejamos (id. 284789852): Dentro desse contexto, concluo que não houve declaração de vontade dos apelantes na transferência da posse ao apelado, pressuposto essencial no plano de existência e validade do negócio jurídico, maculando a relação negocial em sua origem. Ora, se a posse que se origina de contrato nulo é, por definição, injusta, não merece proteção possessória. Com efeito, diante da posse injusta do apelado Ademir sobre o imóvel, é possível aferir que os apelantes exercem a posse anterior sobre o imóvel objeto da ação, conforme se observa das provas produzidas nos autos. Os apelantes lograram demonstrar o exercício anterior da posse sobre o imóvel, mediante documentos e depoimentos que confirmam visitas frequentes ao local, manutenção de marcos de propriedade e vigilância esporádica, compatíveis com o perfil da área (predominantemente floresta nativa). Essas circunstâncias indicam o exercício do animus domini de forma suficiente para caracterizar a posse, ainda que descontinuada, nos termos do art. 1.196 do Código Civil. Portanto, a posse do apelado Ademir, ainda que exercida de forma visível e contínua a partir de 2009, não pode ser qualificada como legítima, pois teve origem em negócio jurídico viciado, destituído de eficácia jurídica, de modo que a prova testemunhal produzida em momento posterior, por si só, não tem o condão de convalidar a origem da posse nem de infirmar os elementos objetivos que comprovam o esbulho. Nesse sentido, colho o seguinte julgado deste Tribunal: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE C/C DECRETAÇÃO DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – ILEGITIMIDADE ATIVA – REJEIÇÃO – AUTORES QUE HERDARAM A POSSE DO BEM "CAUSA MORTIS" – IMÓVEL DEVIDAMENTE INDIVIDUALIZADO NOS AUTOS – VÍCIO NA CONSTITUIÇÃO DA COMPRA E VENDA – POSSE INJUSTA DO DEMANDADO EVIDENCIADA – PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS A AUTORIZAR A REINTEGRAÇÃO AOS AUTORES – ART. 561 DO CPC – DANO MORAL CONFIGURADO – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. A legitimação para a ação decorre do interesse das partes em relação à pretensão trazida a juízo. A prova documental acostada aos autos é suficiente para demonstrar a legitimidade ativa dos herdeiros, que herdaram a posse do imóvel individualizado na inicial em razão da morte de seus pais. Compete à parte autora na ação de reintegração de posse comprovar os requisitos legais, (posse, esbulho, data do esbulho e perda da posse). Comprovados tais requisitos, há de ser mantida a sentença de procedência. Quanto ao dano moral fixado em sentença, os fatos narrados geraram, indubitavelmente, expectativas e frustrações que, por si só, bastam à caracterização do dano extrapatrimonial, eis que desborda o mero dissabor. (TJMT, Número Único: 0009449-93.2014.8.11.0006, Relator: Des(a). DIRCEU DOS SANTOS, POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO, Data da sessão: Cuiabá-MT, 05/07/2023). Configurada, pois, a perda da posse pelos apelantes em razão da ocupação injusta promovida pelo apelado Ademir, evidencia-se o esbulho possessório, circunstância que justifica plenamente a procedência da ação de reintegração de posse, com fundamento nos arts. 560 e 561 do CPC. Sob o mesmo fundamento, trago julgados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL - NÃO CONFIGURAÇÃO - INVASÃO DE IMÓVEL RURAL COM INSERÇÃO DE ANIMAIS - CONTRATO DE LOCAÇÃO - NULIDADE - ESBULHO CONFIGURADO. 1. Não há falar em inadequação da via eleita na ação de reintegração de posse que possui, como causa de pedir, a nulidade do contrato de locação do imóvel. 2. Nas ações de reintegração de posse, incumbe ao autor provar a sua posse, o esbulho praticado pelo réu, a data do esbulho e a perda da posse. 3. Tendo em vista que a posse exercida pelo réu é fundada em contrato eivado de nulidade, resta configurada a prática de esbulho. 4. É nulo o contrato de locação de imóvel cujos locadores são os herdeiros que, anteriormente, renunciaram à herança em favor de terceiro. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.23.328035-3/001, Relator(a): Des.(a) Leonardo de Faria Beraldo , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/04/2024, publicação da súmula em 18/04/2024) APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - ART. 927 DO CPC/73 (ART. 561 DO CPC/2015) - ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DO TERRENO - PROPRIETÁRIA INTERDITADA - AUSÊNCIA DE CUMPRIMENTO DAS EXIGÊNCIAS LEGAIS DO ART. 1.750 DO CC - NEGÓCIO JURÍDICO NULO - REQUISITOS DA AÇÃO POSSESSÓRIA NÃO PREENCHIDOS - POSSE INJUSTA. - Para a concessão da reintegração de posse é indispensável à presença dos requisitos previstos no art. 927, do Código de Processo Civil de 1973 (vigente à época da propositura da demanda e equivalente ao art. 561 do CPC/2015): (I) a sua posse; (II) a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; (III) a data da turbação ou do esbulho; (IV) a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração. - Ainda que apresentados documentos que comprovam que à época da assinatura do contrato de compra e venda do terreno a proprietária estava representada pela curadora que foi nomeada judicialmente em ação de interdição, não sendo cumpridos os requisitos legais para a alienação do terreno, previstos expressamente no art. 1.750 do CC, é absolutamente nulo o negócio jurídico. - O paragrafo único do art. 1.201 do CC prevê que não se admite a presunção de boa-fé quando expressamente previsto em lei, de forma que, sendo inconteste que o adquirente tinha conhecimento prévio da condição de interdição judicial da proprietária do bem que estava adquirindo, incumbia-lhe a obrigação de tomar maior cautela para finalizar os trâmites da negociação, em diligência que era esperada do homem médio. - A posse exercida pelo autor deve ser considerada como injusta ante a sua precariedade decorrente de contrato absolutamente nulo (art. 166, incisos IV e V, do CC) que, diga-se, não possui capacidade de produzir quaisquer efeitos jurídicos (art. 169 do CC). (TJMG - Apelação Cível 1.0346.12.002305-3/002, Relator(a): Des.(a) Baeta Neves , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 31/01/2024, publicação da súmula em 01/02/2024) Nesse cenário, impõe-se a reforma da sentença para reconhecer a legitimidade possessória dos apelantes, determinar a reintegração destes na posse do imóvel litigioso e, por consequência, julgar improcedente o pedido formulado pelo apelado no Interdito proibitório, eis que ausente justo receio de turbação ou esbulho passível de proteção judicial. 4. Das benfeitorias e direito à retenção O requerido, ora apelado, postulou em sua contestação, de forma subsidiária, o reconhecimento do direito de retenção sobre o imóvel litigioso, sob a alegação de haver realizado benfeitorias durante o período de ocupação da área. Nos termos do art. 1.219 do Código Civil, o possuidor de boa-fé tem direito à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, podendo exercer, inclusive, o direito de retenção. Entretanto, quando se trata de possuidor de má-fé, o art. 1.220 restringe expressamente esse direito, conferindo-lhe apenas eventual ressarcimento pelas benfeitorias necessárias, vedando-lhe tanto a retenção quanto o levantamento das voluptuárias. O entendimento da jurisprudência desta Corte e do próprio Superior Tribunal de Justiça, acerca do direito às benfeitorias é que, ao contrário do possuidor de boa-fé, o de má-fé somente terá direito ao ressarcimento das benfeitorias necessárias, não lhe assistindo o direito de retenção do bem nem de indenização pelas úteis ou voluptuárias, consoante dispõem os arts. 1.219 e 1.220 do Código Civil. Conforme já exaustivamente analisado neste voto, a posse exercida pelo apelado Ademir decorre de negócio jurídico nulo de pleno direito, fundado em procuração falsa e em documentos bancários repletos de inconsistências, não podendo, portanto, ser qualificada como posse de boa-fé. Nessas condições, não lhe assiste o direito de retenção, ainda que eventualmente tenha realizado melhorias no imóvel. Todavia, subsiste o direito à indenização pelas benfeitorias necessárias, as quais, por sua própria natureza, visam evitar o perecimento ou a deterioração do bem, e, portanto, beneficiam o legítimo possuidor. A esse propósito, o seguinte precedente: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. BENFEITORIAS REALIZADAS EM IMÓVEL. POSSE DE MÁ-FÉ. PEDIDO DE RETENÇÃO E INDENIZAÇÃO. PRECLUSÃO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Agravo de instrumento interposto contra decisão que, nos autos de cumprimento de sentença em ação de reintegração de posse, indeferiu pedido de tutela cautelar incidental para suspensão do cumprimento de sentença até indenização por benfeitorias realizadas no imóvel. Alegou-se posse injusta e ausência de boa-fé. II. Questão em discussão Há duas questões em discussão: (i) definir se as benfeitorias realizadas pelo agravante ensejam direito à indenização e retenção, considerando a posse de má-fé; e (ii) verificar se há preclusão que impeça o exame do pedido no cumprimento de sentença. III. Razões de decidir A posse de má-fé afasta o direito de retenção, conforme o art. 1.220 do Código Civil, restringindo o ressarcimento às benfeitorias necessárias, sem direito ao levantamento de benfeitorias voluptuárias. A preclusão consumativa impede a reanálise de matérias não suscitadas oportunamente durante a fase de conhecimento do processo, nos termos do art. 505 do CPC. A alegação de enriquecimento sem causa não prospera diante da comprovação de má-fé e posse clandestina por parte do agravante, o que invalida a pretensão de retenção e reforça a decisão de reintegração de posse. Não se verificaram elementos para configurar litigância de má-fé, conforme os arts. 77 e 80 do CPC, inexistindo dolo processual ou abuso de direito. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: “O possuidor de má-fé tem direito apenas à indenização por benfeitorias necessárias, sem direito de retenção ou levantamento das voluptuárias. Questões não suscitadas na fase de conhecimento do processo estão preclusas e não podem ser discutidas no cumprimento de sentença.” Dispositivos relevantes citados: Código Civil, arts. 884, 1.219 e 1.220; Código de Processo Civil, arts. 11, 505, 77 e 80. Jurisprudência relevante citada: TJRS, RAC n. 70072760069, 18ª Câm. Cív., Rel. Desa. Marlene Marlei de Souza, j. 14.09.2017. TJSP, RAC n. 1004858-86.2016.8.26.0005, 16ª Câm. Dir. Priv., Rel. Des. Simões de Vergueiro, j. 15.04.2019. TJMT, RAC n. 0003242-20.2010.8.11.0006, 3ª Câm. Dir. Priv., Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, j. 24.04.2019. (N.U 1034030-27.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 29/01/2025, Publicado no DJE 29/01/2025) Merece destaque, assim, o conteúdo do documento constante no id. 283233880, no qual o terceiro interessado Elmo de Freitas Arantes declarou ter firmado Contrato de arrendamento com o apelado Ademir, afirmando que o imóvel rural objeto da lide abriga uma estrutura construída que compreende: "uma casa de madeira com aproximadamente 204,00 m², composta por quatro quartos, dois banheiros, uma despensa, duas cozinhas, uma sala, uma área de lazer e um poço artesiano com bomba d'água elétrica." Referida construção, pelas suas características e finalidade, aparenta ostentar natureza de benfeitoria necessária e caracteriza intervenção relevante para conservação e aproveitamento da coisa, sendo presumível que não tenha sido edificada com intuito meramente voluptuário. Assim, ainda que não seja possível reconhecer o direito de retenção do apelado Ademir sobre o imóvel — vedado ao possuidor de má-fé —, é juridicamente admissível o acolhimento parcial de sua pretensão, para fins de apuração e ressarcimento do valor das benfeitorias necessárias eventualmente realizadas desde 19/8/2009 (data do Contrato de compra e venda), nos termos do art. 1.220 do Código Civil. Tal apuração, contudo, deverá ocorrer em fase própria de liquidação de sentença, mediante provocação expressa da parte interessada, com a devida produção de prova pericial e contraditório, a fim de se delimitar a existência, a natureza e o valor das benfeitorias que possam ser ressarcidas. Dispositivo Diante do exposto, REJEITO a preliminar arguida e DOU PROVIMENTO a ambos os recursos de Apelação parar reforma a sentença una e reconhecer a legitimidade possessória dos apelantes, julgando improcedente o Interdito proibitório e procedente a Reintegração de posse, resguardando o ressarcimento às benfeitorias necessárias ao apelado, a serem apuradas em liquidação de sentença. Por consequência, inverto o ônus sucumbencial. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 25/06/2025

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Processo nº 0000958-96.2010.8.11.0084

ID: 308586605

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 0000958-96.2010.8.11.0084

Data de Disponibilização: 26/06/2025

Polo Ativo:

CRISTINA FATIMA DA SILVA FELIPPETO ELISABETE FELIPPETO NATAL JOSE CARLOS FELIPPETO JOSE CARLOS NATAL NIVALDO HENZEN ROSA FIRMINA FELIPPETO HENZEN ROSIMERI FELIPETO

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

RICARDO ZEFERINO PEREIRA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

CAMILA EMILY DO NASCIMENTO SOUZA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

