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Processo nº 1012389-96.2023.8.11.0006

ID: 258516548

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1012389-96.2023.8.11.0006

Data de Disponibilização: 21/04/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

BANCO BRADESCO S.A.

Acórdão

Advogados:

PAULO EDUARDO PRADO

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1012389-96.2023.8.11.0006 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1012389-96.2023.8.11.0006 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material, Bancários] Relator: Des(a). SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [ROBERTO DA SILVA LEITE - CPF: 496.146.901-78 (APELANTE), JESUS VIEIRA DE OLIVEIRA - CPF: 924.435.911-15 (ADVOGADO), BANCO BRADESCO S.A. - CNPJ: 60.746.948/0001-12 (APELADO), PAULO EDUARDO PRADO - CPF: 130.886.688-70 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: RECURSO PROVIDO, UNÂNIME. E M E N T A DIREITO DO CONSUMIDOR E BANCÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. CONTA DESTINADA EXCLUSIVAMENTE AO RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. COBRANÇA INDEVIDA DE TARIFA BANCÁRIA. AUSÊNCIA DE CIÊNCIA CONTRATAÇÃO. ÔNUS DA PROVA DO FORNECEDOR. REPETIÇÃO SIMPLES DO INDÉBITO. DANO MORAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO FIXADA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta por aposentado contra sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados em ação de repetição de indébito cumulada com indenização por danos morais, ajuizada em face de instituição financeira. O autor alegou que abriu conta bancária exclusivamente para o recebimento de benefício previdenciário e que foram realizados descontos indevidos referentes a serviços bancários não contratados. Requereu a declaração de inexistência de relação jurídica, a nulidade dos descontos, a restituição dos valores pagos e a condenação da instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais. O juízo de primeiro grau entendeu pela validade da cobrança e julgou improcedentes os pedidos, condenando o autor ao pagamento das custas e honorários advocatícios, cuja exigibilidade foi suspensa em razão da justiça gratuita concedida. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) definir se os descontos realizados pelo banco a título de tarifa bancária foram devidamente contratados pelo autor; (ii) estabelecer se há direito à restituição dos valores cobrados indevidamente e em qual modalidade; (iii) determinar se os descontos indevidos ensejam indenização por danos morais. III. RAZÕES DE DECIDIR O ônus da prova sobre a existência e validade da contratação da tarifa bancária recai sobre a instituição financeira, nos termos do artigo 373, II, do CPC e do artigo 6º, VIII, do CDC. A ausência de prova inequívoca compromete a validade do negócio jurídico. A responsabilidade da instituição financeira é objetiva, nos termos do artigo 14 do CDC, aplicável aos contratos bancários, conforme as Súmulas 297 e 479 do STJ. A cobrança indevida de tarifa bancária em conta destinada exclusivamente ao recebimento de benefício previdenciário é irregular, nos termos do artigo 2º da Resolução nº 3.402/2006 do Banco Central. A repetição do indébito deve ocorrer de forma simples, pois não há prova de má-fé da instituição financeira na realização dos descontos. O desconto indevido de valores diretamente sobre benefício previdenciário, verba de caráter alimentar, configura violação aos direitos da personalidade, sendo o dano moral in re ipsa, nos termos da jurisprudência consolidada do STJ. O valor da indenização por danos morais deve atender aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, cumprindo função punitiva, pedagógica e compensatória. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso provido. Tese de julgamento: A cobrança de tarifa bancária em conta destinada exclusivamente ao recebimento de benefício previdenciário, sem comprovação de contratação expressa pelo consumidor, configura prática abusiva e enseja a restituição dos valores pagos. A responsabilidade do banco é objetiva, nos termos do artigo 14 do CDC, sendo sua incumbência demonstrar a regularidade da contratação dos serviços. A retenção indevida de valores de benefício previdenciário caracteriza dano moral in re ipsa, justificando a fixação de indenização compensatória. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CC, arts. 422 e 406; CPC, arts. 373, II, e 429, II; CDC, arts. 6º, III e VIII, e 14; Resolução nº 3.402/2006 do Banco Central, art. 2º. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmulas 297, 43, 54 e 479; TJ-MG, Apelação Cível nº 5001312-12.2023.8.13.0347, Rel. Des. Cláudia Maia, j. 25.04.2024; TJ-MT, Apelação Cível nº 0004488-08.2020.8.11.0004, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 09.08.2023. R E L A T Ó R I O Eminentes pares: Trata-se de recurso de apelação cível interposto por Roberto da Silva Leite, com o fito de reformar a sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Cáceres, que improcedentes os pedidos da ação de repetição de indébito c/c indenizatória por danos morais, ajuizada em face de Banco Bradesco S/A. Por conseguinte, condenou o requerente ao pagamento das custas ao pagamento das custas processuais, despesas e honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atualizado da causa, cuja exigibilidade declarou suspensa em razão da concessão dos benefícios da justiça gratuita, nos termos do art. 98, § 3º do CPC. Nas razões recursais, alega o apelante que comprovada sua condição de hipossuficiência econômica ao receber benefício previdenciário de baixo valor, pedindo a concessão da justiça gratuita. Diz que a contratação se deu de forma viciada. Para tanto, explica que é pessoa idosa, analfabeta funcional, de baixa instrução e apesar disso, não restou observada a necessidade de observância de maiores cautelas na contratação com pessoas vulneráveis. Pondera que a movimentação bancária evidencia que sua intenção era contratar conta-salário, todavia, o apelado se valeu de sua vulnerabilidade para impor contratação de serviços não desejados, com intenção de locupletar-se ilicitamente. Diante disso, defende que viciada a manifestação de vontade. Sustenta assim que não há que se falar em existência válida de relação jurídica contratual, de modo que os descontos se mostraram indevidos, havendo direito à restituição em dobro. Ao final, aduz que configurado o dano moral sofrido, que no caso diz ser "in re ipsa", nos termos da jurisprudência consolidada sobre o tema, sendo devida a reparação por danos extrapatrimoniais. Contrarrazões pelo desprovimento, id 263055773. É o relatório. V O T O R E L A T O R Eminentes pares: Trata-se de recurso de apelação, interposto pelo autor, contra a sentença (id 263055766) proferida na "Ação Cível de Repetição de Indébito c/c Indenizatória de Danos Morais", que julgou improcedentes os pedidos autorais. Na origem, o requerente ajuizou a ação, alegando que, ao procurar a instituição financeira com a intenção de abrir conta salário para recebimento de benefício previdenciário, no entanto, teve realizados descontos indevidos em sua conta referentes ao serviço bancário "Cesta Bradesco Expresso", o qual afirma não ter contratado. Narrou que, mesmo após procurar o requerido para solucionar a questão, os descontos persistiram. Requereu, assim, a declaração de inexistência de relação jurídica, a nulidade e cancelamento dos descontos, a restituição em dobro dos valores indevidamente descontados, bem como indenização por danos morais. Citado o banco apresentou contestação. Pois bem. De início, cumpre examinar a questão relativa à gratuidade judiciária, questionada pelo apelante. E, no contexto, tem-se que a justiça gratuita restou concedida ao apelante (id 207854686). Nesse sentido, nota-se dos autos que além da justiça gratuita ter sido concedida pelo magistrado singular, a revogação da concessão dos benefícios da assistência judiciária exige a demonstração de prova em contrário, ou seja, a Instituição Financeira apelada deve comprovar que o apelante possui condições financeiras para arcar com o pagamento das custas processuais, o que, no caso, não restou comprovado. Desta forma, não tendo o impugnante trazido quaisquer elementos de prova sobre a capacidade financeira da parte autora, ora apelante, não há razão apta a ensejar a revogação do benefício anteriormente concedido. A propósito: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS – CANCELAMENTO DE VOO – 08 DIAS DE ATRASO ATÉ O EMBARQUE – DEMORA EXCESSIVA – FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO – SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA O MERO ABORRECIMENTO – INDENIZAÇÃO DEVIDA – IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA – INDEFERIMENTO – NÃO DEMONSTRAÇÃO DE ALTERAÇÃO FINANCEIRA – SENTENÇA DESCONSTITUÍDA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. O cancelamento de voo configura falha na prestação do serviço (artigo 14, caput e §3°, do CDC), e a companhia aérea responde objetivamente pelos danos morais causados. A indenização tem de ser arbitrada em valor que cumpra a função pedagógica, punitiva e compensatória. (N.U 1006280-97.2022.8.11.0007, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/08/2023, Publicado no DJE 31/08/2023) g. n. Razão pela qual, segue mantida a gratuidade concedida. O cerne da controvérsia é apurar se devida a reforma da sentença para reconhecimento da procedência da ação. Para tanto, necessário verificar acerca da validade e eficácia do contrato digital apresentado pelo banco, o qual o apelante impugna. Bem ainda, se deve ser declarada a nulidade das cobranças e, por isso, deve ser restituído o autor e indenizado por danos morais. Na exordial, afirma o autor que o banco vinha descontando indevidamente tarifas com a descrição “cesta b. expresso” com valores diferenciados todos os meses, que, no entanto, nunca foram contratados. Nesse sentido, defende que a conta é exclusivamente para receber seu benefício, de maneira que enfatiza que jamais contrataria tal pacote pois não teria nenhuma serventia ao apelante, e aproveitando-se da sua condição de idoso. Na contestação o apelado apresenta suposto contrato com a pactuação de cobrança de tarifas (id 263055756). Do contexto dos autos vê-se que o apelante é idoso (72 anos), trabalhador rural aposentado, de baixa instrução, com dificuldade de assinar o próprio nome (id 204516799), o que se confirma do próprio documento apresentado pelo banco na tentativa de legitimar as cobranças de tarifa de pacote de serviços de sua conta (id 263055756). Nos termos do artigo 422 do Código Civil, a boa-fé objetiva deve nortear as relações contratuais, impondo às partes o dever de transparência e lealdade. Ademais, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, inciso III, estabelece que é direito básico do consumidor a informação clara e precisa acerca dos serviços contratados. A ausência desses requisitos compromete a validade do negócio jurídico. No caso em tela, verifica-se a ausência de provas contundentes que confirmem o perfeito entendimento do apelante acerca da contratação dos serviços. A jurisprudência pátria tem sido firme ao estabelecer que, em situações de impugnação da validade de um contrato, especialmente em casos envolvendo consumidores, o ônus da prova recai sobre o fornecedor, conforme o disposto no artigo 373, inciso II, do Código de Processo Civil, e no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Diante, disso, verifica-se que a questão deve ser dirimida à luz das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor, de sorte que o requerente, na qualidade de consumidor, tem em seu favor os direitos da inversão do ônus probatório e da plenitude da reparação dos danos (artigo 6º), a par da responsabilidade civil objetiva da instituição financeira (artigo 14 – teoria do risco do negócio). O verbete das súmulas 297 e 479 emitidas pelo Superior Tribunal de Justiça confirma a incidência do CDC aos contratos bancários. No contexto, enfatiza-se que a responsabilidade do fornecedor de serviços independe de demonstração de culpa (art. 14 do CDC). O art.373,II, doCPC, estabelece que “o ônus da prova incumbe ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”. Considerando as circunstâncias e peculiaridades do caso, apreende-se que verídica a afirmativa do apelante de que a abertura da conta se deu para único e exclusivo recebimento da aposentadoria. Ressalta-se que não se trata de inversão do ônus probatório do art. 6º, inc. VIII, do Código de Defesa do Consumidor, mas sim a aplicação da regra expressa do art. 429, inc. II, do CPC, que impõe à parte que produziu o documento suportar o ônus de demonstrar a veracidade da assinatura constante no contrato e oportunamente impugnada pelo mutuário, o que abrange a produção da perícia, prova não postulada pelo banco. Diante do exposto, não pode ser reconhecida devidamente comprovada a legitimidade da contratação da cobrança de tarifa de pacote de serviços. Tem-se que, no caso concreto, a instituição financeira não se desincumbiu do seu ônus de comprovar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, nos termos do art. 373, II, do CPC. Não bastasse, conforme se verifica dos extratos bancários acostados aos autos (id 204520652), as movimentações bancárias realizadas pelo apelante se limitam ao recebimento do benefício previdenciário e saque dos proventos, fato que vai ao encontro à tese ventilada na inicial. A regra do art. 373 do CPC, que distribui o ônus da prova entre o autor e o réu, funda-se na lógica de que o autor deve provar os fatos que constituem o direito por ele afirmado, mas não a não existência daqueles que impedem a sua constituição, determinam a sua modificação ou a sua extinção. Diante da não apresentação de documento irrefutável capaz de provar a informação, esclarecimento, ciência de autorização prévia e expressa para o débito automático dos referidos produtos, impõe-se reconhecer a irregularidade, bem como o nexo causal entre a conduta comissiva do requerido ao realizar o desconto e os danos experimentados, estando configuradas a falha na prestação do serviço e a responsabilidade da instituição financeira. Considerando as características da responsabilidade civil de natureza objetiva, que, como dito, dispensa a análise do elemento volitivo, deve o banco responder independentemente de culpa pelos danos causados pelo serviço defeituoso, conforme artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Forçoso reconhecer a nulidade dos descontos, com a devolução do valor debitado pela instituição financeira. Nos termos do artigo 2º da Resolução 3.402/2006 do Banco Central, no que se refere às contas salário, "é vedado à instituição financeira contratada cobrar dos beneficiários, a qualquer título, tarifas destinadas ao ressarcimento pela realização de serviços (...)". Ocorre que tal vedação somente se aplica, por força da referência explicitamente veiculada no caput do mencionado artigo, à prestação de serviços realizada nos termos do artigo 1º da Resolução aludida, que assim dispõe: Art. 1º. A partir de 2 de abril de 2007, as instituições financeiras, na prestação de serviços de pagamento de salários, proventos, soldos, vencimentos, aposentadorias, pensões e similares, ficam obrigadas a proceder aos respectivos créditos em nome dos beneficiários mediante utilização de contas não movimentáveis por cheques destinadas ao registro e controle do fluxo de recursos (...) No que concerne à repetição do indébito, é decorrência lógica da ilegalidade dos descontos efetuados indevidamente, não se afigurando possível o banimento dessa providência, sob pena de inarredável enriquecimento sem causa por parte da instituição financeira. Todavia, deve ser feita de forma simples, uma vez que não comprovada a má-fé do banco, que, aliás, não se presume. Por versar, a hipótese, responsabilidade contratual, os juros de mora de 1% (um por cento) ao mês (art. 406/CC) devem incidir a partir da citação e a correção monetária deve ser calculada com base no INPC, a contar da data de cada desconto. Nesse sentido, o entendimento dos tribunais pátrios: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES E PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - TARIFA DE SERVIÇOS BANCÁRIOS - CONTA DESTINADA EXCLUSIVAMENTE PARA RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - DESCONTO INDEVIDO - DANO MORAL CONFIGURADO. - Restando comprovado que a parte utiliza a conta bancária apenas para o recebimento do benefício previdenciário, isto é, com a finalidade de conta-salário, mostra-se indevido os descontos das prestações referentes à "Tarifa Bancária Cesta B. Expresso I" - O desconto indevido de valores junto a proventos de caráter alimentar do qual a parte faz jus configura ato ilícito causador de dano moral. (TJ-MG - Apelação Cível: 5001312-12.2023.8.13.0347 1.0000.24.159884-6/001, Relator: Des.(a) Cláudia Maia, Data de Julgamento: 25/04/2024, 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 26/04/2024) Quanto ao pleito de indenização por danos morais, verifica-se que o Superior Tribunal de Justiça tem reiterado que a retenção indevida de valores diretamente de benefício previdenciário, especialmente em razão de cobranças não contratadas, configura violação aos direitos da personalidade, ensejando o dever de indenizar. O benefício previdenciário, por sua natureza, destina-se à subsistência do consumidor, e a sua indevida diminuição por cobranças não autorizadas, de forma reiterada e sem amparo contratual, afeta diretamente a dignidade e o bem-estar do consumidor. No caso, restaram satisfatoriamente demonstrados os requisitos da reparação civil, decorrente da obrigação de indenizar, uma vez que a conta questionada era exclusiva para recebimento do benefício previdenciário do INSS. Neste diapasão, feitas tais considerações, é perfeitamente possível identificar a configuração de danos morais em face dos transtornos sofridos pelo autor, ao ter valores descontados indevidamente em sua conta bancária, destinada exclusivamente para receber seu benefício previdenciário, verba esta de caráter eminentemente alimentar, ultrapassando, por certo, o mero aborrecimento e causando danos aos seus atributos personalíssimos. Constatada a existência de danos morais na hipótese, deve o banco ser condenado a indenizar o autor/apelante pelos danos morais sofridos, que no caso encontram-se inquestionavelmente comprovados, uma vez que os descontos violaram indevidamente o benefício previdenciário do autor, sua aposentadoria, de 01 (um) salário-mínimo, única fonte de renda que possui. Nesse contexto, sabe-se que no arbitramento do valor dos danos morais, levam-se em conta as circunstâncias do caso concreto, as condições das partes, o grau de culpa e, principalmente, a finalidade da reparação do dano moral, que é a de compensar o ocorrido, bem como inibir a conduta abusiva. A indenização deve ser suficiente para atender ao caráter punitivo, pedagógico e compensatório, de forma que o valor fixado pelo Juízo Singular se encontra a menor do que têm aplicado o Tribunal em situações análogas, uma vez que desproporcional ao dano sofrido, não devendo ser irrisório, a ponto de afastar o caráter pedagógico que é inerente à medida. Sobre o tema, o doutrinador Flávio Tartuce assim assevera: Na linha dos julgados, se, por um lado, deve-se entender que a indenização tem função pedagógica ou educativa para futuras condutas, por outro, não pode o valor pecuniário gerar o enriquecimento sem causa ou ruína do ofensor, devendo ser aplicado o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade na fixação do quantum indenizatório. 1 Deve-se atentar, ainda, para que o “quantum” não seja meramente simbólico, passível de esvaziar o caráter compensatório da sanção, mas que não seja, também, extremamente gravoso ao ofensor. Nesse interim, ao sopesar os fatores, considerando o grau de culpa do ofensor, a gravidade, repercussão da ofensa e a situação econômica das partes (AgRg no Ag 657289/BA), bem como respeitando os critérios de proporcionalidade e razoabilidade, tem-se que adequado ao caso, o valor da condenação a título de danos morais na quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Ademais, o valor fixado se encontra em conformidade com o que têm aplicado, esta Câmara, em situações análogas, uma vez que não é exorbitante nem desproporcional ao dano sofrido. A propósito: “APELAÇÃO – AÇÃO INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – FRAUDE CARTÃO DE CRÉDITO – FALHA DO BANCO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – SÚMULA N. 479 DO STJ - DEVER DE DEVOLUÇÃO DO MONTANTE E DE REPARAÇÃO – LEGITIMIDADE PASSIVA DA OPERADORA DO CARTÃO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. É assente a jurisprudência do STJ reconhecendo a responsabilidade solidária entre a instituição financeira e a empresa detentora da bandeira/marca do cartão de crédito pelos danos advindos da cadeia de serviços prestados (REsp n. 1.679.126). Configurada a falha na prestação do serviço pelo réu, que não cuidou para que a fraude no cartão de crédito do autor acontecesse, é devido o ressarcimento do que foi gasto, bem como indenização por danos morais. O valor da reparação por danos morais deve ser arbitrado de forma compatível com as especificidades do caso concreto as exigências do artigo 944 do CC, além de atender ao caráter sancionatório e compensatório, aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e estar em conformidade com a jurisprudência”. (N.U 0004488-08.2020.8.11.0004, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 09/08/2023, Publicado no DJE 14/08/2023). Por fim, considerando que se trata de responsabilidade extracontratual, deve incidir sobre o valor da indenização correção monetária a contar do efetivo prejuízo (Súmula 43/STJ) e a data do evento danoso se constitui em marco temporal para o início da contagem dos juros legais (Súmula 54/STJ). Pelo exposto, dou provimento ao recurso para reformar a sentença, no sentido de declarar a inexistência de débito em relação às tarifas cobradas; determinar a restituição simples dos valores pagos indevidamente pelo apelante, bem como, condenar o banco ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 ((dez mil reais), juros de mora a partir do evento danoso (Súmula 54 do STJ), ou seja, desde o primeiro desconto devido, a correção monetária deve ser feita pelo IPCA-IBGE até o dia 28/08/2024, com incidência a partir do evento danoso, ou seja, desde o primeiro desconto indevido (Súmula 43 do STJ) e a partir do dia 28/08/2024 (início da vigência da Lei n° 14.905/24), aplica-se apenas a Taxa Selic, que abrange ambos os consectários e admitir, caso possível, a compensação. Por conseguinte, inverto o ônus sucumbencial e condeno o banco ao pagamento das custas e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do proveito econômico obtido. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 16/04/2025

