Processo nº 5973608-96.2024.8.09.0051
ID: 317809505
Tribunal: TJGO
Órgão: 10ª Câmara Cível
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5973608-96.2024.8.09.0051
Data de Disponibilização:
07/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FABRÍCIO BARCE CHRISTOFOLI
OAB/RS XXXXXX
Desbloquear
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Av. Assis Chateaubriand, 195 - St. Oeste, Goiânia - GO, 74130-012
10ª Câmara Cível
Gabinete do Desembargador Altamiro Garcia Filho
AP…
PODER JUDICIÁRIO
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
Av. Assis Chateaubriand, 195 - St. Oeste, Goiânia - GO, 74130-012
10ª Câmara Cível
Gabinete do Desembargador Altamiro Garcia Filho
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5973608-96.2024.8.09.0051
COMARCA : Goiânia
APELANTE: MBM Previdência Complementar
APELADO: Jovaneis Dias dos Santos
RELATOR: Drª Sandra Regina Teixeira Campos Juíza Substituta em Segundo Grau
Ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO C/C REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. CONTRATAÇÃO NÃO DEMONSTRADA. COBRANÇA INDEVIDA. CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. REDUÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação cível interposta por entidade de previdência complementar contra sentença que declarou a inexistência de relação contratual com o autor, condenando-a à devolução em dobro dos valores descontados da conta bancária do requerente a título de seguro, bem como ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 7.000,00.
2. A apelante pede a reforma da sentença para julgamento improcedente dos pedidos iniciais ao argumento de que houve contratação válida e voluntária, o que estaria demonstrado pela gravação juntada aos autos. Diz que não pode ser condenada ao pagamento de indenização por dano moral, nem à repetição do indébito em dobro porque inexistiu conduta de má-fé de sua parte ou abalo a elementos da personalidade do apelado. Em caráter subsidiário, requer o afastamento de devolução em dobro e a redução da indenização por dano moral.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
3. As questões em discussão consistem em saber:
(i) se a contratação do seguro foi devidamente demonstrada;
(ii) se a repetição do indébito deve ocorrer de forma simples ou em dobro;
(iii) se foram configurados os danos morais e se, em caso positivo, o valor da indenização é adequado.
III. RAZÕES DE DECIDIR
4. O oferecimento de seguro de vida coletivo mediante ligação telefônica (“call center”) sem a exposição clara e inteligível das informações devidas ao consumidor, em especial de que os benefícios anunciados implicavam contratação onerosa com a entidade de previdência complementar, caracteriza conduta abusiva repelida pelo CDC.
5. Ausente a aceitação inequívoca do consumidor à contratação e aos descontos mensais realizados em sua conta bancária a esse título, impõe-se declarar inexistente a relação contratual e indevidos os débitos cobrados.
5. A cobrança ilícita pela prestadora do serviço sem a demonstração de engano justificável caracteriza conduta contrária à boa-fé objetiva, a reclamar a devolução em dobro dos valores pagos diante da data de início dos descontos, posterior ao marco temporal fixado pelo STJ no EAREsp nº 676.608/RS (31.03.2021).
6. A realização de sucessivos débitos indevidos na conta bancária de pessoa que recebe benefício previdenciário singelo, de valor líquido inferior a um salário mínimo, enseja o reconhecimento de danos morais pela violação ao mínimo existencial e pela angústia decorrente da privação de recursos.
7. Ausentes circunstâncias extraordinárias que possam distinguir o caso concreto de outros congêneres e indicar maior gravidade da situação vivenciada, impõe-se reduzir o valor da indenização por dano moral, de R$ 7.000,00 (sete mil) para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), montante mais adequado aos parâmetros jurisprudenciais.
IV. DISPOSITIVO
8. Recurso conhecido e parcialmente provido.
___________________________________________________-
Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 6º, III, 31, 37, § 1º, 39, III e VI, 42, p.u.; CPC, arts. 373, II, e 926.