FREDERICO STECCA CIONI

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 0000958-96.2010.8.11.0084 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Posse] Relator: Des(a). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIV… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 0000958-96.2010.8.11.0084 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Posse] Relator: Des(a). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA Turma Julgadora: [DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, DES(A). SERLY MARCONDES ALVES] Parte(s): [JOSE CARLOS FELIPPETO - CPF: 570.508.649-00 (APELANTE), CRISTINA FATIMA DA SILVA FELIPPETO - CPF: 024.112.519-71 (APELANTE), CAMILA EMILY DO NASCIMENTO SOUZA - CPF: 038.219.611-20 (ADVOGADO), ROSIMERI FELIPETO - CPF: 695.748.129-87 (APELANTE), ELISABETE FELIPPETO NATAL - CPF: 004.478.409-08 (APELANTE), JOSE CARLOS NATAL - CPF: 169.536.739-15 (APELANTE), NIVALDO HENZEN - CPF: 251.671.629-04 (APELANTE), ROSA FIRMINA FELIPPETO HENZEN - CPF: 554.576.659-68 (APELANTE), ADEMAR DIEFENTHAELER - CPF: 568.288.101-04 (APELADO), MARCO AURELIO MONTEIRO ARAUJO - CPF: 460.622.111-91 (ADVOGADO), ELMO DE FREITAS ARANTES - CPF: 629.422.041-68 (APELADO), ELMO DE FREITAS ARANTES - CPF: 629.422.041-68 (TERCEIRO INTERESSADO), ANDERSON DAVI MACIEL DOS SANTOS - CPF: 037.993.981-98 (ADVOGADO), FREDERICO STECCA CIONI - CPF: 058.716.439-57 (ADVOGADO), RICARDO ZEFERINO PEREIRA - CPF: 005.454.049-67 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PROVIDO, UNÂNIME. E M E N T A DIREITO CIVIL. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE E INTERDITO PROIBITÓRIO. IMÓVEL RURAL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA FUNDADO EM PROCURAÇÃO FALSA. NEGÓCIO VICIADO. POSSE INJUSTA EVIDENCIADA. ESBULHO CONFIGURADO. POSSE LEGÍTIMA DOS AUTORES COMPROVADA. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS DA REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DIREITO À INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS NECESSÁRIAS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSOS PROVIDOS. I. CASO EM EXAME 1. Apelações Cíveis interpostas contra sentença una que julgou improcedente a Ação de Reintegração de Posse e procedente o Interdito Proibitório, determinando que a parte requerida se abstenha de qualquer ato que implique turbação ou esbulho na posse do imóvel de titularidade e/ou posse do autor referente ao imóvel rural situado em Apiacás/MT, cuja ocupação se deu com base em contrato de compra e venda firmado com procuração. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) definir se houve cerceamento de defesa em razão do indeferimento de perícia grafotécnica; (ii) estabelecer se os apelantes demonstraram posse legítima e anterior sobre o imóvel rural; e (iii) determinar se o apelado possui direito à indenização por benfeitorias. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O indeferimento da prova pericial não configura cerceamento de defesa quando o juízo reconhece a suficiência do conjunto probatório e a falsidade dos documentos é confirmada por outros meios de prova constantes nos autos. 4. A posse originada de contrato de compra e venda baseado em procuração falsa, reconhecimento de firma inexistentes e documentos bancários inconsistentes é considerada injusta e não merece tutela possessória. 5. Comprovada a posse legítima, contínua e anterior dos apelantes desde 1985, mediante escritura pública registrada, presença esporádica, manutenção do imóvel e atuação de preposto, são suficientes para preenchimento dos requisitos do art. 561 do CPC. 6. O apelado, por ser possuidor de má-fé, não tem direito à retenção do imóvel, mas faz jus à indenização por eventuais benfeitorias necessárias, nos termos do art. 1.220 do Código Civil, a serem apuradas em fase de liquidação de sentença. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Preliminar rejeitada. Recursos de apelação providos. Tese de julgamento: 1. A ausência de perícia grafotécnica não configura cerceamento de defesa quando a falsidade documental é demonstrada por outros meios de prova. 2. A posse decorrente de contrato viciado por falsidade é injusta e não goza de proteção possessória. 3. O possuidor de má-fé tem direito apenas à indenização por benfeitorias necessárias, sem direito de retenção ou indenização por benfeitorias úteis ou voluptuárias. Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 55, § 3º; 370; 560; 561; CC, arts. 1.196, 1.200, 1.219, 1.220. Jurisprudência relevante citada: TJMT, ApCiv n. 0009449-93.2014.8.11.0006, Rel. Des. Dirceu dos Santos, j. 05.07.2023; TJMG, ApCiv n. 1.0346.12.002305-3/002, Rel. Des. Baeta Neves, j. 31.01.2024; TJMT, N.U. 1034030-27.2024.8.11.0000, Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, j. 29.01.2025; TJMG, ApCiv n. 1.0000.23.328035-3/001, Rel. Des. Leonardo de Faria Beraldo, Nona Câmara Cível, j. 16.04.2024, DJE 18.04.2024; TJMT, N.U. 0026931-56.2008.8.11.0041, Rel. Des. Sebastião de Moraes Filho, Segunda Câmara de Direito Privado, j. 18.12.2019, DJE 20.12.2019. R E L A T Ó R I O EXMA. SRA. DESEMBARGADORA ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA Egrégia Câmara: Trata-se de Apelações Cíveis interpostas por JOSE CARLOS FELIPPETO e outros contra a sentença una proferida pelo Juízo da Vara Única de Apiacás/MT, que julgou procedente o pedido na Ação de interdito proibitório n. 0000561-37.2010.8.11.0084 ajuizada por ADEMAR DIEFENTHAELER e julgou improcedente o pedido na Ação de reintegração de posse n. 0000958-96.2010.8.11.0084 ajuizada pelos apelantes, determinando que a parte requerida se abstenham de qualquer ato que implique turbação ou esbulho na posse do imóvel de titularidade e/ou posse do autor referente ao imóvel rural situado em Apiacás/MT (ids. 283233997 e 284789852). Os apelantes sustentam, em síntese, preliminar de cerceamento de defesa, sob o fundamento de que foi indeferida a produção de prova pericial grafotécnica quanto aos documentos relevantes (inclusive novos documentos juntados nos autos), os quais apresentariam indícios de falsificação, notadamente a proposta de abertura de conta, CPF e declaração de endereço, apresentados pela cooperativa Sicredi. Sustenta que tal prova seria imprescindível à elucidação da controvérsia e à demonstração de que a posse exercida pelo apelado é fruto de negócio jurídico fraudulento, conforme já reconhecido em incidente de falsidade n. 0000393-59.2015.8.11.0084. Reforça que o contrato de compra e venda celebrado entre as partes foi retirado dos autos por decisão judicial, justamente em razão da constatação de sua falsidade, e que os documentos remanescentes são insuficientes para comprovar a posse legítima do apelado, o qual teria, segundo os apelantes, agido de má-fé ao pleitear proteção possessória com base em documentos e fatos contaminados por vícios. Argumenta, ainda, que os apelantes são os legítimos possuidores e proprietários do imóvel rural, cuja aquisição remonta ao ano de 1985, conforme demonstra a cadeia dominial, escritura registrada, fotos, testemunhos e demais provas produzidas ao longo dos autos. Requer, ao final, a nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, ou, subsidiariamente, a sua reforma, para que seja julgada procedente a Ação de reintegração de posse, com a consequente restituição do imóvel em litígio (ids. 283233999 e 284789854). Em contrarrazões, o apelado ADEMAR DIEFENTHAELER pugna pelo desprovimento do recurso e manutenção da sentença, rechaçando a preliminar de cerceamento de defesa. Argumenta que ficou comprovado, inclusive por prova testemunhal idônea e corroborada por documentos, que o apelado exerce posse mansa e pacífica desde 2009, com animus domini e sem qualquer demonstração válida de esbulho praticado (id. 283234004 e 284789859). O terceiro interessado ELMO DE FREITAS ARANTES, regularmente admitido nos autos, em apertada síntese, reforça os fundamentos das contrarrazões do apelado, especialmente quanto à inexistência de cerceamento de defesa e à legitimidade da posse exercida. Requer o não acolhimento da preliminar, bem como o desprovimento do recurso de Apelação (ids. 284969853 e 284969854). A Procuradoria de Justiça se manifestou pela não intervenção no feito (ids. 287163358 e 287161890). É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMA. SRA. DESEMBARGADORA ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA Egrégia Câmara: 1. Da necessidade de julgamento conjunto Considerando a sentença uma proferida pelo Juízo de primeiro grau, aliado à identidade de partes, conexão entre as matérias discutidas e a necessidade de assegurar a coerência das decisões, procedo ao julgamento conjunto dos recursos n. 0000958-96.2010.8.11.0084 e 0000561-37.2010.8.11.0084, nos termos do art. 55, § 3º, do CPC, para evitar decisões conflitantes e assegurar a segurança jurídica. Passo a análise da preliminar arguida. VOTO – PRELIMINAR 2. Cerceamento de Defesa Alegam os apelantes que houve cerceamento de defesa em razão do indeferimento da prova pericial grafotécnica em documentos relevantes, os quais apresentariam indícios de falsificação, notadamente a proposta de abertura de conta, CPF e declaração de endereço, apresentados pela cooperativa Sicredi em nome de José Carlos Felippeto. Todavia, razão não lhes assiste. O Juízo de origem, ao determinar a apresentação de memoriais e julgar os feitos, motivou a decisão pela suficiência do conjunto probatório já constante dos autos, inclusive com base na prova documental, oral e no incidente de falsidade produzido nos autos, situação que não configura nulidade processual, mas exercício legítimo do poder de direção do processo. Ademais, a verificação da alegada falsidade na abertura da conta bancária junto à cooperativa Sicredi não se revela imprescindível à solução da lide, porquanto os próprios documentos oficiais juntados aos autos pela instituição financeira, quando cotejados com os documentos de identificação dos apelantes, apontam de plano evidentes divergências entre as assinaturas e dados pessoais, dispensando, assim, o exame técnico grafoscópico para constatação das inconsistências. Nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL – INTERDITO PROIBITÓRIO – NÃO COMPROVAÇÃO DA POSSE LEGÍTIMA - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – PEDIDO DE NULIDADE DE SENTENÇA - ALEGAÇÃO DE NÃO ANÁLISE DAS PROVAS – QUESTÃO JÁ DECIDIDA NO RAI 107358/2012 – COISA JULGADA – DESNECESSIDADE DE PERÍCIA GRAFOTÉCNICA – BOA-FÉ DO ADQUIRENTE AFASTADA - SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. O apelante funda sua irresignação na alegação de que o Juízo teria deixado de analisar provas anexadas aos autos (recibo e pedido de regularização junto à INTERMAT), incorrendo, assim, em cerceamento de defesa. Contudo, é cediço que o referido documento do INTERMAT foi objeto de análise quando do julgamento do RAI nº. 107358/2012, interposto pelo ora apelante, originário dos Embargos de Terceiro (Código 777380) e desprovido à unanimidade. Assim, o apelante busca a reanálise de questão já acobertada pelo manto da coisa julgada, o que não se mostra viável. A alegada necessidade de perícia grafotécnica no recibo da compra de licença de ocupação urbana, também fundamento do pedido de anulação por cerceamento de defesa, não encontra respaldo nos autos, tendo em vista a conclusão do Magistrado, da qual este Relator partilha, de que “a senhora Elisandra de Morais e seu companheiro Elizeu Roberto eram inquilinos do senhor Renato, ou seja, meros detentores da posse” e que “apesar do autor ser pessoa do comércio com prática na realização de negócios, o mesmo não tomou os cuidados necessários ao adquirir o imóvel de quem não tinha a posse de fato, sendo o vendedor apenas mero detentor”. Portanto, a perícia grafotécnica em nada contribuiria para o deslinde da causa e, tendo em vista que o Juiz é o destinatário das provas, cabendo a ele aferir sobre a necessidade ou não de sua produção, a teor do que estabelece o art. 370, do CPC, tendo o Magistrado que preside a causa o dever de evitar a coleta de prova que se mostre inútil a solução do litígio. Ademais, restou comprovado nos autos que, no momento da venda para o autor, em 29/09/2008, já existia sentença datada de 09/07/2008, determinando o despejo por falta de pagamento de alugueis de Elizeu Roberto Hermann, companheiro da vendedora, Sra. Elisandra de Morais, o que, obviamente, afasta a tese de que tenha adquirido o imóvel de boa-fé. (N.U 0026931-56.2008.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO DE MORAES FILHO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 18/12/2019, Publicado no DJE 20/12/2019) Assim, REJEITO a preliminar. VOTO - MÉRITO A controvérsia recursal diz respeito à titularidade possessória do imóvel rural descrito na inicial, com 704,78 hectares, localizada às margens da estrada calcário, km19, MT-160, situado no Município de Apiacás/MT, que, segundo os autos, teria sido objeto de ocupação pelo apelado Ademar Diefenthaeler com base em Contrato de compra e venda celebrado com os ora apelantes. 3. Da proteção possessória Nas ações possessórias, o art. 561 do CPC enuncia que para a concessão da reintegração de posse é preciso apurar se estão presentes as seguintes condições: “Art. 561. Incumbe ao autor provar: I - a sua posse; II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III- a data da turbação ou do esbulho; IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração.” Como visto, o que importa é a demonstração da posse anterior, a ameaça de moléstia, turbação ou esbulho e a data de seu início. Não se discute, em regra, a titularidade, matéria restrita ao juízo petitório. A questão do domínio fica relegada ao segundo plano na análise em ações possessórias, considerando-se possuidor “todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”– artigo 1.196 do Código Civil, quais sejam os poderes de usar, gozar e dispor da coisa, sendo justa aquela posse que “não for violenta, clandestina ou precária” – artigo 1.200 do Código Civil. Pois bem. A sentença recorrida entendeu pela comprovação da posse exercida pelo apelado Ademar, reputando ausente a prova do exercício anterior da posse pelos autores, ora apelantes. Entretanto, os autos fornecem elementos suficientes a recomendar conclusão diversa. Extrai-se que os apelantes adquiriram o imóvel rural em 25/9/1985, devidamente registrado sob o n. 0428, do Cartório de registro de imóveis de Apiacás/MT, oriunda da escritura pública de venda e compra com o Indeco (id. 284788383 – fls. 132/137), oportunidade em que detinham a posse sobre o bem e, por morarem em Umuarama, vinham todos os anos para verificação e cuidado do imóvel, valendo-se, inclusive, de preposto para tanto. Extrai-se, ainda, que no dia 19/8/2009 o apelado Ademar adquiriu através de Contrato de compra e venda de imóvel rural, figurando como vendedores Rosimeri Felipeto, Jose Carlos Felippeto, Cristina Fatima Da Silva Felippeto, Elisabete Felippeto Natal, Jose Carlos Natal, Nivaldo Henzen, Rosa Firmina Felippeto Henzen, Idelson De Andrade e Jose Geraldo Felippeto, representados pelo procurador José Carlos Felippeto, pelo valor de R$. 150.000,00, sendo R$. 100.000,00 à vista e R$. 