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Processo nº 1010653-21.2024.8.11.0002

ID: 318357258

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1010653-21.2024.8.11.0002

Data de Disponibilização: 07/07/2025

Polo Ativo:

ADRIANO DA CONCEICAO SILVA

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

CANDIDO NISVALDO FRANCA COELHO JUNIOR

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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1010653-21.2024.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1010653-21.2024.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material] Relator: Des(a). SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [ADRIANO DA CONCEICAO SILVA - CPF: 048.250.101-48 (APELANTE), CANDIDO NISVALDO FRANCA COELHO JUNIOR - CPF: 018.643.181-39 (ADVOGADO), MULTIMARCAS ADMINISTRADORA DE CONSORCIOS LTDA - CNPJ: 04.124.922/0001-61 (APELADO), WASHINGTON LUIZ DE MIRANDA DOMINGUES TRANM - CPF: 015.405.476-39 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PRELIMINARES AFASTADAS. RECURSO NÃO PROVIDO, UNANIME E M E N T A DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE CONSÓRCIO. VIOLAÇÃO AO PRICÍPIO DA DIALETICIDADE. INOCORRÊNCIA. IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA. ALTERAÇÃO DA CONDIÇÃO FINANCEIRA INDEMONSTRADA. PRELIMINARES REJEITADAS. ALEGADA PUBLICIDADE ENGANOSA E VÍCIO DE CONSENTIMENTO. NÃO COMPROVADOS. PEDIDO DE ANULAÇÃO CONTRATUAL E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCABIMENTO. PRECEDENTES. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta contra sentença proferida na Ação de Obrigação de Fazer cumulada com Pedido de Reparação por Danos Materiais e Morais, que julgou improcedentes os pedidos iniciais, com condenação do autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor da causa, com suspensão da exigibilidade em razão da concessão da justiça gratuita. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) verificar se o recurso de apelação preenche o requisito da dialeticidade recursal; (ii) analisar a validade da concessão da justiça gratuita ao apelante; (iii) determinar se houve vício de consentimento decorrente de publicidade enganosa capaz de ensejar a anulação do contrato de consórcio e a responsabilização civil da apelada por danos materiais e morais. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O recurso de apelação atende ao princípio da dialeticidade, porquanto apresenta razões claras e pertinentes que demonstram o inconformismo do recorrente e dialogam com os fundamentos da sentença, conforme interpretação dos artigos 1.010, II e III, do CPC/2015 e precedentes do STJ. 4. A manutenção da justiça gratuita ao apelante é de rigor, pois, apesar da impugnação da apelada, esta não apresentou prova suficiente da capacidade financeira do autor, impondo-se a preservação da benesse, em conformidade com o ônus probatório previsto no art. 99, §2º, do CPC/2015. 5. Inexiste vício de consentimento apto a invalidar o contrato, uma vez que o apelante, ao aderir à proposta de participação em grupo de consórcio, teve ciência inequívoca de que se tratava de aquisição de cota não contemplada, com previsão expressa e destacada da inexistência de garantia de data para contemplação. 6. A alegação de publicidade enganosa não se sustenta, pois não restou demonstrada a veiculação de oferta falsa ou enganosa por parte da apelada, tampouco ficou comprovada a existência de promessa de contemplação imediata. As provas documentais e a gravação de atendimento pós-venda reforçam a clareza das informações prestadas ao consumidor. 7. A argumentação relativa ao pagamento inicial de R$ 3.830,00 como "entrada" não evidencia irregularidade, uma vez que o valor pode corresponder a lance ou antecipação de parcelas, prática comum e legítima nos contratos de consórcio. 8. O autor não apresentou prova mínima de que tenha sofrido prejuízo material ou moral em decorrência de conduta ilícita da administradora de consórcio, motivo pelo qual não há responsabilidade civil a ser reconhecida. 9. Em observância ao disposto no art. 373, I, do CPC/2015, a ausência de comprovação de dolo ou erro substancial impede o reconhecimento de vício de consentimento ou a imposição de responsabilidade civil à apelada. IV. DISPOSITIVO E TESE 10. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. O recurso de apelação atende ao princípio da dialeticidade quando expõe fundamentos minimamente relacionados aos termos da sentença recorrida. 2. A manutenção da justiça gratuita requer a demonstração inequívoca da capacidade financeira da parte beneficiária, ônus que recai sobre o impugnante. 3. Não configurado o vício de consentimento quando o contrato de consórcio contém cláusulas claras e destacadas acerca da ausência de garantia de contemplação imediata. 4. A ausência de prova de publicidade enganosa ou de qualquer ato ilícito praticado pela administradora de consórcio afasta a possibilidade de anulação contratual e de condenação por danos materiais ou morais. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CPC/2015, arts. 1.010, II e III; 99, §2º; 373, I; 85, §11; CDC, arts. 6º, VIII; 30; 35; 37; 53, §2º; Lei nº 11.795/2008, arts. 2º, 3º e 30. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1665741/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 03.12.2019, DJe 05.12.2019; STJ, AgInt no REsp 1823145/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª Turma, j. 07.10.2019, DJe 11.10.2019; STJ, REsp 1269632/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 18.10.2011, DJe 03.11.2011; TJMT, RAC 1000487-32.2022.8.11.0023, Rel. Des. Marcos Regenold Fernandes, 5ª Câmara Cível, j. 17.09.2024. R E L A T Ó R I O AP 1010653-21.2024.8.11.0002 ADRIANO DA CONCEIÇÃO SILVA X MULTIMARCAS ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIOS LTDA RELATÓRIO Eminentes pares: Trata-se de recurso de Apelação interposto por ADRIANO DA CONCEIÇÃO SILVA, contra a sentença que, na Ação de Obrigação de Fazer c/c Pedido de Reparação por Danos Materiais e Morais, de nº 1010653-21.2024, ajuizada em face de MULTIMARCAS ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIOS LTDA, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgou improcedentes os pedidos iniciais. Ainda, condenou o requerente ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o valor atualizado da causa, com a ressalva da suspensão da exigibilidade por se tratar de beneficiário da justiça gratuita. O apelante alega, em síntese: a) ocorrência de propaganda enganosa que caracterizou vício de consentimento; b) que foi induzido a erro pela empresa ao firmar contrato de consórcio, quando acreditava estar aderindo a um contrato de financiamento de veículo; c) que o pagamento do valor de R$ 3.830,00 confirma sua versão dos fatos, pois representa uma "entrada", figura inexistente em contratos regulares de consórcio; d) que a empresa apelada não negou expressamente a propaganda veiculada em rede social e o atendimento realizado pelos vendedores; e) que há julgados do próprio TJMT reconhecendo práticas semelhantes pela empresa apelada; f) que há notícia de denúncia criminal contra a empresa apelada por prática de golpe da "falsa carta contemplada". Posto isso, pugna pela reforma da sentença para que sejam julgados procedentes os pedidos iniciais de anulação do contrato com a devolução imediata do valor pago e condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais. Contrarrazões apresentadas ao id. de n. 2933699914, ocasião em que a apelada suscita preliminar de ausência de dialeticidade; fala em impugnação à justiça gratuita e, no mérito, pugna pelo desprovimento do recurso. É o relatório. V O T O R E L A T O R – PRELIMINAR DE INADMISSIBILIDADE DO RECURSO, POR AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE. Eminentes Pares: Como dito, a apelada suscita, em preliminar, a violação ao princípio da dialeticidade, ao argumento de que as razões recursais estariam dissociadas do fundamento da sentença, razão pela qual entende que o recurso não deve ser conhecido. Sem razão, contudo. O artigo 1.010, II e III, doCódigo de Processo Civil, consubstancia o princípio da dialeticidade recursal, exigindo expressamente que o recurso contenha as razões de fato e de direito, que amparam a irresignação à decisão impugnada. Na espécie, não se verifica o vício apontado, porquanto de uma simples leitura da irresignação recursal é possível extrair os motivos e fundamentos sobre os quais se assentam o pedido, sendo plenamente cognoscível e compreensível a irresignação manifestada e as razões do inconformismo do recorrente, que dialogam, perfeitamente, com a sentença impugnada. Nesse sentido: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. PRINCÍPIO DA DIALETITICIDADE. PRINCÍPIO DISPOSITIVO. INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. HARMONIZAÇÃO. ARTS. 1.010 E 1.013 DO CPC/15. REPRODUÇÃO DAS ALEGAÇÕES DA INICIAL NA FUNDAMENTAÇÃO DO APELO. CONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. CONDIÇÃO. EFETIVA DEMONSTRAÇÃO DA IRRESIGNAÇÃO E DO PROPÓSITO DE OBTER NOVO JULGAMENTO. HIPÓTESE CONCRETA. OCORRÊNCIA PARCIAL. 1. Ação declaratória de inexistência de débito cumulada com indenização de danos materiais e compensação de danos morais, por meio da qual se sustenta ter sido descumprido acordo verbal para a imediata imissão na posse de imóvel e estar sendo cobrada dívida condominial extraordinária não imputável ao promitente comprador. 2. Recurso especial interposto em: 09/12/2016; conclusos ao gabinete em: 25/04/2017; aplicação do CPC/15. 3. O propósito recursal é determinar se: a) a mera reprodução, na apelação, das alegações da inicial acarreta, necessariamente, violação ao princípio da dialeticidade e enseja, assim, o não conhecimento de referido recurso; b) na hipótese concreta, as razões da apelação apresentadas pelo recorrente infirmam todos os fundamentos da sentença recorrida. 4. O principal efeito dos recursos é o devolutivo, já que destinado a impedir o trânsito em julgado da sentença, permitindo o reexame, a nova apreciação, da matéria já decidida pelo Judiciário por outro órgão funcionalmente superior. 5. O efeito devolutivo é regido pelo princípio dispositivo e pelo tantum devolutum quantum appellatum, pois, por meio do recurso, somente se devolve ao órgão superior a matéria recorrida pela parte interessada. 6. A jurisprudência do STJ privilegia a instrumentalidade das formas, adotando a orientação de que a mera circunstância de terem sido reiteradas, na petição da apelação, as razões anteriormente apresentadas na inicial da ação ou na contestação, não é suficiente para o não conhecimento do recurso, eis que a repetição dos argumentos não implica, por si só, ofensa ao princípio da dialeticidade. 7. É essencial, todavia, que as razões recursais da apelação guardem alguma pertinência com a matéria decidida na sentença. 8. Na hipótese concreta, do cotejo entre as razões da apelação e a fundamentação da sentença, infere-se, no que diz respeito ao capítulo referente ao pedido de restituição dos valores pagos a título de despesas condominiais extraordinárias, que o recorrente logrou aduzir argumentos suficientes, ainda que em tese, para impugnar os correspondentes fundamentos da decisão judicial de mérito. 9. Quanto ao capítulo referente à imissão na posse, contudo, a apelação sequer minimamente indica a irresignação do apelante quando à fundamentação da sentença, tampouco seu propósito de obter novo julgamento a respeito da matéria. 10. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1665741/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/12/2019, DJe 05/12/2019) AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO APELO EXTREMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA REQUERENTE. 1. A reprodução da defesa deduzida em contestação em sede de apelação, quando, em tese, apta a infirmar a sentença, não constitui ofensa ao princípio da dialeticidade. Precedentes. 1.1. Razões do recurso de apelação que demonstram o interesse da parte na reforma da sentença. 2. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp 1823145/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 07/10/2019, DJe 11/10/2019) Logo, rejeito a preliminar. É como voto. - DA IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA. Eminentes pares: Ainda em preliminar, a apelada impugna os benefícios da assistência judiciária gratuita concedidos ao apelante, sob o argumento de que não restou comprovada a hipossuficiência para arcar com as custas processuais. Entretanto, seus argumentos não merecem prosperar. Primeiramente, quando se trata de impugnação à justiça gratuita, o ônus da prova compete ao impugnante. Nesse sentido, a revogação da concessão dos benefícios da assistência judiciária exige a demonstração de prova em contrário, ou seja, a empresa apelada deve comprovar que o apelante possui condições financeiras de arcar com o pagamento das custas processuais, o que, no caso, não restou comprovado. Desta forma, não tendo a impugnante trazido quaisquer elementos de prova sobre a capacidade financeira da parte autora, ora apelante, não há razão apta a ensejar a revogação do benefício anteriormente concedido. Nesse sentido decidiu este Sodalício, a propósito: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS – CANCELAMENTO DE VOO – 08 DIAS DE ATRASO ATÉ O EMBARQUE – DEMORA EXCESSIVA – FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO – SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA O MERO ABORRECIMENTO – INDENIZAÇÃO DEVIDA – IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA – INDEFERIMENTO – NÃO DEMONSTRAÇÃO DE ALTERAÇÃO FINANCEIRA – SENTENÇA DESCONSTITUÍDA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. O cancelamento de voo configura falha na prestação do serviço (artigo 14, caput e §3°, do CDC), e a companhia aérea responde objetivamente pelos danos morais causados. A indenização tem de ser arbitrada em valor que cumpra a função pedagógica, punitiva e compensatória. (N.U 1006280-97.2022.8.11.0007, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/08/2023, Publicado no DJE 31/08/2023) g. n. APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE DESCUMPRIMENTO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS, RICOCHETE E LUCROS CESSANTES – IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA EM CONTRARRAZÕES – AUTORES QUE COMPROVARAM A HIPOSSUFICIÊNCIA – MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO – MÉRITO – PARCERIA AGRÍCOLA – CONTRATO VERBAL – PROVA TESTEMUNHAL – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO MÍNIMA DA PRÓPRIA NEGOCIAÇÃO DA AVENÇA, QUE IMPEDE A REPARAÇÃO PRETENDIDA – ÔNUS DO AUTOR – ARTIGO 373, I, DO CPC/15 – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Não derruída a presunção de insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e honorários advocatícios, cumpre manter a benesse legal deferida à embargante. Nos termos do art. 11 do Decreto nº. 59.566/66 e da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, os contratos de arrendamento e de parceria agrícola podem ser escritos ou verbais, cuja prova da existência pode se dar exclusivamente testemunhal, não afastando, contudo, o ônus do autor em comprovar minimamente sua negociação, consoante determina o art. 373, inciso I, do CPC/15, que na espécie não se desincumbiu a contento. Sentença de improcedência mantida. Recurso desprovido. (N.U 0001564-47.2008.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Vice-Presidência, Julgado em 18/12/2019, Publicado no DJE 05/05/2020) Logo, rejeito a preliminar. É como voto. - MÉRITO Eminentes pares: Conforme relatado, observa-se que o autor/apelante questiona a validade do contrato e a possível violação do CDC, frente a ausência de transparência sobre a natureza do contrato (consórcio x financiamento); a responsabilidade em contratos de consórcio e o direito à reparação moral em casos de quebra de expectativa legítima. Pois bem. Nos termos dos artigos 2º e 3º da Lei n. 11.795/2008, que dispõe sobre o Sistema de Consórcio, o “grupo de consórcio é uma sociedade não personificada constituída por consorciados”, que visa a “reunião de pessoas naturais e jurídicas em grupo, com prazo de duração e número de cotas previamente determinados, promovida por administradora de consórcio, com a finalidade de propiciar a seus integrantes, de forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento”. Neste tipo de contrato, a relação entre as partes é regida pelo CDC, por expressa previsão legal disposta no artigo 53, §2º, do referido diploma, como já decidido no REsp 1269632/MG “tendo em vista as características do contrato associativo de consórcio, há dois feixes de relações jurídicas que podem ser autonomamente considerados. A relação entre os consorciados e a administradora, regulada pelo CDC, e a relação dos consorciados entre si, não regulada por esse diploma legal.” (Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 18/10/2011, DJe 03/11/2011) Em que pesem os argumentos do apelante, fato é que o conjunto probatório colacionado não demonstra a existência de quaisquer irregularidades na celebração do referido Contrato de Participação em Grupo de Consórcio, porquanto todas as informações relevantes, sobretudo as hipóteses de contemplação e o tempo de duração do grupo, estão expressamente estipuladas nas cláusulas. Como se observa da Proposta de Participação em Grupo de Consórcio, juntado pelo próprio Autor/Apelante (id 245816672), constata-se que ele assinou o documento de que, expressamente, em negrito e em caixa alta caixa, declara que “teve pleno conhecimento de que estaria adquirindo uma cota de consórcio não contemplada, podendo ser contemplado no início, durante ou no final do grupo.” (destaquei) A documentação revela que as informações essenciais do contrato estavam devidamente destacadas, com a expressão "ATENÇÃO: NÃO HÁ GARANTIA DE DATA DE CONTEMPLAÇÃO" em vermelho, demonstrando a clareza na comunicação sobre a natureza do negócio. Não bastasse isso, após a contratação, o apelante foi contatado pelo setor de qualidade da empresa apelada, ocasião em que confirmou expressamente ter ciência da natureza do contrato e negou ter recebido qualquer promessa de data certa para contemplação. E, para que dúvidas não remanesçam transcrevo trecho do diálogo gravado, conforme documentação juntada aos autos à id. de n. 293699880: “- FUNCIONÁRIA PATRÍCIA: Na página de assinatura do contrato tem uma frase destacada em vermelho que diz assim: "Atenção, não há garantia de data de contemplação", isso quer dizer que o senhor pode ser contemplado por sorteio ou lance no início, transcorrer ou final do seu plano. O senhor entendeu essa parte? - ADRIANO: Sim, sim, entendi. - FUNCIONÁRIA PATRICIA: E os vendedores ou qualquer outra pessoa te garantiram alguma data ou prazo pra sua contemplação? - ADRIANO: Não, não, não garantiram nada não. - FUNCIONÁRIA PATRICIA: O senhor está ciente de que seu grupo se encerra no mês de novembro de 2031 e existe a possibilidade de o senhor ser o último contemplado do seu grupo? - ADRIANO: Sim. “ Essa confirmação expressa do apelante quanto à ciência das condições contratuais é elemento probatório de significativa relevância, pois demonstra que, mesmo após a assinatura do contrato, quando questionado diretamente sobre eventuais promessas de contemplação, o próprio apelante negou que tivessem ocorrido. Quanto à alegação de que o pagamento de valor inicial de R$ 3.830,00 configuraria uma "entrada" incompatível com o sistema de consórcio, tal argumento não se sustenta. Na realidade, esse valor pode representar antecipação de parcelas ou lance inicial, práticas comuns e lícitas no âmbito dos contratos de consórcio. O apelante também menciona que a empresa apelada não teria impugnado especificamente a existência de suposta propaganda enganosa veiculada em rede social. Contudo, caberia ao próprio apelante demonstrar de forma cabal a existência dessa propaganda e seu conteúdo enganoso, o que não foi feito de maneira satisfatória. As capturas de tela de conversas por aplicativo de mensagens juntadas aos autos não possuem autenticidade comprovada e, isoladamente, não são suficientes para caracterizar propaganda enganosa, especialmente quando contrapostas à documentação formal do contrato e à gravação em que o próprio apelante confirma ter entendido a natureza do negócio. Do exposto, não se visualiza a prática de qualquer ato que possa implicar em vício do consentimento, em especial, que a parte autora teria sido induzida em erro no momento da contratação. Ressalto que, muito embora se trate de relação de consumo, é do autor, ora apelante, o ônus de provar o alegado dolo ou qualquer outro vício de vontade, isto é, que efetivamente houve a promessa de contemplação imediata, do que não se desincumbiu, nos termos do art. 373, I, do CPC. Nota-se, ademais, que o contrato fora celebrado entre partes capazes, com objeto lícito e em forma não defesa em lei, caso em que deve subsistir tal como estipulado, em observância aos princípios da boa-fé objetiva e do pacta sunt servanda. Isto posto, não prospera a tese do apelante de que teria sido levado a erro, porquanto as condições estão expressamente previstas, em especial no que diz respeito à contemplação das cotas, sendo descabida a rescisão ou anulação contratual. Em caso análogo já se decidiu: “DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE CONSÓRCIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APELAÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. DECISÃO ULTRA PETITA. NÃO CONFIGURADA. PROPAGANDA ENGANOSA NÃO COMPROVADA. CONTRATO VÁLIDO. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Ação anulatória de contrato de consórcio movida por consumidor, visando à rescisão contratual, restituição de valores pagos e indenização por danos morais, julgada parcialmente procedente na origem, com condenação da administradora de consórcio. II. Questão em discussão 2. A discussão envolve a alegada nulidade do contrato, fraude publicitária, cerceamento de defesa por inversão de ônus da prova em sentença e julgamento antecipado da lide. Também se discute a validade de cláusulas contratuais não impugnadas expressamente e a concessão de indenização por danos morais. III. Razões de decidir 3. A inversão do ônus da prova, mesmo determinada na sentença, não configurou cerceamento de defesa, uma vez que o conjunto probatório foi suficiente para a solução da lide. 4. Não houve julgamento ultra petita, pois o pedido de rescisão contratual envolve, necessariamente, a análise das cláusulas contratuais em sua totalidade. 5. A alegação de publicidade enganosa não se sustenta, dado que o contrato firmado foi claro quanto à ausência de garantia de contemplação imediata, sendo descabida a anulação do negócio jurídico. 6. Na espécie, há declaração expressa do autor no contrato de que ele não havia recebido qualquer promessa de contemplação por prazo determinado e ainda texto destacado em negrito e caixa alta, próximo da assinatura, com a frase “ATENÇÃO: NÃO HÁ GARANTIA DE DATA DE CONTEMPLAÇÃO”. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso de apelação provido. Sentença reformada para julgar improcedente o pedido inicial. Tese de julgamento: “Não configurada a prática de publicidade enganosa ou vício de consentimento em contrato de consórcio que expressamente alerta para a ausência de garantia de data de contemplação, é indevida a rescisão contratual e a indenização por danos morais.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CDC, arts. 6º, VIII, 30, 35 e 53; Lei 11.795/2008, arts. 2º, 3º e 30. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1269632/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 18/10/2011, DJe 03/11/2011.”(TJMT – RAC 1000487-32.2022.8.11.0023 - Quinta Câmara Cível - Relator Des. Marcos Regenold Fernandes, julgado em 17-9-2024) (grifei) Por fim, se não verificado o descumprimento contratual pela parte requerida/apelada, condição que autorizaria a liberação do crédito ou a rescisão do contrato, eventual dissolução, por desistência do consorciado, deve atender aos ditames da Lei n.11.795/2008, inclusive em relação à restituição de valores, na forma prevista do seu art. 30, que assim dispõe: “Art. 30. O consorciado excluído não contemplado terá direito à restituição da importância paga ao fundo comum do grupo, cujo valor deve ser calculado com base no percentual amortizado do valor do bem ou serviço vigente na data da assembleia de contemplação, acrescido dos rendimentos da aplicação financeira a que estão sujeitos os recursos dos consorciados enquanto não utilizados pelo participante, na forma do art. 24, § 1º”. Isto posto, a parte contratante ostenta o direito de requerer a rescisão contratual e desistir do negócio, desde que observe os termos do contrato e as penalidades previstas para essa situação. Todavia, se não houver violação contratual por parte da requerida, ora apelada, não há fundamento jurídico para conceder a rescisão ou exigir indenização por danos materiais/morais. Para que haja responsabilidade civil, é necessário comprovar a ocorrência de conduta ilícita, nexo causal e dano. No caso em análise, não foi demonstrada qualquer conduta ilícita praticada pelas requeridas apeladas, o que afasta a pretendida condenação do pagamento de indenização, seja por danos morais ou materiais. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso. Por consequência, majoro os honorários de sucumbência em grau de recurso de 15% para 17% sobre o valor da causa (artigo 85, §11, do CPC), observadas as condições do artigo 98, §§2º e 3º, do CPC. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 02/07/2025