Jurisprudência relevante citada: STJ, EREsp 1.413.542/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Corte Especial, j. 21.10.2020, DJe 30.03.2021; TJGO, Súmula nº 32; TJGO, Apelação Cível nº 5773868-96.2024.8.09.0136, Rel. Des. Élcio Vicente Da Silva, 2ª Câmara Cível, j. em 16.05.2025; TJGO, Apelação Cível nº 5109906-71.2023.8.09.0076, Rel. Des. Ronnie Paes Sandre, 8ª Câmara Cível, j. em 22.04.2024; TJGO, Apelação Cível nº 5138897-28.2024.8.09.0139, Rel. Des. Sebastião José De Assis Neto, 3ª Câmara Cível, j. em 08.05.2025; TJGO, Apelação Cível 5326064-44.2023.8.09.0069, Rel. Des(a). Fernando Ribeiro Montefusco, 6ª Câmara Cível, j. em 15.07.2024; TJGO, Apelação Cível nº 5397493-36.2024.8.09.0134, Rel. Des. Pericles Di Montezuma Castro Moura, 9ª Câmara Cível, j. em 05/04/2025.
VOTO
Adoto relatório.
– Juízo de admissibilidade
Conheço do recurso pois ele atende aos pressupostos recursais extrínsecos (tempestividade, preparo e regularidade formal) e aos intrínsecos (cabimento, legitimidade, interesse recursal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo);
– Controvérsia recursal
Conforme relatado, trata-se de apelação cível interposta por MBM Previdência Complementar em face da sentença prolatada pela Juíza de Direito da 25ª Vara Cível de Goiânia, Drª Laura Ribeiro de Oliveira, nos autos da Ação de Inexigibilidade de Débito c/c Reparação por Danos Morais e Materiais proposta por Jovaneis Dias dos Santos em face da apelante.
Em breve retrospecto, tem-se que o requerente (apelado) busca nesta ação ser reparado dos danos materiais e morais que diz ter sofrido em razão de descontos não autorizados em sua conta bancária. Tais débitos, relativos a seguro, foram promovidos pela requerida entre junho/2022 e outubro/2023, no valor de R$ 79,90 ao mês, conforme tabela constante da inicial.
A sentença (mov. 36) julgou parcialmente os pedidos iniciais para declarar a inexistência de relação contratual entre as partes, bem assim para condenar a requerida (apelante) a restituir em dobro todos os valores descontados e a indenizar o requerente em R$ 7.000,00 (sete mil reais).
O juízo de 1º grau considerou que a requerida (apelante) não demonstrou a regularidade da contratação do seguro, limitando-se a juntar telas sistêmicas. Compreendeu que a ausência de engano justificável autoriza a devolução em dobro dos valores pagos indevidamente. Por fim, entendeu que os débitos atingiram verba de natureza alimentícia e indispensável à subsistência, em razão do que cabível a indenização por dano moral.
A Apelante pleiteia a reforma da sentença para julgamento improcedente dos pedidos iniciais ou, ao menos, que seja afastada a repetição do indébito em dobro e que o valor da indenização por dano moral seja reduzido.
Para melhor compreensão, o recurso será analisado em tópicos.
I. Da inexistência da dívida: ausência de prova da contratação
A relação jurídica firmada entre as partes é indubitavelmente de consumo, pois discute-se serviço de natureza securitária oferecido ao Apelado como destinatário final (art. 2º, caput c/c 3º, § 2º, CDC).
Nesse contexto, competia ao Apelado (consumidor), que nega a contratação e afirma ter sofrido danos em razão dela, demonstrar a ocorrência das cobranças que entendeu indevidas, fato constitutivo de seu direito (art. 373, I, CPC).
Quanto à Apelante, entidade de previdência complementar, cabia-lhe provar que houve a efetiva contratação do serviço que deu origem aos débitos na conta bancária do Apelado, porquanto é seu o ônus de demonstrar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito autoral (art. 372, II, CPC).