50.000,00 com vencimento em 20/8/2010. O contrato foi firmado em Nossa Senhora do Livramento/MT e as firmas reconhecidas no Cartório local (id. 283233907 – fls. 25/27). O apelado Ademar afirma que entrou na área e vinha exercendo a posse quando foi procurado pelos apelantes, o que motivou o registro do Boletim de ocorrência em 22/7/2010 (id. 283233907 - fls.43). Da mesma forma, os apelantes registraram Boletim de ocorrência em 22/7/2010 (id. 284788383 – fls. 144/145) e denunciaram à Sema a existência de desmate ilegal, em 29/7/2010 (id. 284788383 - fls. 146/150). Em 13/8/2010 o apelado Ademar interpôs a Ação de interdito proibitório n. 0000561-37.2010.8.11.0084, ao passo que em 24/11/2010 os apelantes José Carlos Felippeto e outros ajuizaram a Ação de reintegração de posse n. 0000958-96.2010.8.11.0084. Pois bem. Da análise acurada de todo o conjunto fático-probatório em que me debrucei, verifico que a posse do apelado Ademar sobre a área litigiosa decorreu do Contrato de compra e venda de imóvel rural, cujos fundamentos foram comprometidos por vícios materiais, notadamente quanto à procuração que teria conferido poderes para a alienação do imóvel. Isso porque, há provas de que a procuração que embasou a compra e venda ao apelado Ademar não foi emitida pelos apelantes, pois os supostos reconhecimentos de firma das assinaturas perante o Cartório Xavier de Matos, município de Cuiabá, não foram confirmados pelo Tabelião responsável, conforme se vê do ofício encartado no id. 283233912 – fls. 64/65. Vejamos: Tal instrumento foi objeto de incidente específico de falsidade, do qual resultou o desentranhamento dos principais documentos que lastreavam a alegada transação, incluindo os cheques e o próprio contrato de compra e venda. A fragilidade dos elementos que instruíram o ingresso do apelado Ademar na posse resta agravada pela inconsistência nos documentos bancários que, supostamente, demonstrariam o pagamento do preço ajustado. Dos autos constam apenas três cheques no valor de R$. 31.540,00 cada, totalizando a quantia de R$. 94.620,00, cuja compensação é comprovada. Contudo, não há outras provas acerca do pagamento dos valores remanescentes pactuados. Constato que os referidos cheques foram depositados em conta poupança em nome de José Carlos Felippeto no Banco Sicredi, cuja conta foi aberta um dia antes da confecção do Contrato de compra e venda e embasou-se em documentos pessoais diferentes do apelante. Ainda, as únicas movimentações bancárias da conta se derem com o depósito das cártulas e, posteriormente, saques dos respectivos valores. Tal conclusão se extrai das informações encartadas pelo Banco Sicredi aos autos (ids. 283233937, 283233958 e 283233980): Não se pode desconsiderar o vasto conjunto probatório colacionado aos autos ao longo de mais de 14 anos de tramitação, o qual deve ser adequadamente valorado para subsidiar a análise dos requisitos legais da proteção possessória. Inclusive, impende registrar que a sentença de primeiro grau ancorou-se preponderantemente na prova testemunhal colhida em audiência realizada em 30/7/2022, e as testemunhas ouvidas confirmaram, em linhas gerais, que o apelado Ademar encontrava-se na posse da área rural desde 2009, circunstância que, de fato, não se contesta. No entanto, é imprescindível ressaltar que essa posse foi autorizada por força de liminar concedida nos autos de Agravo de instrumento interposto contra a decisão que deferira, na origem, a reintegração na posse aos apelantes. Tal decisão liminar teve como fundamento o Contrato de compra e venda juntado pelo apelado Ademir, o qual, como exaustivamente demonstrado, teve sua validade comprometida e posteriormente afastada por decisão no incidente de falsidade, com base em provas documentais robustas, notadamente, o reconhecimento da falsidade da procuração e das irregularidades nos instrumentos de pagamento. Observa-se da referida ementa (id. 284788383 – fls. 322): Contudo, a testemunha Inácio informou em Juízo que os apelantes eram os donos, que o Idelson (preposto) vinha todo ano para cuidar da área, pelo menos duas vezes, e que a área tinha placa. Vejamos (id. 284789852): Dentro desse contexto, concluo que não houve declaração de vontade dos apelantes na transferência da posse ao apelado, pressuposto essencial no plano de existência e validade do negócio jurídico, maculando a relação negocial em sua origem. Ora, se a posse que se origina de contrato nulo é, por definição, injusta, não merece proteção possessória. Com efeito, diante da posse injusta do apelado Ademir sobre o imóvel, é possível aferir que os apelantes exercem a posse anterior sobre o imóvel objeto da ação, conforme se observa das provas produzidas nos autos. Os apelantes lograram demonstrar o exercício anterior da posse sobre o imóvel, mediante documentos e depoimentos que confirmam visitas frequentes ao local, manutenção de marcos de propriedade e vigilância esporádica, compatíveis com o perfil da área (predominantemente floresta nativa). Essas circunstâncias indicam o exercício do animus domini de forma suficiente para caracterizar a posse, ainda que descontinuada, nos termos do art. 1.196 do Código Civil. Portanto, a posse do apelado Ademir, ainda que exercida de forma visível e contínua a partir de 2009, não pode ser qualificada como legítima, pois teve origem em negócio jurídico viciado, destituído de eficácia jurídica, de modo que a prova testemunhal produzida em momento posterior, por si só, não tem o condão de convalidar a origem da posse nem de infirmar os elementos objetivos que comprovam o esbulho. Nesse sentido, colho o seguinte julgado deste Tribunal: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE C/C DECRETAÇÃO DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – ILEGITIMIDADE ATIVA – REJEIÇÃO – AUTORES QUE HERDARAM A POSSE DO BEM "CAUSA MORTIS" – IMÓVEL DEVIDAMENTE INDIVIDUALIZADO NOS AUTOS – VÍCIO NA CONSTITUIÇÃO DA COMPRA E VENDA – POSSE INJUSTA DO DEMANDADO EVIDENCIADA – PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS A AUTORIZAR A REINTEGRAÇÃO AOS AUTORES – ART. 561 DO CPC – DANO MORAL CONFIGURADO – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. A legitimação para a ação decorre do interesse das partes em relação à pretensão trazida a juízo. A prova documental acostada aos autos é suficiente para demonstrar a legitimidade ativa dos herdeiros, que herdaram a posse do imóvel individualizado na inicial em razão da morte de seus pais. Compete à parte autora na ação de reintegração de posse comprovar os requisitos legais, (posse, esbulho, data do esbulho e perda da posse). Comprovados tais requisitos, há de ser mantida a sentença de procedência. Quanto ao dano moral fixado em sentença, os fatos narrados geraram, indubitavelmente, expectativas e frustrações que, por si só, bastam à caracterização do dano extrapatrimonial, eis que desborda o mero dissabor. (TJMT, Número Único: 0009449-93.2014.8.11.0006, Relator: Des(a). DIRCEU DOS SANTOS, POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO, Data da sessão: Cuiabá-MT, 05/07/2023). Configurada, pois, a perda da posse pelos apelantes em razão da ocupação injusta promovida pelo apelado Ademir, evidencia-se o esbulho possessório, circunstância que justifica plenamente a procedência da ação de reintegração de posse, com fundamento nos arts. 560 e 561 do CPC. Sob o mesmo fundamento, trago julgados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL - NÃO CONFIGURAÇÃO - INVASÃO DE IMÓVEL RURAL COM INSERÇÃO DE ANIMAIS - CONTRATO DE LOCAÇÃO - NULIDADE - ESBULHO CONFIGURADO. 1. Não há falar em inadequação da via eleita na ação de reintegração de posse que possui, como causa de pedir, a nulidade do contrato de locação do imóvel. 2. Nas ações de reintegração de posse, incumbe ao autor provar a sua posse, o esbulho praticado pelo réu, a data do esbulho e a perda da posse. 3. Tendo em vista que a posse exercida pelo réu é fundada em contrato eivado de nulidade, resta configurada a prática de esbulho. 4. É nulo o contrato de locação de imóvel cujos locadores são os herdeiros que, anteriormente, renunciaram à herança em favor de terceiro. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.23.328035-3/001, Relator(a): Des.(a) Leonardo de Faria Beraldo , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/04/2024, publicação da súmula em 18/04/2024) APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - ART. 927 DO CPC/73 (ART. 561 DO CPC/2015) - ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DO TERRENO - PROPRIETÁRIA INTERDITADA - AUSÊNCIA DE CUMPRIMENTO DAS EXIGÊNCIAS LEGAIS DO ART. 1.750 DO CC - NEGÓCIO JURÍDICO NULO - REQUISITOS DA AÇÃO POSSESSÓRIA NÃO PREENCHIDOS - POSSE INJUSTA. - Para a concessão da reintegração de posse é indispensável à presença dos requisitos previstos no art. 927, do Código de Processo Civil de 1973 (vigente à época da propositura da demanda e equivalente ao art. 561 do CPC/2015): (I) a sua posse; (II) a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; (III) a data da turbação ou do esbulho; (IV) a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração. - Ainda que apresentados documentos que comprovam que à época da assinatura do contrato de compra e venda do terreno a proprietária estava representada pela curadora que foi nomeada judicialmente em ação de interdição, não sendo cumpridos os requisitos legais para a alienação do terreno, previstos expressamente no art. 1.750 do CC, é absolutamente nulo o negócio jurídico. - O paragrafo único do art. 1.201 do CC prevê que não se admite a presunção de boa-fé quando expressamente previsto em lei, de forma que, sendo inconteste que o adquirente tinha conhecimento prévio da condição de interdição judicial da proprietária do bem que estava adquirindo, incumbia-lhe a obrigação de tomar maior cautela para finalizar os trâmites da negociação, em diligência que era esperada do homem médio. - A posse exercida pelo autor deve ser considerada como injusta ante a sua precariedade decorrente de contrato absolutamente nulo (art. 166, incisos IV e V, do CC) que, diga-se, não possui capacidade de produzir quaisquer efeitos jurídicos (art. 169 do CC). (TJMG - Apelação Cível 1.0346.12.002305-3/002, Relator(a): Des.(a) Baeta Neves , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 31/01/2024, publicação da súmula em 01/02/2024) Nesse cenário, impõe-se a reforma da sentença para reconhecer a legitimidade possessória dos apelantes, determinar a reintegração destes na posse do imóvel litigioso e, por consequência, julgar improcedente o pedido formulado pelo apelado no Interdito proibitório, eis que ausente justo receio de turbação ou esbulho passível de proteção judicial. 4. Das benfeitorias e direito à retenção O requerido, ora apelado, postulou em sua contestação, de forma subsidiária, o reconhecimento do direito de retenção sobre o imóvel litigioso, sob a alegação de haver realizado benfeitorias durante o período de ocupação da área. Nos termos do art. 1.219 do Código Civil, o possuidor de boa-fé tem direito à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, podendo exercer, inclusive, o direito de retenção. Entretanto, quando se trata de possuidor de má-fé, o art. 1.220 restringe expressamente esse direito, conferindo-lhe apenas eventual ressarcimento pelas benfeitorias necessárias, vedando-lhe tanto a retenção quanto o levantamento das voluptuárias. O entendimento da jurisprudência desta Corte e do próprio Superior Tribunal de Justiça, acerca do direito às benfeitorias é que, ao contrário do possuidor de boa-fé, o de má-fé somente terá direito ao ressarcimento das benfeitorias necessárias, não lhe assistindo o direito de retenção do bem nem de indenização pelas úteis ou voluptuárias, consoante dispõem os arts. 1.219 e 1.220 do Código Civil. Conforme já exaustivamente analisado neste voto, a posse exercida pelo apelado Ademir decorre de negócio jurídico nulo de pleno direito, fundado em procuração falsa e em documentos bancários repletos de inconsistências, não podendo, portanto, ser qualificada como posse de boa-fé. Nessas condições, não lhe assiste o direito de retenção, ainda que eventualmente tenha realizado melhorias no imóvel. Todavia, subsiste o direito à indenização pelas benfeitorias necessárias, as quais, por sua própria natureza, visam evitar o perecimento ou a deterioração do bem, e, portanto, beneficiam o legítimo possuidor. A esse propósito, o seguinte precedente: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. BENFEITORIAS REALIZADAS EM IMÓVEL. POSSE DE MÁ-FÉ. PEDIDO DE RETENÇÃO E INDENIZAÇÃO. PRECLUSÃO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Agravo de instrumento interposto contra decisão que, nos autos de cumprimento de sentença em ação de reintegração de posse, indeferiu pedido de tutela cautelar incidental para suspensão do cumprimento de sentença até indenização por benfeitorias realizadas no imóvel. Alegou-se posse injusta e ausência de boa-fé. II. Questão em discussão Há duas questões em discussão: (i) definir se as benfeitorias realizadas pelo agravante ensejam direito à indenização e retenção, considerando a posse de má-fé; e (ii) verificar se há preclusão que impeça o exame do pedido no cumprimento de sentença. III. Razões de decidir A posse de má-fé afasta o direito de retenção, conforme o art. 1.220 do Código Civil, restringindo o ressarcimento às benfeitorias necessárias, sem direito ao levantamento de benfeitorias voluptuárias. A preclusão consumativa impede a reanálise de matérias não suscitadas oportunamente durante a fase de conhecimento do processo, nos termos do art. 505 do CPC. A alegação de enriquecimento sem causa não prospera diante da comprovação de má-fé e posse clandestina por parte do agravante, o que invalida a pretensão de retenção e reforça a decisão de reintegração de posse. Não se verificaram elementos para configurar litigância de má-fé, conforme os arts. 77 e 80 do CPC, inexistindo dolo processual ou abuso de direito. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: “O possuidor de má-fé tem direito apenas à indenização por benfeitorias necessárias, sem direito de retenção ou levantamento das voluptuárias. Questões não suscitadas na fase de conhecimento do processo estão preclusas e não podem ser discutidas no cumprimento de sentença.” Dispositivos relevantes citados: Código Civil, arts. 884, 1.219 e 1.220; Código de Processo Civil, arts. 11, 505, 77 e 80. Jurisprudência relevante citada: TJRS, RAC n. 70072760069, 18ª Câm. Cív., Rel. Desa. Marlene Marlei de Souza, j. 14.09.2017. TJSP, RAC n. 1004858-86.2016.8.26.0005, 16ª Câm. Dir. Priv., Rel. Des. Simões de Vergueiro, j. 15.04.2019. TJMT, RAC n. 0003242-20.2010.8.11.0006, 3ª Câm. Dir. Priv., Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, j. 24.04.2019. (N.U 1034030-27.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 29/01/2025, Publicado no DJE 29/01/2025) Merece destaque, assim, o conteúdo do documento constante no id. 283233880, no qual o terceiro interessado Elmo de Freitas Arantes declarou ter firmado Contrato de arrendamento com o apelado Ademir, afirmando que o imóvel rural objeto da lide abriga uma estrutura construída que compreende: "uma casa de madeira com aproximadamente 204,00 m², composta por quatro quartos, dois banheiros, uma despensa, duas cozinhas, uma sala, uma área de lazer e um poço artesiano com bomba d'água elétrica." Referida construção, pelas suas características e finalidade, aparenta ostentar natureza de benfeitoria necessária e caracteriza intervenção relevante para conservação e aproveitamento da coisa, sendo presumível que não tenha sido edificada com intuito meramente voluptuário. Assim, ainda que não seja possível reconhecer o direito de retenção do apelado Ademir sobre o imóvel — vedado ao possuidor de má-fé —, é juridicamente admissível o acolhimento parcial de sua pretensão, para fins de apuração e ressarcimento do valor das benfeitorias necessárias eventualmente realizadas desde 19/8/2009 (data do Contrato de compra e venda), nos termos do art. 1.220 do Código Civil. Tal apuração, contudo, deverá ocorrer em fase própria de liquidação de sentença, mediante provocação expressa da parte interessada, com a devida produção de prova pericial e contraditório, a fim de se delimitar a existência, a natureza e o valor das benfeitorias que possam ser ressarcidas. Dispositivo Diante do exposto, REJEITO a preliminar arguida e DOU PROVIMENTO a ambos os recursos de Apelação parar reforma a sentença una e reconhecer a legitimidade possessória dos apelantes, julgando improcedente o Interdito proibitório e procedente a Reintegração de posse, resguardando o ressarcimento às benfeitorias necessárias ao apelado, a serem apuradas em liquidação de sentença. Por consequência, inverto o ônus sucumbencial. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 25/06/2025