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Processo nº 1010653-21.2024.8.11.0002

ID: 318357260

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1010653-21.2024.8.11.0002

Data de Disponibilização: 07/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

MULTIMARCAS ADMINISTRADORA DE CONSORCIOS LTDA

Acórdão

Advogados:

WASHINGTON LUIZ DE MIRANDA DOMINGUES TRANM

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1010653-21.2024.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1010653-21.2024.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material] Relator: Des(a). SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [ADRIANO DA CONCEICAO SILVA - CPF: 048.250.101-48 (APELANTE), CANDIDO NISVALDO FRANCA COELHO JUNIOR - CPF: 018.643.181-39 (ADVOGADO), MULTIMARCAS ADMINISTRADORA DE CONSORCIOS LTDA - CNPJ: 04.124.922/0001-61 (APELADO), WASHINGTON LUIZ DE MIRANDA DOMINGUES TRANM - CPF: 015.405.476-39 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PRELIMINARES AFASTADAS. RECURSO NÃO PROVIDO, UNANIME E M E N T A DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE CONSÓRCIO. VIOLAÇÃO AO PRICÍPIO DA DIALETICIDADE. INOCORRÊNCIA. IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA. ALTERAÇÃO DA CONDIÇÃO FINANCEIRA INDEMONSTRADA. PRELIMINARES REJEITADAS. ALEGADA PUBLICIDADE ENGANOSA E VÍCIO DE CONSENTIMENTO. NÃO COMPROVADOS. PEDIDO DE ANULAÇÃO CONTRATUAL E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCABIMENTO. PRECEDENTES. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta contra sentença proferida na Ação de Obrigação de Fazer cumulada com Pedido de Reparação por Danos Materiais e Morais, que julgou improcedentes os pedidos iniciais, com condenação do autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor da causa, com suspensão da exigibilidade em razão da concessão da justiça gratuita. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) verificar se o recurso de apelação preenche o requisito da dialeticidade recursal; (ii) analisar a validade da concessão da justiça gratuita ao apelante; (iii) determinar se houve vício de consentimento decorrente de publicidade enganosa capaz de ensejar a anulação do contrato de consórcio e a responsabilização civil da apelada por danos materiais e morais. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O recurso de apelação atende ao princípio da dialeticidade, porquanto apresenta razões claras e pertinentes que demonstram o inconformismo do recorrente e dialogam com os fundamentos da sentença, conforme interpretação dos artigos 1.010, II e III, do CPC/2015 e precedentes do STJ. 4. A manutenção da justiça gratuita ao apelante é de rigor, pois, apesar da impugnação da apelada, esta não apresentou prova suficiente da capacidade financeira do autor, impondo-se a preservação da benesse, em conformidade com o ônus probatório previsto no art. 99, §2º, do CPC/2015. 5. Inexiste vício de consentimento apto a invalidar o contrato, uma vez que o apelante, ao aderir à proposta de participação em grupo de consórcio, teve ciência inequívoca de que se tratava de aquisição de cota não contemplada, com previsão expressa e destacada da inexistência de garantia de data para contemplação. 6. A alegação de publicidade enganosa não se sustenta, pois não restou demonstrada a veiculação de oferta falsa ou enganosa por parte da apelada, tampouco ficou comprovada a existência de promessa de contemplação imediata. As provas documentais e a gravação de atendimento pós-venda reforçam a clareza das informações prestadas ao consumidor. 7. A argumentação relativa ao pagamento inicial de R$ 3.830,00 como "entrada" não evidencia irregularidade, uma vez que o valor pode corresponder a lance ou antecipação de parcelas, prática comum e legítima nos contratos de consórcio. 8. O autor não apresentou prova mínima de que tenha sofrido prejuízo material ou moral em decorrência de conduta ilícita da administradora de consórcio, motivo pelo qual não há responsabilidade civil a ser reconhecida. 9. Em observância ao disposto no art. 373, I, do CPC/2015, a ausência de comprovação de dolo ou erro substancial impede o reconhecimento de vício de consentimento ou a imposição de responsabilidade civil à apelada. IV. DISPOSITIVO E TESE 10. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. O recurso de apelação atende ao princípio da dialeticidade quando expõe fundamentos minimamente relacionados aos termos da sentença recorrida. 2. A manutenção da justiça gratuita requer a demonstração inequívoca da capacidade financeira da parte beneficiária, ônus que recai sobre o impugnante. 3. Não configurado o vício de consentimento quando o contrato de consórcio contém cláusulas claras e destacadas acerca da ausência de garantia de contemplação imediata. 4. A ausência de prova de publicidade enganosa ou de qualquer ato ilícito praticado pela administradora de consórcio afasta a possibilidade de anulação contratual e de condenação por danos materiais ou morais. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CPC/2015, arts. 1.010, II e III; 99, §2º; 373, I; 85, §11; CDC, arts. 6º, VIII; 30; 35; 37; 53, §2º; Lei nº 11.795/2008, arts. 2º, 3º e 30. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1665741/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 03.12.2019, DJe 05.12.2019; STJ, AgInt no REsp 1823145/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª Turma, j. 07.10.2019, DJe 11.10.2019; STJ, REsp 1269632/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 18.10.2011, DJe 03.11.2011; TJMT, RAC 1000487-32.2022.8.11.0023, Rel. Des. Marcos Regenold Fernandes, 5ª Câmara Cível, j. 17.09.2024. R E L A T Ó R I O AP 1010653-21.2024.8.11.0002 ADRIANO DA CONCEIÇÃO SILVA X MULTIMARCAS ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIOS LTDA RELATÓRIO Eminentes pares: Trata-se de recurso de Apelação interposto por ADRIANO DA CONCEIÇÃO SILVA, contra a sentença que, na Ação de Obrigação de Fazer c/c Pedido de Reparação por Danos Materiais e Morais, de nº 1010653-21.2024, ajuizada em face de MULTIMARCAS ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIOS LTDA, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgou improcedentes os pedidos iniciais. Ainda, condenou o requerente ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o valor atualizado da causa, com a ressalva da suspensão da exigibilidade por se tratar de beneficiário da justiça gratuita. O apelante alega, em síntese: a) ocorrência de propaganda enganosa que caracterizou vício de consentimento; b) que foi induzido a erro pela empresa ao firmar contrato de consórcio, quando acreditava estar aderindo a um contrato de financiamento de veículo; c) que o pagamento do valor de R$ 3.830,00 confirma sua versão dos fatos, pois representa uma "entrada", figura inexistente em contratos regulares de consórcio; d) que a empresa apelada não negou expressamente a propaganda veiculada em rede social e o atendimento realizado pelos vendedores; e) que há julgados do próprio TJMT reconhecendo práticas semelhantes pela empresa apelada; f) que há notícia de denúncia criminal contra a empresa apelada por prática de golpe da "falsa carta contemplada". Posto isso, pugna pela reforma da sentença para que sejam julgados procedentes os pedidos iniciais de anulação do contrato com a devolução imediata do valor pago e condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais. Contrarrazões apresentadas ao id. de n. 2933699914, ocasião em que a apelada suscita preliminar de ausência de dialeticidade; fala em impugnação à justiça gratuita e, no mérito, pugna pelo desprovimento do recurso. É o relatório. V O T O R E L A T O R – PRELIMINAR DE INADMISSIBILIDADE DO RECURSO, POR AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE. Eminentes Pares: Como dito, a apelada suscita, em preliminar, a violação ao princípio da dialeticidade, ao argumento de que as razões recursais estariam dissociadas do fundamento da sentença, razão pela qual entende que o recurso não deve ser conhecido. Sem razão, contudo. O artigo 1.010, II e III, doCódigo de Processo Civil, consubstancia o princípio da dialeticidade recursal, exigindo expressamente que o recurso contenha as razões de fato e de direito, que amparam a irresignação à decisão impugnada. Na espécie, não se verifica o vício apontado, porquanto de uma simples leitura da irresignação recursal é possível extrair os motivos e fundamentos sobre os quais se assentam o pedido, sendo plenamente cognoscível e compreensível a irresignação manifestada e as razões do inconformismo do recorrente, que dialogam, perfeitamente, com a sentença impugnada. Nesse sentido: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. PRINCÍPIO DA DIALETITICIDADE. PRINCÍPIO DISPOSITIVO. INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. HARMONIZAÇÃO. ARTS. 1.010 E 1.013 DO CPC/15. REPRODUÇÃO DAS ALEGAÇÕES DA INICIAL NA FUNDAMENTAÇÃO DO APELO. CONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. CONDIÇÃO. EFETIVA DEMONSTRAÇÃO DA IRRESIGNAÇÃO E DO PROPÓSITO DE OBTER NOVO JULGAMENTO. HIPÓTESE CONCRETA. OCORRÊNCIA PARCIAL. 1. Ação declaratória de inexistência de débito cumulada com indenização de danos materiais e compensação de danos morais, por meio da qual se sustenta ter sido descumprido acordo verbal para a imediata imissão na posse de imóvel e estar sendo cobrada dívida condominial extraordinária não imputável ao promitente comprador. 2. Recurso especial interposto em: 09/12/2016; conclusos ao gabinete em: 25/04/2017; aplicação do CPC/15. 3. O propósito recursal é determinar se: a) a mera reprodução, na apelação, das alegações da inicial acarreta, necessariamente, violação ao princípio da dialeticidade e enseja, assim, o não conhecimento de referido recurso; b) na hipótese concreta, as razões da apelação apresentadas pelo recorrente infirmam todos os fundamentos da sentença recorrida. 4. O principal efeito dos recursos é o devolutivo, já que destinado a impedir o trânsito em julgado da sentença, permitindo o reexame, a nova apreciação, da matéria já decidida pelo Judiciário por outro órgão funcionalmente superior. 5. O efeito devolutivo é regido pelo princípio dispositivo e pelo tantum devolutum quantum appellatum, pois, por meio do recurso, somente se devolve ao órgão superior a matéria recorrida pela parte interessada. 6. A jurisprudência do STJ privilegia a instrumentalidade das formas, adotando a orientação de que a mera circunstância de terem sido reiteradas, na petição da apelação, as razões anteriormente apresentadas na inicial da ação ou na contestação, não é suficiente para o não conhecimento do recurso, eis que a repetição dos argumentos não implica, por si só, ofensa ao princípio da dialeticidade. 7. É essencial, todavia, que as razões recursais da apelação guardem alguma pertinência com a matéria decidida na sentença. 8. Na hipótese concreta, do cotejo entre as razões da apelação e a fundamentação da sentença, infere-se, no que diz respeito ao capítulo referente ao pedido de restituição dos valores pagos a título de despesas condominiais extraordinárias, que o recorrente logrou aduzir argumentos suficientes, ainda que em tese, para impugnar os correspondentes fundamentos da decisão judicial de mérito. 9. Quanto ao capítulo referente à imissão na posse, contudo, a apelação sequer minimamente indica a irresignação do apelante quando à fundamentação da sentença, tampouco seu propósito de obter novo julgamento a respeito da matéria. 10. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1665741/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/12/2019, DJe 05/12/2019) AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO APELO EXTREMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA REQUERENTE. 1. A reprodução da defesa deduzida em contestação em sede de apelação, quando, em tese, apta a infirmar a sentença, não constitui ofensa ao princípio da dialeticidade. Precedentes. 1.1. Razões do recurso de apelação que demonstram o interesse da parte na reforma da sentença. 2. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp 1823145/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 07/10/2019, DJe 11/10/2019) Logo, rejeito a preliminar. É como voto. - DA IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA. Eminentes pares: Ainda em preliminar, a apelada impugna os benefícios da assistência judiciária gratuita concedidos ao apelante, sob o argumento de que não restou comprovada a hipossuficiência para arcar com as custas processuais. Entretanto, seus argumentos não merecem prosperar. Primeiramente, quando se trata de impugnação à justiça gratuita, o ônus da prova compete ao impugnante. Nesse sentido, a revogação da concessão dos benefícios da assistência judiciária exige a demonstração de prova em contrário, ou seja, a empresa apelada deve comprovar que o apelante possui condições financeiras de arcar com o pagamento das custas processuais, o que, no caso, não restou comprovado. Desta forma, não tendo a impugnante trazido quaisquer elementos de prova sobre a capacidade financeira da parte autora, ora apelante, não há razão apta a ensejar a revogação do benefício anteriormente concedido. Nesse sentido decidiu este Sodalício, a propósito: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS – CANCELAMENTO DE VOO – 08 DIAS DE ATRASO ATÉ O EMBARQUE – DEMORA EXCESSIVA – FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO – SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA O MERO ABORRECIMENTO – INDENIZAÇÃO DEVIDA – IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA – INDEFERIMENTO – NÃO DEMONSTRAÇÃO DE ALTERAÇÃO FINANCEIRA – SENTENÇA DESCONSTITUÍDA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. O cancelamento de voo configura falha na prestação do serviço (artigo 14, caput e §3°, do CDC), e a companhia aérea responde objetivamente pelos danos morais causados. A indenização tem de ser arbitrada em valor que cumpra a função pedagógica, punitiva e compensatória. (N.U 1006280-97.2022.8.11.0007, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/08/2023, Publicado no DJE 31/08/2023) g. n. APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE DESCUMPRIMENTO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS, RICOCHETE E LUCROS CESSANTES – IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA EM CONTRARRAZÕES – AUTORES QUE COMPROVARAM A HIPOSSUFICIÊNCIA – MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO – MÉRITO – PARCERIA AGRÍCOLA – CONTRATO VERBAL – PROVA TESTEMUNHAL – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO MÍNIMA DA PRÓPRIA NEGOCIAÇÃO DA AVENÇA, QUE IMPEDE A REPARAÇÃO PRETENDIDA – ÔNUS DO AUTOR – ARTIGO 373, I, DO CPC/15 – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Não derruída a presunção de insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e honorários advocatícios, cumpre manter a benesse legal deferida à embargante. Nos termos do art. 11 do Decreto nº. 59.566/66 e da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, os contratos de arrendamento e de parceria agrícola podem ser escritos ou verbais, cuja prova da existência pode se dar exclusivamente testemunhal, não afastando, contudo, o ônus do autor em comprovar minimamente sua negociação, consoante determina o art. 373, inciso I, do CPC/15, que na espécie não se desincumbiu a contento. Sentença de improcedência mantida. Recurso desprovido. (N.U 0001564-47.2008.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Vice-Presidência, Julgado em 18/12/2019, Publicado no DJE 05/05/2020) Logo, rejeito a preliminar. É como voto. - MÉRITO Eminentes pares: Conforme relatado, observa-se que o autor/apelante questiona a validade do contrato e a possível violação do CDC, frente a ausência de transparência sobre a natureza do contrato (consórcio x financiamento); a responsabilidade em contratos de consórcio e o direito à reparação moral em casos de quebra de expectativa legítima. Pois bem. Nos termos dos artigos 2º e 3º da Lei n. 11.795/2008, que dispõe sobre o Sistema de Consórcio, o “grupo de consórcio é uma sociedade não personificada constituída por consorciados”, que visa a “reunião de pessoas naturais e jurídicas em grupo, com prazo de duração e número de cotas previamente determinados, promovida por administradora de consórcio, com a finalidade de propiciar a seus integrantes, de forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento”. Neste tipo de contrato, a relação entre as partes é regida pelo CDC, por expressa previsão legal disposta no artigo 53, §2º, do referido diploma, como já decidido no REsp 1269632/MG “tendo em vista as características do contrato associativo de consórcio, há dois feixes de relações jurídicas que podem ser autonomamente considerados. A relação entre os consorciados e a administradora, regulada pelo CDC, e a relação dos consorciados entre si, não regulada por esse diploma legal.” (Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 18/10/2011, DJe 03/11/2011) Em que pesem os argumentos do apelante, fato é que o conjunto probatório colacionado não demonstra a existência de quaisquer irregularidades na celebração do referido Contrato de Participação em Grupo de Consórcio, porquanto todas as informações relevantes, sobretudo as hipóteses de contemplação e o tempo de duração do grupo, estão expressamente estipuladas nas cláusulas. Como se observa da Proposta de Participação em Grupo de Consórcio, juntado pelo próprio Autor/Apelante (id 245816672), constata-se que ele assinou o documento de que, expressamente, em negrito e em caixa alta caixa, declara que “teve pleno conhecimento de que estaria adquirindo uma cota de consórcio não contemplada, podendo ser contemplado no início, durante ou no final do grupo.” (destaquei) A documentação revela que as informações essenciais do contrato estavam devidamente destacadas, com a expressão "ATENÇÃO: NÃO HÁ GARANTIA DE DATA DE CONTEMPLAÇÃO" em vermelho, demonstrando a clareza na comunicação sobre a natureza do negócio. Não bastasse isso, após a contratação, o apelante foi contatado pelo setor de qualidade da empresa apelada, ocasião em que confirmou expressamente ter ciência da natureza do contrato e negou ter recebido qualquer promessa de data certa para contemplação. E, para que dúvidas não remanesçam transcrevo trecho do diálogo gravado, conforme documentação juntada aos autos à id. de n. 293699880: “- FUNCIONÁRIA PATRÍCIA: Na página de assinatura do contrato tem uma frase destacada em vermelho que diz assim: "Atenção, não há garantia de data de contemplação", isso quer dizer que o senhor pode ser contemplado por sorteio ou lance no início, transcorrer ou final do seu plano. O senhor entendeu essa parte? - ADRIANO: Sim, sim, entendi. - FUNCIONÁRIA PATRICIA: E os vendedores ou qualquer outra pessoa te garantiram alguma data ou prazo pra sua contemplação? - ADRIANO: Não, não, não garantiram nada não. - FUNCIONÁRIA PATRICIA: O senhor está ciente de que seu grupo se encerra no mês de novembro de 2031 e existe a possibilidade de o senhor ser o último contemplado do seu grupo? - ADRIANO: Sim. “ Essa confirmação expressa do apelante quanto à ciência das condições contratuais é elemento probatório de significativa relevância, pois demonstra que, mesmo após a assinatura do contrato, quando questionado diretamente sobre eventuais promessas de contemplação, o próprio apelante negou que tivessem ocorrido. Quanto à alegação de que o pagamento de valor inicial de R$ 3.830,00 configuraria uma "entrada" incompatível com o sistema de consórcio, tal argumento não se sustenta. Na realidade, esse valor pode representar antecipação de parcelas ou lance inicial, práticas comuns e lícitas no âmbito dos contratos de consórcio. O apelante também menciona que a empresa apelada não teria impugnado especificamente a existência de suposta propaganda enganosa veiculada em rede social. Contudo, caberia ao próprio apelante demonstrar de forma cabal a existência dessa propaganda e seu conteúdo enganoso, o que não foi feito de maneira satisfatória. As capturas de tela de conversas por aplicativo de mensagens juntadas aos autos não possuem autenticidade comprovada e, isoladamente, não são suficientes para caracterizar propaganda enganosa, especialmente quando contrapostas à documentação formal do contrato e à gravação em que o próprio apelante confirma ter entendido a natureza do negócio. Do exposto, não se visualiza a prática de qualquer ato que possa implicar em vício do consentimento, em especial, que a parte autora teria sido induzida em erro no momento da contratação. Ressalto que, muito embora se trate de relação de consumo, é do autor, ora apelante, o ônus de provar o alegado dolo ou qualquer outro vício de vontade, isto é, que efetivamente houve a promessa de contemplação imediata, do que não se desincumbiu, nos termos do art. 373, I, do CPC. Nota-se, ademais, que o contrato fora celebrado entre partes capazes, com objeto lícito e em forma não defesa em lei, caso em que deve subsistir tal como estipulado, em observância aos princípios da boa-fé objetiva e do pacta sunt servanda. Isto posto, não prospera a tese do apelante de que teria sido levado a erro, porquanto as condições estão expressamente previstas, em especial no que diz respeito à contemplação das cotas, sendo descabida a rescisão ou anulação contratual. Em caso análogo já se decidiu: “DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE CONSÓRCIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APELAÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. DECISÃO ULTRA PETITA. NÃO CONFIGURADA. PROPAGANDA ENGANOSA NÃO COMPROVADA. CONTRATO VÁLIDO. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Ação anulatória de contrato de consórcio movida por consumidor, visando à rescisão contratual, restituição de valores pagos e indenização por danos morais, julgada parcialmente procedente na origem, com condenação da administradora de consórcio. II. Questão em discussão 2. A discussão envolve a alegada nulidade do contrato, fraude publicitária, cerceamento de defesa por inversão de ônus da prova em sentença e julgamento antecipado da lide. Também se discute a validade de cláusulas contratuais não impugnadas expressamente e a concessão de indenização por danos morais. III. Razões de decidir 3. A inversão do ônus da prova, mesmo determinada na sentença, não configurou cerceamento de defesa, uma vez que o conjunto probatório foi suficiente para a solução da lide. 4. Não houve julgamento ultra petita, pois o pedido de rescisão contratual envolve, necessariamente, a análise das cláusulas contratuais em sua totalidade. 5. A alegação de publicidade enganosa não se sustenta, dado que o contrato firmado foi claro quanto à ausência de garantia de contemplação imediata, sendo descabida a anulação do negócio jurídico. 6. Na espécie, há declaração expressa do autor no contrato de que ele não havia recebido qualquer promessa de contemplação por prazo determinado e ainda texto destacado em negrito e caixa alta, próximo da assinatura, com a frase “ATENÇÃO: NÃO HÁ GARANTIA DE DATA DE CONTEMPLAÇÃO”. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso de apelação provido. Sentença reformada para julgar improcedente o pedido inicial. Tese de julgamento: “Não configurada a prática de publicidade enganosa ou vício de consentimento em contrato de consórcio que expressamente alerta para a ausência de garantia de data de contemplação, é indevida a rescisão contratual e a indenização por danos morais.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CDC, arts. 6º, VIII, 30, 35 e 53; Lei 11.795/2008, arts. 2º, 3º e 30. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1269632/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 18/10/2011, DJe 03/11/2011.”(TJMT – RAC 1000487-32.2022.8.11.0023 - Quinta Câmara Cível - Relator Des. Marcos Regenold Fernandes, julgado em 17-9-2024) (grifei) Por fim, se não verificado o descumprimento contratual pela parte requerida/apelada, condição que autorizaria a liberação do crédito ou a rescisão do contrato, eventual dissolução, por desistência do consorciado, deve atender aos ditames da Lei n.11.795/2008, inclusive em relação à restituição de valores, na forma prevista do seu art. 30, que assim dispõe: “Art. 30. O consorciado excluído não contemplado terá direito à restituição da importância paga ao fundo comum do grupo, cujo valor deve ser calculado com base no percentual amortizado do valor do bem ou serviço vigente na data da assembleia de contemplação, acrescido dos rendimentos da aplicação financeira a que estão sujeitos os recursos dos consorciados enquanto não utilizados pelo participante, na forma do art. 24, § 1º”. Isto posto, a parte contratante ostenta o direito de requerer a rescisão contratual e desistir do negócio, desde que observe os termos do contrato e as penalidades previstas para essa situação. Todavia, se não houver violação contratual por parte da requerida, ora apelada, não há fundamento jurídico para conceder a rescisão ou exigir indenização por danos materiais/morais. Para que haja responsabilidade civil, é necessário comprovar a ocorrência de conduta ilícita, nexo causal e dano. No caso em análise, não foi demonstrada qualquer conduta ilícita praticada pelas requeridas apeladas, o que afasta a pretendida condenação do pagamento de indenização, seja por danos morais ou materiais. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso. Por consequência, majoro os honorários de sucumbência em grau de recurso de 15% para 17% sobre o valor da causa (artigo 85, §11, do CPC), observadas as condições do artigo 98, §§2º e 3º, do CPC. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 02/07/2025

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Processo nº 1001066-37.2022.8.11.0004

ID: 326771584

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1001066-37.2022.8.11.0004

Data de Disponibilização: 16/07/2025

Polo Ativo:

IVANI GOTZ RAGAZZON

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

MARCUS CANEVER FRAGA

OAB/RS XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO NÚMERO ÚNICO: 1001066-37.2022.8.11.0004 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Transporte de Coisas, Efeitos] RELATORA: EXMA. S… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO NÚMERO ÚNICO: 1001066-37.2022.8.11.0004 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Transporte de Coisas, Efeitos] RELATORA: EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES, EXMA. SRA. DESA. ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, EXMo. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [IVANI GOTZ RAGAZZON - CPF: 693.667.139-04 (APELANTE), MARCUS CANEVER FRAGA - CPF: 387.266.370-49 (ADVOGADO), ZAQUEU TRANSPORTES E LOGISTICA LTDA - CNPJ: 00.350.232/0001-70 (APELADO), UILZA DOS SANTOS SOUZA - CPF: 046.690.681-13 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do Exmo. Sr. Des. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: “PRELIMINARES REJEITADAS, NÃO PROVIDO, UNANIME”. EMENTA DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. VALE-PEDÁGIO. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS. ÔNUS DA PROVA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DO ART. 8º DA LEI Nº 10.209/2001. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso de Apelação Cível interposto contra sentença que julgou improcedente pedido de indenização por descumprimento da obrigação de antecipação do vale-pedágio. A parte autora, transportadora autônoma, alegou que a ré não antecipou os valores de pedágio, o que geraria indenização em dobro nos termos do art. 8º da Lei nº 10.209/2001. A sentença entendeu que o autor não comprovou os fatos constitutivos de seu direito. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se o apelante comprovou os requisitos legais para a aplicação da penalidade prevista no art. 8º da Lei nº 10.209/2001; e (ii) estabelecer se houve distribuição correta do ônus da prova, com base nas regras dos arts. 373, I, do CPC e na jurisprudência do STJ. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A concessão da justiça gratuita deve ser mantida quando não demonstrada, por quem a impugna, a capacidade econômica da parte beneficiária, cabendo à parte impugnante o ônus de comprovar fato modificativo, conforme o art. 98, § 3º, do CPC. 4. Compete ao transportador, autor da demanda, comprovar os fatos constitutivos de seu direito, inclusive a existência de rota pedagiada, a exclusividade do transporte, o valor devido em cada praça de pedágio e o efetivo pagamento, conforme a regra geral do art. 373, I, do CPC e entendimento consolidado do STJ. 5. A ausência de documentos comprobatórios mínimos quanto à ocorrência dos pagamentos de pedágios, ou mesmo sua existência nas rotas percorridas, inviabiliza a procedência do pedido, pois não se evidencia o preenchimento dos requisitos legais exigidos para a indenização prevista no art. 8º da Lei nº 10.209/2001. IV. DISPOSITIVO E TESE 6. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. O transportador deve comprovar, para fins de indenização prevista no art. 8º da Lei nº 10.209/2001, a existência de pedágios nas rotas contratadas, os valores devidos e o efetivo pagamento. 2. A distribuição do ônus da prova segue a regra do art. 373, I, do CPC, de modo que a ausência de prova mínima dos fatos constitutivos do direito à indenização impede a procedência do pedido. 3. A concessão de justiça gratuita deve ser mantida quando não demonstrada a capacidade financeira do beneficiário por prova idônea da parte impugnante. Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 98, § 3º, e 373, I; Lei nº 10.209/2001, arts. 3º e 8º. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp nº 1.714.568/GO, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 08.09.2020, DJe 09.09.2020; STJ, AgInt no AREsp nº 2117525/RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, j. 21.08.2023, DJe 23.08.2023. R E L A T Ó R I O EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES (RELATORA): Eminentes pares: Trata-se de Recurso de Apelação Cível, interposto por IVANI GOTZ RAGAZZON, com o fito de reformar a sentença que, nos autos da Ação Ordinária nº 1001066-37.2022.8.11.0004, proposta em face de ZAQUEU TRANSPORTES E LOGÍSTICA LTDA, julgou improcedente o pedido de indenização formulado pela parte autora, ao fundamento de que o autor não comprovou os fatos constitutivos de seu direito. Em suas razões recursais, o apelante sustenta que a sentença impôs ônus probatório indevido, ao exigir-lhe a demonstração do pagamento dos pedágios, quando a obrigação legal do contratante, prevista no art. 8º da Lei n. 10.209/2001, seria de antecipação dos valores por meio de modelo próprio e à parte do frete. Aduz que a não antecipação do vale-pedágio gera, por si, o dever de indenizar, independentemente da prova do pagamento posterior dos valores. Ao final, requer o provimento do recurso “para reformar a sentença e condenar o apelado ao pagamento do dobro do valor dos fretes corrigidos na forma postulada na inicial, arcando com a sucumbência majorada” (Id. 289150356). Contrarrazões apresentadas no Id. 289150362, em que a apelada apresenta as preliminares de revogação da justiça gratuita concedida ao autor/apelante e de cerceamento de defesa, para o caso de eventual reforma da sentença de improcedência dos pedidos. No mais, pugna pelo desprovimento do recurso. É o relatório. SUSTENTAÇÃO ORAL USOU DA PALAVRA O ADVOGADO MARCUS CANEVER FRAGA, OAB/RS 31472-A. V O T O (preliminar) EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES (RELATORA): Eminentes pares: Em suas contrarrazões, a apelada, ZAQUEU TRANSPORTES E LOGISTICA LTDA, impugna, em preliminar, os benefícios da assistência judiciária gratuita, concedidos ao apelante, sob o argumento de que não restou comprovada a hipossuficiência para arcar com as custas processuais. Entretanto, seus argumentos não merecem prosperar. Primeiramente, quando se trata de impugnação à justiça gratuita, o ônus da prova compete ao impugnante. Nesse sentido, nota-se dos autos que além da justiça gratuita ter sido concedida pelo magistrado singular, a revogação da concessão dos benefícios da assistência judiciária exige a demonstração de prova em contrário, ou seja, a empresa apelada deve comprovar que o apelante possui condições financeiras para arcar com o pagamento das custas processuais, o que, no caso, não restou comprovado. Desta forma, não tendo a impugnante trazido quaisquer elementos de prova sobre a capacidade financeira da parte autora, ora apelante, não há razão apta a ensejar a revogação do benefício anteriormente concedido. Ademais, cumpre esclarecer que os documentos colacionados aos autos pela apelante em grau recursal, comprovam, de forma satisfatória, que, atualmente, se encontra incapacitada de arcar com as despesas do processo, circunstância que impõe a manutenção do deferimento da justiça gratuita, nos termos do artigo 98 e seguintes do Código de Processo Civil. Em casos correlatos nesse sentido decidiu esta Colenda Câmara, a propósito: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS – CANCELAMENTO DE VOO – 08 DIAS DE ATRASO ATÉ O EMBARQUE – DEMORA EXCESSIVA – FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO – SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA O MERO ABORRECIMENTO – INDENIZAÇÃO DEVIDA – IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA – INDEFERIMENTO – NÃO DEMONSTRAÇÃO DE ALTERAÇÃO FINANCEIRA – SENTENÇA DESCONSTITUÍDA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. O cancelamento de voo configura falha na prestação do serviço (artigo 14, caput e §3°, do CDC), e a companhia aérea responde objetivamente pelos danos morais causados. A indenização tem de ser arbitrada em valor que cumpra a função pedagógica, punitiva e compensatória. (N.U 1006280-97.2022.8.11.0007, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/08/2023, Publicado no DJE 31/08/2023) g. n. APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE DESCUMPRIMENTO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS, RICOCHETE E LUCROS CESSANTES – IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA EM CONTRARRAZÕES – AUTORES QUE COMPROVARAM A HIPOSSUFICIÊNCIA – MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO – MÉRITO – PARCERIA AGRÍCOLA – CONTRATO VERBAL – PROVA TESTEMUNHAL – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO MÍNIMA DA PRÓPRIA NEGOCIAÇÃO DA AVENÇA, QUE IMPEDE A REPARAÇÃO PRETENDIDA – ÔNUS DO AUTOR – ARTIGO 373, I, DO CPC/15 – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Não derruída a presunção de insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e honorários advocatícios, cumpre manter a benesse legal deferida à embargante. Nos termos do art. 11 do Decreto nº. 59.566/66 e da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, os contratos de arrendamento e de parceria agrícola podem ser escritos ou verbais, cuja prova da existência pode se dar exclusivamente testemunhal, não afastando, contudo, o ônus do autor em comprovar minimamente sua negociação, consoante determina o art. 373, inciso I, do CPC/15, que na espécie não se desincumbiu a contento. Sentença de improcedência mantida. Recurso desprovido. (N.U 0001564-47.2008.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Vice-Presidência, Julgado em 18/12/2019, Publicado no DJE 05/05/2020) Logo, REJEITO a preliminar. É como voto. V O T O (MÉRITO) EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES (RELATORA): Eminentes pares: O presente recurso submete à apreciação a controvérsia sobre a distribuição do ônus da prova nas demandas fundadas no art. 8º da Lei nº 10.209/2001, especialmente quanto à necessidade de o transportador comprovar os fatos constitutivos de seu direito, notadamente a existência de rota pedagiada, a exclusividade do transporte, os valores dos pedágios e o efetivo pagamento. Na origem, o autor ajuizou a presente demanda requerendo o pagamento de indenização correspondente ao dobro do valor dos fretes contratados, sob o argumento de que atuando como transportador autônomo de cargas, foi contratado pela parte requerida para realizar diversos fretes rodoviários. Afirma que, embora a legislação atribua ao contratante do transporte a obrigação de antecipar o vale-pedágio, tal providência não foi adotada pela ré. Esclarece que sua remuneração era definida com base na multiplicação do valor constante no campo “preço por tonelada” (PPT) pela quantidade de toneladas efetivamente transportadas, conforme demonstram os comprovantes do motorista anexados aos autos (Id. 289148921). Alega que todas as rotas percorridas envolviam trechos com pedágio, circunstância que busca comprovar por meio de links e capturas de tela de sites especializados, bem como da ANTT, destacando que, mesmo na hipótese de utilização de rotas alternativas, a obrigação legal da contratante subsistiria. Com fundamento no art. 8º da Lei nº 10.209/2001, pleiteia a condenação da ré ao pagamento de indenização equivalente ao dobro do valor dos fretes realizados. Contudo, em consonância com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que “Cabe ao transportador demonstrar a exclusividade do transporte, o valor devido nas praças de pedágio existentes na rota e o efetivo pagamento do pedágio, competindo ao embarcador, caso comprovado o fato constitutivo do direito pelo transportador, demonstrar a antecipação do vale-pedágio” (STJ - AgInt no AREsp: 2117525 RS 2022/0125281-5, Relator.: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 21/08/2023, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/08/2023), a sentença julgou improcedente o pedido de indenização formulado pela parte autora. Diante desse cenário, a controvérsia se resolve pela análise do acervo probatório integrante do caderno processual, orientada pelas regras de divisão do ônus da prova. De acordo com o art. 373 do Código de Processo Civil, cabe ao autor demonstrar os fatos constitutivos do direito alegado; enquanto ao réu compete comprovar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo da pretensão deduzida, nos moldes do dos incisos I e II: “Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.” Essa regra, que distribui o ônus da prova entre o autor e o réu, funda-se na lógica de que o autor deve provar os fatos que constituem o direito por ele afirmado, mas não a não existência daqueles que impedem a sua constituição, determinam a sua modificação ou a sua extinção. Nesse contexto, é que me convenço pela manutenção da sentença. Acerca da matéria, o art. 3º da Lei nº 10.209/01 assim estabelece: Art. 3º A partir de 25 de outubro de 2002, o embarcador passará a antecipar o Vale-Pedágio obrigatório ao transportador, em modelo próprio, independentemente do valor do frete, ressalvado o disposto no § 5o deste artigo. § 1º Quando o Vale-Pedágio obrigatório for expedido em modelo próprio, a aquisição, pelo embarcador, para fins de repasse ao transportador de carga, dar-se-á junto às concessionárias das rodovias, podendo a comercialização ser delegada a centrais de vendas ou a outras instituições, a critério da concessionária. § 2º O Vale-Pedágio obrigatório deverá ser disponibilizado ao transportador contratado para o serviço de transporte pelo embarcador ou equiparado, no valor necessário à livre circulação entre a sua origem e o destino, e a comprovação da antecipação a que se refere o caput deste artigo deverá ser consignada no DT-e. Assim, caso comprovado pelo transportador, a contratação/prestação do serviço de frete, bem como a existência de pedágio no trecho contratado, caberia, ao contratante, trazer aos autos prova de que efetuou o pagamento antecipado do vale-pedágio, por meio de modelo próprio e de forma separada do frete. Ocorre que, no caso, o autor/apelante comprovou apenas a contratação/prestação do serviço de frete, não se desincumbindo do ônus de provar a existência de pedágio no trecho contratado, pois ainda que ele tenha juntado aos autos “links” e capturas de tela de “sites” como "Qualp" e da ANTT, tais documentos não se prestam a demonstrar, com a necessária segurança, que tais praças de pedágio estavam em funcionamento à época da execução dos fretes contratados, que ocorreu no ano de 2016 (Id. 289148921), tampouco que ele efetivamente por lá trafegou e realizou os pagamentos correspondentes, já que não foi apresentada qualquer prova nesse sentido. Especificamente quanto ao ônus – e necessidade – da prova por parte do transportador do valor de cada um dos pedágios e efetivo pagamento para que faça jus à penalidade/indenização do art. 8º da Lei nº 10.209/2001, reportando-me às razões de outro precedente da Corte Superior a respeito do tema, cujo objeto, consoante delimitado naquele julgado, era precisamente “sobre quem recai o ônus da prova (transportador ou embarcador) de comprovar o preenchimento dos requisitos para a incidência da penalidade prevista no art. 8º da Lei n. 10.209/2001, qual seja, o pagamento em dobro do valor do frete proveniente do não adiantamento do vale-pedágio, quando realizado de forma exclusiva o transporte por transportador empresa comercial”, firmou-se, além da orientação interpretativa de que, “deduzida em juízo a pretensão do transportador de ver recebida a multa do art. 8º da Lei n. 10.209/2001, deve este demonstrar a presença dos seus pressupostos em cada frete realizado, a evidenciar a procedência da demanda – conforme a regra geral disposta no art. 333, I, do CPC/1973 (equivalente ao art. 373, I, do CPC/2015) –, (...), deve, também, o transportador demonstrar o valor devido em todas as praças de pedágio existentes na rota de viagem contratada, e que deveria ter sido antecipado pelo embarcador, mas supostamente não foi, conforme consta do art. 7º, § 1º, da Resolução n. 2.885/2008 da ANTT”, para que, só então, haja a inversão do “ônus probatório (art. 333, II, do CPC/1973, atual art. 373, II, do CPC/2015), cabendo ao embarcador demonstrar que o vale-pedágio obrigatório foi entregue antecipadamente ao transportador”, o entendimento de que, diante desse cenário processual, estando muito bem definido o ônus probatório de cada parte, “relegar a comprovação desses fatos, atinentes à não antecipação do vale-pedágio em cada frete realizado, para a fase de liquidação de sentença (como requerido na peça inaugural e acolhido pelas instâncias ordinárias), afigura-se incabível por guardarem tais fatos relação direta com a demonstração do an debeatur (direito à indenização), e não apenas com a apuração do quantum debeatur (montante indenizatório)”. O julgado restou assim ementado: RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. VALE-PEDÁGIO. SERVIÇOS DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGA PRESTADOS POR TRANSPORTADOR EMPRESA COMERCIAL. INCIDÊNCIA DA PENALIDADE PREVISTA NO ART. 8º DA LEI N. 10.209/2001. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DOS REQUISITOS. ÔNUS DA PROVA QUE INCUMBE AO TRANSPORTADOR. COMPROVAÇÃO DO AN DEBEATUR RELEGADA PARA A FASE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. DESCABIMENTO. LIQUIDAÇÃO POR ARTIGOS. INEXISTÊNCIA DE FATO NOVO. IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA QUE SE IMPÕE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Convém destacar que o recurso especial foi interposto contra decisão publicada quando ainda estava em vigor o Código de Processo Civil de 1973, sendo analisados os pressupostos de admissibilidade recursais à luz do regramento nele previsto (Enunciado Administrativo n. 2/STJ). 2. A controvérsia do presente recurso especial cinge-se a estabelecer sobre quem recai o ônus da prova (transportador ou embarcador) de comprovar o preenchimento dos requisitos para a incidência da penalidade prevista no art. 8º da Lei n. 10.209/2001, qual seja, o pagamento em dobro do valor do frete proveniente do não adiantamento do vale-pedágio, quando realizado de forma exclusiva o transporte por transportador empresa comercial. 3. Para que o transportador empresa comercial - hipótese dos autos - faça jus ao recebimento da multa aplicada ao embarcador (art. 8º da Lei n. 10.209/2001), é necessário que: i) o transporte rodoviário de carga seja prestado exclusivamente a um embarcador (art. 3º, § 3º); e ii) não haja a entrega, pelo embarcador, do vale-pedágio antecipadamente, no ato do embarque da carga (art. 3º, § 2º). 3.1. Deduzida em juízo a pretensão do transportador de receber o valor da multa do art. 8º da Lei n. 10.209/2001, deve este demonstrar a presença dos seus pressupostos em cada frete realizado, a evidenciar a procedência da demanda - conforme a regra geral disposta no art. 333, I, do CPC/1973 (equivalente ao art. 373, I, do CPC/2015) -, notadamente em virtude de o contratante do serviço de transporte não figurar como parte nas demais relações jurídicas porventura existentes entre o transportador e outras empresas embarcadoras que com este contratem, a fim de denotar a aludida exclusividade, revelando-se mais custosa ao contratante a produção de prova nesse sentido do que ao transportador. 3.2. Incumbe ao transportador, ainda, comprovar o valor total devido em cada frete realizado e que deixou de ser antecipado, especificando as praças de pedágio e os valores respectivos existentes no percurso entre a origem e o destino da carga. Feito isso, inverte-se o ônus probatório (art. 333, II, do CPC/1973, atual art. 373, II, do CPC/2015), cabendo ao embarcador a demonstração de que o vale-pedágio obrigatório foi entregue antecipadamente ao transportador, no ato de cada embarque que lhe era exigível tal obrigação. 4. Ademais, relegar a comprovação dos fatos atinentes à não antecipação do vale-pedágio, em cada frete realizado, para a fase de liquidação de sentença, afigura-se incabível, por caracterizar o próprio direito à indenização (an debeatur), e não apenas apuração do montante devido (quantum debeatur). Precedentes. 4.1. De outro modo, a liquidação por artigos (art. 475-E do CPC/1973) - atualmente denominada liquidação pelo procedimento comum (art. 509, II, do CPC/2015) -, definida pelo Tribunal de origem, pressupõe dilação probatória referente a fato novo não discutido na ação de conhecimento, o que não se antevê na espécie. 5. Recurso especial provido.” (STJ - Terceira Turma - REsp n. 1.714.568/GO, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 8/9/2020, DJe de 9/9/2020) Constato, nesse ponto, que a tentativa do autor/apelante de afastar a aplicação do precedente mencionado (REsp n. 1.714.568/GO), por meio da técnica do distinguishing, mostra-se totalmente infundada. Isso porque, além de não ter ocorrido qualquer “inversão do ônus da prova” – tratando-se, na verdade, de reafirmação da regra geral que impõe à parte autora o encargo de demonstrar o fato constitutivo do seu direito –, uma simples leitura das razões de decidir daquele acórdão é suficiente para perceber que a análise quanto ao “preenchimento dos requisitos para aplicação da penalidade prevista no art. 8º da Lei n. 10.209/2001” foi feita, como é usual naquela Corte, com base em exame abstrato da norma jurídica. Assim, a ratio decidendi adotada naquela parte do julgamento não apenas prescinde das especificidades do caso concreto, como também ultrapassa os limites daquela situação, sendo posteriormente aplicada ao contexto fático ali em discussão, conforme se verifica ao final da fundamentação. Ratifico, pois, a conclusão sentencial de que o autor/apelante não se desincumbiu do seu ônus de fazer prova mínima do direito alegado nos autos, porque, para além do pedido bastante genérico formulado na petição inicial, calcado em estimativas e assertivas abstratas da parte, como a de é “inimaginável trafegar sem pagamento de pedágios no Brasil atual”, o fato é que, no presente caso, não há nos autos qualquer prova de que o autor/apelante tenha efetivamente realizado pagamentos a título de pedágio. Nem mesmo os comprovantes (tickets) foram apresentados, tampouco há indicação do valor que teria sido pago. Tal ausência de elementos comprobatórios demonstra que o ônus da prova não foi adequadamente cumprido pelo autor, ficando evidente a insuficiência de fundamentos que pudessem justificar eventual condenação indenizatória com base no artigo 8º da Lei nº 10.209/2001. Diante de todo o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação, mantendo integralmente a sentença proferida e, considerando a regra do art. 85, §11, do CPC, majoro os honorários advocatícios para 15% sobre o valor da condenação, contudo, suspensa a exigibilidade, por ser o apelante beneficiário da gratuidade de justiça. Custas recursais pelo apelante, observada a regra do art. 98, § 3º, do CPC. É como voto. V O T O EXMA. SRA. DESA. ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA (1ª VOGAL): Eminentes pares, Peço vista dos autos para melhor análise da matéria. V O T O EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO (2º VOGAL): Eminentes pares, Aguardo o pedido de vista. EM 09 DE JULHO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO) V O T O EXMA. SRA. DESA. ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA (1ª VOGAL): Egrégia Câmara, Pedi vista dos autos para analisar a tese recursal do apelante, transportador autônomo, segundo a qual o descumprimento da obrigação legal de antecipar o vale-pedágio (art. 8º da Lei nº 10.209/2001) geraria, por si só, o dever de indenizar, bastando comprovar a realização do transporte e a existência de pedágios no trajeto, sem necessidade de demonstrar o pagamento dos valores. Com o devido respeito ao esforço argumentativo da defesa técnica, entendo que tal tese não se sustenta diante do CPC e da jurisprudência consolidada do STJ, que impõe ao transportador o ônus de comprovar os pressupostos fáticos que justificam a penalidade legal. Como bem destacou a ilustre Relatora, e conforme o leading case do STJ (REsp nº 1.714.568/GO, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze), a aplicação da penalidade prevista no art. 8º da referida lei exige que o autor comprove: (i) a exclusividade do transporte contratado; (ii) a existência de rotas efetivamente pedagiadas; (iii) o valor devido em cada praça de pedágio; e (iv) o efetivo pagamento pelo transportador. Somente após essa fase admite-se a inversão do ônus da prova, incumbindo ao embarcador demonstrar eventual antecipação do vale-pedágio. Trata-se de interpretação harmônica com o art. 373, I, do CPC, que atribui ao autor o ônus da prova quanto aos fatos constitutivos de seu direito. Tal entendimento confere racionalidade à aplicação da penalidade legal, pois impede que esta se transforme em instrumento de enriquecimento sem causa ou de sanção automática sem base probatória. No caso concreto, como bem demonstrado pela relatoria, o apelante não apresentou prova minimamente segura da existência dos pedágios no trecho contratado à época dos fretes, tampouco comprovou que os tenha efetivamente pago. Os documentos colacionados, links e capturas de tela, são insuficientes à luz dos parâmetros exigidos pela jurisprudência superior. Diante do exposto, acompanho integralmente a ilustre Relatora para negar provimento à apelação, mantendo a sentença que julgou improcedente o pedido de indenização por ausência de comprovação dos requisitos do art. 8º da Lei nº 10.209/2001. É como voto. V O T O EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO (2º VOGAL): Eminentes pares, Acompanho o voto da relatora. Data da sessão: Cuiabá-MT, 09/07/2025.

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Processo nº 1001066-37.2022.8.11.0004

ID: 326771593

Tribunal: TJMT Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1001066-37.2022.8.11.0004

Data de Disponibilização: 16/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

ZAQUEU TRANSPORTES E LOGISTICA LTDA

Acórdão

Advogados:

UILZA DOS SANTOS SOUZA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO NÚMERO ÚNICO: 1001066-37.2022.8.11.0004 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Transporte de Coisas, Efeitos] RELATORA: EXMA. S… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO NÚMERO ÚNICO: 1001066-37.2022.8.11.0004 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Transporte de Coisas, Efeitos] RELATORA: EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES, EXMA. SRA. DESA. ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, EXMo. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [IVANI GOTZ RAGAZZON - CPF: 693.667.139-04 (APELANTE), MARCUS CANEVER FRAGA - CPF: 387.266.370-49 (ADVOGADO), ZAQUEU TRANSPORTES E LOGISTICA LTDA - CNPJ: 00.350.232/0001-70 (APELADO), UILZA DOS SANTOS SOUZA - CPF: 046.690.681-13 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do Exmo. Sr. Des. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: “PRELIMINARES REJEITADAS, NÃO PROVIDO, UNANIME”. EMENTA DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. VALE-PEDÁGIO. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS. ÔNUS DA PROVA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DO ART. 8º DA LEI Nº 10.209/2001. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso de Apelação Cível interposto contra sentença que julgou improcedente pedido de indenização por descumprimento da obrigação de antecipação do vale-pedágio. A parte autora, transportadora autônoma, alegou que a ré não antecipou os valores de pedágio, o que geraria indenização em dobro nos termos do art. 8º da Lei nº 10.209/2001. A sentença entendeu que o autor não comprovou os fatos constitutivos de seu direito. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se o apelante comprovou os requisitos legais para a aplicação da penalidade prevista no art. 8º da Lei nº 10.209/2001; e (ii) estabelecer se houve distribuição correta do ônus da prova, com base nas regras dos arts. 373, I, do CPC e na jurisprudência do STJ. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A concessão da justiça gratuita deve ser mantida quando não demonstrada, por quem a impugna, a capacidade econômica da parte beneficiária, cabendo à parte impugnante o ônus de comprovar fato modificativo, conforme o art. 98, § 3º, do CPC. 4. Compete ao transportador, autor da demanda, comprovar os fatos constitutivos de seu direito, inclusive a existência de rota pedagiada, a exclusividade do transporte, o valor devido em cada praça de pedágio e o efetivo pagamento, conforme a regra geral do art. 373, I, do CPC e entendimento consolidado do STJ. 5. A ausência de documentos comprobatórios mínimos quanto à ocorrência dos pagamentos de pedágios, ou mesmo sua existência nas rotas percorridas, inviabiliza a procedência do pedido, pois não se evidencia o preenchimento dos requisitos legais exigidos para a indenização prevista no art. 8º da Lei nº 10.209/2001. IV. DISPOSITIVO E TESE 6. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. O transportador deve comprovar, para fins de indenização prevista no art. 8º da Lei nº 10.209/2001, a existência de pedágios nas rotas contratadas, os valores devidos e o efetivo pagamento. 2. A distribuição do ônus da prova segue a regra do art. 373, I, do CPC, de modo que a ausência de prova mínima dos fatos constitutivos do direito à indenização impede a procedência do pedido. 3. A concessão de justiça gratuita deve ser mantida quando não demonstrada a capacidade financeira do beneficiário por prova idônea da parte impugnante. Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 98, § 3º, e 373, I; Lei nº 10.209/2001, arts. 3º e 8º. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp nº 1.714.568/GO, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 08.09.2020, DJe 09.09.2020; STJ, AgInt no AREsp nº 2117525/RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, j. 21.08.2023, DJe 23.08.2023. R E L A T Ó R I O EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES (RELATORA): Eminentes pares: Trata-se de Recurso de Apelação Cível, interposto por IVANI GOTZ RAGAZZON, com o fito de reformar a sentença que, nos autos da Ação Ordinária nº 1001066-37.2022.8.11.0004, proposta em face de ZAQUEU TRANSPORTES E LOGÍSTICA LTDA, julgou improcedente o pedido de indenização formulado pela parte autora, ao fundamento de que o autor não comprovou os fatos constitutivos de seu direito. Em suas razões recursais, o apelante sustenta que a sentença impôs ônus probatório indevido, ao exigir-lhe a demonstração do pagamento dos pedágios, quando a obrigação legal do contratante, prevista no art. 8º da Lei n. 10.209/2001, seria de antecipação dos valores por meio de modelo próprio e à parte do frete. Aduz que a não antecipação do vale-pedágio gera, por si, o dever de indenizar, independentemente da prova do pagamento posterior dos valores. Ao final, requer o provimento do recurso “para reformar a sentença e condenar o apelado ao pagamento do dobro do valor dos fretes corrigidos na forma postulada na inicial, arcando com a sucumbência majorada” (Id. 289150356). Contrarrazões apresentadas no Id. 289150362, em que a apelada apresenta as preliminares de revogação da justiça gratuita concedida ao autor/apelante e de cerceamento de defesa, para o caso de eventual reforma da sentença de improcedência dos pedidos. No mais, pugna pelo desprovimento do recurso. É o relatório. SUSTENTAÇÃO ORAL USOU DA PALAVRA O ADVOGADO MARCUS CANEVER FRAGA, OAB/RS 31472-A. V O T O (preliminar) EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES (RELATORA): Eminentes pares: Em suas contrarrazões, a apelada, ZAQUEU TRANSPORTES E LOGISTICA LTDA, impugna, em preliminar, os benefícios da assistência judiciária gratuita, concedidos ao apelante, sob o argumento de que não restou comprovada a hipossuficiência para arcar com as custas processuais. Entretanto, seus argumentos não merecem prosperar. Primeiramente, quando se trata de impugnação à justiça gratuita, o ônus da prova compete ao impugnante. Nesse sentido, nota-se dos autos que além da justiça gratuita ter sido concedida pelo magistrado singular, a revogação da concessão dos benefícios da assistência judiciária exige a demonstração de prova em contrário, ou seja, a empresa apelada deve comprovar que o apelante possui condições financeiras para arcar com o pagamento das custas processuais, o que, no caso, não restou comprovado. Desta forma, não tendo a impugnante trazido quaisquer elementos de prova sobre a capacidade financeira da parte autora, ora apelante, não há razão apta a ensejar a revogação do benefício anteriormente concedido. Ademais, cumpre esclarecer que os documentos colacionados aos autos pela apelante em grau recursal, comprovam, de forma satisfatória, que, atualmente, se encontra incapacitada de arcar com as despesas do processo, circunstância que impõe a manutenção do deferimento da justiça gratuita, nos termos do artigo 98 e seguintes do Código de Processo Civil. Em casos correlatos nesse sentido decidiu esta Colenda Câmara, a propósito: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS – CANCELAMENTO DE VOO – 08 DIAS DE ATRASO ATÉ O EMBARQUE – DEMORA EXCESSIVA – FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO – SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA O MERO ABORRECIMENTO – INDENIZAÇÃO DEVIDA – IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA – INDEFERIMENTO – NÃO DEMONSTRAÇÃO DE ALTERAÇÃO FINANCEIRA – SENTENÇA DESCONSTITUÍDA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. O cancelamento de voo configura falha na prestação do serviço (artigo 14, caput e §3°, do CDC), e a companhia aérea responde objetivamente pelos danos morais causados. A indenização tem de ser arbitrada em valor que cumpra a função pedagógica, punitiva e compensatória. (N.U 1006280-97.2022.8.11.0007, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 30/08/2023, Publicado no DJE 31/08/2023) g. n. APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE DESCUMPRIMENTO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS, RICOCHETE E LUCROS CESSANTES – IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA EM CONTRARRAZÕES – AUTORES QUE COMPROVARAM A HIPOSSUFICIÊNCIA – MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO – MÉRITO – PARCERIA AGRÍCOLA – CONTRATO VERBAL – PROVA TESTEMUNHAL – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO MÍNIMA DA PRÓPRIA NEGOCIAÇÃO DA AVENÇA, QUE IMPEDE A REPARAÇÃO PRETENDIDA – ÔNUS DO AUTOR – ARTIGO 373, I, DO CPC/15 – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Não derruída a presunção de insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e honorários advocatícios, cumpre manter a benesse legal deferida à embargante. Nos termos do art. 11 do Decreto nº. 59.566/66 e da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, os contratos de arrendamento e de parceria agrícola podem ser escritos ou verbais, cuja prova da existência pode se dar exclusivamente testemunhal, não afastando, contudo, o ônus do autor em comprovar minimamente sua negociação, consoante determina o art. 373, inciso I, do CPC/15, que na espécie não se desincumbiu a contento. Sentença de improcedência mantida. Recurso desprovido. (N.U 0001564-47.2008.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Vice-Presidência, Julgado em 18/12/2019, Publicado no DJE 05/05/2020) Logo, REJEITO a preliminar. É como voto. V O T O (MÉRITO) EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES (RELATORA): Eminentes pares: O presente recurso submete à apreciação a controvérsia sobre a distribuição do ônus da prova nas demandas fundadas no art. 8º da Lei nº 10.209/2001, especialmente quanto à necessidade de o transportador comprovar os fatos constitutivos de seu direito, notadamente a existência de rota pedagiada, a exclusividade do transporte, os valores dos pedágios e o efetivo pagamento. Na origem, o autor ajuizou a presente demanda requerendo o pagamento de indenização correspondente ao dobro do valor dos fretes contratados, sob o argumento de que atuando como transportador autônomo de cargas, foi contratado pela parte requerida para realizar diversos fretes rodoviários. Afirma que, embora a legislação atribua ao contratante do transporte a obrigação de antecipar o vale-pedágio, tal providência não foi adotada pela ré. Esclarece que sua remuneração era definida com base na multiplicação do valor constante no campo “preço por tonelada” (PPT) pela quantidade de toneladas efetivamente transportadas, conforme demonstram os comprovantes do motorista anexados aos autos (Id. 289148921). Alega que todas as rotas percorridas envolviam trechos com pedágio, circunstância que busca comprovar por meio de links e capturas de tela de sites especializados, bem como da ANTT, destacando que, mesmo na hipótese de utilização de rotas alternativas, a obrigação legal da contratante subsistiria. Com fundamento no art. 8º da Lei nº 10.209/2001, pleiteia a condenação da ré ao pagamento de indenização equivalente ao dobro do valor dos fretes realizados. Contudo, em consonância com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que “Cabe ao transportador demonstrar a exclusividade do transporte, o valor devido nas praças de pedágio existentes na rota e o efetivo pagamento do pedágio, competindo ao embarcador, caso comprovado o fato constitutivo do direito pelo transportador, demonstrar a antecipação do vale-pedágio” (STJ - AgInt no AREsp: 2117525 RS 2022/0125281-5, Relator.: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 21/08/2023, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/08/2023), a sentença julgou improcedente o pedido de indenização formulado pela parte autora. Diante desse cenário, a controvérsia se resolve pela análise do acervo probatório integrante do caderno processual, orientada pelas regras de divisão do ônus da prova. De acordo com o art. 373 do Código de Processo Civil, cabe ao autor demonstrar os fatos constitutivos do direito alegado; enquanto ao réu compete comprovar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo da pretensão deduzida, nos moldes do dos incisos I e II: “Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.” Essa regra, que distribui o ônus da prova entre o autor e o réu, funda-se na lógica de que o autor deve provar os fatos que constituem o direito por ele afirmado, mas não a não existência daqueles que impedem a sua constituição, determinam a sua modificação ou a sua extinção. Nesse contexto, é que me convenço pela manutenção da sentença. Acerca da matéria, o art. 3º da Lei nº 10.209/01 assim estabelece: Art. 3º A partir de 25 de outubro de 2002, o embarcador passará a antecipar o Vale-Pedágio obrigatório ao transportador, em modelo próprio, independentemente do valor do frete, ressalvado o disposto no § 5o deste artigo. § 1º Quando o Vale-Pedágio obrigatório for expedido em modelo próprio, a aquisição, pelo embarcador, para fins de repasse ao transportador de carga, dar-se-á junto às concessionárias das rodovias, podendo a comercialização ser delegada a centrais de vendas ou a outras instituições, a critério da concessionária. § 2º O Vale-Pedágio obrigatório deverá ser disponibilizado ao transportador contratado para o serviço de transporte pelo embarcador ou equiparado, no valor necessário à livre circulação entre a sua origem e o destino, e a comprovação da antecipação a que se refere o caput deste artigo deverá ser consignada no DT-e. Assim, caso comprovado pelo transportador, a contratação/prestação do serviço de frete, bem como a existência de pedágio no trecho contratado, caberia, ao contratante, trazer aos autos prova de que efetuou o pagamento antecipado do vale-pedágio, por meio de modelo próprio e de forma separada do frete. Ocorre que, no caso, o autor/apelante comprovou apenas a contratação/prestação do serviço de frete, não se desincumbindo do ônus de provar a existência de pedágio no trecho contratado, pois ainda que ele tenha juntado aos autos “links” e capturas de tela de “sites” como "Qualp" e da ANTT, tais documentos não se prestam a demonstrar, com a necessária segurança, que tais praças de pedágio estavam em funcionamento à época da execução dos fretes contratados, que ocorreu no ano de 2016 (Id. 289148921), tampouco que ele efetivamente por lá trafegou e realizou os pagamentos correspondentes, já que não foi apresentada qualquer prova nesse sentido. Especificamente quanto ao ônus – e necessidade – da prova por parte do transportador do valor de cada um dos pedágios e efetivo pagamento para que faça jus à penalidade/indenização do art. 8º da Lei nº 10.209/2001, reportando-me às razões de outro precedente da Corte Superior a respeito do tema, cujo objeto, consoante delimitado naquele julgado, era precisamente “sobre quem recai o ônus da prova (transportador ou embarcador) de comprovar o preenchimento dos requisitos para a incidência da penalidade prevista no art. 8º da Lei n. 10.209/2001, qual seja, o pagamento em dobro do valor do frete proveniente do não adiantamento do vale-pedágio, quando realizado de forma exclusiva o transporte por transportador empresa comercial”, firmou-se, além da orientação interpretativa de que, “deduzida em juízo a pretensão do transportador de ver recebida a multa do art. 8º da Lei n. 10.209/2001, deve este demonstrar a presença dos seus pressupostos em cada frete realizado, a evidenciar a procedência da demanda – conforme a regra geral disposta no art. 333, I, do CPC/1973 (equivalente ao art. 373, I, do CPC/2015) –, (...), deve, também, o transportador demonstrar o valor devido em todas as praças de pedágio existentes na rota de viagem contratada, e que deveria ter sido antecipado pelo embarcador, mas supostamente não foi, conforme consta do art. 7º, § 1º, da Resolução n. 2.885/2008 da ANTT”, para que, só então, haja a inversão do “ônus probatório (art. 333, II, do CPC/1973, atual art. 373, II, do CPC/2015), cabendo ao embarcador demonstrar que o vale-pedágio obrigatório foi entregue antecipadamente ao transportador”, o entendimento de que, diante desse cenário processual, estando muito bem definido o ônus probatório de cada parte, “relegar a comprovação desses fatos, atinentes à não antecipação do vale-pedágio em cada frete realizado, para a fase de liquidação de sentença (como requerido na peça inaugural e acolhido pelas instâncias ordinárias), afigura-se incabível por guardarem tais fatos relação direta com a demonstração do an debeatur (direito à indenização), e não apenas com a apuração do quantum debeatur (montante indenizatório)”. O julgado restou assim ementado: RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. VALE-PEDÁGIO. SERVIÇOS DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGA PRESTADOS POR TRANSPORTADOR EMPRESA COMERCIAL. INCIDÊNCIA DA PENALIDADE PREVISTA NO ART. 8º DA LEI N. 10.209/2001. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DOS REQUISITOS. ÔNUS DA PROVA QUE INCUMBE AO TRANSPORTADOR. COMPROVAÇÃO DO AN DEBEATUR RELEGADA PARA A FASE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. DESCABIMENTO. LIQUIDAÇÃO POR ARTIGOS. INEXISTÊNCIA DE FATO NOVO. IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA QUE SE IMPÕE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Convém destacar que o recurso especial foi interposto contra decisão publicada quando ainda estava em vigor o Código de Processo Civil de 1973, sendo analisados os pressupostos de admissibilidade recursais à luz do regramento nele previsto (Enunciado Administrativo n. 2/STJ). 2. A controvérsia do presente recurso especial cinge-se a estabelecer sobre quem recai o ônus da prova (transportador ou embarcador) de comprovar o preenchimento dos requisitos para a incidência da penalidade prevista no art. 8º da Lei n. 10.209/2001, qual seja, o pagamento em dobro do valor do frete proveniente do não adiantamento do vale-pedágio, quando realizado de forma exclusiva o transporte por transportador empresa comercial. 3. Para que o transportador empresa comercial - hipótese dos autos - faça jus ao recebimento da multa aplicada ao embarcador (art. 8º da Lei n. 10.209/2001), é necessário que: i) o transporte rodoviário de carga seja prestado exclusivamente a um embarcador (art. 3º, § 3º); e ii) não haja a entrega, pelo embarcador, do vale-pedágio antecipadamente, no ato do embarque da carga (art. 3º, § 2º). 3.1. Deduzida em juízo a pretensão do transportador de receber o valor da multa do art. 8º da Lei n. 10.209/2001, deve este demonstrar a presença dos seus pressupostos em cada frete realizado, a evidenciar a procedência da demanda - conforme a regra geral disposta no art. 333, I, do CPC/1973 (equivalente ao art. 373, I, do CPC/2015) -, notadamente em virtude de o contratante do serviço de transporte não figurar como parte nas demais relações jurídicas porventura existentes entre o transportador e outras empresas embarcadoras que com este contratem, a fim de denotar a aludida exclusividade, revelando-se mais custosa ao contratante a produção de prova nesse sentido do que ao transportador. 3.2. Incumbe ao transportador, ainda, comprovar o valor total devido em cada frete realizado e que deixou de ser antecipado, especificando as praças de pedágio e os valores respectivos existentes no percurso entre a origem e o destino da carga. Feito isso, inverte-se o ônus probatório (art. 333, II, do CPC/1973, atual art. 373, II, do CPC/2015), cabendo ao embarcador a demonstração de que o vale-pedágio obrigatório foi entregue antecipadamente ao transportador, no ato de cada embarque que lhe era exigível tal obrigação. 4. Ademais, relegar a comprovação dos fatos atinentes à não antecipação do vale-pedágio, em cada frete realizado, para a fase de liquidação de sentença, afigura-se incabível, por caracterizar o próprio direito à indenização (an debeatur), e não apenas apuração do montante devido (quantum debeatur). Precedentes. 4.1. De outro modo, a liquidação por artigos (art. 475-E do CPC/1973) - atualmente denominada liquidação pelo procedimento comum (art. 509, II, do CPC/2015) -, definida pelo Tribunal de origem, pressupõe dilação probatória referente a fato novo não discutido na ação de conhecimento, o que não se antevê na espécie. 5. Recurso especial provido.” (STJ - Terceira Turma - REsp n. 1.714.568/GO, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 8/9/2020, DJe de 9/9/2020) Constato, nesse ponto, que a tentativa do autor/apelante de afastar a aplicação do precedente mencionado (REsp n. 1.714.568/GO), por meio da técnica do distinguishing, mostra-se totalmente infundada. Isso porque, além de não ter ocorrido qualquer “inversão do ônus da prova” – tratando-se, na verdade, de reafirmação da regra geral que impõe à parte autora o encargo de demonstrar o fato constitutivo do seu direito –, uma simples leitura das razões de decidir daquele acórdão é suficiente para perceber que a análise quanto ao “preenchimento dos requisitos para aplicação da penalidade prevista no art. 8º da Lei n. 10.209/2001” foi feita, como é usual naquela Corte, com base em exame abstrato da norma jurídica. Assim, a ratio decidendi adotada naquela parte do julgamento não apenas prescinde das especificidades do caso concreto, como também ultrapassa os limites daquela situação, sendo posteriormente aplicada ao contexto fático ali em discussão, conforme se verifica ao final da fundamentação. Ratifico, pois, a conclusão sentencial de que o autor/apelante não se desincumbiu do seu ônus de fazer prova mínima do direito alegado nos autos, porque, para além do pedido bastante genérico formulado na petição inicial, calcado em estimativas e assertivas abstratas da parte, como a de é “inimaginável trafegar sem pagamento de pedágios no Brasil atual”, o fato é que, no presente caso, não há nos autos qualquer prova de que o autor/apelante tenha efetivamente realizado pagamentos a título de pedágio. Nem mesmo os comprovantes (tickets) foram apresentados, tampouco há indicação do valor que teria sido pago. Tal ausência de elementos comprobatórios demonstra que o ônus da prova não foi adequadamente cumprido pelo autor, ficando evidente a insuficiência de fundamentos que pudessem justificar eventual condenação indenizatória com base no artigo 8º da Lei nº 10.209/2001. Diante de todo o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação, mantendo integralmente a sentença proferida e, considerando a regra do art. 85, §11, do CPC, majoro os honorários advocatícios para 15% sobre o valor da condenação, contudo, suspensa a exigibilidade, por ser o apelante beneficiário da gratuidade de justiça. Custas recursais pelo apelante, observada a regra do art. 98, § 3º, do CPC. É como voto. V O T O EXMA. SRA. DESA. ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA (1ª VOGAL): Eminentes pares, Peço vista dos autos para melhor análise da matéria. V O T O EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO (2º VOGAL): Eminentes pares, Aguardo o pedido de vista. EM 09 DE JULHO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO) V O T O EXMA. SRA. DESA. ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA (1ª VOGAL): Egrégia Câmara, Pedi vista dos autos para analisar a tese recursal do apelante, transportador autônomo, segundo a qual o descumprimento da obrigação legal de antecipar o vale-pedágio (art. 8º da Lei nº 10.209/2001) geraria, por si só, o dever de indenizar, bastando comprovar a realização do transporte e a existência de pedágios no trajeto, sem necessidade de demonstrar o pagamento dos valores. Com o devido respeito ao esforço argumentativo da defesa técnica, entendo que tal tese não se sustenta diante do CPC e da jurisprudência consolidada do STJ, que impõe ao transportador o ônus de comprovar os pressupostos fáticos que justificam a penalidade legal. Como bem destacou a ilustre Relatora, e conforme o leading case do STJ (REsp nº 1.714.568/GO, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze), a aplicação da penalidade prevista no art. 8º da referida lei exige que o autor comprove: (i) a exclusividade do transporte contratado; (ii) a existência de rotas efetivamente pedagiadas; (iii) o valor devido em cada praça de pedágio; e (iv) o efetivo pagamento pelo transportador. Somente após essa fase admite-se a inversão do ônus da prova, incumbindo ao embarcador demonstrar eventual antecipação do vale-pedágio. Trata-se de interpretação harmônica com o art. 373, I, do CPC, que atribui ao autor o ônus da prova quanto aos fatos constitutivos de seu direito. Tal entendimento confere racionalidade à aplicação da penalidade legal, pois impede que esta se transforme em instrumento de enriquecimento sem causa ou de sanção automática sem base probatória. No caso concreto, como bem demonstrado pela relatoria, o apelante não apresentou prova minimamente segura da existência dos pedágios no trecho contratado à época dos fretes, tampouco comprovou que os tenha efetivamente pago. Os documentos colacionados, links e capturas de tela, são insuficientes à luz dos parâmetros exigidos pela jurisprudência superior. Diante do exposto, acompanho integralmente a ilustre Relatora para negar provimento à apelação, mantendo a sentença que julgou improcedente o pedido de indenização por ausência de comprovação dos requisitos do art. 8º da Lei nº 10.209/2001. É como voto. V O T O EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO (2º VOGAL): Eminentes pares, Acompanho o voto da relatora. Data da sessão: Cuiabá-MT, 09/07/2025.

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Maria Alcy De Sousa Oliveira x Banco Mercantil Do Brasil S.A.

ID: 295119104

Tribunal: TJMT Órgão: 1ª VARA DE PORTO ALEGRE DO NORTE Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 1002775-05.2023.8.11.0059

Data de Disponibilização: 11/06/2025

Polo Ativo:

MARIA ALCY DE SOUSA OLIVEIRA

Polo Passivo:

BANCO MERCANTIL DO BRASIL S.A.

Sentença

Advogados:

ANDRE LUIS BASILIO SILVA

OAB/MS XXXXXX Desbloquear

LOURENCO GOMES GADELHA DE MOURA

OAB/PE XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 1ª VARA CÍVEL DE PORTO ALEGRE DO NORTE SENTENÇA Processo n. 1002775-05.2023.8.11.0059 MARIA ALCY DE SOUSA OLIVEIRA BANCO MERCANTIL DO BRASIL S.A. 1. RELATÓRIO T… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 1ª VARA CÍVEL DE PORTO ALEGRE DO NORTE SENTENÇA Processo n. 1002775-05.2023.8.11.0059 MARIA ALCY DE SOUSA OLIVEIRA BANCO MERCANTIL DO BRASIL S.A. 1. RELATÓRIO Trata-se de “ação revisional c/c danos morais e repetição do indébito”, ajuizada por MARIA ALCY DE SOUSA OLIVEIRA contra BANCO MERCANTIL DO BRASIL S.A, artes devidamente qualificadas nos autos. A parte autora alega que firmou com o réu contrato de crédito pessoal consignado para beneficiários do INSS, em 23 de março de 2023. A primeira parcela foi quitada em 10/05/2023, estando prevista a última para 10 de abril de 2024. Alega que o pagamento foi pactuado em 12 (doze) parcelas mensais, fixas e sucessivas, no valor de R$ 390,60 (trezentos e noventa reais e sessenta centavos) cada, totalizando R$ 4.687,20 (quatro mil seiscentos e oitenta e sete reais e vinte centavos). Sendo o crédito de natureza consignada, os descontos são realizados diretamente na conta corrente. Aduz que, após análise detalhada da operação contratada, verificou-se que o contrato apresenta taxas de juros divergentes entre o que foi acordado e o que efetivamente é aplicado, constando no instrumento contratual taxa nominal de 22,86% ao mês e 1.082,84% ao ano. Sustenta que os juros remuneratórios pactuados são abusivos, por estarem em descompasso com a taxa média do mercado financeiro divulgada pelo Banco Central do Brasil (Bacen) na data da contratação. À época (março de 2023), a taxa média de mercado, segundo o Bacen, era de 1,97% ao mês e 26,39% ao ano. Afirma que a taxa contratada excede em 1.060,41% a média praticada, configurando flagrante abusividade por parte da instituição financeira. Alega ainda que, se a taxa média tivesse sido aplicada, o valor da parcela seria de R$ 147,64 (cento e quarenta e sete reais e sessenta e quatro centavos), razão pela qual os valores pagos a maior devem ser abatidos do saldo devedor para recálculo das parcelas vincendas. Assim, requer: a) a concessão de tutela de urgência, para autorização de depósito mensal no valor incontroverso de R$ 122,93, com o respectivo desconto em seu benefício previdenciário; b) a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, em razão da sua hipossuficiência; c) a procedência da ação, com a adequação da taxa de juros ao índice médio de mercado (1,97% ao mês e 26,39% ao ano), fixando-se a nova parcela em R$ 122,93; d) a confirmação da tutela de urgência, com afastamento definitivo dos efeitos da mora e impedimento de inscrição em cadastros de inadimplência; e) a compensação dos valores pagos em excesso, abatendo-se do saldo devedor ou devolvendo-se à autora, de forma simples, os montantes quitados indevidamente; f) o reconhecimento da abusividade das cláusulas contratuais, sobretudo quanto à taxa de juros; g) a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), bem como ao pagamento das custas processuais e honorários sucumbenciais. Foram acostados aos autos, entre outros documentos, o contrato objeto da presente demanda (id. 122545130). A petição inicial foi recebida com o indeferimento da tutela de urgência, deferimento da gratuidade da justiça e designação de audiência de conciliação, a qual restou infrutífera (id. 127782322). O réu apresentou contestação (id. 127531265), na qual alegou, preliminarmente, a inexistência de onerosidade excessiva e de fato superveniente apto a autorizar a revisão contratual, requerendo a extinção do processo sem resolução de mérito. No mérito, defendeu a legalidade e constitucionalidade dos juros pactuados, a inexistência de dano moral, a inaplicabilidade do CDC e a impossibilidade de inversão do ônus da prova, requerendo, ao final, a improcedência dos pedidos. Houve apresentação de réplica pela parte autora (id. 135942389). Por despacho (id. 135942389), foi determinada a intimação das partes para manifestação sobre produção de provas. A parte autora apenas reiterou os pedidos iniciais e requereu o julgamento antecipado da lide, enquanto a parte ré declarou não possuir outras provas a produzir. É o relato do necessário. Decido. 2. FUNDAMENTAÇÃO Estando presentes os pressupostos processuais, a legitimidade das partes e o interesse de agir, e não havendo requerimento de produção de outras provas, julgo o feito antecipadamente, nos termos do art. 355, I, do CPC. 2.1 Da preliminar/prejudicial de mérito Em sua peça defensiva, a parte requerida apresentou preliminar/prejudicial de mérito, assim, passo a analisá-la. 2.1.1 Da Ausência de Onerosidade Excessiva e Fato Superveniente Autorizador da Revisão Contratual A requerida sustenta que o ordenamento jurídico autoriza a revisão contratual sempre que configurado desequilíbrio na base objetiva do negócio, caracterizando onerosidade excessiva. Todavia, alega que a autora não apresenta fundamentos que corroborem sua alegação, tampouco estabelece parâmetros para caracterizar o suposto desequilíbrio. Pelo contrário, reconhece a celebração do contrato e o débito dele decorrente, inclusive na petição inicial. Afirma que não houve fato superveniente à contratação que justificasse a alegada onerosidade. O que ocorreu, segundo a ré, foi a contratação de empréstimo por pessoa que não detinha condições reais de adimplir as obrigações assumidas. Insiste que as cláusulas e taxas de juros foram livremente pactuadas, sendo incabível a revisão pretendida, sob pena de afronta ao princípio da força obrigatória dos contratos. Por fim, requer a extinção do processo sem resolução do mérito, alegando juridicidade impossível da pretensão deduzida. Contudo, nos termos dos artigos 330 e 485 do CPC, não verifico a incidência de qualquer das hipóteses que autorizem o indeferimento da petição inicial ou a extinção do feito sem resolução de mérito. Ademais, a argumentação do banco não impede, por si só, o prosseguimento da demanda. Assim, REJEITO a preliminar. 2.2 Do Mérito Inicialmente, noto que os pedidos da inicial não foram apreciados, sendo que a análise de alguns itens restará prejudicada e, quanto aos que ainda forem cabíveis ao caso, sua análise, ocorrerá juntamento com o mérito. 2.2.1 Da Aplicação do Código de Defesa do Consumidor/ Da Inversão do Ônus da Prova O CDC é aplicável aos contratos bancários, conforme pacificado na Súmula 297 do STJ, se houver relação de consumo e no que couber. Contudo, tal fato não tem o condão de autorizar, ex officio, a revisão de cláusulas contratuais pelo julgador, conforme Súmula 381 do STJ. Contudo, em casos excepcionais, comprovada a abusividade, a revisão é admissível. Destaca-se que o ônus imposto ao Réu de provar a ocorrência de fato positivo que extinga, impeça ou altere o direito da Autora decorre da chamada distribuição dinâmica, e lógica, do ônus da prova, segundo a qual fica encarregada de provar determinado fato, quem, dentre os litigantes, tiver as melhores condições de fazê-lo. Logo, se a parte autora da demanda vem a juízo vindicar a revisão do contrato, àquele que alega a inexistência de onerosidade e abusividade, passa a incumbir o dever de comprovar o fato positivo, isto é, a regular incidência dos encargos. Portanto, esse ônus do Réu em provar o fato positivo capaz de desconstituir as alegações do autor pode ser fruto tanto da inversão prevista no inciso VIII do art. 6º do CDC quanto de uma incumbência lógica que nasce com a angularização do processo, em decorrência da própria norma do inciso II do artigo 373 do CPC, a partir do momento em que o demandante afirma a existência de onerosidade e abusividade de contratos pactuados entre as partes litigantes. 2.3 Da abusividade dos juros remuneratórios A parte autora alega a ocorrência de ilegalidade e abusividade nos juros aplicados ao contrato e pretende a revisão de cláusulas atinentes a contratos firmados com o banco, ora requerido. Questiona especificamente os juros, na forma e percentual em que foram cobrados. De início, consigne-se que, como é cediço, o Colendo Supremo Tribunal Federal e o Colendo Superior Tribunal de Justiça há muito reconhecem a legalidade das taxas, juros e demais encargos previstos em contratos bancários. Contudo, o presente caso apresenta peculiaridade relevante: a alegação de cobrança de juros superiores à taxa média de mercado vigente à época da contratação do empréstimo pela parte autora. Nesse aspecto, o pleito autoral merece acolhimento. Tratando-se de relação de consumo, e diante da apresentação de prova documental consistente e verossímil, aliado à hipossuficiência técnica e à vulnerabilidade da parte consumidora, impõe-se a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Assim, cabia à parte requerida demonstrar que a cobrança de juros, no período em questão, observou a regularidade e se pautou pela taxa média de mercado. Trata-se de prova que não é complexa ou de difícil obtenção, especialmente porque a requerida, na qualidade de instituição financeira, detém plenas condições de comprovar a legalidade dos encargos praticados. No entanto, não se desincumbiu desse ônus. Conforme entendimento consolidado, admite-se a revisão das taxas de juros remuneratórios em hipóteses excepcionais, desde que verificada a existência de relação de consumo e demonstrada a abusividade que coloque o consumidor em desvantagem excessiva, conforme as peculiaridades do caso concreto — o que ocorre na presente demanda. O objetivo da revisão não é invalidar o pacto celebrado entre as partes, mas sim corrigir eventual desequilíbrio econômico-financeiro, coibindo abusos e alinhando os encargos à taxa média de mercado, especialmente à luz do art. 51, §1º, do CDC. As taxas de juros aplicadas, à época da celebração do contrato acostado aos autos, em operações de crédito pessoal consignado para beneficiários do INSS, variavam entre 1,29% a.m. (16,69% a.a.) e 2,13% a.m. (28,71% a.a.). Todavia, o contrato juntado sob o ID 122545130, datado de 23/03/2023, apresenta taxa de 19,85% ao mês e 778,33% ao ano. Dessa forma, resta comprovado que os juros fixados no contrato ora em exame são absolutamente excessivos, extrapolando qualquer parâmetro de razoabilidade, pois superam em mais de oito vezes a taxa média de mercado vigente à época da contratação. Configurada, portanto, a abusividade, impõe-se a adequação dos percentuais às taxas médias divulgadas pelo Banco Central do Brasil, observadas as condições da contratação. Ademais, é devida a devolução dos valores pagos a maior, de forma simples, ante a inexistência de prova de má-fé da instituição financeira, cuja presunção não se admite. Veja-se, nesse sentido, os seguintes precedentes dos tribunais pátrios: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL INTERPOSTO POR AMBAS AS PARTES - – AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO – CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIA - PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA – RELATIVIZAÇÃO – MANEJO DE AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO – ADMISSIBILIDADE – RESTABELECIMENTO DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO ENTRE AS PARTES – JUROS REMUNERATÓRIOS – JUROS REMUNERATÓRIOS EXCESSIVOS – REDUÇÃO – POSSIBILIDADE - JUROS CONTRATADOS MUITO ALÉM DA TAXA MÉDIA DE MERCADO PREVISTA PELO BACEN À ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO - REPETIÇÃO DO INDÉBITO – ADMISSÃO NA FORMA SIMPLES – INEXISTÊNCIA DE ERRO E MÁ-FÉ DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA –AFASTAMENTO DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO -– TARIFA DE CADASTRO - POSSIBILIDADE DE COBRANÇA NO INÍCIO DO RELACIONAMENTO BANCÁRIO (RESP N. 1255573/RS) - TARIFA DE AVALIAÇÃO DO BEM E REGISTRO DO CONTRATO– TESE FIRMADA EM RECURSO REPETITIVO – RESP 1578553/SP (TEMA 958) – SERVIÇO EFETIVAMENTE PRESTADO - LEGALIDADE DA COBRANÇA– SEGURO DE PROTEÇÃO FINANCEIRA – OPTANTE DE CONTRATAÇÃO DO SEGURO – LEGALIDADE DA COBRANÇA - VENDA CASADA NÃO CONSTATADA - RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PARCIALMENTE PROVIDO – RECURSO DA PARTE AUTORA DESPROVIDO. É possível a revisão de cláusulas pactuadas quando demonstrada a onerosidade excessiva ao consumidor, admitindo-se a relativização do princípio pacta sunt servanda a fim de estabelecer o equilíbrio contratual. O manejo de ação revisional prescinde de requisitos e visa manter o equilíbrio contratual, em respeito ao princípio da conservação dos contratos, não causando ofensa ao ato jurídico perfeito. Demonstrado o excesso dos juros remuneratórios capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada, admite-se a sua revisão para limitar a taxa de juros de acordo com a taxa média de mercado, à data da contratação. Restando constatado o pagamento de valores a maior pela parte, em sede de liquidação de sentença, cabível a repetição de indébito ou a compensação, na forma simples, devidamente atualizado, tendo em vista o princípio que veda o enriquecimento sem causa do credor. A condenação da devolução dos valores cobrados indevidamente em dobro demanda a comprovada a má-fé, o abuso ou leviandade, como determinam os artigos 940 do CC e 42, parágrafo único do CDC, o que não ocorreu na espécie. “Permanece válida a Tarifa de Cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador da autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira . - 3ª Tese: Podem as partes convencionar o pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras e de Crédito (IOF) por meio de financiamento acessório ao mútuo principal, sujeitando-o aos mesmos encargos contratuais. 11. Recurso especial conhecido e parcialmente provido” (STJ, REsp 1255573/RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª Seção,).” Se o contrato foi celebrado posteriormente à vigência da Resolução CMN 3.518⁄2007, conforme decidido no Recurso Especial repetitivo nº 1.251 .331-RS, são considerados devidos os valores cobrados a título de Tarifa de Cadastro, caso se trate de início de relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira. Inexistindo prova em contrário, a cobrança é devida. É válida a cobrança da tarifa de avaliação de bem e registro de contrato, conforme tese fixada no julgamento do Resp. 1 .578.553/SP, submetido ao rito dos Recursos Repetitivos: “Validade da tarifa de avaliação do bem dado em garantia, bem como da cláusula que prevê o ressarcimento de despesa com o registro do contrato, ressalvadas a: - abusividade da cobrança por serviço não efetivamente prestado; e a - possibilidade de controle da onerosidade excessiva, em cada caso concreto”. (Recurso Especial 1.578 .553 - SP (2016/0011277-6 de 28/11/2018) – Segunda Seção - Relator.: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino). No julgamento do Tema 958, o Superior Tribunal de Justiça referendou a validade da tarifa de avaliação do bem dado em garantia e da taxa de registro de contrato, ressalvada a possibilidade de reconhecimento da abusividade, decorrente da cobrança por serviço não prestado, e o controle da onerosidade excessiva, o que não se verificou na hipótese, sendo válida a cobrança. Não se revela abusiva a cláusula que, em contrato celebrado a partir de 30.04 .2008, permite ao consumidor optar, com nítida autonomia da vontade, pela contratação de seguro com a instituição financeira. Tese fixada nos Recursos Especiais Repetitivos nos. 1.639 .320/SP e 1.639.259/SP – TEMA 972. Se, no ato da celebração do contrato bancário, é facultado ao contratante optar por contratar ou não o seguro prestamista, a opção pela contratação não caracteriza venda casada. “No caso, há elementos que comprovam a efetiva pactuação do Seguro de Proteção Financeira, bem assim que a autorização do referido serviço foi expressamente registrada no contrato, em conformidade com o estabelecido na tese fixada nos Recursos Especiais Repetitivos n. 1.639.320/SP e n. 1.639.259/SP - TEMA 972. 6 . Então, considerando que a realização do contrato não foi condicionada à adesão ao seguro; inexiste a hipótese do artigo 31, I, do Código de Defesa do Consumidor, de modo a prevalecer a sua contratação, uma vez que optou o apelante por fazê-lo, não havendo que se falar, portanto, em restituição do valor pago a esse título. (...)” (N.U 1002166-81.2020.8 .11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 02/02/2022, Publicado no DJE 03/02/2022) (N.U 1006374-66.2020 .8.11.0055, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Primeira Câmara de Direito Privado, Julgado em 29/11/2022, Publicado no DJE 05/12/2022) (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1002186-71.2022 .8.11.0051, Relator: NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, Data de Julgamento: 12/12/2023, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/12/2023) V – EMENTA DIREITO DO CONSUMIDOR E BANCÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. PARCIAL PROCEDÊNCIA. DEVER DE INFORMAÇÃO VIOLADO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. NULIDADE DE CLÁUSULAS ABUSIVAS. ADEQUAÇÃO DA TAXA DE JUROS À MÉDIA DE MERCADO. REJEITADA A TESE DE CONVERSÃO DA MODALIDADE CONTRATUAL. DANO MORAL NÃO EVIDENCIADO. RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES. HONORÁRIOS ARBITRADOS. ART. 85 § 11 DO CPC. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Recurso de apelação interposto pelo banco, contra sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos de ação revisional de contrato de cartão de crédito consignado, determinando a limitação dos juros remuneratórios à taxa média de mercado (1,96% a.m.), a repetição simples do indébito atualizado e a repartição proporcional das despesas processuais, afastando danos morais e a restituição em dobro. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) verificar se houve violação ao princípio da dialeticidade recursal; (ii) analisar a impugnação à gratuidade da justiça concedida à parte autora; (iii) examinar a regularidade do contrato de cartão de crédito consignado, especialmente no tocante à adequação da taxa de juros e ao dever de informação. III. RAZÕES DE DECIDIR O princípio da dialeticidade recursal, previsto no art . 1.010, II e III, do CPC, exige que o recurso contenha os fundamentos de fato e de direito que embasam o inconformismo. No caso, o recurso apresenta motivação clara e suficiente, que permite o exame das razões recursais, afastando-se a preliminar. A gratuidade da justiça, conforme o art . 99, § 2º do CPC, é revogável apenas mediante prova da capacidade financeira da parte beneficiária. Cabe ao impugnante o ônus de comprovar a inexistência da hipossuficiência econômica, o que não ocorre na hipótese. No mérito, a relação jurídica firmada entre as partes é regida pelo Código de Defesa do Consumidor, nos termos da Súmula 297 do STJ, exigindo transparência e boa-fé objetiva ( CDC, art. 4º, III e arts . 6º, 46 e 52). O banco não comprova que prestou informações claras e precisas sobre o produto contratado. A autora buscou empréstimo consignado, mas foi surpreendida com descontos de cartão de crédito consignado, cujo saldo inicial decorreu de "saques", evidenciando a onerosidade excessiva e o desvirtuamento do contrato. A incidência de juros superiores à taxa média de mercado implica nulidade das cláusulas abusivas, conforme o art . 51 do CDC e entendimento consolidado no REsp 1.061.530/RS, sob o rito dos repetitivos, devendo o saldo devedor ser adequado à taxa média vigente à época (1,96% a.m .). IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: A relação jurídica entre consumidor e instituição financeira se submete às disposições do Código de Defesa do Consumidor. A ausência de informações claras e adequadas sobre a natureza do contrato viola o dever de informação e o princípio da boa-fé objetiva. A adequação da taxa de juros deve observar a média de mercado à época da contratação para coibir encargos abusivos. Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 4º, III, 6º, 46, 51 e 52; CPC, arts. 1.010, II e III, 85, § 11, 99, § 2º e 98, § 3º. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 297; REsp 1.061 .530/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi; AgInt no REsp 1823145/SP, Rel. Min. Marco Buzzi; TJMT, N.U 1025321-96.2021.8 .11.0003, Quarta Câmara de Direito Privado; TJMT, N.U 1006280-97.2022 .8.11.0007. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10336109320248110041, Relator.: SERLY MARCONDES ALVES, Data de Julgamento: 29/01/2025, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 01/02/2025) 2.2.2 Dos danos morais No tocante aos danos morais, ausente demonstração de abalo concreto e direto decorrente da cobrança dos valores, sendo inadmissível presumir o dano, consoante jurisprudência reiterada. A propósito: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PRESCRIÇÃO – PRAZO DECENAL – RECONHECIDA DE OFÍCIO – CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) – CONVERTIDO EM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM FOLHA DE PAGAMENTO – SERVIDOR PÚBLICO – SAQUE DE LIMITE DE CARTÃO DE CRÉDITO – VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO – ILEGALIDADE CONSTATADA – TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS – ADEQUAÇÃO À MÉDIA PRATICADA NA ÉPOCA DO SAQUE – RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO – FORMA SIMPLES – DANO MORAL – NÃO CONFIGURADO – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Esta Câmara pacificou o entendimento de que em casos como este incide a prescrição decenal (art. 205 do Código Civil), contado o prazo a partir de cada pagamento. Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça, da mesma forma, pacificou entendimento no sentido de ser decenal o prazo prescricional incidente sobre a pretensão reparatória fundada em responsabilidade civil contratual (EREsp 1 .281.594/SP, Relator para acórdão Ministro FELIX FISCHER, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/5/2019, DJe de 23/5/2019). Tendo o contratante entendido tratar-se de mútuo consignado e o valor do empréstimo sido disponibilizado ao consumidor, via TED, mas cobrado como cartão de crédito consignado, fica caracterizada a prática comercial abusiva, violação do dever de transparência, sendo devida a conversão da modalidade contratual e adequação da taxa de juros à média de mercado, para as operações da mesma natureza, disponibilizada pelo Banco Central à época do saque. As parcelas imotivadamente descontadas devem ser restituídas na forma simples quando não constatada a intenção dolosa. A cobrança injustificada não configura, por si só, o dano moral. Ademais, se não demonstrados os requisitos caracterizadores da reparação civil, não é cabível a indenização a título de dano moral. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 10033707220238110004, Relator.: SERLY MARCONDES ALVES, Data de Julgamento: 07/02/2024, Vice-Presidência, Data de Publicação: 11/02/2024) SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO RAC. Nº 1001509-51.2020.8 .11.0038 APELANTE: BANCO BRADESCO S.A. APELADO: ANDRE FRANCISCO DOS SANTOS E M E N T A RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PARCIAL PROCEDENCIA – CONTRATO DE TARIFAS BANCÁRIAS E SEGURO “BRADESCO VIDA E PREVIDÊNCIA” – PREJUDICIAL DE MÉRITO – ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO TRIENAL - ARTIGO 206, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL – DESCABIMENTO – INCIDÊNCIA DO ARTIGO 27 DO CDC – PRESTAÇÕES/DESCONTOS DE TRATO SUCESSIVO – PRESCRIÇÃO EM RELAÇÃO AOS DESCONTOS EFETUADOS ANTES DO QUINQUÊNIO QUE PRECEDE A PROPOSITURA DA AÇÃO – MÉRITO – ALEGAÇÃO DE CONTRATAÇÃO – DESCABIMENTO – AUSÊNCIA DE CONTRATO – FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS EVIDENCIADA – DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO – DANO MATERIAL – RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES – DANO MORAL – NÃO CARACTERIZAÇÃO – MERO ABORRECIMENTO – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA – ARTIGO 86, CAPUT, DO CPC/15 – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO . Ao contrário do que alega o apelante/requerido, por se tratar o caso de relação de consumo, aplicável o prazo quinquenal previsto no artigo 27 do CDC e não o artigo 206, § 3º, do CC, cuja contagem deve se iniciar na data em que a parte ofendida teve plena ciência do dano, tendo em vista tratar-se de ação declaratória de inexistência de relação jurídica. Por outro lado, tratando-se a relação jurídica de trato sucessivo, o fundo do direito não prescreve, ou seja, o dano sofrido renova-se a cada desconto indevido, impondo-se o reconhecimento da prescrição da cobrança apenas em relação aos débitos efetivados antes do quinquênio que precede a propositura da ação. Não comprovada pela instituição financeira a regularidade na contratação das tarifas bancárias denominadas: “Cesta Expresso; Cartão Crédito Anuidade; Título Capitalização; Bradesco Vida Previdência e Seguro de Vida” para com a parte autora, afiguram-se indevidos os débitos efetivados na sua conta corrente, ensejando-lhe tal condição a restituição do indébito. Havendo pagamento indevido pelo consumidor e reconhecidamente ilegal, deve ser procedida a restituição na forma simples (art . 876 do CC), sob pena de enriquecimento ilícito. In casu, não há falar-se em indenização por danos morais, uma vez que é pacífica a jurisprudência do STJ “[...] no sentido de que os aborrecimentos comuns do dia a dia, os meros dissabores normais e próprios do convívio social não são suficientes para originar danos morais indenizáveis [...]. ”(STJ - AgInt no AREsp 1450347/MA, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 27/05/2019, DJe 03/06/2019). Havendo sucumbência recíproca, as partes devem arcar proporcionalmente com o pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, nos termos do artigo 86 do CPC/15 .-(TJ-MT - AC: 10015095120208110038, Relator.: MARILSEN ANDRADE ADDARIO, Data de Julgamento: 24/05/2023, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/05/2023) APELAÇÃO – AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - EMPRÉSTIMO PESSOAL OFERECIDO PELO BANCO – DEPÓSITO NA CONTA-CORRENTE – COBRANÇA COMO CARTÃO DE CRÉDITO – ABALO EXTRAPATRIMONIAL NÃO CONFIGURADO – INDENIZAÇÃO AFASTADA – RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO - FORMA SIMPLES – JUROS DE MORA – A PARTIR DA CITAÇÃO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Se o montante do empréstimo é disponibilizado ao consumidor via TED mas cobrado como cartão de crédito, fica caracterizada a violação aos princípios da transparência e informação. A cobrança injustificada não configura, por si só, o dano moral. As parcelas imotivadamente descontadas devem ser restituídas na forma simples quando não constatada a intenção dolosa, com juros de mora desde a citação. (N.U 1000580-08.2019.8.11.0085, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 02/06/2021, Publicado no DJE 26/07/2021). 3. DISPOSITIVO Posto isso, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados, para: a) Declarar a abusividade das taxas de juros remuneratórios pactuadas no contrato juntado neste processo, determinando a revisão contratual com adequação dos encargos à taxa média de mercado em operações semelhantes, conforme dados divulgados pelo Banco Central à época da contratação; b) Determinar a devolução simples dos valores pagos a maior, com atualização monetária desde cada desembolso e juros moratórios a partir da citação, permitindo-se a compensação com eventual saldo devedor; c) Rejeitar os pedidos de indenização por danos morais, bem como os demais não expressamente acolhidos. Declaro o processo extinto com resolução de mérito, com fulcro no art. 487, I, do CPC. Diante da sucumbência recíproca, as custas e despesas processuais serão suportadas na proporção de 50% por cada parte. Fixo os honorários advocatícios em 10% sobre o valor atualizado da causa, conforme o art. 85, § 2º, do CPC, suspendendo-se a exigibilidade quanto à parte autora, beneficiária da gratuidade da justiça (art. 98, § 3º, do CPC). Interposto recurso de apelação ou apelação adesiva, intime-se a parte contrária para apresentar suas contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, conforme dispõe o artigo 1.010, parágrafos 1º e 2º, do Código de Processo Civil. Após, subam os autos ao E. Tribunal Regional Federal da Primeira Região, independente de nova conclusão ou juízo de admissibilidade. Após o trânsito em julgado, e nada sendo requerido, remetam-se os autos ao arquivo, na condição de findo, mediante adoção e anotações das formalidades de praxe. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Porto Alegre do Norte/MT, datado eletronicamente. Alex Ferreira Dourado Juiz de Direito Substituto

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