Sem maiores digressões, vê-se que o Apelado satisfez o ônus que lhe competia, pois trouxe aos autos os extratos bancários que apontam a realização dos descontos impugnados, no valor mensal de R$ 79,90 e durante o período indicado (mov. 1, arq. 8).
Por sua vez, a Apelante não teve êxito em provar que o Apelado tinha efetivo conhecimento do serviço que lhe fora ofertado, tampouco que externou concordância clara e inequívoca à sua contratação.
Embora não se olvide que seja possível firmar contratos e solicitar serviços por meios eletrônicos, a exemplo de canais telefônicos de atendimento, é indispensável que o consumidor receba informações claras sobre a oferta, propiciando-lhe decidir seguramente entre contratar ou não (artigos 6º, incisos II e III, e 31 do CDC).
No caso dos autos, observa-se que a Apelante, para além das telas sistêmicas referidas na sentença, juntou no corpo da contestação (mov. 26) link (endereço eletrônico) que dá acesso a uma gravação telefônica, em tese, a ligação em que foi ofertado o seguro ao Apelado.
No entanto, apesar da juntada desse registro telefônico, ainda assim permanece a compreensão de que não houve contratação regular e válida do serviço por parte do Apelado.
A gravação em questão é bastante curta (2:03) e não foi realizada por iniciativa do consumidor, mas por empresa que se apresenta como parceira de “MBM Seguradora”, sem a devida explicação, ao longo da ligação, de que o serviço implicaria contratação e manutenção de vínculo jurídico com a MBM Previdência Complementar, ora Apelante.
Chama a atenção ainda que, na continuidade da ligação, a atendente não explica ao Apelado que a ligação objetivava perguntá-lo se ele desejava ou não contratar.
A interlocutora inicia a abordagem dizendo que “foi disponibilizada a contratação dos benefícios da MBM, tá?” (sic), porém, em seguida, relata “eu vou passar os benefícios que o Sr.vai estar pondendo utilizar e eu vou estar confirmando que eu falei com o Sr. mesmo” (sic).
A exposição das coberturas do seguro é rápida e incompreensível, sem possibilitar ao Apelado ter efetiva percepção de qual a extensão das vantagens ao contratar, tampouco de levá-lo à ponderação do custo/benefício, pois, abruptamente, seguiu-se pergunta sobre ter ele já desempenhado mandato político.
Não obstante a atendente utilize a frase “Ah, perfeito (…) para a confirmação do Sr.”, a afirmação é feita no contexto de confirmação de dados pessoais, como os três primeiros dígitos de CPF, data de nascimento e nome completo. Ou seja, não há interpelação direta sobre haver, ou não, vontade do Apelado de contratar seguro.
Por fim, antes de se reportar ao débito de R$ 79,90 em conta bancária, vê-se que a frase da atendente é de difícil compreensão.
Embora tenha-se a vaga impressão de que ela diz “ah, certinho, então o Sr. adere aos benefícios da seguradora”, a audibilidade do verbo utilizado é bastante prejudicada e, o mais importante, não há resposta afirmativa do Apelado de que deseja contratar pelo custo informado.
Percebe-se, assim, que houve a quebra do dever de informação correta e ostensiva ao consumidor previsto no art. 6º, III do CDC.
Desse modo, realizada publicidade dúbia e apta a levar o Apelado a erro (art. 37, § 1º, CPC) – tanto que nega veementemente a intenção de suportar os débitos securitários – conclui-se ter havido a oferta e a execução de serviços sem assentimento expresso, práticas abusivas repelidas pela norma consumerista (art. 39, III e VI, CDC).
A sentença, então, está correta ao proclamar a inexistência de relação contratual entre as partes, com as consequências jurídicas daí advindas, a exemplo da repetição do indébito.