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Processo nº 0000958-96.2010.8.11.0084

ID: 308586616

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 0000958-96.2010.8.11.0084

Data de Disponibilização: 26/06/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

ADEMAR DIEFENTHAELER

Acórdão

Advogados:

MARCO AURELIO MONTEIRO ARAUJO

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 0000958-96.2010.8.11.0084 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Posse] Relator: Des(a). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIV… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 0000958-96.2010.8.11.0084 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Posse] Relator: Des(a). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA Turma Julgadora: [DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, DES(A). SERLY MARCONDES ALVES] Parte(s): [JOSE CARLOS FELIPPETO - CPF: 570.508.649-00 (APELANTE), CRISTINA FATIMA DA SILVA FELIPPETO - CPF: 024.112.519-71 (APELANTE), CAMILA EMILY DO NASCIMENTO SOUZA - CPF: 038.219.611-20 (ADVOGADO), ROSIMERI FELIPETO - CPF: 695.748.129-87 (APELANTE), ELISABETE FELIPPETO NATAL - CPF: 004.478.409-08 (APELANTE), JOSE CARLOS NATAL - CPF: 169.536.739-15 (APELANTE), NIVALDO HENZEN - CPF: 251.671.629-04 (APELANTE), ROSA FIRMINA FELIPPETO HENZEN - CPF: 554.576.659-68 (APELANTE), ADEMAR DIEFENTHAELER - CPF: 568.288.101-04 (APELADO), MARCO AURELIO MONTEIRO ARAUJO - CPF: 460.622.111-91 (ADVOGADO), ELMO DE FREITAS ARANTES - CPF: 629.422.041-68 (APELADO), ELMO DE FREITAS ARANTES - CPF: 629.422.041-68 (TERCEIRO INTERESSADO), ANDERSON DAVI MACIEL DOS SANTOS - CPF: 037.993.981-98 (ADVOGADO), FREDERICO STECCA CIONI - CPF: 058.716.439-57 (ADVOGADO), RICARDO ZEFERINO PEREIRA - CPF: 005.454.049-67 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PROVIDO, UNÂNIME. E M E N T A DIREITO CIVIL. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE E INTERDITO PROIBITÓRIO. IMÓVEL RURAL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA FUNDADO EM PROCURAÇÃO FALSA. NEGÓCIO VICIADO. POSSE INJUSTA EVIDENCIADA. ESBULHO CONFIGURADO. POSSE LEGÍTIMA DOS AUTORES COMPROVADA. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS DA REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DIREITO À INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS NECESSÁRIAS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSOS PROVIDOS. I. CASO EM EXAME 1. Apelações Cíveis interpostas contra sentença una que julgou improcedente a Ação de Reintegração de Posse e procedente o Interdito Proibitório, determinando que a parte requerida se abstenha de qualquer ato que implique turbação ou esbulho na posse do imóvel de titularidade e/ou posse do autor referente ao imóvel rural situado em Apiacás/MT, cuja ocupação se deu com base em contrato de compra e venda firmado com procuração. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) definir se houve cerceamento de defesa em razão do indeferimento de perícia grafotécnica; (ii) estabelecer se os apelantes demonstraram posse legítima e anterior sobre o imóvel rural; e (iii) determinar se o apelado possui direito à indenização por benfeitorias. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O indeferimento da prova pericial não configura cerceamento de defesa quando o juízo reconhece a suficiência do conjunto probatório e a falsidade dos documentos é confirmada por outros meios de prova constantes nos autos. 4. A posse originada de contrato de compra e venda baseado em procuração falsa, reconhecimento de firma inexistentes e documentos bancários inconsistentes é considerada injusta e não merece tutela possessória. 5. Comprovada a posse legítima, contínua e anterior dos apelantes desde 1985, mediante escritura pública registrada, presença esporádica, manutenção do imóvel e atuação de preposto, são suficientes para preenchimento dos requisitos do art. 561 do CPC. 6. O apelado, por ser possuidor de má-fé, não tem direito à retenção do imóvel, mas faz jus à indenização por eventuais benfeitorias necessárias, nos termos do art. 1.220 do Código Civil, a serem apuradas em fase de liquidação de sentença. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Preliminar rejeitada. Recursos de apelação providos. Tese de julgamento: 1. A ausência de perícia grafotécnica não configura cerceamento de defesa quando a falsidade documental é demonstrada por outros meios de prova. 2. A posse decorrente de contrato viciado por falsidade é injusta e não goza de proteção possessória. 3. O possuidor de má-fé tem direito apenas à indenização por benfeitorias necessárias, sem direito de retenção ou indenização por benfeitorias úteis ou voluptuárias. Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 55, § 3º; 370; 560; 561; CC, arts. 1.196, 1.200, 1.219, 1.220. Jurisprudência relevante citada: TJMT, ApCiv n. 0009449-93.2014.8.11.0006, Rel. Des. Dirceu dos Santos, j. 05.07.2023; TJMG, ApCiv n. 1.0346.12.002305-3/002, Rel. Des. Baeta Neves, j. 31.01.2024; TJMT, N.U. 1034030-27.2024.8.11.0000, Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, j. 29.01.2025; TJMG, ApCiv n. 1.0000.23.328035-3/001, Rel. Des. Leonardo de Faria Beraldo, Nona Câmara Cível, j. 16.04.2024, DJE 18.04.2024; TJMT, N.U. 0026931-56.2008.8.11.0041, Rel. Des. Sebastião de Moraes Filho, Segunda Câmara de Direito Privado, j. 18.12.2019, DJE 20.12.2019. R E L A T Ó R I O EXMA. SRA. DESEMBARGADORA ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA Egrégia Câmara: Trata-se de Apelações Cíveis interpostas por JOSE CARLOS FELIPPETO e outros contra a sentença una proferida pelo Juízo da Vara Única de Apiacás/MT, que julgou procedente o pedido na Ação de interdito proibitório n. 0000561-37.2010.8.11.0084 ajuizada por ADEMAR DIEFENTHAELER e julgou improcedente o pedido na Ação de reintegração de posse n. 0000958-96.2010.8.11.0084 ajuizada pelos apelantes, determinando que a parte requerida se abstenham de qualquer ato que implique turbação ou esbulho na posse do imóvel de titularidade e/ou posse do autor referente ao imóvel rural situado em Apiacás/MT (ids. 283233997 e 284789852). Os apelantes sustentam, em síntese, preliminar de cerceamento de defesa, sob o fundamento de que foi indeferida a produção de prova pericial grafotécnica quanto aos documentos relevantes (inclusive novos documentos juntados nos autos), os quais apresentariam indícios de falsificação, notadamente a proposta de abertura de conta, CPF e declaração de endereço, apresentados pela cooperativa Sicredi. Sustenta que tal prova seria imprescindível à elucidação da controvérsia e à demonstração de que a posse exercida pelo apelado é fruto de negócio jurídico fraudulento, conforme já reconhecido em incidente de falsidade n. 0000393-59.2015.8.11.0084. Reforça que o contrato de compra e venda celebrado entre as partes foi retirado dos autos por decisão judicial, justamente em razão da constatação de sua falsidade, e que os documentos remanescentes são insuficientes para comprovar a posse legítima do apelado, o qual teria, segundo os apelantes, agido de má-fé ao pleitear proteção possessória com base em documentos e fatos contaminados por vícios. Argumenta, ainda, que os apelantes são os legítimos possuidores e proprietários do imóvel rural, cuja aquisição remonta ao ano de 1985, conforme demonstra a cadeia dominial, escritura registrada, fotos, testemunhos e demais provas produzidas ao longo dos autos. Requer, ao final, a nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, ou, subsidiariamente, a sua reforma, para que seja julgada procedente a Ação de reintegração de posse, com a consequente restituição do imóvel em litígio (ids. 283233999 e 284789854). Em contrarrazões, o apelado ADEMAR DIEFENTHAELER pugna pelo desprovimento do recurso e manutenção da sentença, rechaçando a preliminar de cerceamento de defesa. Argumenta que ficou comprovado, inclusive por prova testemunhal idônea e corroborada por documentos, que o apelado exerce posse mansa e pacífica desde 2009, com animus domini e sem qualquer demonstração válida de esbulho praticado (id. 283234004 e 284789859). O terceiro interessado ELMO DE FREITAS ARANTES, regularmente admitido nos autos, em apertada síntese, reforça os fundamentos das contrarrazões do apelado, especialmente quanto à inexistência de cerceamento de defesa e à legitimidade da posse exercida. Requer o não acolhimento da preliminar, bem como o desprovimento do recurso de Apelação (ids. 284969853 e 284969854). A Procuradoria de Justiça se manifestou pela não intervenção no feito (ids. 287163358 e 287161890). É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMA. SRA. DESEMBARGADORA ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA Egrégia Câmara: 1. Da necessidade de julgamento conjunto Considerando a sentença uma proferida pelo Juízo de primeiro grau, aliado à identidade de partes, conexão entre as matérias discutidas e a necessidade de assegurar a coerência das decisões, procedo ao julgamento conjunto dos recursos n. 0000958-96.2010.8.11.0084 e 0000561-37.2010.8.11.0084, nos termos do art. 55, § 3º, do CPC, para evitar decisões conflitantes e assegurar a segurança jurídica. Passo a análise da preliminar arguida. VOTO – PRELIMINAR 2. Cerceamento de Defesa Alegam os apelantes que houve cerceamento de defesa em razão do indeferimento da prova pericial grafotécnica em documentos relevantes, os quais apresentariam indícios de falsificação, notadamente a proposta de abertura de conta, CPF e declaração de endereço, apresentados pela cooperativa Sicredi em nome de José Carlos Felippeto. Todavia, razão não lhes assiste. O Juízo de origem, ao determinar a apresentação de memoriais e julgar os feitos, motivou a decisão pela suficiência do conjunto probatório já constante dos autos, inclusive com base na prova documental, oral e no incidente de falsidade produzido nos autos, situação que não configura nulidade processual, mas exercício legítimo do poder de direção do processo. Ademais, a verificação da alegada falsidade na abertura da conta bancária junto à cooperativa Sicredi não se revela imprescindível à solução da lide, porquanto os próprios documentos oficiais juntados aos autos pela instituição financeira, quando cotejados com os documentos de identificação dos apelantes, apontam de plano evidentes divergências entre as assinaturas e dados pessoais, dispensando, assim, o exame técnico grafoscópico para constatação das inconsistências. Nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL – INTERDITO PROIBITÓRIO – NÃO COMPROVAÇÃO DA POSSE LEGÍTIMA - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – PEDIDO DE NULIDADE DE SENTENÇA - ALEGAÇÃO DE NÃO ANÁLISE DAS PROVAS – QUESTÃO JÁ DECIDIDA NO RAI 107358/2012 – COISA JULGADA – DESNECESSIDADE DE PERÍCIA GRAFOTÉCNICA – BOA-FÉ DO ADQUIRENTE AFASTADA - SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. O apelante funda sua irresignação na alegação de que o Juízo teria deixado de analisar provas anexadas aos autos (recibo e pedido de regularização junto à INTERMAT), incorrendo, assim, em cerceamento de defesa. Contudo, é cediço que o referido documento do INTERMAT foi objeto de análise quando do julgamento do RAI nº. 107358/2012, interposto pelo ora apelante, originário dos Embargos de Terceiro (Código 777380) e desprovido à unanimidade. Assim, o apelante busca a reanálise de questão já acobertada pelo manto da coisa julgada, o que não se mostra viável. A alegada necessidade de perícia grafotécnica no recibo da compra de licença de ocupação urbana, também fundamento do pedido de anulação por cerceamento de defesa, não encontra respaldo nos autos, tendo em vista a conclusão do Magistrado, da qual este Relator partilha, de que “a senhora Elisandra de Morais e seu companheiro Elizeu Roberto eram inquilinos do senhor Renato, ou seja, meros detentores da posse” e que “apesar do autor ser pessoa do comércio com prática na realização de negócios, o mesmo não tomou os cuidados necessários ao adquirir o imóvel de quem não tinha a posse de fato, sendo o vendedor apenas mero detentor”. Portanto, a perícia grafotécnica em nada contribuiria para o deslinde da causa e, tendo em vista que o Juiz é o destinatário das provas, cabendo a ele aferir sobre a necessidade ou não de sua produção, a teor do que estabelece o art. 370, do CPC, tendo o Magistrado que preside a causa o dever de evitar a coleta de prova que se mostre inútil a solução do litígio. Ademais, restou comprovado nos autos que, no momento da venda para o autor, em 29/09/2008, já existia sentença datada de 09/07/2008, determinando o despejo por falta de pagamento de alugueis de Elizeu Roberto Hermann, companheiro da vendedora, Sra. Elisandra de Morais, o que, obviamente, afasta a tese de que tenha adquirido o imóvel de boa-fé. (N.U 0026931-56.2008.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO DE MORAES FILHO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 18/12/2019, Publicado no DJE 20/12/2019) Assim, REJEITO a preliminar. VOTO - MÉRITO A controvérsia recursal diz respeito à titularidade possessória do imóvel rural descrito na inicial, com 704,78 hectares, localizada às margens da estrada calcário, km19, MT-160, situado no Município de Apiacás/MT, que, segundo os autos, teria sido objeto de ocupação pelo apelado Ademar Diefenthaeler com base em Contrato de compra e venda celebrado com os ora apelantes. 3. Da proteção possessória Nas ações possessórias, o art. 561 do CPC enuncia que para a concessão da reintegração de posse é preciso apurar se estão presentes as seguintes condições: “Art. 561. Incumbe ao autor provar: I - a sua posse; II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III- a data da turbação ou do esbulho; IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração.” Como visto, o que importa é a demonstração da posse anterior, a ameaça de moléstia, turbação ou esbulho e a data de seu início. Não se discute, em regra, a titularidade, matéria restrita ao juízo petitório. A questão do domínio fica relegada ao segundo plano na análise em ações possessórias, considerando-se possuidor “todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”– artigo 1.196 do Código Civil, quais sejam os poderes de usar, gozar e dispor da coisa, sendo justa aquela posse que “não for violenta, clandestina ou precária” – artigo 1.200 do Código Civil. Pois bem. A sentença recorrida entendeu pela comprovação da posse exercida pelo apelado Ademar, reputando ausente a prova do exercício anterior da posse pelos autores, ora apelantes. Entretanto, os autos fornecem elementos suficientes a recomendar conclusão diversa. Extrai-se que os apelantes adquiriram o imóvel rural em 25/9/1985, devidamente registrado sob o n. 0428, do Cartório de registro de imóveis de Apiacás/MT, oriunda da escritura pública de venda e compra com o Indeco (id. 284788383 – fls. 132/137), oportunidade em que detinham a posse sobre o bem e, por morarem em Umuarama, vinham todos os anos para verificação e cuidado do imóvel, valendo-se, inclusive, de preposto para tanto. Extrai-se, ainda, que no dia 19/8/2009 o apelado Ademar adquiriu através de Contrato de compra e venda de imóvel rural, figurando como vendedores Rosimeri Felipeto, Jose Carlos Felippeto, Cristina Fatima Da Silva Felippeto, Elisabete Felippeto Natal, Jose Carlos Natal, Nivaldo Henzen, Rosa Firmina Felippeto Henzen, Idelson De Andrade e Jose Geraldo Felippeto, representados pelo procurador José Carlos Felippeto, pelo valor de R$. 150.000,00, sendo R$. 100.000,00 à vista e R$. 