Processo nº 1000886-26.2023.8.11.0088
ID: 306366622
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1000886-26.2023.8.11.0088
Data de Disponibilização:
24/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000886-26.2023.8.11.0088 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Contratos Bancários, Empréstimo consignado] Rela…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000886-26.2023.8.11.0088 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Contratos Bancários, Empréstimo consignado] Relator: Des(a). MARCOS REGENOLD FERNANDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [BANCO C6 CONSIGNADO S.A. - CNPJ: 61.348.538/0001-86 (APELANTE), RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA - CPF: 444.850.181-72 (ADVOGADO), JOSE LUIZ RODRIGUES SILVA - CPF: 250.390.599-49 (APELADO), ELISANGELA MAXIR PACHECO CEOLIN - CPF: 024.836.211-98 (ADVOGADO), ALEXSANDRA VORTMANN FABRIN - CPF: 856.346.201-63 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO CELEBRADO POR MEIO DIGITAL. CONSUMIDOR IDOSO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DE VONTADE LIVRE E ESCLARECIDA. NULIDADE CONTRATUAL. DANO MORAL CONFIGURADO. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. COMPENSAÇÃO DE VALORES E NOVA SISTEMÁTICA DE CORREÇÃO MONETÁRIA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta por Banco C6 Consignado S.A. contra sentença que julgou parcialmente procedente ação ajuizada por José Luiz Rodrigues Silva, idoso de 68 anos, visando à declaração de nulidade de contrato de empréstimo consignado celebrado por meio digital, com restituição em dobro dos valores descontados, indenização por danos morais e compensação de valores, além de aplicação da nova sistemática legal de correção monetária. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há quatro questões em discussão: (i) verificar a validade de contratação de empréstimo por meio digital com consumidor idoso; (ii) aferir a existência de vício de consentimento e consequente nulidade contratual; (iii) definir a possibilidade de indenização por danos morais e repetição do indébito em dobro; e (iv) confirmar a compensação de valores e a incidência da Lei nº 14.905/2024 quanto à atualização monetária e juros. III. RAZÕES DE DECIDIR A contratação de empréstimo por meio digital, firmada em tempo ínfimo e com consumidor idoso, presume-se viciada na ausência de comprovação inequívoca de consentimento livre e esclarecido, notadamente diante da hipervulnerabilidade reconhecida pela jurisprudência do STJ. A apresentação de dossiê eletrônico com geolocalização e selfie não supre a obrigação do fornecedor de assegurar plena compreensão do contrato, sobretudo quando há indícios de equívoco quanto às condições pactuadas. A ausência de manifestação de vontade qualificada e a divergência entre a proposta aceita e as cláusulas contratadas invalidam o contrato, autorizando sua nulidade com base no art. 46 do CDC e no princípio da boa-fé objetiva. Configura-se o dano moral indenizável quando o consumidor é exposto à contratação indevida e a descontos em benefício previdenciário, sendo razoável o valor fixado em R$ 4.000,00, à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. A restituição em dobro dos valores descontados é devida quando o pagamento indevido ocorre após 30/03/2021, nos termos do entendimento firmado pelo STJ no EAREsp 676.608/RS, sendo desnecessária a comprovação de má-fé do fornecedor. A compensação entre os valores devidos pelo banco e aqueles eventualmente retidos pelo autor é medida adequada para evitar enriquecimento sem causa, conforme previsto na sentença complementada por embargos declaratórios. A nova sistemática de correção monetária e juros moratórios estabelecida pela Lei nº 14.905/2024 aplica-se à condenação, devendo-se observar o IPCA como índice de correção e a Taxa Selic como parâmetro de juros, com os devidos ajustes conforme o § 3º do art. 406 do CC/2002. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: “1. É nulo o contrato de empréstimo digital celebrado com consumidor idoso quando não demonstrada a manifestação de vontade livre e esclarecida, diante da hipervulnerabilidade. 2. A configuração de vício de consentimento autoriza a declaração de nulidade do contrato e a restituição em dobro dos valores indevidamente descontados, mesmo sem comprovação de má-fé do fornecedor. 3. A contratação indevida de empréstimo gera dano moral indenizável, sobretudo quando compromete verba de natureza alimentar. 4. É admissível a compensação entre valores indevidamente pagos e montante efetivamente creditado ao consumidor, para evitar enriquecimento sem causa. 5. A Lei nº 14.905/2024 aplica-se às condenações civis, devendo-se observar o IPCA como índice de correção monetária e a Taxa Selic como juros moratórios, com as adaptações previstas no § 3º do art. 406 do CC/2002.” R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR) Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação interposto por BANCO C6 CONSIGNADO S.A. contra a sentença prolatada pela MM. Juíza Substituta Rafaella Karlla de Oliveira Barbosa, da Vara Única de Aripuanã, que, nos autos da presente Ação de Consignação em Pagamento c/c Declaratória de Inexistência de Negócio Jurídico c/c Indenização por Danos Morais e Pedido de Tutela Provisória de Urgência, julgou parcialmente procedente a demanda ajuizada por José Luiz Rodrigues da Silva para (1) declarar a nulidade da Cédula de Crédito Bancário – CCB n. 010111139672, e determinar a imediata suspensão dos débitos realizados no benefício previdenciário do autor; (2) condenar o requerido a restituir em dobro os valores descontados do autor, e a pagar indenização pelos danos morais causados ao autor no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais); (3) autorizar a compensação de valores entre as partes; e (4) determinar a retificação dos índices de atualização monetária, em conformidade com a nova Lei 14.905/2024, de 01/07/2024. Em suas razões recursais, o apelante sustenta, em síntese, irregularidade na análise unilateral da assinatura pelo juízo. Defende a validade da contratação digital com apresentação de dossiê probatório, a ausência de dano moral por inexistência de ato ilícito e a desproporcionalidade do valor fixado a título de danos morais. Alega ainda que descabida a repetição do indébito em dobro, uma vez que os descontos decorrem de exercício regular do direito. Diante do exposto, requer a reforma integral da decisão para julgar improcedente a demanda ajuizada em seu desfavor. Contrarrazões em ID 289129378. Cumpridos os requisitos de admissibilidade, submeto o recurso ao julgamento colegiado. É o relatório. Inclua-se em pauta. V O T O R E L A T O R EXMO. SR. DES. MARCOS REGENOLD FERNANDES (RELATOR): Egrégia Câmara: Como visto, trata-se de recurso de apelação interposto por Banco C6 Consignado S.A. contra sentença que julgou parcialmente procedente a demanda ajuizada por José Luiz Rodrigues da Silva para (1) declarar a nulidade da Cédula de Crédito Bancário – CCB n. 010111139672, e determinar a imediata suspensão dos débitos realizados no benefício previdenciário do autor; (2) condenar o requerido a restituir em dobro os valores descontados do autor, e a pagar indenização pelos danos morais causados ao autor no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais); (3) autorizar a compensação de valores entre as partes; e (4) determinar a retificação dos índices de atualização monetária, em conformidade com a nova Lei 14.905/2024, de 01/07/2024. Na petição inicial, o autor (beneficiário de pensão por morte previdenciária junto ao INSS) narrou que teve interesse em contratar empréstimo consignado no valor de R$ 31.000,00, com pagamento em 48 parcelas de R$ 680,00. Contudo, ao consultar extrato do INSS, verificou que havia sido vítima de fraude, pois o contrato efetivamente firmado previa 84 parcelas de R$ 830,00, condições diversas das inicialmente propostas. Destacou também que os dados de captura na contratação indicavam número telefônico com DDD 71, de outro estado, não sendo de seu conhecimento. À vista disso, requereu a declaração de nulidade do contrato, suspensão dos descontos, restituição em dobro dos valores descontados e indenização por danos morais. O requerido contestou alegando que a contratação ocorreu regularmente por meio digital, com emissão da Cédula de Crédito Bancário nº 010111139672, no valor de R$ 32.659,77, dividido em 84 parcelas de R$ 830,00. Sustentou a validade da contratação eletrônica e a ausência de irregularidades no procedimento. A sentença de primeiro grau julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos seguintes termos: “[...] II – FUNDAMENTAÇÃO Em que pese o pedido do requerido de depoimento pessoal do autor, de início, promovo o julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 355, inciso I, do CPC, eis que os documentos juntados aos autos são suficientes para o deslinde do feito, dispensando dilação probatória. Ademais, quando for o caso, o julgamento antecipado não é faculdade do magistrado, mas dever que a lei impõe ao julgador em homenagem ao princípio da duração razoável do processo. Da impugnação à gratuidade da justiça A parte requerida afirma que o autor não faz jus à gratuidade da justiça. Ocorre, todavia, que o magistrado antecessor já deferiu o benefício, conforme decisão proferida em id. 117580365. Não trazendo aos autos nenhuma prova de que o autor não preenche os requisitos de hipossuficiência, mantenho a gratuidade de justiça, uma vez não desconstituída, pelorequerido, a presunção de veracidade da declaração de necessidade. Da alegação de inépcia de inicial Alega o BANCO que a petição é inepta, pois não está instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação, eis que o autor deixou de juntar documento pessoal e comprovante de residência à inicial. Sem razão, contudo. Em poucas palavras, petição inepta consiste na petição em que há omissão dos requisitos legais, reputados como insanáveis, ou se mostra profundamente contraditória e obscura, ou em conflito patente com a lei, o que não observo no presente caso. Vejamos o que estabelece o “caput” e parágrafos do artigo 330 do Código de Processo Civil: Art. 330. A petição inicial será indeferida quando: I - for inepta; (...) § 1º Considera-se inepta a petição inicial quando: I - lhe faltar pedido ou causa de pedir; II - o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; III - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV - contiver pedidos incompatíveis entre si. Quanto à ausência de juntada de comprovante de residência, nos termos do artigo310 do CPC, a parte autora deve declarar na petição inicial o seu domicílio e residência. Não há exigência, contudo, de juntada de comprovante de endereço, o qual não constitui documento indispensável à propositura da ação. Ademais, os documentos apresentados pelo autor com a inicial são suficientes para a comprovação do seu local de domicílio. Destaco o documento juntado em id. 116659689, no qual consta o mesmo endereço de residência apontado na inicial - Rua Vanderlei Steink, n.º 73, Centro - CEP 78325-000 – Aripuanã/MT. Nesse sentido, é a seguinte jurisprudência: [...] De igual forma, a ausência de juntada aos autos de documento pessoal não conduz a extinção da ação. Ademais, acolher a preliminar seria tecnicismo exacerbado. [...] Rejeito, portanto, a preliminar de inépcia da inicial. Presentes as condições da ação e pressupostos processuais, passo à análise do mérito. MÉRITO De início destaco que a presente lide deve ser solucionada à luz do Código de Defesa do Consumidor, cujas normas são de ordem pública e de interesse e função social, de natureza cogente, como disposto no artigo 1º da legislação consumerista, que reconhece no consumidor a parte mais fraca na relação de consumo, afastando, assim, a igualdade formal das partes, tal como capitulada no Código Civil e outras leis, para acolher a vulnerabilidade do consumidor. Destaco, ainda, que a responsabilidade do requerido é de natureza objetiva, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Ou seja, tratando de responsabilidade objetiva, basta ao consumidor demonstrar o ato ilícito, o dano e o nexo de causalidade. Verifica-se no caso em análise que o autor discute a emissão de Cédula de Crédito Bancário (CCB) nº 010111139672, referente a um empréstimo consignado vinculado ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), no valor total de R$ 32.659,77 (trinta e dois mil, seiscentos e cinquenta e nove reais e setenta e sete centavos), dividido em 84 (oitenta e quatro) parcelas de R$ 830,00 (oitocentos e trinta reais). O autor afirma que não anuiu com a contratação. Esclareceu que recebeu oferta para contratar empréstimo consignado no valor de R$ 31.000,00 (trinta e um mil reais), tendo como forma de pagamento 48 (quarenta e oito) parcelas de R$ 680,00 (seiscentos e oitenta reais). O Banco requerido, por sua vez, afirma que o autor realizou o empréstimo de forma virtual. Pois bem. O autor, na data da celebração do contrato, contava com 68 (sessenta e oito) anos. Sabe-se que a senilidade, por si só, não é causa de incapacidade dapessoafísica, entretanto, a formalização de negócios jurídicos comesse grupo, considerado vulnerável, exige a comprovação de que tenha compreensão das cláusulas. O contrato foi firmado de forma virtual, tendo sido enviado ao requerente uma via do contrato (CCB) em formato digital com os dados da operação, conforme apontado pelo requerido. Analisando o documento juntado em id. 116663094 – Dossiê Probatório, constato que o acesso se deu pelo celular com DDD 71, número este que o autor afirma nunca ter sido titular da referida linha telefônica. Ainda que o fosse e tivesse de fato entrado em contato com o BANCO requerido, percebe-se pelas informações constantes no documento que a transação não durou mais que 05 (cinco) minutos: “1ª interação na Plataforma – 10:54:29 (....) Cláusulas da CCB lidas e aceitas – 10:59:50”. Nota-se que a questão que ora se apresenta envolve a análise da validade de um contrato firmado por um idoso de forma virtual, por meio de plataformas digitais, sem a devida explicação e esclarecimento das cláusulas contratuais. O direito do consumidor, conforme estipulado pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), garante que os contratos sejam firmados de maneira clara e acessível, especialmente em relação a consumidores vulneráveis, como os idosos. A dificuldade dos idosos em realizar contratações de forma virtual está atrelada a diversos fatores, como a falta de familiaridade com a tecnologia, a insegurança nas transações online e, muitas vezes, a impossibilidade de compreender completamente os termos e condições de um contrato quando não há o devido esclarecimento. No caso dos autos, impossível obter as informações necessárias em menos de 5 (cinco) minutos para finalizar a contratação de um crédito. O processo de contratação virtual, especialmente quando realizado de forma rápida e impessoal, pode induzir o idoso a decisões apressadas, sem a reflexão necessária sobre o conteúdo do contrato. A rapidez com que a transação é realizada, somada à falta de um contato presencial, dificulta a análise das cláusulas que podem ser desfavoráveis ao consumidor. Não há tempo suficiente para questionamentos, esclarecimentos ou até mesmo a leitura completa do contrato. Ademais, é imperativo que o fornecedor de serviços ou produtos adote medidas mais cuidadosas para garantir que o idoso tenha acesso às informações de forma clara, compreensível e acessível. A ausência dessa providência pode configurar uma violação ao princípio da transparência e boa-fé objetiva, previstos no Código Civil, prejudicando a formação do consentimento do consumidor idoso e, consequentemente, a validade do contrato firmado. Portanto, é de suma importância que, em transações envolvendo idosos, as empresas adotem uma postura mais responsável, oferecendo explicações detalhadas sobre as cláusulas contratuais e assegurando que o idoso compreenda adequadamente os termos aos quais estará se vinculando. O não cumprimento dessas obrigações pode resultar na nulidade do contrato ou na aplicação de medidas protetivas em favor do consumidor vulnerável, a fim de resguardar seus direitos e sua dignidade. De fato, o requerido apresentou o contrato virtual, assinado eletronicamente pelo consumidor, acompanhado de fotografia pessoal (selfie) e de coordenadas de geolocalização, todavia, é nítida a ausência de informações precisas em relação às cláusulas contratuais. Conforme se depreende dos autos, anteriormente, o autor já tinha recebido uma proposta por parte do requerido com a qual teria concordado, todavia, diversa da que realmente restou pactuada. A forma em que se deu a operação financeira contestada, ante a singularidade e complexidade do ambiente virtual, principalmente paraidosos, os quais têm vulnerabilidade informacional agravada, demonstra que não houve por parte do autor um consentimento informado, isto é, uma vontade qualificada e devidamente instruída sobre o teor da contratação, tendo confundido a proposta com uma outra anteriormente recebida – 48 prestações de R$ 680,00 (seiscentos e oitenta reais), e não 84 (oitenta e quatro) parcelas de R$ 830,00 (oitocentos e trinta reais). Nota-se, inclusive, que o valor do crédito concedido foi similar à proposta anterior, ou seja: R$ 31.000,00 (trinta e um mil reais), diferenciando significativamente na quantidade e no valor da parcela. Desta forma, a declaração de nulidade do contrato é medida que se impõe, eis que a a parte autora afirma não ter contratado o empréstimo nas condições constantes do CCB, ou seja, restou evidente a ausência de informações claras e precisas acerca do contrato, o que o torna nulo. Da Repetição de Indébito A respeito da restituição dos valores indevidamente cobrados do consumidor, é de conhecimento a divergência doutrinária e jurisprudencial existente sobre os requisitos para que a repetição se dê na forma dobrada, como previsto no art. 42, parágrafo único, do CDC. Em recente julgamento, a Corte Especial do STJ, na apreciação do EAREsp 676.608/RS, fixou tese de que seria desnecessária a prova da má-fé do fornecedor, verbis: [...] Ocorre que a Corte Superior modulou os efeitos em relação à primeira tese, assentando a sua aplicabilidade apenas aos pagamentos indevidos realizados após a publicação do acórdão, ocorrida em 30/03/2021. Confira-se: [...] No caso dos autos, portanto, como o desconto da primeira parcela ocorreu na data de 07/03/2022, o autor deve receber os valores debitados em dobro. Dano moral Quanto aosdanos morais, entendo configurados, na medida em que a hipótese em comento ultrapassa os meros dissabores do cotidiano, principalmente levando-se em consideração que o autor tentou resolver amigavelmente, inclusive tendo procurado o PROCON, e mesmo assim não obteve êxito. Para o arbitramento do valor a ser fixado a título de indenização por dano moral, deve-se levar em conta que a indenização há de ser proporcional ao dano sofrido e suficiente para repará-lo, conforme a sua extensão. No caso dos autos, deve-se ainda considerar a demora na propositura da demanda, conforme apontou a instituição financeira requerida. Verifico que o desconto da primeira parcela teve início em 07/03/2022, sendo a ação proposta em 03 de maio de 2023. Assim, na hipótese, considero justa e, além disso, proporcional em razão da gravidade do dano, a natureza e a situação econômica do ofensor e do ofendido que declara ser aposentada pelo INSS, bem como as circunstâncias em que os fatos se desenvolveram, o valor da indenização arbitrado em R$ 4.000,00 (quatro mil reais). III – DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial para o fim de: a) declarar a nulidade da Cédula de Crédito Bancário – CCB n. 010111139672, e determinar a imediata suspensão dos débitos realizados no benefício previdenciário do autor; b) condenar o requerido, BANCO C6 CONSIGNADO S.A, a restituir em dobro os valores descontados do autor, com correção monetária desde o efetivo prejuízo, e juros de mora a partir da citação, nos termos das Súmulas 43 e 54 do STJ. c) condenar o requerido ao pagamento de indenização pelos danos morais causados ao autor no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), cuja correção monetária deve ser feita pelo índice INPC, a partir desta decisão, nos termos da Sumula 362 do Superior Tribunal de Justiça (“A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento”), e juros de mora de 1% ao mês, a partir do evento danoso. d) Determinar ao autor que deposite judicialmente em favor do BANCO requerido o valor do crédito, o qual foi disponibilizado em sua conta bancária, a fim de evitar enriquecimento sem causa, sendo descontado do valor as parcelas já debitadas da conta. Condeno, ainda, o requerido no pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, no valor de 10% da condenação, conforme dispõe o artigo 85, §2º do Código de Processo Civil. Por conseguinte, declaro extinto o feito com resolução do mérito, na forma do artigo 487, I, do Código de Processo Civil. [...]” Contra a sentença a instituição financeira opôs embargos de declaração, na qual pugnou pela possibilidade de compensação dos valores, a fim de facilitar o cumprimento de sentença. Alegou ainda que houve erro na fixação dos índices de atualização monetária, uma vez que não observaram as teses fixadas pelo STJ no julgamento do REsp n. 1795982/SP. O magistrado acolheu os embargos, nestes termos: “[...] Recebo os embargos opostos, pois presentes os pressupostos recursais de admissibilidade. Com efeito, os vícios arguidos se verificam no decisório atacado, tendo em vista que a parte ré havia formulado requerimento expresso no item “8.2”, da contestação de ID 124631677, o qual não foi apreciado pelo juízo por ocasião da sentença. In casu, considerando que não houve oposição da parte autora, aliado ao fato de que a parte não depositou nos autos o montante recebido pelo contrato indevido, até a presente data, bem como que tal medida facilita a liquidação e concretização do pagamento do valor devido a título de condenação, entendo que deve ser garantido às partes o direito à compensação do montante que foi comprovadamente transferido à parte autora, como forma de prevenir seu enriquecimento ilícito, o qual, se necessário, poderá ser apurado em liquidação de sentença. Quanto a atualização monetária sobre os valores da condenação, por sua vez, acrescento que em razão do advento da Lei nº 14.905/2024, os valores deverão ser corrigidos monetariamente pelo índice do IPCA, desde a data do arbitramento, com juros de mora pela Taxa Selic (deduzido o índice de atualização monetária – IPCA), a partir da citação, a partir da data da sua publicação, em 01/07/2024, com a ressalva de que não haverá incidência de juros moratórios (taxa de juros ZERO) se a diferença entre a subtração do IPCA da taxa SELIC for negativa (CC 406, § 3º, na nova redação dada pela Lei 14.905/24). Ante o exposto, dou provimento aos embargos de declaração opostos em ID 183019461, para autorizar a compensação de valores entre as partes, bem como determinar a retificação dos índices de atualização monetária, em conformidade com a nova Lei 14.905/2024, de 01/07/2024, acrescentando a fundamentação acima ao dispositivo da sentença. Quanto ao mais, mantenho íntegra a decisão embargada. [...]” Contra a sentença se insurge a instituição financeira, na qual sustenta, em síntese, irregularidade na análise unilateral da assinatura pelo juízo. Defende a validade da contratação digital com apresentação de dossiê probatório, a ausência de dano moral por inexistência de ato ilícito e a desproporcionalidade do valor fixado a título de danos morais. Alega, ainda, que descabida a repetição do indébito em dobro, uma vez que os descontos decorrem de exercício regular do direito. Pois bem. Estabelecido esse panorama fático, imperioso ressaltar que a relação jurídica entre as partes se caracteriza inequivocamente como de consumo, o que atrai a incidência do Código de Defesa do Consumidor, consoante entendimento cristalizado na Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça. Destarte, a análise da controvérsia deve necessariamente considerar a vulnerabilidade do consumidor e os princípios basilares das relações consumeristas, notadamente a boa-fé objetiva, a transparência e o dever de informação, em conformidade com o disposto no art. 47 do CDC. In casu, cinge-se a controvérsia à validade da contratação de empréstimo consignado realizada por meio digital entre as partes, envolvendo consumidor idoso de 68 anos à época dos fatos, e das consequências jurídicas daí decorrentes. O presente caso revela peculiaridades que merecem especial atenção desta Corte. O apelado, à época da contratação, contava com 68 anos de idade, enquadrando-se na categoria de consumidor idoso, que a doutrina e jurisprudência contemporâneas reconhecem como hipervulnerável. Não é outra a orientação do Superior Tribunal de Justiça: “Na hipótese, contudo, verifica-se que o consumidor é pessoa idosa, razão pela qual a imputação de responsabilidade há de ser feita sob as luzes do Estatuto do Idoso e da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos, sempre considerando a sua peculiar situação de consumidor hipervulnerável. [...]” (STJ, REsp 1.995.458/SP, Ministra Nancy Andrighi, j. 09/08/2022). “É passível de nulidade o contrato firmado por consumidor idoso, amparado em sua hipervulnerabilidade, notadamente quando a empresa pactuante não se desincumbiu do ônus de provar ter prestado todos os esclarecimentos necessários, bem como respeitado o seu direito à livre escolha. [...]” (STJ, AREsp 1.895.636/ GO, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, p. 04/08/2021). Nos casos em que o consumidor se mostra mais vulnerável do que ordinariamente e se verifica limitação de conhecimento em razão de sua idade ou condição social, a legislação consumerista o protege de forma mais intensa, exigindo do prestador de serviço maior diligência durante a contratação, para que deixe cristalino o que efetivamente está oferecendo ao consumidor, sob pena de se constatar vício no consentimento. O Código de Defesa do Consumidor é expresso ao vedar ao fornecedor "prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços" (art. 39, IV). Desse modo, referido dispositivo ganha especial relevância quando analisamos contratações realizadas por meio eletrônico com pessoas idosas. Por sua vez, a doutrina especializada, na pessoa de Bruno Miragem, esclarece que "a vulnerabilidade agravada do idoso será critério para interpretação das circunstâncias negociais, e do atendimento, pelo fornecedor, do dever de informar, considerando o direito básico do consumidor à informação eficiente e compreensível. A vulnerabilidade agravada do consumidor idoso, neste sentido, será critério para aplicação, na hipótese, de diversas disposições do CDC, como as estabelecidas no artigo 30, 35 (sobre oferta), 39, IV (sobre prática abusiva), 46 (sobre ineficácia das obrigações não informadas), e 51 (nulidade de cláusulas abusivas)". (Curso de Direito do Consumidor. Editora Revista dos Tribunais, 8a edição, 2019, pg. 207) Assim, o apelante sustenta a validade do contrato firmado com base na apresentação de dossiê eletrônico que reúne dados biométricos e registros de geolocalização. Todavia, tenho que no caso em análise tais elementos, embora constituam indícios formais de contratação, não se mostram suficientes para comprovar a existência de uma manifestação de vontade livre, consciente e esclarecida por parte do consumidor — especialmente quando se trata de pessoa idosa, presumidamente hipervulnerável. É notório que, com o passar dos anos e a chegada da idade avançada, as regras de experiência demonstram que as pessoas usualmente necessitam de auxílio para realizar transações bancárias por meio de aplicativos tecnológicos, notadamente pela falta de familiaridade com o manejo de aparelhos eletrônicos. Além disso, a análise dos registros temporais da contratação revela que todo o procedimento, desde a primeira interação na plataforma até a aceitação das cláusulas contratuais, ocorreu em aproximadamente cinco minutos, tempo manifestamente insuficiente para que qualquer pessoa, e especialmente um consumidor idoso, possa compreender adequadamente os termos e condições de um contrato de empréstimo consignado, considerando a complexidade das cláusulas financeiras envolvidas. No caso concreto, há indícios objetivos de que o autor se encontrava em erro quanto às condições efetivas do contrato celebrado, o que compromete a validade do negócio jurídico. Destaca-se que o autor juntou aos autos cópia de uma proposta contratual anteriormente recebida, com termos substancialmente distintos do contrato efetivado. A similitude entre os valores e os padrões numéricos — a exemplo das parcelas de R$ 680,00, em 48 vezes, na proposta original, em contraste com as parcelas de R$ 830,00, em 84 vezes, no contrato formalizado — revela a plausibilidade do equívoco, reforçando a hipótese de vício de consentimento. Importante ressaltar o entendimento jurisprudencial em relação aos contratos firmados à distância, em especial quando contratado por consumidores idosos, mutatis mutandis: “AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO - TUTELA DE URGÊNCIA - REQUISITOS ATENDIDOS - FATO NEGATIVO - ÔNUS PROBATÓRIO DO RÉU - FORMAÇÃO DO CONTRATO EM AMBIENTE VIRTUAL E POR MEIO DE BIOMETRIA FACIAL - CONSUMIDOR IDOSO - HIPERVULNERABILIDADE - DEPÓSITO JUDICIAL DA QUANTIA ENTREGUE AO CONSUMIDOR - ELEMENTOS QUE DENOTAM A IRREGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO - RECURSO NÃO PROVIDO. - Havendo a negativa do consumidor quanto à contratação do empréstimo consignado, impõe-se a suspensão da cobrança durante o trâmite do processo. - Por se tratar de alegação autoral que recai sobre fato negativo, no sentido de que não houve a contratação da operação de crédito, desloca-se para o fornecedor de serviços bancários o ônus de comprovar a regularidade da cobrança. - Ao fornecedor de serviços e/ou produtos incumbe um zelo ainda maior no momento da contratação com consumidor idoso, sobretudo no que diz respeito à prestação de informações claras, ostensivas e verdadeiras, pois que, conforme reconhecido pela doutrina consumerista, em tais casos estar-se-á diante de consumidor hipervulnerável, devendo a causa reger-se pelo diálogo entre oEstatuto do Idosoe o CDC. - A plataforma eletrônica em que se deu a operação financeira contestada, diante da singularidade e complexidade do ambiente virtual (manifestação de vontade por meio de biometria facial), mormente para consumidores que têm uma vulnerabilidade informacional agravada (e.g. idosos), leva a crer, em princípio, que não houve por parte do autor um consentimento informado, isto é, uma vontade qualificada e devidamente instruída sobre o teor da contratação, máxime diante da ausência de exibição de instrumento essencial sobre a vontade manifestada no negócio jurídico. - Recurso ao qual se nega provimento" (TJMG,AI 1.0000.21.193177-9/001, j. 09/03/2022) (g.n) Nessa linha de intelecção, considerando que as instituições financeiras assumem os riscos inerentes à atividade que exercem, verifica-se que a ausência de diligência adequada ao formalizar a contratação, especialmente diante das peculiaridades do caso concreto, configura falha na prestação do serviço. Ao permitir a celebração do contrato sob evidente erro, a instituição ré deixou de adotar as cautelas mínimas exigidas para garantir a segurança da relação jurídica, atraindo, assim, sua responsabilidade objetiva, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. De outro modo, impõe-se à instituição financeira o dever de indenizar o consumidor pelos danos de ordem moral e/ou material por ele suportados. Com isso, é cediço que o valor fixado deve observar a posição social do ofendido, a capacidade econômica do causador e a extensão da dor sofrida, sob pena de propiciar o locupletamento ilícito à vítima, ao mesmo tempo que o valor deve ser significativo para que não passe despercebido, coibindo a conduta negligente do agente causador. O quantum não deve representar mero simbolismo, sob pena de esvaziar o caráter compensatório da sanção, mas não pode, também, impingir montante extremamente gravoso ao ofensor. Na presente situação, a indenização por danos morais imposta no ato sentencial, no valor R$ 4.000,00 (quatro mil reais), mostra-se compatível, considerando as particularidades do pleito e dos fatos assentados, bem como, observados os princípios da moderação e razoabilidade. Aliás, quanto ao pleito subsidiário de redução do montante indenizatório devido, entendo que não deve prosperar, ante o risco de esgotar o caráter punitivo-pedagógico da medida. Perfilhando este entendimento, destaca-se: “Se a instituição financeira não comprova a regularidade do empréstimo consignado, tem-se por inexistente a dívida. O montante indenizatório deve atender aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade bem como ao caráter satisfativo-pedagógico da medida. Constatada a má-fé, as parcelas imotivadamente descontadas devem ser restituídas em dobro (art. 42 do CDC)”. (TJMT, ApCiv 1002948-20.2022.8.11.0041, Quarta Câmara de Direito Privado, j. 02/07/2024) (g.n) “Se a parte autora alega não ter celebrado contrato de empréstimo com o banco requerido, a este incumbe comprovar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, como preceitua o art. 373, II, do CPC. Não comprovada pela instituição financeira a regularidade na contratação do empréstimo com a parte, torna-se inexistente o débito efetivado no benefício da aposentadoria, condição que enseja a restituição e configura ato ilícito passível de reparação, máxime porque o desconto indevido se deu sobre verba de natureza alimentar. O valor arbitrado a título de danos morais deve levar em conta as circunstâncias do caso concreto, as condições das partes, o grau de culpa e, principalmente, a finalidade da reparação do dano moral, que é a de compensar o dano ocorrido, bem como inibir a conduta abusiva. A repetição em dobro do indébito pressupõe tanto a existência de pagamento indevido, quanto a má-fé do credor, que não restou demonstrada. (TJMT, ApCiv 1000289-70.2022.8.11.0095, r. GUIOMAR TEODORO BORGES, j. 08/11/2023) (g.n) Quanto ao termo inicial para juros e correção monetária, em se tratando de responsabilidade extracontratual, os juros moratórios devem incidir a partir do evento danoso (Súmula 54/STJ), e a correção monetária ocorrerá a partir da data do arbitramento da indenização por danos morais (Súmula 362/STJ). Nesse sentido: “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – [...] – CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO – [...] – CONTRATO INVÁLIDO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO – AUSÊNCIA DE ENGANO JUSTIFICÁVEL – CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA - EXEGESE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC - DANO MORAL CONFIGURADO – VALOR ARBITRADO CONSOANTE O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE – RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL - JUROS DE MORA A PARTIR DO EVENTO DANOSO - RECURSO DESPROVIDO. [...] O valor da indenização por dano moral deve ser fixado proporcionalmente à intensidade e extensão da lesão causada ao consumidor, observada a conduta e o perfil das partes, e com atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Tratando-se de responsabilidade de natureza extracontratual, dada a inexistência de relação jurídica entre as partes, os juros de mora dos danos morais devem incidir a partir do evento danoso” (Súmula 54/STJ). (TJMT, ApCiv 1000752-13.2023.8.11.0051, r. JOSE ZUQUIM NOGUEIRA, j. 18/06/2024, Quinta Câmara de Direito Privado) (g.n) Por sua vez, no tocante à restituição dos valores indevidamente descontados, é certo que, uma vez declarada a inexistência do contrato, impõe-se o dever de devolução do indébito. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o EAREsp 676.608/RS, publicado em 30/03/2021, firmou entendimento no sentido de que a repetição em dobro dos valores indevidamente pagos independe da comprovação de má-fé do fornecedor, sendo suficiente a constatação de cobrança realizada em desconformidade com a boa-fé objetiva. Todavia, na mesma oportunidade, a Corte promoveu a modulação dos efeitos da decisão, restringindo a eficácia temporal da tese fixada. Segundo o acórdão, nos casos de contratos de consumo que não envolvam a prestação de serviços públicos, a restituição em dobro somente será cabível em relação às cobranças efetuadas após a data da publicação do referido julgado, ou seja, a partir de 30 de março de 2021. No caso em análise, considerando que os descontos indevidos ocorreram posteriormente a essa data (a partir de 07/03/2022), mostra-se plenamente aplicável o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo devida, portanto, a devolução em dobro dos valores, conforme prevê o artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. Quanto aos juros moratórios e correção monetária, estes deverão incidir, respectivamente, a partir do evento danoso (Súmula 54/STJ) e a partir do efetivo prejuízo (Súmula 43/STJ). Por fim, cumpre destacar que a sentença, devidamente complementada por meio dos embargos de declaração, determinou de forma expressa a possibilidade de compensação entre o valor a ser restituído pela instituição financeira e aquele efetivamente creditado na conta do autor. Trata-se de medida que se revela equilibrada e juridicamente adequada, porquanto visa evitar o enriquecimento sem causa de qualquer das partes, em consonância com os princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio nas relações obrigacionais. Ademais, observa-se que, na mesma oportunidade, o juízo de origem acolheu o pedido de retificação dos critérios de atualização monetária, passando a adotar os parâmetros fixados pela Lei nº 14.905/2024, em vigor desde 1º de julho de 2024, determinação que está em perfeita harmonia com a legislação superveniente e assegura a correta aplicação dos índices legais no cumprimento da obrigação imposta. À vista do exposto, constata-se que a sentença proferida em primeiro grau se encontra em consonância com o ordenamento jurídico vigente, com a jurisprudência consolidada dos tribunais superiores e com os princípios que regem as relações de consumo, especialmente quando envolvem consumidores hipervulneráveis, razão pela qual deve ser mantida em sua integralidade. Com essas considerações, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto por Banco C6 Consignado S.A., por estes e seus próprios fundamentos. Majoro os honorários advocatícios para 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 11, do CPC. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 17/06/2025
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