A jurisprudência deste Tribunal de Justiça confirma essa compreensão:
“3.1. A contratação de seguro via telefone, realizada com a consumidora idosa, não observou o dever de informação adequada e clara, elemento essencial para a validade do consentimento, conforme preconiza o art. 6º, III, do CDC. A gravação telefônica evidencia uma abordagem rápida e pouco esclarecedora, não proporcionando a compreensão necessária à consumidora. 3.2. Considerando a condição hipervulnerável da apelante, é imperativa a proteção em casos de contratação sem a observância dos direitos básicos do consumidor, resultando na declaração de nulidade da relação jurídica. (…) (TJGO, Apelação Cível nº 5773868-96.2024.8.09.0136, Rel. Des. Élcio Vicente Da Silva, 2ª Câmara Cível, julgado em 16/05/2025).”
“I. Aos contratos de seguro aplicam-se as disposições do Código de Defesa do Consumidor. II. Não comprovada a contratação válida da apólice de seguro em grupo pelo estipulante, via ‘call center’/telemarketing, não demonstrado que o consumidor tenha anuído com o produto ofertado, nem que tenha autorizado o estipulante a realizar os descontos mensais relativos aos prêmios debitados em seu benefício previdenciário, é devida a restituição desses descontos mensais. (…) (TJGO, Apelação Cível 5326064-44.2023.8.09.0069, Rel. Des(a). Fernando Ribeiro Montefusco, 6ª Câmara Cível, julgado em 15/07/2024, DJe de 15/07/2024).”
II. Da repetição do indébito
A cobrança de valores de maneira indevida enseja a respetiva restituição ao consumidor. Porém, a controvérsia colocada é se a repetição do indébito deve se dar de maneira simples ou, ao revés, na forma dobrada consoante à previsão do art. 42, parágrafo único, CDC:
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. (g.)
Sobre o tema, necessário recordar que a Corte Especial do STJ julgou os recursos EREsp 1.413.542/RS e EAREsps 664.888/RS, 600.663/RS, 622.897/RS e 676.608/RS, quando tratou da interpretação a ser dada à norma inserta no parágrafo único do art. 42 do CDC, que prevê a referida sanção civil ao fornecedor (restituição em dobro), salvo quando houver engano justificável.
A partir de então, firmou o STJ a seguinte tese:
“a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo” (STJ, Corte Especial, Relator para os acórdãos Ministro Herman Benjamin, julgados em 21/10/2020 e publicados em DJe de 30/3/2021).
Na ocasião, o STJ realizou a modulação temporal dos efeitos do julgamento. Estabeleceu que, em relação aos indébitos ligados ao consumidor, de natureza contratual e não-pública – não decorrente de prestação de serviço público –, a nova orientação jurisprudencial deve ser aplicada apenas às cobranças realizadas após a data da publicação dos referidos acórdãos (DJe de 30.03.2021).
Não há dúvidas de que a implementação de cobranças indevidas pela Apelante, sem a anuência expressa do Apelado à contratação, representa conduta contrária à boa-fé objetiva.
Dessa maneira, como os descontos ocorreram a partir de junho/2022, quando já vigente o entendimento jurisprudencial acima, tem-se que a sentença decidiu de maneira correta ao estabelecer a repetição do indébito na forma dobrada.
III. Da indenização por danos morais
A irresignação da Apelante à condenação ao pagamento de danos morais também não prospera.
O reconhecimento da ocorrência de danos extrapatrimoniais é possível quando, demonstrada a conduta ilícita do agente, esta se mostrar suficientemente lesiva para infligir abalos a elementos da personalidade da vítima, a exemplo de angústia pela privação do sustento.
No caso em análise, a realização de sucessivos descontos indevidos na conta bancária do Apelado foi demonstrada pelos extratos bancários trazidos na inicial, o que delineia a ilicitude de conduta da Apelante e possibilita sua responsabilização civil.
Quanto à caracterização dos danos morais, as circunstâncias do caso concreto sinalizam sua ocorrência, uma vez que o Apelado recebe aposentadoria por incapacidade permanente singela, no valor líquido atual de R$ 753,94.