50.000,00 com vencimento em 20/8/2010. O contrato foi firmado em Nossa Senhora do Livramento/MT e as firmas reconhecidas no Cartório local (id. 283233907 – fls. 25/27). O apelado Ademar afirma que entrou na área e vinha exercendo a posse quando foi procurado pelos apelantes, o que motivou o registro do Boletim de ocorrência em 22/7/2010 (id. 283233907 - fls.43). Da mesma forma, os apelantes registraram Boletim de ocorrência em 22/7/2010 (id. 284788383 – fls. 144/145) e denunciaram à Sema a existência de desmate ilegal, em 29/7/2010 (id. 284788383 - fls. 146/150). Em 13/8/2010 o apelado Ademar interpôs a Ação de interdito proibitório n. 0000561-37.2010.8.11.0084, ao passo que em 24/11/2010 os apelantes José Carlos Felippeto e outros ajuizaram a Ação de reintegração de posse n. 0000958-96.2010.8.11.0084. Pois bem. Da análise acurada de todo o conjunto fático-probatório em que me debrucei, verifico que a posse do apelado Ademar sobre a área litigiosa decorreu do Contrato de compra e venda de imóvel rural, cujos fundamentos foram comprometidos por vícios materiais, notadamente quanto à procuração que teria conferido poderes para a alienação do imóvel. Isso porque, há provas de que a procuração que embasou a compra e venda ao apelado Ademar não foi emitida pelos apelantes, pois os supostos reconhecimentos de firma das assinaturas perante o Cartório Xavier de Matos, município de Cuiabá, não foram confirmados pelo Tabelião responsável, conforme se vê do ofício encartado no id. 283233912 – fls. 64/65. Vejamos: Tal instrumento foi objeto de incidente específico de falsidade, do qual resultou o desentranhamento dos principais documentos que lastreavam a alegada transação, incluindo os cheques e o próprio contrato de compra e venda. A fragilidade dos elementos que instruíram o ingresso do apelado Ademar na posse resta agravada pela inconsistência nos documentos bancários que, supostamente, demonstrariam o pagamento do preço ajustado. Dos autos constam apenas três cheques no valor de R$. 31.540,00 cada, totalizando a quantia de R$. 94.620,00, cuja compensação é comprovada. Contudo, não há outras provas acerca do pagamento dos valores remanescentes pactuados. Constato que os referidos cheques foram depositados em conta poupança em nome de José Carlos Felippeto no Banco Sicredi, cuja conta foi aberta um dia antes da confecção do Contrato de compra e venda e embasou-se em documentos pessoais diferentes do apelante. Ainda, as únicas movimentações bancárias da conta se derem com o depósito das cártulas e, posteriormente, saques dos respectivos valores. Tal conclusão se extrai das informações encartadas pelo Banco Sicredi aos autos (ids. 283233937, 283233958 e 283233980): Não se pode desconsiderar o vasto conjunto probatório colacionado aos autos ao longo de mais de 14 anos de tramitação, o qual deve ser adequadamente valorado para subsidiar a análise dos requisitos legais da proteção possessória. Inclusive, impende registrar que a sentença de primeiro grau ancorou-se preponderantemente na prova testemunhal colhida em audiência realizada em 30/7/2022, e as testemunhas ouvidas confirmaram, em linhas gerais, que o apelado Ademar encontrava-se na posse da área rural desde 2009, circunstância que, de fato, não se contesta. No entanto, é imprescindível ressaltar que essa posse foi autorizada por força de liminar concedida nos autos de Agravo de instrumento interposto contra a decisão que deferira, na origem, a reintegração na posse aos apelantes. Tal decisão liminar teve como fundamento o Contrato de compra e venda juntado pelo apelado Ademir, o qual, como exaustivamente demonstrado, teve sua validade comprometida e posteriormente afastada por decisão no incidente de falsidade, com base em provas documentais robustas, notadamente, o reconhecimento da falsidade da procuração e das irregularidades nos instrumentos de pagamento. Observa-se da referida ementa (id. 284788383 – fls. 322): Contudo, a testemunha Inácio informou em Juízo que os apelantes eram os donos, que o Idelson (preposto) vinha todo ano para cuidar da área, pelo menos duas vezes, e que a área tinha placa. Vejamos (id. 284789852): Dentro desse contexto, concluo que não houve declaração de vontade dos apelantes na transferência da posse ao apelado, pressuposto essencial no plano de existência e validade do negócio jurídico, maculando a relação negocial em sua origem. Ora, se a posse que se origina de contrato nulo é, por definição, injusta, não merece proteção possessória. Com efeito, diante da posse injusta do apelado Ademir sobre o imóvel, é possível aferir que os apelantes exercem a posse anterior sobre o imóvel objeto da ação, conforme se observa das provas produzidas nos autos. Os apelantes lograram demonstrar o exercício anterior da posse sobre o imóvel, mediante documentos e depoimentos que confirmam visitas frequentes ao local, manutenção de marcos de propriedade e vigilância esporádica, compatíveis com o perfil da área (predominantemente floresta nativa). Essas circunstâncias indicam o exercício do animus domini de forma suficiente para caracterizar a posse, ainda que descontinuada, nos termos do art. 1.196 do Código Civil. Portanto, a posse do apelado Ademir, ainda que exercida de forma visível e contínua a partir de 2009, não pode ser qualificada como legítima, pois teve origem em negócio jurídico viciado, destituído de eficácia jurídica, de modo que a prova testemunhal produzida em momento posterior, por si só, não tem o condão de convalidar a origem da posse nem de infirmar os elementos objetivos que comprovam o esbulho. Nesse sentido, colho o seguinte julgado deste Tribunal: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE C/C DECRETAÇÃO DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – ILEGITIMIDADE ATIVA – REJEIÇÃO – AUTORES QUE HERDARAM A POSSE DO BEM "CAUSA MORTIS" – IMÓVEL DEVIDAMENTE INDIVIDUALIZADO NOS AUTOS – VÍCIO NA CONSTITUIÇÃO DA COMPRA E VENDA – POSSE INJUSTA DO DEMANDADO EVIDENCIADA – PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS A AUTORIZAR A REINTEGRAÇÃO AOS AUTORES – ART. 561 DO CPC – DANO MORAL CONFIGURADO – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. A legitimação para a ação decorre do interesse das partes em relação à pretensão trazida a juízo. A prova documental acostada aos autos é suficiente para demonstrar a legitimidade ativa dos herdeiros, que herdaram a posse do imóvel individualizado na inicial em razão da morte de seus pais. Compete à parte autora na ação de reintegração de posse comprovar os requisitos legais, (posse, esbulho, data do esbulho e perda da posse). Comprovados tais requisitos, há de ser mantida a sentença de procedência. Quanto ao dano moral fixado em sentença, os fatos narrados geraram, indubitavelmente, expectativas e frustrações que, por si só, bastam à caracterização do dano extrapatrimonial, eis que desborda o mero dissabor. (TJMT, Número Único: 0009449-93.2014.8.11.0006, Relator: Des(a). DIRCEU DOS SANTOS, POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO, Data da sessão: Cuiabá-MT, 05/07/2023). Configurada, pois, a perda da posse pelos apelantes em razão da ocupação injusta promovida pelo apelado Ademir, evidencia-se o esbulho possessório, circunstância que justifica plenamente a procedência da ação de reintegração de posse, com fundamento nos arts. 560 e 561 do CPC. Sob o mesmo fundamento, trago julgados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL - NÃO CONFIGURAÇÃO - INVASÃO DE IMÓVEL RURAL COM INSERÇÃO DE ANIMAIS - CONTRATO DE LOCAÇÃO - NULIDADE - ESBULHO CONFIGURADO. 1. Não há falar em inadequação da via eleita na ação de reintegração de posse que possui, como causa de pedir, a nulidade do contrato de locação do imóvel. 2. Nas ações de reintegração de posse, incumbe ao autor provar a sua posse, o esbulho praticado pelo réu, a data do esbulho e a perda da posse. 3. Tendo em vista que a posse exercida pelo réu é fundada em contrato eivado de nulidade, resta configurada a prática de esbulho. 4. É nulo o contrato de locação de imóvel cujos locadores são os herdeiros que, anteriormente, renunciaram à herança em favor de terceiro. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.23.328035-3/001, Relator(a): Des.(a) Leonardo de Faria Beraldo , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/04/2024, publicação da súmula em 18/04/2024) APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - ART. 927 DO CPC/73 (ART. 561 DO CPC/2015) - ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DO TERRENO - PROPRIETÁRIA INTERDITADA - AUSÊNCIA DE CUMPRIMENTO DAS EXIGÊNCIAS LEGAIS DO ART. 1.750 DO CC - NEGÓCIO JURÍDICO NULO - REQUISITOS DA AÇÃO POSSESSÓRIA NÃO PREENCHIDOS - POSSE INJUSTA. - Para a concessão da reintegração de posse é indispensável à presença dos requisitos previstos no art. 927, do Código de Processo Civil de 1973 (vigente à época da propositura da demanda e equivalente ao art. 561 do CPC/2015): (I) a sua posse; (II) a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; (III) a data da turbação ou do esbulho; (IV) a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração. - Ainda que apresentados documentos que comprovam que à época da assinatura do contrato de compra e venda do terreno a proprietária estava representada pela curadora que foi nomeada judicialmente em ação de interdição, não sendo cumpridos os requisitos legais para a alienação do terreno, previstos expressamente no art. 1.750 do CC, é absolutamente nulo o negócio jurídico. - O paragrafo único do art. 1.201 do CC prevê que não se admite a presunção de boa-fé quando expressamente previsto em lei, de forma que, sendo inconteste que o adquirente tinha conhecimento prévio da condição de interdição judicial da proprietária do bem que estava adquirindo, incumbia-lhe a obrigação de tomar maior cautela para finalizar os trâmites da negociação, em diligência que era esperada do homem médio. - A posse exercida pelo autor deve ser considerada como injusta ante a sua precariedade decorrente de contrato absolutamente nulo (art. 166, incisos IV e V, do CC) que, diga-se, não possui capacidade de produzir quaisquer efeitos jurídicos (art. 169 do CC). (TJMG - Apelação Cível 1.0346.12.002305-3/002, Relator(a): Des.(a) Baeta Neves , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 31/01/2024, publicação da súmula em 01/02/2024) Nesse cenário, impõe-se a reforma da sentença para reconhecer a legitimidade possessória dos apelantes, determinar a reintegração destes na posse do imóvel litigioso e, por consequência, julgar improcedente o pedido formulado pelo apelado no Interdito proibitório, eis que ausente justo receio de turbação ou esbulho passível de proteção judicial. 4. Das benfeitorias e direito à retenção O requerido, ora apelado, postulou em sua contestação, de forma subsidiária, o reconhecimento do direito de retenção sobre o imóvel litigioso, sob a alegação de haver realizado benfeitorias durante o período de ocupação da área. Nos termos do art. 1.219 do Código Civil, o possuidor de boa-fé tem direito à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, podendo exercer, inclusive, o direito de retenção. Entretanto, quando se trata de possuidor de má-fé, o art. 1.220 restringe expressamente esse direito, conferindo-lhe apenas eventual ressarcimento pelas benfeitorias necessárias, vedando-lhe tanto a retenção quanto o levantamento das voluptuárias. O entendimento da jurisprudência desta Corte e do próprio Superior Tribunal de Justiça, acerca do direito às benfeitorias é que, ao contrário do possuidor de boa-fé, o de má-fé somente terá direito ao ressarcimento das benfeitorias necessárias, não lhe assistindo o direito de retenção do bem nem de indenização pelas úteis ou voluptuárias, consoante dispõem os arts. 1.219 e 1.220 do Código Civil. Conforme já exaustivamente analisado neste voto, a posse exercida pelo apelado Ademir decorre de negócio jurídico nulo de pleno direito, fundado em procuração falsa e em documentos bancários repletos de inconsistências, não podendo, portanto, ser qualificada como posse de boa-fé. Nessas condições, não lhe assiste o direito de retenção, ainda que eventualmente tenha realizado melhorias no imóvel. Todavia, subsiste o direito à indenização pelas benfeitorias necessárias, as quais, por sua própria natureza, visam evitar o perecimento ou a deterioração do bem, e, portanto, beneficiam o legítimo possuidor. A esse propósito, o seguinte precedente: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. BENFEITORIAS REALIZADAS EM IMÓVEL. POSSE DE MÁ-FÉ. PEDIDO DE RETENÇÃO E INDENIZAÇÃO. PRECLUSÃO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Agravo de instrumento interposto contra decisão que, nos autos de cumprimento de sentença em ação de reintegração de posse, indeferiu pedido de tutela cautelar incidental para suspensão do cumprimento de sentença até indenização por benfeitorias realizadas no imóvel. Alegou-se posse injusta e ausência de boa-fé. II. Questão em discussão Há duas questões em discussão: (i) definir se as benfeitorias realizadas pelo agravante ensejam direito à indenização e retenção, considerando a posse de má-fé; e (ii) verificar se há preclusão que impeça o exame do pedido no cumprimento de sentença. III. Razões de decidir A posse de má-fé afasta o direito de retenção, conforme o art. 1.220 do Código Civil, restringindo o ressarcimento às benfeitorias necessárias, sem direito ao levantamento de benfeitorias voluptuárias. A preclusão consumativa impede a reanálise de matérias não suscitadas oportunamente durante a fase de conhecimento do processo, nos termos do art. 505 do CPC. A alegação de enriquecimento sem causa não prospera diante da comprovação de má-fé e posse clandestina por parte do agravante, o que invalida a pretensão de retenção e reforça a decisão de reintegração de posse. Não se verificaram elementos para configurar litigância de má-fé, conforme os arts. 77 e 80 do CPC, inexistindo dolo processual ou abuso de direito. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: “O possuidor de má-fé tem direito apenas à indenização por benfeitorias necessárias, sem direito de retenção ou levantamento das voluptuárias. Questões não suscitadas na fase de conhecimento do processo estão preclusas e não podem ser discutidas no cumprimento de sentença.” Dispositivos relevantes citados: Código Civil, arts. 884, 1.219 e 1.220; Código de Processo Civil, arts. 11, 505, 77 e 80. Jurisprudência relevante citada: TJRS, RAC n. 70072760069, 18ª Câm. Cív., Rel. Desa. Marlene Marlei de Souza, j. 14.09.2017. TJSP, RAC n. 1004858-86.2016.8.26.0005, 16ª Câm. Dir. Priv., Rel. Des. Simões de Vergueiro, j. 15.04.2019. TJMT, RAC n. 0003242-20.2010.8.11.0006, 3ª Câm. Dir. Priv., Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, j. 24.04.2019. (N.U 1034030-27.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 29/01/2025, Publicado no DJE 29/01/2025) Merece destaque, assim, o conteúdo do documento constante no id. 283233880, no qual o terceiro interessado Elmo de Freitas Arantes declarou ter firmado Contrato de arrendamento com o apelado Ademir, afirmando que o imóvel rural objeto da lide abriga uma estrutura construída que compreende: "uma casa de madeira com aproximadamente 204,00 m², composta por quatro quartos, dois banheiros, uma despensa, duas cozinhas, uma sala, uma área de lazer e um poço artesiano com bomba d'água elétrica." Referida construção, pelas suas características e finalidade, aparenta ostentar natureza de benfeitoria necessária e caracteriza intervenção relevante para conservação e aproveitamento da coisa, sendo presumível que não tenha sido edificada com intuito meramente voluptuário. Assim, ainda que não seja possível reconhecer o direito de retenção do apelado Ademir sobre o imóvel — vedado ao possuidor de má-fé —, é juridicamente admissível o acolhimento parcial de sua pretensão, para fins de apuração e ressarcimento do valor das benfeitorias necessárias eventualmente realizadas desde 19/8/2009 (data do Contrato de compra e venda), nos termos do art. 1.220 do Código Civil. Tal apuração, contudo, deverá ocorrer em fase própria de liquidação de sentença, mediante provocação expressa da parte interessada, com a devida produção de prova pericial e contraditório, a fim de se delimitar a existência, a natureza e o valor das benfeitorias que possam ser ressarcidas. Dispositivo Diante do exposto, REJEITO a preliminar arguida e DOU PROVIMENTO a ambos os recursos de Apelação parar reforma a sentença una e reconhecer a legitimidade possessória dos apelantes, julgando improcedente o Interdito proibitório e procedente a Reintegração de posse, resguardando o ressarcimento às benfeitorias necessárias ao apelado, a serem apuradas em liquidação de sentença. Por consequência, inverto o ônus sucumbencial. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 25/06/2025