Apenas a título ilustrativo, no mês de julho/2022, quando os descontos eram recém-iniciados, a aposentadoria paga foi de R$ 827,19, de maneira que o desconto dos R$ 79,90 privou-lhe de quase 10% (dez por cento) de sua renda líquida.
Nesse panorama, é certo que a implementação desses débitos não autorizados em conta bancária, por dezessete meses consecutivos (segundo planilha trazida na inicial), impactaram significativamente aquele que sobrevive com rendimentos modestos, na medida em que lhe privaram do necessário à subsistência e causaram perturbações à personalidade.
A jurisprudência desta Corte de Justiça é firme a esse respeito:
“II – Os descontos indevidos de serviços não contratados na conta do consumidor extrapolam a esfera do mero aborrecimento e caracterizam o dano moral, notadamente por incidirem em benefício previdenciário, de natureza alimentar. […] (TJGO, Apelação Cível 5109906-71.2023.8.09.0076, Rel. Des(a). Ronnie Paes Sandre, 8ª Câmara Cível, julgado em 22/04/2024, DJe de 22/04/2024).
Irretocável, pois, a conclusão do juízo de 1º grau sobre serem devidos os danos morais.
IV. Da quantificação do dano extrapatrimonial
Muito embora seja inequívoco o dever de indenizar, compreende-se que o valor estabelecido na sentença (R$ 7.000,00) enseja redução.
Sabe-se que o quantum indenizatório deve ser suficiente para, um só tempo, atender a finalidade reparatória, proporcional à gravidade da lesão sofrida, bem assim o caráter pedagógico, servível a inibir a reiteração de condutas nocivas.
De outra ponta, a indenização deve ser razoável, levando-se em conta as condições econômicas das partes, a fim de que não seja infligida obrigação excessivamente onerosa ao causador do dano, tampouco permitido enriquecimento injustificado da vítima.
Quando inobservadas essas balizas, admite-se a revisão do valor da indenização, compreensão ratificada pela Súmula nº 32, deste Tribunal de Justiça:
Súmula 32/TJGO – A verba indenizatória do dano moral somente será modificada se não atendidos pela sentença os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na fixação do valor da condenação.
A jurisprudência desta Corte Estadual tem reiteradamente estabelecido o patamar de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) como razoável e adequado para a indenização ao consumidor em casos congêneres, ou seja, quando há descontos por serviço não autorizado que comprometem a renda do consumidor.
Nessa linha de ideias, confiram-se os seguintes precedentes:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E RESTITUIÇÃO DE VALORES DESCONTADOS, COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA. RELAÇÃO JURÍDICA NÃO COMPROVADA. DESCONTOS INDEVIDOS. SERVIÇO NÃO CONTRATADO. PROVENTOS DE APOSENTADORIA. ILÍCITO CONFIGURADO. MAJORAÇÃO DA VERBA INDENIZATÓRIA MORAL. TERMO DE INCIDÊNCIA DOS JUROS DE MORA. VERBA HONORÁRIA SUCUMBENCIAL. MAJORAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. (…) 3. Inexistente o consentimento e contratação, pela autora, dos serviços que impulsionaram os descontos indevidos, pelas empresas rés, em sua conta bancária, impõe-se a majoração do montante indenizatório moral para R$5.000,00 (cinco mil reais), acrescido de juros de mora, desde cada desembolso (súmula 54 do STJ), além do percentual da verba honorária de sucumbência. (…) (TJGO, Apelação Cível nº 5138897-28.2024.8.09.0139, Rel. Des. Sebastião José De Assis Neto, 3ª Câmara Cível, julgado em 08/05/2025).” (g.)
“Direito civil. Apelação cível. Ação de indenização por danos morais. Contrato bancário. Descontos indevidos em benefício previdenciário. Ausência de prova da contratação. Dano moral presumido. Recurso desprovido. (…) 4. O dano moral decorrente de descontos indevidos em benefício previdenciário é presumido, dispensando prova específica do abalo moral. O valor da indenização arbitrada em R$ 5.000,00 é razoável e proporcional ao dano sofrido, observando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Precedentes persuasivos deste Tribunal de Justiça de Goiás em casos similares corroboram com essa conclusão (…) (TJGO, Apelação Cível nº 5397493-36.2024.8.09.0134, Rel. Des. Pericles Di Montezuma Castro Moura, 9ª Câmara Cível, julgado em 05/04/2025).
Em específico a este Órgão Colegiado (10ª Câmara Cível), citem-se ainda os seguintes julgados em que mantido o patamar indenizatório de R$ 5.000,00 (cinco mil reais):
Apelação Cível nº 5281276-86.2024.8.09.0140, Rel. Des. Sandra Regina Teixeira Campos, 10ª Câmara Cível, julgado em 07/05/2025;
Apelação Cível 5873122-40.2023.8.09.0051, Rel. Des. Silvânio Divino De Alvarenga, 10ª Câmara Cível, julgado em 06/11/2024;
Apelação Cível nº 5346978-86.2023.8.09.0051, Rel. Des. Wilson Safatle Faiad,10ª Câmara Cível, julgado em 07/03/2024.
Importa ressaltar ainda que é dever dos Tribunais manterem sua jurisprudência estável, íntegra e coerente (art. 926, CPC), o que recomenda maior cautela ao se decidir casos semelhantes, a fim de se evitar distorções e injustiças.
Nesse panorama, o estabelecimento da verba indenizatória em valor superior ao patamar aplicado em jurisprudência (R$ 5.000,00) exigiria a demonstração de circunstâncias extraordinárias e mais gravosas, que justificassem a quantificação em faixa superior.
Ocorre que, no caso em apreço, não se verificam nuances atípicas que pudessem indicar maior lesividade da situação vivenciada pelo Apelado e excepcionar a indenização a ele devida dos parâmetros habitualmente aplicados por esta Corte de Justiça.
Além disso, nota-se que, ao tempo de ajuizamento da ação (outubro/2024), os descontos aparentemente já haviam cessado ao menos um ano, porquanto a tabela trazida na inicial limita o período dos indébitos entre junho/2022 e outubro/2023.
Portanto, afigura-se desarrazoado e desproporcional o estabelecimento da verba indenizatória em R$ 7.000,00 (sete mil reais), impondo-se sua redução para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), valor mais adequado às balizas da jurisprudência.
– Dispositivo
Pelas razões expostas, CONHEÇO da apelação cível e, no mérito, DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO tão somente para reduzir a R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a indenização por dano moral devida pela Apelante ao Apelado, mantidos os consectários legais definidos na sentença.
Ante o desfecho do julgamento, descabida a majoração de honorários em grau recursal (STJ, Tema nº 1.059).
Adverte-se desde logo que a oposição de embargos de declaração a pretexto de reexaminar o que fora decidido será considerada protelatória, passível de ser sancionada com multa nos termos do art. 1.026, § 2º, CPC.
É como voto.
Sandra Regina Teixeira Campos
Juíza Substituta em Segundo Grau
AGF8
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.
Acorda o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, pela Quarta Turma Julgadora de sua Décima Câmara Cível, à unanimidade de votos, em CONHECER da apelação e DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO, tudo nos termos do voto do (a) Relator (a).
Presidente da sessão, relator (a) e votantes nominados no extrato de ata de julgamento.
A Procuradoria-Geral de Justiça esteve representada pelo membro também indicado no extrato da ata.
Goiânia, data da assinatura eletrônica.