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Processo nº 0000561-37.2010.8.11.0084

ID: 308544310

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 0000561-37.2010.8.11.0084

Data de Disponibilização: 26/06/2025

Polo Ativo:

CRISTINA FATIMA DA SILVA FELIPPETO ELISABETE FELIPPETO NATAL IDELSON DE ANDRADE JOSE CARLOS FELIPPETO JOSE CARLOS NATAL JOSE GERALDO FELIPPETO NIVALDO HENZEN ROSA FIRMINA FELIPPETO HENZEN ROSIMERI FELIPETO

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

CAMILA EMILY DO NASCIMENTO SOUZA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

RICARDO ZEFERINO PEREIRA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

FREDERICO STECCA CIONI

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 0000561-37.2010.8.11.0084 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Esbulho / Turbação / Ameaça] Relator: Des(a). AN… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 0000561-37.2010.8.11.0084 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Esbulho / Turbação / Ameaça] Relator: Des(a). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA Turma Julgadora: [DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, DES(A). SERLY MARCONDES ALVES] Parte(s): [ADEMAR DIEFENTHAELER - CPF: 568.288.101-04 (APELADO), MARCO AURELIO MONTEIRO ARAUJO - CPF: 460.622.111-91 (ADVOGADO), Idelson de Andrade (APELANTE), CAMILA EMILY DO NASCIMENTO SOUZA - CPF: 038.219.611-20 (ADVOGADO), RICARDO ZEFERINO PEREIRA - CPF: 005.454.049-67 (ADVOGADO), FREDERICO STECCA CIONI - CPF: 058.716.439-57 (ADVOGADO), ROSIMERI FELIPETO - CPF: 695.748.129-87 (APELANTE), Jose Geraldo Felippeto (APELANTE), JOSE CARLOS FELIPPETO - CPF: 570.508.649-00 (APELANTE), CRISTINA FATIMA DA SILVA FELIPPETO - CPF: 024.112.519-71 (APELANTE), ELISABETE FELIPPETO NATAL - CPF: 004.478.409-08 (APELANTE), JOSE CARLOS NATAL - CPF: 169.536.739-15 (APELANTE), NIVALDO HENZEN - CPF: 251.671.629-04 (APELANTE), ROSA FIRMINA FELIPPETO HENZEN - CPF: 554.576.659-68 (APELANTE), ELMO DE FREITAS ARANTES - CPF: 629.422.041-68 (TERCEIRO INTERESSADO), ANDERSON DAVI MACIEL DOS SANTOS - CPF: 037.993.981-98 (ADVOGADO), JOSE GERALDO FELIPPETO - CPF: 258.404.289-49 (APELANTE), IDELSON DE ANDRADE - CPF: 424.436.449-87 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PROVIDO, UNÂNIME. E M E N T A DIREITO CIVIL. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE E INTERDITO PROIBITÓRIO. IMÓVEL RURAL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA FUNDADO EM PROCURAÇÃO FALSA. NEGÓCIO VICIADO. POSSE INJUSTA EVIDENCIADA. ESBULHO CONFIGURADO. POSSE LEGÍTIMA DOS AUTORES COMPROVADA. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS DA REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DIREITO À INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS NECESSÁRIAS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSOS PROVIDOS. I. CASO EM EXAME 1. Apelações Cíveis interpostas contra sentença una que julgou improcedente a Ação de Reintegração de Posse e procedente o Interdito Proibitório, determinando que a parte requerida se abstenha de qualquer ato que implique turbação ou esbulho na posse do imóvel de titularidade e/ou posse do autor referente ao imóvel rural situado em Apiacás/MT, cuja ocupação se deu com base em contrato de compra e venda firmado com procuração. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) definir se houve cerceamento de defesa em razão do indeferimento de perícia grafotécnica; (ii) estabelecer se os apelantes demonstraram posse legítima e anterior sobre o imóvel rural; e (iii) determinar se o apelado possui direito à indenização por benfeitorias. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O indeferimento da prova pericial não configura cerceamento de defesa quando o juízo reconhece a suficiência do conjunto probatório e a falsidade dos documentos é confirmada por outros meios de prova constantes nos autos. 4. A posse originada de contrato de compra e venda baseado em procuração falsa, reconhecimento de firma inexistentes e documentos bancários inconsistentes é considerada injusta e não merece tutela possessória. 5. Comprovada a posse legítima, contínua e anterior dos apelantes desde 1985, mediante escritura pública registrada, presença esporádica, manutenção do imóvel e atuação de preposto, são suficientes para preenchimento dos requisitos do art. 561 do CPC. 6. O apelado, por ser possuidor de má-fé, não tem direito à retenção do imóvel, mas faz jus à indenização por eventuais benfeitorias necessárias, nos termos do art. 1.220 do Código Civil, a serem apuradas em fase de liquidação de sentença. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Preliminar rejeitada. Recursos de apelação providos. Tese de julgamento: 1. A ausência de perícia grafotécnica não configura cerceamento de defesa quando a falsidade documental é demonstrada por outros meios de prova. 2. A posse decorrente de contrato viciado por falsidade é injusta e não goza de proteção possessória. 3. O possuidor de má-fé tem direito apenas à indenização por benfeitorias necessárias, sem direito de retenção ou indenização por benfeitorias úteis ou voluptuárias. Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 55, § 3º; 370; 560; 561; CC, arts. 1.196, 1.200, 1.219, 1.220. Jurisprudência relevante citada: TJMT, ApCiv n. 0009449-93.2014.8.11.0006, Rel. Des. Dirceu dos Santos, j. 05.07.2023; TJMG, ApCiv n. 1.0346.12.002305-3/002, Rel. Des. Baeta Neves, j. 31.01.2024; TJMT, N.U. 1034030-27.2024.8.11.0000, Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, j. 29.01.2025; TJMG, ApCiv n. 1.0000.23.328035-3/001, Rel. Des. Leonardo de Faria Beraldo, Nona Câmara Cível, j. 16.04.2024, DJE 18.04.2024; TJMT, N.U. 0026931-56.2008.8.11.0041, Rel. Des. Sebastião de Moraes Filho, Segunda Câmara de Direito Privado, j. 18.12.2019, DJE 20.12.2019. R E L A T Ó R I O EXMA. SRA. DESEMBARGADORA ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA Egrégia Câmara: Trata-se de Apelações Cíveis interpostas por JOSE CARLOS FELIPPETO e outros contra a sentença una proferida pelo Juízo da Vara Única de Apiacás/MT, que julgou procedente o pedido na Ação de interdito proibitório n. 0000561-37.2010.8.11.0084 ajuizada por ADEMAR DIEFENTHAELER e julgou improcedente o pedido na Ação de reintegração de posse n. 0000958-96.2010.8.11.0084 ajuizada pelos apelantes, determinando que a parte requerida se abstenham de qualquer ato que implique turbação ou esbulho na posse do imóvel de titularidade e/ou posse do autor referente ao imóvel rural situado em Apiacás/MT (ids. 283233997 e 284789852). Os apelantes sustentam, em síntese, preliminar de cerceamento de defesa, sob o fundamento de que foi indeferida a produção de prova pericial grafotécnica quanto aos documentos relevantes (inclusive novos documentos juntados nos autos), os quais apresentariam indícios de falsificação, notadamente a proposta de abertura de conta, CPF e declaração de endereço, apresentados pela cooperativa Sicredi. Sustenta que tal prova seria imprescindível à elucidação da controvérsia e à demonstração de que a posse exercida pelo apelado é fruto de negócio jurídico fraudulento, conforme já reconhecido em incidente de falsidade n. 0000393-59.2015.8.11.0084. Reforça que o contrato de compra e venda celebrado entre as partes foi retirado dos autos por decisão judicial, justamente em razão da constatação de sua falsidade, e que os documentos remanescentes são insuficientes para comprovar a posse legítima do apelado, o qual teria, segundo os apelantes, agido de má-fé ao pleitear proteção possessória com base em documentos e fatos contaminados por vícios. Argumenta, ainda, que os apelantes são os legítimos possuidores e proprietários do imóvel rural, cuja aquisição remonta ao ano de 1985, conforme demonstra a cadeia dominial, escritura registrada, fotos, testemunhos e demais provas produzidas ao longo dos autos. Requer, ao final, a nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, ou, subsidiariamente, a sua reforma, para que seja julgada procedente a Ação de reintegração de posse, com a consequente restituição do imóvel em litígio (ids. 283233999 e 284789854). Em contrarrazões, o apelado ADEMAR DIEFENTHAELER pugna pelo desprovimento do recurso e manutenção da sentença, rechaçando a preliminar de cerceamento de defesa. Argumenta que ficou comprovado, inclusive por prova testemunhal idônea e corroborada por documentos, que o apelado exerce posse mansa e pacífica desde 2009, com animus domini e sem qualquer demonstração válida de esbulho praticado (id. 283234004 e 284789859). O terceiro interessado ELMO DE FREITAS ARANTES, regularmente admitido nos autos, em apertada síntese, reforça os fundamentos das contrarrazões do apelado, especialmente quanto à inexistência de cerceamento de defesa e à legitimidade da posse exercida. Requer o não acolhimento da preliminar, bem como o desprovimento do recurso de Apelação (ids. 284969853 e 284969854). A Procuradoria de Justiça se manifestou pela não intervenção no feito (ids. 287163358 e 287161890). É o relatório. V O T O R E L A T O R EXMA. SRA. DESEMBARGADORA ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA Egrégia Câmara: 1. Da necessidade de julgamento conjunto Considerando a sentença uma proferida pelo Juízo de primeiro grau, aliado à identidade de partes, conexão entre as matérias discutidas e a necessidade de assegurar a coerência das decisões, procedo ao julgamento conjunto dos recursos n. 0000958-96.2010.8.11.0084 e 0000561-37.2010.8.11.0084, nos termos do art. 55, § 3º, do CPC, para evitar decisões conflitantes e assegurar a segurança jurídica. Passo a análise da preliminar arguida. VOTO – PRELIMINAR 2. Cerceamento de Defesa Alegam os apelantes que houve cerceamento de defesa em razão do indeferimento da prova pericial grafotécnica em documentos relevantes, os quais apresentariam indícios de falsificação, notadamente a proposta de abertura de conta, CPF e declaração de endereço, apresentados pela cooperativa Sicredi em nome de José Carlos Felippeto. Todavia, razão não lhes assiste. O Juízo de origem, ao determinar a apresentação de memoriais e julgar os feitos, motivou a decisão pela suficiência do conjunto probatório já constante dos autos, inclusive com base na prova documental, oral e no incidente de falsidade produzido nos autos, situação que não configura nulidade processual, mas exercício legítimo do poder de direção do processo. Ademais, a verificação da alegada falsidade na abertura da conta bancária junto à cooperativa Sicredi não se revela imprescindível à solução da lide, porquanto os próprios documentos oficiais juntados aos autos pela instituição financeira, quando cotejados com os documentos de identificação dos apelantes, apontam de plano evidentes divergências entre as assinaturas e dados pessoais, dispensando, assim, o exame técnico grafoscópico para constatação das inconsistências. Nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL – INTERDITO PROIBITÓRIO – NÃO COMPROVAÇÃO DA POSSE LEGÍTIMA - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – PEDIDO DE NULIDADE DE SENTENÇA - ALEGAÇÃO DE NÃO ANÁLISE DAS PROVAS – QUESTÃO JÁ DECIDIDA NO RAI 107358/2012 – COISA JULGADA – DESNECESSIDADE DE PERÍCIA GRAFOTÉCNICA – BOA-FÉ DO ADQUIRENTE AFASTADA - SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. O apelante funda sua irresignação na alegação de que o Juízo teria deixado de analisar provas anexadas aos autos (recibo e pedido de regularização junto à INTERMAT), incorrendo, assim, em cerceamento de defesa. Contudo, é cediço que o referido documento do INTERMAT foi objeto de análise quando do julgamento do RAI nº. 107358/2012, interposto pelo ora apelante, originário dos Embargos de Terceiro (Código 777380) e desprovido à unanimidade. Assim, o apelante busca a reanálise de questão já acobertada pelo manto da coisa julgada, o que não se mostra viável. A alegada necessidade de perícia grafotécnica no recibo da compra de licença de ocupação urbana, também fundamento do pedido de anulação por cerceamento de defesa, não encontra respaldo nos autos, tendo em vista a conclusão do Magistrado, da qual este Relator partilha, de que “a senhora Elisandra de Morais e seu companheiro Elizeu Roberto eram inquilinos do senhor Renato, ou seja, meros detentores da posse” e que “apesar do autor ser pessoa do comércio com prática na realização de negócios, o mesmo não tomou os cuidados necessários ao adquirir o imóvel de quem não tinha a posse de fato, sendo o vendedor apenas mero detentor”. Portanto, a perícia grafotécnica em nada contribuiria para o deslinde da causa e, tendo em vista que o Juiz é o destinatário das provas, cabendo a ele aferir sobre a necessidade ou não de sua produção, a teor do que estabelece o art. 370, do CPC, tendo o Magistrado que preside a causa o dever de evitar a coleta de prova que se mostre inútil a solução do litígio. Ademais, restou comprovado nos autos que, no momento da venda para o autor, em 29/09/2008, já existia sentença datada de 09/07/2008, determinando o despejo por falta de pagamento de alugueis de Elizeu Roberto Hermann, companheiro da vendedora, Sra. Elisandra de Morais, o que, obviamente, afasta a tese de que tenha adquirido o imóvel de boa-fé. (N.U 0026931-56.2008.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO DE MORAES FILHO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 18/12/2019, Publicado no DJE 20/12/2019) Assim, REJEITO a preliminar. VOTO - MÉRITO A controvérsia recursal diz respeito à titularidade possessória do imóvel rural descrito na inicial, com 704,78 hectares, localizada às margens da estrada calcário, km19, MT-160, situado no Município de Apiacás/MT, que, segundo os autos, teria sido objeto de ocupação pelo apelado Ademar Diefenthaeler com base em Contrato de compra e venda celebrado com os ora apelantes. 3. Da proteção possessória Nas ações possessórias, o art. 561 do CPC enuncia que para a concessão da reintegração de posse é preciso apurar se estão presentes as seguintes condições: “Art. 561. Incumbe ao autor provar: I - a sua posse; II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III- a data da turbação ou do esbulho; IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração.” Como visto, o que importa é a demonstração da posse anterior, a ameaça de moléstia, turbação ou esbulho e a data de seu início. Não se discute, em regra, a titularidade, matéria restrita ao juízo petitório. A questão do domínio fica relegada ao segundo plano na análise em ações possessórias, considerando-se possuidor “todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”– artigo 1.196 do Código Civil, quais sejam os poderes de usar, gozar e dispor da coisa, sendo justa aquela posse que “não for violenta, clandestina ou precária” – artigo 1.200 do Código Civil. Pois bem. A sentença recorrida entendeu pela comprovação da posse exercida pelo apelado Ademar, reputando ausente a prova do exercício anterior da posse pelos autores, ora apelantes. Entretanto, os autos fornecem elementos suficientes a recomendar conclusão diversa. Extrai-se que os apelantes adquiriram o imóvel rural em 25/9/1985, devidamente registrado sob o n. 0428, do Cartório de registro de imóveis de Apiacás/MT, oriunda da escritura pública de venda e compra com o Indeco (id. 284788383 – fls. 132/137), oportunidade em que detinham a posse sobre o bem e, por morarem em Umuarama, vinham todos os anos para verificação e cuidado do imóvel, valendo-se, inclusive, de preposto para tanto. Extrai-se, ainda, que no dia 19/8/2009 o apelado Ademar adquiriu através de Contrato de compra e venda de imóvel rural, figurando como vendedores Rosimeri Felipeto, Jose Carlos Felippeto, Cristina Fatima Da Silva Felippeto, Elisabete Felippeto Natal, Jose Carlos Natal, Nivaldo Henzen, Rosa Firmina Felippeto Henzen, Idelson De Andrade e Jose Geraldo Felippeto, representados pelo procurador José Carlos Felippeto, pelo valor de R$. 150.000,00, sendo R$. 100.000,00 à vista e R$. 50.000,00 com vencimento em 20/8/2010. O contrato foi firmado em Nossa Senhora do Livramento/MT e as firmas reconhecidas no Cartório local (id. 283233907 – fls. 25/27). O apelado Ademar afirma que entrou na área e vinha exercendo a posse quando foi procurado pelos apelantes, o que motivou o registro do Boletim de ocorrência em 22/7/2010 (id. 283233907 - fls.43). Da mesma forma, os apelantes registraram Boletim de ocorrência em 22/7/2010 (id. 284788383 – fls. 144/145) e denunciaram à Sema a existência de desmate ilegal, em 29/7/2010 (id. 284788383 - fls. 146/150). Em 13/8/2010 o apelado Ademar interpôs a Ação de interdito proibitório n. 0000561-37.2010.8.11.0084, ao passo que em 24/11/2010 os apelantes José Carlos Felippeto e outros ajuizaram a Ação de reintegração de posse n. 0000958-96.2010.8.11.0084. Pois bem. Da análise acurada de todo o conjunto fático-probatório em que me debrucei, verifico que a posse do apelado Ademar sobre a área litigiosa decorreu do Contrato de compra e venda de imóvel rural, cujos fundamentos foram comprometidos por vícios materiais, notadamente quanto à procuração que teria conferido poderes para a alienação do imóvel. Isso porque, há provas de que a procuração que embasou a compra e venda ao apelado Ademar não foi emitida pelos apelantes, pois os supostos reconhecimentos de firma das assinaturas perante o Cartório Xavier de Matos, município de Cuiabá, não foram confirmados pelo Tabelião responsável, conforme se vê do ofício encartado no id. 283233912 – fls. 64/65. Vejamos: Tal instrumento foi objeto de incidente específico de falsidade, do qual resultou o desentranhamento dos principais documentos que lastreavam a alegada transação, incluindo os cheques e o próprio contrato de compra e venda. A fragilidade dos elementos que instruíram o ingresso do apelado Ademar na posse resta agravada pela inconsistência nos documentos bancários que, supostamente, demonstrariam o pagamento do preço ajustado. Dos autos constam apenas três cheques no valor de R$. 31.540,00 cada, totalizando a quantia de R$. 94.620,00, cuja compensação é comprovada. Contudo, não há outras provas acerca do pagamento dos valores remanescentes pactuados. Constato que os referidos cheques foram depositados em conta poupança em nome de José Carlos Felippeto no Banco Sicredi, cuja conta foi aberta um dia antes da confecção do Contrato de compra e venda e embasou-se em documentos pessoais diferentes do apelante. Ainda, as únicas movimentações bancárias da conta se derem com o depósito das cártulas e, posteriormente, saques dos respectivos valores. Tal conclusão se extrai das informações encartadas pelo Banco Sicredi aos autos (ids. 283233937, 283233958 e 283233980): Não se pode desconsiderar o vasto conjunto probatório colacionado aos autos ao longo de mais de 14 anos de tramitação, o qual deve ser adequadamente valorado para subsidiar a análise dos requisitos legais da proteção possessória. Inclusive, impende registrar que a sentença de primeiro grau ancorou-se preponderantemente na prova testemunhal colhida em audiência realizada em 30/7/2022, e as testemunhas ouvidas confirmaram, em linhas gerais, que o apelado Ademar encontrava-se na posse da área rural desde 2009, circunstância que, de fato, não se contesta. No entanto, é imprescindível ressaltar que essa posse foi autorizada por força de liminar concedida nos autos de Agravo de instrumento interposto contra a decisão que deferira, na origem, a reintegração na posse aos apelantes. Tal decisão liminar teve como fundamento o Contrato de compra e venda juntado pelo apelado Ademir, o qual, como exaustivamente demonstrado, teve sua validade comprometida e posteriormente afastada por decisão no incidente de falsidade, com base em provas documentais robustas, notadamente, o reconhecimento da falsidade da procuração e das irregularidades nos instrumentos de pagamento. Observa-se da referida ementa (id. 284788383 – fls. 322): Contudo, a testemunha Inácio informou em Juízo que os apelantes eram os donos, que o Idelson (preposto) vinha todo ano para cuidar da área, pelo menos duas vezes, e que a área tinha placa. Vejamos (id. 284789852): Dentro desse contexto, concluo que não houve declaração de vontade dos apelantes na transferência da posse ao apelado, pressuposto essencial no plano de existência e validade do negócio jurídico, maculando a relação negocial em sua origem. Ora, se a posse que se origina de contrato nulo é, por definição, injusta, não merece proteção possessória. Com efeito, diante da posse injusta do apelado Ademir sobre o imóvel, é possível aferir que os apelantes exercem a posse anterior sobre o imóvel objeto da ação, conforme se observa das provas produzidas nos autos. Os apelantes lograram demonstrar o exercício anterior da posse sobre o imóvel, mediante documentos e depoimentos que confirmam visitas frequentes ao local, manutenção de marcos de propriedade e vigilância esporádica, compatíveis com o perfil da área (predominantemente floresta nativa). Essas circunstâncias indicam o exercício do animus domini de forma suficiente para caracterizar a posse, ainda que descontinuada, nos termos do art. 1.196 do Código Civil. Portanto, a posse do apelado Ademir, ainda que exercida de forma visível e contínua a partir de 2009, não pode ser qualificada como legítima, pois teve origem em negócio jurídico viciado, destituído de eficácia jurídica, de modo que a prova testemunhal produzida em momento posterior, por si só, não tem o condão de convalidar a origem da posse nem de infirmar os elementos objetivos que comprovam o esbulho. Nesse sentido, colho o seguinte julgado deste Tribunal: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE C/C DECRETAÇÃO DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – ILEGITIMIDADE ATIVA – REJEIÇÃO – AUTORES QUE HERDARAM A POSSE DO BEM "CAUSA MORTIS" – IMÓVEL DEVIDAMENTE INDIVIDUALIZADO NOS AUTOS – VÍCIO NA CONSTITUIÇÃO DA COMPRA E VENDA – POSSE INJUSTA DO DEMANDADO EVIDENCIADA – PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS A AUTORIZAR A REINTEGRAÇÃO AOS AUTORES – ART. 561 DO CPC – DANO MORAL CONFIGURADO – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. A legitimação para a ação decorre do interesse das partes em relação à pretensão trazida a juízo. A prova documental acostada aos autos é suficiente para demonstrar a legitimidade ativa dos herdeiros, que herdaram a posse do imóvel individualizado na inicial em razão da morte de seus pais. Compete à parte autora na ação de reintegração de posse comprovar os requisitos legais, (posse, esbulho, data do esbulho e perda da posse). Comprovados tais requisitos, há de ser mantida a sentença de procedência. Quanto ao dano moral fixado em sentença, os fatos narrados geraram, indubitavelmente, expectativas e frustrações que, por si só, bastam à caracterização do dano extrapatrimonial, eis que desborda o mero dissabor. (TJMT, Número Único: 0009449-93.2014.8.11.0006, Relator: Des(a). DIRCEU DOS SANTOS, POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO, Data da sessão: Cuiabá-MT, 05/07/2023). Configurada, pois, a perda da posse pelos apelantes em razão da ocupação injusta promovida pelo apelado Ademir, evidencia-se o esbulho possessório, circunstância que justifica plenamente a procedência da ação de reintegração de posse, com fundamento nos arts. 560 e 561 do CPC. Sob o mesmo fundamento, trago julgados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL - NÃO CONFIGURAÇÃO - INVASÃO DE IMÓVEL RURAL COM INSERÇÃO DE ANIMAIS - CONTRATO DE LOCAÇÃO - NULIDADE - ESBULHO CONFIGURADO. 1. Não há falar em inadequação da via eleita na ação de reintegração de posse que possui, como causa de pedir, a nulidade do contrato de locação do imóvel. 2. Nas ações de reintegração de posse, incumbe ao autor provar a sua posse, o esbulho praticado pelo réu, a data do esbulho e a perda da posse. 3. Tendo em vista que a posse exercida pelo réu é fundada em contrato eivado de nulidade, resta configurada a prática de esbulho. 4. É nulo o contrato de locação de imóvel cujos locadores são os herdeiros que, anteriormente, renunciaram à herança em favor de terceiro. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.23.328035-3/001, Relator(a): Des.(a) Leonardo de Faria Beraldo , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/04/2024, publicação da súmula em 18/04/2024) APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - ART. 927 DO CPC/73 (ART. 561 DO CPC/2015) - ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DO TERRENO - PROPRIETÁRIA INTERDITADA - AUSÊNCIA DE CUMPRIMENTO DAS EXIGÊNCIAS LEGAIS DO ART. 1.750 DO CC - NEGÓCIO JURÍDICO NULO - REQUISITOS DA AÇÃO POSSESSÓRIA NÃO PREENCHIDOS - POSSE INJUSTA. - Para a concessão da reintegração de posse é indispensável à presença dos requisitos previstos no art. 927, do Código de Processo Civil de 1973 (vigente à época da propositura da demanda e equivalente ao art. 561 do CPC/2015): (I) a sua posse; (II) a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; (III) a data da turbação ou do esbulho; (IV) a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração. - Ainda que apresentados documentos que comprovam que à época da assinatura do contrato de compra e venda do terreno a proprietária estava representada pela curadora que foi nomeada judicialmente em ação de interdição, não sendo cumpridos os requisitos legais para a alienação do terreno, previstos expressamente no art. 1.750 do CC, é absolutamente nulo o negócio jurídico. - O paragrafo único do art. 1.201 do CC prevê que não se admite a presunção de boa-fé quando expressamente previsto em lei, de forma que, sendo inconteste que o adquirente tinha conhecimento prévio da condição de interdição judicial da proprietária do bem que estava adquirindo, incumbia-lhe a obrigação de tomar maior cautela para finalizar os trâmites da negociação, em diligência que era esperada do homem médio. - A posse exercida pelo autor deve ser considerada como injusta ante a sua precariedade decorrente de contrato absolutamente nulo (art. 166, incisos IV e V, do CC) que, diga-se, não possui capacidade de produzir quaisquer efeitos jurídicos (art. 169 do CC). (TJMG - Apelação Cível 1.0346.12.002305-3/002, Relator(a): Des.(a) Baeta Neves , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 31/01/2024, publicação da súmula em 01/02/2024) Nesse cenário, impõe-se a reforma da sentença para reconhecer a legitimidade possessória dos apelantes, determinar a reintegração destes na posse do imóvel litigioso e, por consequência, julgar improcedente o pedido formulado pelo apelado no Interdito proibitório, eis que ausente justo receio de turbação ou esbulho passível de proteção judicial. 4. Das benfeitorias e direito à retenção O requerido, ora apelado, postulou em sua contestação, de forma subsidiária, o reconhecimento do direito de retenção sobre o imóvel litigioso, sob a alegação de haver realizado benfeitorias durante o período de ocupação da área. Nos termos do art. 1.219 do Código Civil, o possuidor de boa-fé tem direito à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, podendo exercer, inclusive, o direito de retenção. Entretanto, quando se trata de possuidor de má-fé, o art. 1.220 restringe expressamente esse direito, conferindo-lhe apenas eventual ressarcimento pelas benfeitorias necessárias, vedando-lhe tanto a retenção quanto o levantamento das voluptuárias. O entendimento da jurisprudência desta Corte e do próprio Superior Tribunal de Justiça, acerca do direito às benfeitorias é que, ao contrário do possuidor de boa-fé, o de má-fé somente terá direito ao ressarcimento das benfeitorias necessárias, não lhe assistindo o direito de retenção do bem nem de indenização pelas úteis ou voluptuárias, consoante dispõem os arts. 1.219 e 1.220 do Código Civil. Conforme já exaustivamente analisado neste voto, a posse exercida pelo apelado Ademir decorre de negócio jurídico nulo de pleno direito, fundado em procuração falsa e em documentos bancários repletos de inconsistências, não podendo, portanto, ser qualificada como posse de boa-fé. Nessas condições, não lhe assiste o direito de retenção, ainda que eventualmente tenha realizado melhorias no imóvel. Todavia, subsiste o direito à indenização pelas benfeitorias necessárias, as quais, por sua própria natureza, visam evitar o perecimento ou a deterioração do bem, e, portanto, beneficiam o legítimo possuidor. A esse propósito, o seguinte precedente: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. BENFEITORIAS REALIZADAS EM IMÓVEL. POSSE DE MÁ-FÉ. PEDIDO DE RETENÇÃO E INDENIZAÇÃO. PRECLUSÃO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Agravo de instrumento interposto contra decisão que, nos autos de cumprimento de sentença em ação de reintegração de posse, indeferiu pedido de tutela cautelar incidental para suspensão do cumprimento de sentença até indenização por benfeitorias realizadas no imóvel. Alegou-se posse injusta e ausência de boa-fé. II. Questão em discussão Há duas questões em discussão: (i) definir se as benfeitorias realizadas pelo agravante ensejam direito à indenização e retenção, considerando a posse de má-fé; e (ii) verificar se há preclusão que impeça o exame do pedido no cumprimento de sentença. III. Razões de decidir A posse de má-fé afasta o direito de retenção, conforme o art. 1.220 do Código Civil, restringindo o ressarcimento às benfeitorias necessárias, sem direito ao levantamento de benfeitorias voluptuárias. A preclusão consumativa impede a reanálise de matérias não suscitadas oportunamente durante a fase de conhecimento do processo, nos termos do art. 505 do CPC. A alegação de enriquecimento sem causa não prospera diante da comprovação de má-fé e posse clandestina por parte do agravante, o que invalida a pretensão de retenção e reforça a decisão de reintegração de posse. Não se verificaram elementos para configurar litigância de má-fé, conforme os arts. 77 e 80 do CPC, inexistindo dolo processual ou abuso de direito. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: “O possuidor de má-fé tem direito apenas à indenização por benfeitorias necessárias, sem direito de retenção ou levantamento das voluptuárias. Questões não suscitadas na fase de conhecimento do processo estão preclusas e não podem ser discutidas no cumprimento de sentença.” Dispositivos relevantes citados: Código Civil, arts. 884, 1.219 e 1.220; Código de Processo Civil, arts. 11, 505, 77 e 80. Jurisprudência relevante citada: TJRS, RAC n. 70072760069, 18ª Câm. Cív., Rel. Desa. Marlene Marlei de Souza, j. 14.09.2017. TJSP, RAC n. 1004858-86.2016.8.26.0005, 16ª Câm. Dir. Priv., Rel. Des. Simões de Vergueiro, j. 15.04.2019. TJMT, RAC n. 0003242-20.2010.8.11.0006, 3ª Câm. Dir. Priv., Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, j. 24.04.2019. (N.U 1034030-27.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 29/01/2025, Publicado no DJE 29/01/2025) Merece destaque, assim, o conteúdo do documento constante no id. 283233880, no qual o terceiro interessado Elmo de Freitas Arantes declarou ter firmado Contrato de arrendamento com o apelado Ademir, afirmando que o imóvel rural objeto da lide abriga uma estrutura construída que compreende: "uma casa de madeira com aproximadamente 204,00 m², composta por quatro quartos, dois banheiros, uma despensa, duas cozinhas, uma sala, uma área de lazer e um poço artesiano com bomba d'água elétrica." Referida construção, pelas suas características e finalidade, aparenta ostentar natureza de benfeitoria necessária e caracteriza intervenção relevante para conservação e aproveitamento da coisa, sendo presumível que não tenha sido edificada com intuito meramente voluptuário. Assim, ainda que não seja possível reconhecer o direito de retenção do apelado Ademir sobre o imóvel — vedado ao possuidor de má-fé —, é juridicamente admissível o acolhimento parcial de sua pretensão, para fins de apuração e ressarcimento do valor das benfeitorias necessárias eventualmente realizadas desde 19/8/2009 (data do Contrato de compra e venda), nos termos do art. 1.220 do Código Civil. Tal apuração, contudo, deverá ocorrer em fase própria de liquidação de sentença, mediante provocação expressa da parte interessada, com a devida produção de prova pericial e contraditório, a fim de se delimitar a existência, a natureza e o valor das benfeitorias que possam ser ressarcidas. Dispositivo Diante do exposto, REJEITO a preliminar arguida e DOU PROVIMENTO a ambos os recursos de Apelação parar reforma a sentença una e reconhecer a legitimidade possessória dos apelantes, julgando improcedente o Interdito proibitório e procedente a Reintegração de posse, resguardando o ressarcimento às benfeitorias necessárias ao apelado, a serem apuradas em liquidação de sentença. Por consequência, inverto o ônus sucumbencial. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 25/06/2025

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