Sandra Regina Teixeira Campos
Juíza Substituta em Segundo Grau
AGF8
Ementa: DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO C/C REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. CONTRATAÇÃO NÃO DEMONSTRADA. COBRANÇA INDEVIDA. CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. REDUÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação cível interposta por entidade de previdência complementar contra sentença que declarou a inexistência de relação contratual com o autor, condenando-a à devolução em dobro dos valores descontados da conta bancária do requerente a título de seguro, bem como ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 7.000,00.
2. A apelante pede a reforma da sentença para julgamento improcedente dos pedidos iniciais ao argumento de que houve contratação válida e voluntária, o que estaria demonstrado pela gravação juntada aos autos. Diz que não pode ser condenada ao pagamento de indenização por dano moral, nem à repetição do indébito em dobro porque inexistiu conduta de má-fé de sua parte ou abalo a elementos da personalidade do apelado. Em caráter subsidiário, requer o afastamento de devolução em dobro e a redução da indenização por dano moral.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
3. As questões em discussão consistem em saber:
(i) se a contratação do seguro foi devidamente demonstrada;
(ii) se a repetição do indébito deve ocorrer de forma simples ou em dobro;
(iii) se foram configurados os danos morais e se, em caso positivo, o valor da indenização é adequado.
III. RAZÕES DE DECIDIR
4. O oferecimento de seguro de vida coletivo mediante ligação telefônica (“call center”) sem a exposição clara e inteligível das informações devidas ao consumidor, em especial de que os benefícios anunciados implicavam contratação onerosa com a entidade de previdência complementar, caracteriza conduta abusiva repelida pelo CDC.
5. Ausente a aceitação inequívoca do consumidor à contratação e aos descontos mensais realizados em sua conta bancária a esse título, impõe-se declarar inexistente a relação contratual e indevidos os débitos cobrados.
5. A cobrança ilícita pela prestadora do serviço sem a demonstração de engano justificável caracteriza conduta contrária à boa-fé objetiva, a reclamar a devolução em dobro dos valores pagos diante da data de início dos descontos, posterior ao marco temporal fixado pelo STJ no EAREsp nº 676.608/RS (31.03.2021).
6. A realização de sucessivos débitos indevidos na conta bancária de pessoa que recebe benefício previdenciário singelo, de valor líquido inferior a um salário mínimo, enseja o reconhecimento de danos morais pela violação ao mínimo existencial e pela angústia decorrente da privação de recursos.
7. Ausentes circunstâncias extraordinárias que possam distinguir o caso concreto de outros congêneres e indicar maior gravidade da situação vivenciada, impõe-se reduzir o valor da indenização por dano moral, de R$ 7.000,00 (sete mil) para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), montante mais adequado aos parâmetros jurisprudenciais.
IV. DISPOSITIVO
8. Recurso conhecido e parcialmente provido.
___________________________________________________-
Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 6º, III, 31, 37, § 1º, 39, III e VI, 42, p.u.; CPC, arts. 373, II, e 926.
Jurisprudência relevante citada: STJ, EREsp 1.413.542/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Corte Especial, j. 21.10.2020, DJe 30.03.2021; TJGO, Súmula nº 32; TJGO, Apelação Cível nº 5773868-96.2024.8.09.0136, Rel. Des. Élcio Vicente Da Silva, 2ª Câmara Cível, j. em 16.05.2025; TJGO, Apelação Cível nº 5109906-71.2023.8.09.0076, Rel. Des. Ronnie Paes Sandre, 8ª Câmara Cível, j. em 22.04.2024; TJGO, Apelação Cível nº 5138897-28.2024.8.09.0139, Rel. Des. Sebastião José De Assis Neto, 3ª Câmara Cível, j. em 08.05.2025; TJGO, Apelação Cível 5326064-44.2023.8.09.0069, Rel. Des(a). Fernando Ribeiro Montefusco, 6ª Câmara Cível, j. em 15.07.2024; TJGO, Apelação Cível nº 5397493-36.2024.8.09.0134, Rel. Des. Pericles Di Montezuma Castro Moura, 9ª Câmara Cível, j. em 05/04/2025.
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear