Processo nº 1003136-84.2020.8.11.0040
ID: 306689108
Tribunal: TJMT
Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1003136-84.2020.8.11.0040
Data de Disponibilização:
25/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANDRE FARHAT PIRES
OAB/SP XXXXXX
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VICTOR RUI DE MASI TEIXEIRA
OAB/SP XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO NÚMERO ÚNICO: 1003136-84.2020.8.11.0040 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO: [CÉDULA DE PRODUTO RURAL, PROPRIEDADE, PENHORA / …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO NÚMERO ÚNICO: 1003136-84.2020.8.11.0040 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) ASSUNTO: [CÉDULA DE PRODUTO RURAL, PROPRIEDADE, PENHORA / DEPÓSITO/ AVALIAÇÃO] RELATOR: EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO Turma Julgadora: [EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, EXMA. SRA. DESA. ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, EXMO. SR. DES. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, EXMO. SR. DES. SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES] Parte(s): [ABJ COMERCIO AGRICOLA LTDA - CNPJ: 10.915.101/0001-46 (APELANTE), JOAO ACASSIO MUNIZ JUNIOR - CPF: 704.628.441-53 (ADVOGADO), AGRO AMAZONIA PRODUTOS AGROPECUARIOS S.A. - CNPJ: 13.563.680/0001-01 (APELADO), ANDRE FARHAT PIRES - CPF: 250.931.968-00 (ADVOGADO), RENATA DA SILVA VALONGO - CPF: 353.356.638-20 (ADVOGADO), RAFAEL VILELA BORGES - CPF: 117.476.608-50 (ADVOGADO), ALEXANDRE NEIS - CPF: 501.158.121-72 (APELADO), EDUARDO ANTUNES SEGATO - CPF: 004.440.001-27 (ADVOGADO), DRIELLE BIANCA SILVA ELOY - CPF: 046.262.401-35 (ADVOGADO), CAROLINE ALMEIDA ARAUJO - CPF: 054.622.961-18 (ADVOGADO), ALEXANDRE NEIS - CPF: 501.158.121-72 (TERCEIRO INTERESSADO), MINISTERIO PUBLICO DE MATO GROSSO (CUSTOS LEGIS), VICTOR RUI DE MASI TEIXEIRA - CPF: 370.418.288-59 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: “PROVIDO, POR MAIORIA, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR”. EMENTA APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. SEQUESTRO DE GRÃOS. INEXISTÊNCIA DE POSSE DO PRODUTO VINCULADO À GARANTIA PELA EMBARGANTE. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação Cível de sentença que julgou improcedentes os Embargos de Terceiro opostos para desconstituir sequestro de grãos em armazéns da embargante (apelante), com base em Cédula de Produto Rural Financeira (CPRF) no valor de R$3.236.739,30, emitida por devedor em favor da apelada, garantida por penhor rural. A apelante sustenta que não detinha a posse dos grãos no momento do sequestro, pois os produtos adquiridos foram remetidos diretamente para terceiros, sem armazenamento em suas instalações. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se os grãos estavam na posse da embargante no momento da efetivação do sequestro; (ii) verificar se a embargante comprovou que não detinha a propriedade ou posse dos grãos vinculados à CPRF. III. RAZÕES DE DECIDIR O direito de sequela assegura ao credor hipotecário ou pignoratício o direito de reaver o bem dado em garantia, desde que comprovada sua identidade e posse pelo devedor ou terceiro, nos termos dos artigos 1.228 do CC e 678 do CPC. O perito judicial constatou que os grãos objeto da CPRF não estavam armazenados nas instalações da apelante, tendo sido diretamente remetidos para outra empresa, conforme contratos e notas fiscais anexados ao processo, o que inviabiliza a caracterização da posse pela primeira. O laudo pericial também confirmou que os grãos foram comercializados mediante "notas casadas", sem passagem física pelos armazéns da apelante, prática comum no setor agrícola, afastando a relação direta entre os produtos sequestrados e a garantia emitida. A ausência de vínculo de depósito entre a apelante e o devedor ou a empresa que vendeu a soja reforça a inexistência de posse, elemento essencial para a manutenção do sequestro dos grãos. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso provido. Tese de julgamento: O sequestro de grãos com base em garantia cedular não pode ser mantido quando demonstrada a inexistência de posse pelo terceiro embargante, uma vez que os produtos não ingressaram fisicamente em seus armazéns e foram comercializados diretamente a terceiros. A comprovação da circulação direta dos grãos para destino final afasta a presunção de posse e propriedade necessárias para a eficácia da medida constritiva. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO (RELATOR): Eminentes pares: Apelação Cível em Embargos de Terceiro julgados improcedentes, com a condenação da embargante (apelante) ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da causa. A apelante alega que a apelada promoveu medida cautelar de sequestro com base em Cédula de Produto Rural Financeira (CPRF) de R$3.236.739,30, emitida por Alexandre Neis e garantida por penhor rural sobre a safra produzida nas fazendas JP e Farinha Seca. Aduz que, conforme consta na inicial da Ação Cautelar, estariam armazenados no seu imóvel grãos de propriedade do devedor, Alexandre Neis, vendidos pela Indiana Agri. Acrescenta que o pedido de tutela de urgência formulado pela apelada amparou-se exclusivamente em trocas de e-mails entre ela e o devedor. Ressalta que Alexandre, com a anuência da apelada, negociou a garantia da CPRF com a empresa Indiana Agri, que posteriormente ingressou com processo de Recuperação Judicial e não pagou os seus credores. Afirma não haver prova da existência de soja pertencente à apelada em seus armazéns, tampouco ter realizado qualquer operação comercial com Alexandre, sendo inaceitável a atribuição do ônus de provar fato negativo, qual seja, a inexistência de grãos da apelada em suas dependências. Argumenta que o Juízo de origem distorceu as conclusões do laudo pericial, conferindo relevância indevida a meras presunções quanto à origem dos grãos, em vez de se ater aos elementos técnicos apresentados. Destaca que a perícia concluiu, com base em análise documental e inspeção física dos armazéns, que não havia soja pertencente a Alexandre Neis ou à Indiana Agri no momento da efetivação do sequestro. Diz que o laudo pericial também apontou a ausência de documentos que comprovem o depósito dos grãos reclamados pela apelada na empresa ABJ (apelante), além de indicar a indeterminação quanto à origem dos produtos, sugerindo, inclusive, que poderia ser na Fazenda São Pedro, de propriedade de Carla Simone Reis. Sustenta que a prática de substituição de notas fiscais é comum no setor agrícola e que as inconsistências entre os documentos fiscais e o volume efetivamente comercializado geram dúvidas sobre a quantidade de soja envolvida na negociação e sobre a vinculação do produto entregue à Bunge com o contrato firmado entre ela (apelante) e a Indiana Agri. Assinala que toda a soja que adquiriu foi entregue diretamente à Bunge, sem passar por armazenamento, fato ressaltado na perícia, o que revela que a ABJ não detinha a posse do produto no momento do pedido de arresto, fragilizando os fundamentos para sua manutenção. Argui que “o erro do Juízo a quo ao analisar o ônus de prova, ocorre quando este parte para a análise da existência de prova inequívoca de que os grãos sequestrados eram oriundo das CPR Financeira da Apelada, o Juízo de piso erra ao fazer tal análise. O fato constitutivo, que é a prova de que o produto perseguido em decorrência da CPR foi para no armazém da Apelante é que é o cerne do processo” (Id 279791393 - Pág. 10). E mais, que a compra de soja da Indiana Agri ocorreu sob a modalidade de produto disponível, sem conhecimento da origem exata da mercadoria, prática usual no mercado de commodities. Consigna que, ao consultar a Ação proposta por Alexandre Neis contra a Indiana Agri (n. 1002871-82.2020.8.11.0040), verificou que, das 42 notas fiscais emitidas por ele, apenas 17 foram objeto de substituição, sendo que 12 foram-lhe direcionadas (à apelante), com entrega na Bunge, e as cinco restantes, embarcadas diretamente para a empresa Cutrale. Contrarrazões no id 279791397. É o relatório. SUSTENTAÇÃO ORAL USARAM DA PALAVRA OS ADVOGADOS: JOÃO ACÁSSIO MUNIZ JUNIOR, OAB/MT 8872-O, E VICTOR RUI DE MASI TEIXEIRA, OAB/SP 314.235 V O T O EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO (RELATOR): Egrégia Câmara: Em 2-5-2019, a apelada firmou com Alexandre Neis a Cédula de Produto Rural Financeira n. 02000513, com vencimento em 30-3-2020, pela qual este último se comprometeu a pagar R$3.236.739,30. Para garantia da obrigação, foi constituído penhor agrícola de primeiro grau, sem concorrência com terceiros, sobre 2.975.400,00 kg de soja tipo exportação, correspondentes a 49.500 sacas, depositadas nos locais indicados na CPRF (Fazenda JP, matrícula 2301; Fazenda Farinha Seca, matrícula 375; e Fazenda Seca, matrícula 353, todos registrados no CRI de Nova Ubiratã –MT), como se extrai do Id 119752982. Após o vencimento da dívida, Alexandre informou a apelada, por e-mail, que teria negociado, pelo preço de R$2.100.000,00, 30 mil sacas objeto da garantia com a empresa Indiana Agri Comércio e Exportação de Cereais EIRELI, sem, contudo, ter recebido a devida contraprestação. Relatou, ainda, que os grãos foram entregues nos armazéns da referida empresa (Rodovia BR-163, em Sorriso-MT), da Cutrale Trading do Brasil (Av. Cuiabá, 1332, Centro, Rondonópolis-MT) e da apelante (Rodovia BR 364, em Rondonópolis-MT), consoante Id 119752984, pág. 2. Diante disso, foi deferida tutela de urgência na Ação Cautelar n. 1002552-17.2020.8.11.0040, ajuizada pela apelada contra Alexandre Neis, determinando-se o sequestro de 49.590 sacas de soja (60kg cada) e a expedição de Carta Precatória para que fossem apreendidas as 30 mil sacas comercializadas por Alexandre à Indiana Agri que se encontrassem nos armazéns desta última, da Cutrale e da apelante (ABJ). A primeira diligência de cumprimento ocorreu em 25-5-2020, sem sucesso, conforme certificado pelo oficial de justiça. Na segunda tentativa, em 27-5-2020, o oficial de justiça registrou que a apelante informou não mais possuir os grãos em seus armazéns, tendo apresentado seis contratos e 347 notas fiscais, alegando que, na maioria das vezes, a operação se dava mediante “nota casada”, isto é, a soja adquirida pela Indiana era imediatamente revendida a terceiros. O mandado foi então devolvido ao Juízo a quo para deliberação quanto à continuidade das diligências. Em 27-5-2020 foi determinada nova tentativa de cumprimento, efetivada no dia seguinte. Os grãos, contudo, permaneceram depositados no armazém da apelante, cujo representante foi nomeado depositário. Na sequência, a apelante opôs estes Embargos de Terceiro, sob a arguição de que adquiriu a soja celebrou contratos de compra e venda de soja com a Indiana Agri mediante pagamento à vista, com destinação integral do produto ao cumprimento de contratos celebrados com grandes tradings, como Bunge, ADM, Cargil, entre outras. Ressaltou, ainda, que, “quando do Embarque a Indiana Agri indicou que onde o produto estava, no exemplo em questão, indicou a propriedade do Sr. Alexandre Neis, sendo que este emitiu Nota Fiscal de Venda a Indiana Agri que por sua vez e de imediato emitiu nota para a ABJ e esta, emitiu nota para a Bunge, sendo que o produto foi carregado na fazenda e entregue direto na Bunge” (sic ID. n. 3119752171, pág. 20). Anexou, para comprovação, seis contratos de compra e venda de soja com a Indiana (Ids 119752177 a 119752190), quais sejam: n. 4700002248, celebrado em 31/01/2020, para aquisição de 50.000 sacas de soja comercial tipo exportação; prazo de entrega entre 03/02/2020 e 20/02/2020 no Armazém da ABJ, Rod. 364, em Rondonópolis, no valor de R$3.835.000,00, com vencimento em 07/02/2020. n. 4700002252, celebrado em 31/01/2020, para aquisição de 50.000 sacas de soja comercial tipo exportação; prazo de entrega entre 03/02/2020 e 20/02/2020 no Armazém da ABJ, Rod. 364, em Rondonópolis, no valor de R$3.835.000,00, com vencimento em 07/02/2020. n. 4700002289, celebrado em 18/02/2020, para aquisição de 50.000 sacas de soja comercial tipo exportação; prazo de entrega entre 25/02/2020 e 20/03/2020 no Armazém da ABJ, Rod. 364, em Rondonópolis, no valor de R$3.900.000,00, com vencimento em 28/02/2020. n. 4700002290, celebrado em 18/02/2020, para aquisição de 50.000 sacas de soja comercial tipo exportação; prazo de entrega entre 25/02/2020 e 20/03/2020 no Armazém da ABJ na Rod. 364 em Rondonópolis, no valor de R$3.900.000,00, com vencimento em 28/02/2020. n. 4700002358, celebrado em 18/03/2020, para aquisição de 754,62 sacas de soja comercial tipo exportação; volume já entregue no Armazém da ABJ, na Rod. 364, em Rondonópolis, no valor de R$58.105,96, com vencimento em 20/03/2020. n. 4700002391, celebrado em 25/03/2020, para aquisição de 33.333,33 sacas de soja comercial tipo exportação; prazo de entrega entre 26/03/2020 e 03/04/2020 no Armazém da ABJ, Rod. 364 em Rondonópolis, no valor de R$2.800.000,00, a ser pago em duas prestações de R$1.400.000,00, uma em 03/04/2020 e a outra em 06/04/2020. Juntou também seis comprovantes de transferência eletrônica para a Indiana Agri (Ids 119752177 a 119752183), nos seguintes valores e datas: R$3.835.000,00, em 7-2-2020; R$3.835.000,00, em 7-2-2020; R$3.900.000,00, em 28-2-2020; R$3.900.000,00, em 28-2-2020; R$58.105,96, em 20-3-2020; R$1.400.000,00, em 3-4-2020, e R$1.400.000,00, em 6-4-2020. Além disso, anexou contrato de compra e venda celebrado com a ADM do Brasil, no qual a apelante vendeu 1.000.000,00 kg de soja por R$1.766.666,70 (Id 119752184 - Pág. 10). Para demonstrar que não havia produto da Indiana Agri depositado em seus armazéns e que a soja retirada da propriedade de Alexandre Neis foi inicialmente destinada à Indiana, que posteriormente a revendeu para ela (apelante), que, por sua vez, a comercializou com a Bunge, trouxe notas fiscais e romaneios nos Ids 32839981, pág. 19, e 32839986, pág. 14, dos autos originários. Os pedidos formulados pela apelante foram julgados improcedentes por sentença proferida em 29-9-2021, sob o fundamento de que não ficou comprovado que os grãos encontrados em seu armazém não pertenciam à apelada. Interposta Apelação, a sentença foi cassada, sendo determinada a produção de prova pericial com a finalidade de analisar as notas fiscais apresentadas por Alexandre Neis, a fim de esclarecer o destino da soja por ele cultivada. Realizada a perícia, a nova sentença manteve o entendimento anterior, julgando novamente improcedentes os Embargos de Terceiro. Nos termos do caput do artigo 678 do CPC, “A decisão que reconhecer suficientemente provado o domínio ou a posse determinará a suspensão das medidas constritivas sobre os bens litigiosos objeto dos embargos, bem como a manutenção ou a reintegração provisória da posse, se o embargante a houver requerido”. Por outro lado, o direito de sequela, previsto no art. 1.228 do CC, confere ao proprietário a prerrogativa de reivindicar o bem de quem injustamente o detenha, sendo característica inerente aos direitos reais, especialmente àqueles de natureza de garantia. Apesar de ser incontroverso que a apelada detém o direito de sequela em razão da garantia decorrente do registro de penhor sobre a produção agrícola das Fazendas JP e Farinha Seca, tal direito não autoriza o arresto de bens de terceiros com amparo apenas na indicação unilateral do benefícário da medida. A instrução probatória revelou que a apelante adquiriu expressiva quantidade de soja da Indiana Agri, parte da qual foi originada nas propriedades de Alexandre Neis. Essa conclusão foi sustentada pela manifestação do perito: Todavia, o perito atestou que não houve depósito prévio dos grãos nos armazéns da apelante, tendo os produtos sido encaminhados diretamente à Bunge, como demonstrado pela documentação e notas fiscais constantes dos autos. Ao responder aos quesitos periciais, esclareceu que as operações consistiram na troca de notas fiscais, prática corriqueira no setor agrícola, e que os grãos seguiram diretamente para o destino final, sem passar pelos armazéns da ABJ. Confira-se: Confira-se: Como se observa, o perito concluiu pela ausência de documentação que comprove a entrada dos grãos, cobertos pela garantia da embargada, nos armazéns da embargante. A prova pericial, portanto, corrobora a tese da apelante no sentido de que os grãos adquiridos da Indiana Agri, vinculados a Alexandre Neis, foram imediatamente remetidos à Bunge, seu destino final, sem terem sido armazenados nas dependências dela (embargante), como se infere da transcrição abaixo: "Sim o veículo placa QJB 1601 foi carregado com as notas fiscais 307 e 306 de Alexandre Neis para IndianaAgri, a IndianaAgri emitiu as notas fiscais nº 6720 e 6718 emitidas para a ABJ. ABJ emitiu o documento fiscal nº 36667 para a BUNGE." (Quesito 16)”. Essa circunstância afasta a possibilidade de se reconhecer à apelada qualquer direito de sequela sobre os grãos arrestados, pois a mercadoria jamais esteve sob a posse direta da apelante. Se os grãos nem sequer ingressaram nos armazéns da embargante, torna-se evidente que não poderiam corresponder àqueles dados em garantia à embargada (Agro Amazônia), sendo, por conseguinte, indevido o sequestro deferido sobre as sacas ali armazenadas. Ficou demonstrada a inexistência de contrato de depósito entre a embargante e o devedor (Alexandre Neis), ou mesmo com a Indiana Agri, o que inviabiliza o nexo necessário à decretação do sequestro com fundamento no penhor cedular alegado pela embargada. Pelo exposto, dou provimento ao Recurso para julgar procedentes os Embargos de Terceiro, reconhecendo a titularidade da apelante sobre as 25.737,95 sacas de soja sequestradas em seus armazéns, bem como sobre o valor obtido com a venda dos referidos grãos e depositado nos autos, invertendo-se, em seu favor, os ônus da sucumbência. É como voto. V O T O EXMO. SR. DES. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA (1º VOGAL - CONVOCADO): Eminentes pares, Peço vista dos autos para melhor análise da matéria. V O T O EXMA. SRA. DESA. ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA (2ª VOGAL): Aguardo o pedido de vista. SESSÃO DE 28 DE MAIO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO) V O T O (VISTA) EXMO. SR. DES. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA (1º VOGAL - CONVOCADO): Eminentes Pares, O voto da Eminente Relator elucida a questão, porém, diante das peculiaridades do caso, entendi ser necessário analisar mais profundamente a matéria tratada no recurso. A controvérsia posta diz respeito à possibilidade de acolhimento dos embargos de terceiro opostos por ABJ Comércio Agrícola Ltda., em razão da constrição judicial de 25.737,95 sacas de soja, sequestradas no armazém da embargante, sob a alegação de ausência de posse e propriedade dos bens vinculados à Cédula de Produto Rural Financeira emitida por Alexandre Neis em favor da embargada. O i. Relator, sob o fundamento de que “os grãos adquiridos da Indiana Agri, vinculados a Alexandre Neis, foram imediatamente remetidos à Bunge, seu destino final, sem terem sido armazenados nas dependências dela (embargante)”, concluindo, portanto, que os grãos não ingressaram nos armazéns da embargante, não correspondendo aos dados em garantia à embargada e, por isso, deu provimento ao recurso para julgar procedente o embargos de terceiro. Contudo, após a leitura atenta dos fundamentos utilizados pelo i. Relator, entendo, com a devida vênia, que não agiu com o costumeiro acerto no voto condutor. É cediço que o direito de sequela atribuído à Cédula de Produto Rural com penhor de primeiro grau (Lei nº 4.829/65 e Decreto-Lei 167/67) autoriza o credor a perseguir a coisa gravada, ainda que em poder de terceiro. Ainda, o art. 678, caput, do CPC, exige prova suficiente da posse ou domínio para suspender medida constritiva em embargos de terceiro — ônus que, a meu ver, a embargante não se desincumbiu. Explico. A embargante alegou que os grãos foram adquiridos de empresa diversa (Indiana Agri) e imediatamente revendidos, sem ingresso em seus armazéns. Alegou, ademais, que não detinha qualquer relação jurídica com Alexandre Neis. Contudo, os autos revelam que os grãos sequestrados têm origem nas propriedades descritas na CPR-F, objeto de penhor em favor da embargada Agro Amazônia, sendo a “troca de notas” prática usual para dificultar a identificação da titularidade do produto. Dentre os elementos que embasam essa conclusão, destaco: O laudo pericial esclarece quanto ao compartilhamento de estruturas de armazenamento entre Alexandre Neis e Carla Simone Neis, sendo comum o uso da estrutura da Fazenda São Pedro — cuja titularidade é diversa — para armazenar produção do Sr. Alexandre Neis, o que fragiliza o argumento de origem distinta dos grãos. A prática de “troca de notas”, documentada nos autos, foi reconhecida tanto pela embargante quanto pelo perito como comum nas operações comerciais da ABJ, sem, contudo, comprovação cabal da destinação final dos grãos. Em diversos pontos, o perito apontou a inexistência de documentos fiscais de entrada/saída nos armazéns da ABJ, dificultando rastrear com segurança a cadeia dominial dos grãos. Nesse mesmo sentido, enveredou a prova testemunhal produzida nos autos, o qual peço vênia para citar o trecho da sentença que analisou a questão: “No ponto, é importante atentar para o fato de que, embora embargante ABJ e suas testemunhas afirmem que houve a troca de nota e a soja adquirida foi levada diretamente aos armazéns da ADM e Bunge, deixaram de apresentar as notas fiscais de saída do produto. O depoimento das testemunhas Raphael de Souza Lacerda, coordenador comercial da ABJ e Claudinei Alves Costa, colaborador da empresa ABJ, também deixam clarividente que não realizaram a checagem prévia quanto ao penhor instituído em favor da embargada Agro Amazônia. Sobre este fato, é evidentemente que competia ao adquirente verificar, mediante obtenção da competente certidão, que os grãos adquiridos encontravam-se livres e desembaraçados de quaisquer ônus, o que, todavia, não o fez, conforme ficou demonstrado nos autos. Colheu-se ainda o depoimento do Sr. Alexandre Neis, produtor rural que emitiu a Cédula de Produto Rural Financeira em favor da AGRO AMAZÔNIA, bem como realizou a venda dos grãos à INDIANA AGRI. Embora seu depoimento deve ser visto com reserva, eis que tem interesse direto no deslinde da questão em exame, tendo inclusive sido inicialmente colocado no polo passivo dos embargos, não se pode olvidar que as informações por ele prestadas estão em perfeita harmonia com os demais elementos probatórios colhidos no decorrer da instrução processual. Ratificando as alegações da embargada, tem-se ainda os depoimentos prestados pelas testemunhas Alexsandro dos Anjos Santos, auxiliar administrativo e colaborador do Sr. ALEXANDRE NEIS e Tiago Vitorino da Silva, analista administrativo e colaborador da AGRO AMAZÔNIA, conforme se infere das mídias digitais que integral o termo de audiência de id. 62945722. Portanto, contrariando a afirmativa da embargante, já nos autos elementos probatórios indicativos de que os grãos sequestrados foram originados das lavouras cultivadas nas propriedades rurais do Sr. ALEXANDRE NEIS, grãos estes empenhados em favor da ora embargada AGRO AMAZÔNIA, por meio de Cédula de Produto Rural Financeira, legítima a medida de apreensão dos grãos, já que amparada do direito de sequela a que faz jus a embargada e, via de consequência, improcedentes os embargos de terceiro manejados”. (id. 279791391) Assim, tenho que a embargante, não comprovou suficientemente a desvinculação dos grãos com a CPR garantida pela embargada, devendo ser mantida a sentença de origem. Portanto, sem maior delonga e estribado nessas razões, peço vênia ao douto e culto Relator para divergir do seu voto e, NEGAR PROVIMENTO ao recurso. É como voto. V O T O EXMA. SRA. DESA. ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA (2ª VOGAL): Eminentes pares, Ante a divergência requeiro vistas dos autos para melhor análise. SESSÃO DE 04 DE JUNHO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO) V O T O (VISTA) EXMA. SRA. DESA. ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA (2ª VOGAL): Eminentes pares, Acompanho o eminente Relator. Está demonstrado que a embargante, ABJ Comércio Agrícola, não integrou a relação jurídica entre Alexandre Neis e a Agro Amazônia, tampouco é titular da CPR-F ou do penhor agrícola. A prova pericial é clara: os grãos foram remetidos diretamente da fazenda do emitente à Bunge, sem trânsito pelos armazéns da ABJ, por meio de notas fiscais encadeadas (troca de notas) — prática comum no setor. Não há contrato de depósito entre a ABJ e os envolvidos, nem documentação que vincule os grãos sequestrados à CPR-F. Reconheço a legitimidade do direito de sequela. Contudo, ele exige a individualização do bem. No caso, não se comprovou que os grãos arrestados correspondiam à garantia cedular, tampouco que estavam na posse da embargante. Diante disso, acompanho o voto do eminente Relator para DAR PROVIMENTO à Apelação e julgar procedentes os Embargos de Terceiro, desconstituindo o sequestro das 25.737,95 sacas de soja e reconhecendo a titularidade da apelante, nos termos propostos. É como voto. EXMO. SR. DES. RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO (PRESIDENTE): Em razão da divergência, o julgamento prosseguirá com aplicação da técnica de ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC, nos termos do art. 23-A do RITJ/MT, em sessão futura. SESSÃO DE 11 DE JUNHO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO) SUSTENTAÇÃO ORAL USOU DA PALAVRA O ADVOGADO VICTOR RUI DE MASI TEIXEIRA, OAB/SP 314.235. V O T O EXMA. SRA. DESA. SERLY MARCONDES ALVES (3ª VOGAL): Egrégia Câmara, Peço vênia ao relator e acompanho o voto da divergência pelo não provimento do recurso. V O T O EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA (4º VOGAL – CONVOCADO): Egrégia Câmara, Peço vista dos autos para melhor análise dos autos. SESSÃO DE 18 DE JUNHO DE 2025 (CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO) V O T O EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA (4º VOGAL – CONVOCADO): Egrégia Câmara, Rememoro que se trata de Recurso de Apelação Cível interposto por ABJ COMÉRCIO AGRÍCOLA LTDA. – em Recuperação Judicial, contra sentença (ID. 279791392) proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Sorriso-MT que, nos autos dos Embargos de Terceiro com Pedido de Tutela de Urgência movida em desfavor de AGRO AMAZÔNIA PRODUTOS AGROPECUÁRIOS S/A e ALEXANDRE NEIS, julgou totalmente improcedentes os referidos Embargos e condenou a embargante ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixou em 10% sobre o valor atribuído à causa. Verifica-se que os Embargos de Terceiro foram distribuídos em dependência aos autos da Medida Cautelar de Sequestro, nº 1002552-17.2020.8.11.0040, proposta por AGRO AMAZÔNIA em desfavor de ALEXANDRE NEIS, cautelar esta com o objetivo de sequestrar sacas de soja objeto de garantia pignoratícia decorrente da Cédula de Produto Rural Financeira de n.º 02000513. O devedor da Cédula de Produto Rural é, portanto, ALEXANDRE NEIS, produtor rural, que instituiu o penhor agrícola em favor da credora AGRO AMAZÔNIA. Segundo a apelada, o objetivo da medida cautelar de sequestro era reaver a posse sobre grãos de soja, de propriedade do devedor Alexandre Neis, depositário fiel dos bens que, não respeitando o estipulado na CPR, teria vendido as sacas de soja para a empresa Indiana Agri e esta, por sua vez, teria realizado o depósito dos grãos em seu armazém, localizado em Sorriso-MT, em armazéns de terceiro, dentre eles, o armazém da ora apelante, localizado em Rondonópolis-MT. A probabilidade do direito decorreu de juntada de e-mail, pela credora apelada, no qual o produtor rural Alexandre Neis afirmava que teria vendido 30.000 sacas de soja para a empresa Indiana Agri, porém, não conseguiria pagar a credora por ainda não ter recebido o valor da venda. No mesmo e-mail, o devedor, Alexandre Neis, ressaltou que a Indiana Agri armazenou as referidas 30.000 sacas de soja parte em seu próprio armazém, localizado em Sorriso, e em Rondonópolis, sendo parte no armazém de terceira empresa (Cutrale Trading Brasil) e parte no armazém da ora apelante. Assim, ao final de maio de 2020, por determinação judicial, foram sequestradas 25.737,95 sacas de soja no armazém da embargante, ora apelante, sob o fundamento de se tratar dos grãos objeto da garantia da referida Cédula de Produto Rural. Na ocasião, o representante da apelante foi nomeado depositário dos grãos e, em sequência, a recorrente propôs os Embargos de Terceiro ora em exame. Posteriormente, a Ação Cautelar foi convertida em Ação principal de Execução de Título Extrajudicial. Em momento ulterior, as sacas de soja sequestradas foram vendidas e o saldo foi depositado vinculado aos autos de origem. Sob o argumento principal de que as sacas de soja, sequestrada, eram de sua propriedade e não de Alexandre Neis, a ora apelante propôs os Embargos de Terceiro que foram julgados improcedentes. No que tange à sentença objurgada, em síntese, o Juízo a quo asseverou e concluiu que os grãos sequestrados, objeto dos embargos de terceiro, eram originários das lavouras do Sr. Alexandre Neis e, portanto, gravados com penhor agrícola de primeiro grau em favor da embargada AGRO AMAZÔNIA, o que confere direito real com eficácia erga omnes e direito de sequela. O Juízo de Primeira Instância ressaltou que, embora a apelante alegasse ter adquirido a soja de boa-fé da empresa INDIANA AGRI, e não de Alexandre Neis, não logrou comprovar a origem diversa dos grãos nem apresentou documentação fiscal que demonstrasse a saída da mercadoria para terceiros, tampouco verificou eventual gravame. O Juízo a quo também concluiu que a prova pericial e os demais elementos colhidos nos autos confirmaram que os grãos estavam abrangidos pela garantia cedular instituída em favor da embargada, não havendo razão jurídica para afastar o direito de sequela decorrente do penhor regularmente registrado. Assim, julgou totalmente improcedentes os Embargos de Terceiro. Porém, em suas razões recursais, a apelante, em síntese, sustenta as seguintes teses de mérito a fundamentar a reforma da sentença para a procedência total dos Embargos de Terceiro: inversão indevida do ônus da prova, uma vez que foi exigida da embargante a demonstração de que os grãos em seu armazém não estavam vinculados aos do penhor agrícola instituído por Alexandre Neis, quando o ônus probatório competiria à embargada, por se tratar de fato constitutivo de seu direito. Asseverou, ainda, que a única prova de que os grãos de Alexandre Neis estariam no armazém da apelante seria o e-mail de Alexandre Neis, enviado à apelada, afirmando que teria vendido os grãos para Indiana Agri e que esta armazenou parte dos grãos no armazém da ora apelante. os grãos de soja depositados em seu armazém e sequestrados na medida cautelar não pertencem ao produtor Alexandre Neis, tampouco são frutos da lavoura onerada pelo penhor agrícola instituído na CPR-F nº 02000513. Segundo a apelante, foram comprados grãos da empresa Indiana Agri, mediante pagamento à vista, porém, os respectivos grãos comprados não chegaram a ser depositados em seu armazém. Conforme prova testemunhal, a negociação de Alexandre Neri quanto à parte da soja produzida para vender à Indiana Agri obteve anuência da credora apelada; inexistência de qualquer relação contratual ou jurídica entre a apelante e o emitente da Cédula de Produto Rural, não podendo o penhor instituído, em favor da apelada, ser oposto à legítima posse da embargante, adquirente de boa-fé; ausência de prova segura e inequívoca quanto à origem específica dos grãos apreendidos, não havendo nos autos demonstração de que tais produtos derivavam efetivamente das lavouras oneradas pelo penhor agrícola; e irregularidade na fundamentação da sentença, por presumir a má-fé da embargante a partir de práticas comerciais supostamente comuns no mercado agrícola (como a “troca de notas”), sem base objetiva que infirmasse a boa-fé presumida da adquirente. A apelada, por sua vez, rebate as alegações da apelante sustentando, em síntese, as seguintes teses de mérito: validade e eficácia da Cédula de Produto Rural Financeira n.º 02000513, devidamente registrada, a qual constituiu penhor agrícola de primeiro grau sobre a produção de soja cultivada por Alexandre Neis, conferindo à credora o direito de sequela sobre o bem gravado; comprovação, por meio de documentos fiscais, relatórios logísticos e laudo pericial, de que os grãos sequestrados no armazém da apelante são originários da produção vinculada à CPR mencionada, sendo irrelevante o fato de se tratar de bem fungível; ausência de boa-fé da apelante na aquisição dos grãos, pois teria adquirido o produto de empresa Indiana Agri, que atuou como intermediária, sem demonstrar a cadeia de titularidade lícita da mercadoria, sendo indicativo de má-fé o reconhecimento da prática de “troca de notas” para fins de simulação de origem; e inaplicabilidade da proteção do terceiro de boa-fé no caso concreto, haja vista a existência de elementos suficientes nos autos para afastar a presunção de desconhecimento da origem e do gravame. O ilustre Relator, Exmo. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, por sua vez, deu provimento ao recurso de apelação para julgar procedentes os Embargos de Terceiro, sob o fundamento de que não restou demonstrada a posse dos grãos pela embargante no momento da medida constritiva, tampouco o ingresso físico da mercadoria em seus armazéns. Nesse sentido, asseverou que, embora a CPR-F nº 02000513, registrada em favor da apelada, conferisse direito real de garantia e sequela, tal prerrogativa não se exerce de forma irrestrita, sendo necessário demonstrar que os bens gravados realmente ingressaram na esfera de disponibilidade do terceiro embargante e ora apelante. No caso concreto, o Exmo. Des. Relator verificou que os grãos oriundos das fazendas de Alexandre Neis foram diretamente remetidos à empresa Indiana Agri e, por esta, imediatamente revendidos à Bunge, sem que houvesse depósito físico nas instalações da ABJ. Destacou que os autos comprovaram a adoção da prática de “troca de notas fiscais” — prática comum no setor agrícola — mediante a qual os produtos foram direcionados ao destino final sem passagem pelo armazém da apelante, o que inviabiliza a caracterização da posse apta a justificar a medida de sequestro. Ainda segundo o Relator, os contratos de compra e venda, notas fiscais, comprovantes de pagamento e o laudo pericial atestaram que a ABJ apenas figurou como intermediária contábil na operação, sem vínculo material com os grãos que lastreavam a CPR executada. Concluiu, portanto, que a ausência de prova da posse ou titularidade pela embargante sobre os bens sequestrados afasta a eficácia do penhor oponível a terceiros e torna indevida a constrição judicial. Reconheceu, assim, o direito da embargante à liberação das sacas ou ao recebimento do valor correspondente já depositado nos autos. Em sequência, o Exmo. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, 1º Vogal, apresentou Voto-Vista divergente, por meio do qual, com a devida vênia ao Relator, entendeu por negar provimento ao recurso de apelação, mantendo a sentença de improcedência dos embargos de terceiro. Asseverou que, embora o Relator tenha reconhecido a ausência de posse direta ou armazenamento físico dos grãos nos armazéns da embargante, o conjunto probatório evidencia que os grãos sequestrados são originários das propriedades descritas na CPR-F nº 02000513, vinculada à apelada AGRO AMAZÔNIA. Enfatizou que o direito de sequela decorrente do penhor agrícola regularmente registrado autoriza o credor a perseguir o bem, ainda que em poder de terceiro, desde que não demonstrada sua boa-fé ou titularidade desvinculada do gravame. Ressaltou que a embargante não logrou afastar a presunção de origem dos grãos nas lavouras do devedor pignoratício, limitando-se a alegações sobre aquisição junto à Indiana Agri, sem apresentar prova documental idônea ou notas fiscais de saída que comprovassem sua desvinculação da CPR. Destacou que a perícia identificou o uso de estrutura logística comum entre o devedor Alexandre Neis e a Fazenda São Pedro, de terceiro, o que fragiliza o argumento de origem distinta da soja. Acrescentou que a prática de “troca de notas”, embora comum, não impede o rastreio da titularidade dos grãos, sendo ônus da embargante demonstrar sua boa-fé na cadeia dominial da mercadoria, o que não ocorreu. Por fim, concluiu que há elementos suficientes nos autos a indicar que os grãos sequestrados são os mesmos dados em garantia à apelada, razão pela qual votou por negar provimento ao recurso, mantendo a sentença por seus próprios fundamentos. A Exma. Desa. Anglizey Solivan de Oliveira, 2ª Vogal, por sua vez, entendeu por dar provimento ao recurso, acompanhando o Voto do Relator, pois verificou que a embargante ABJ COMÉRCIO AGRÍCOLA LTDA. não integrou a relação jurídica entre Alexandre Neis e AGRO AMAZÔNIA, tampouco figurou como titular da CPR-F ou do penhor agrícola, inexistindo qualquer contrato de depósito entre as partes ou documentação que vinculasse os grãos sequestrados à garantia cedular. Assentou que a prova pericial produzida nos autos é clara ao indicar que os grãos foram remetidos diretamente da fazenda do emitente à empresa Bunge, sem transitar fisicamente pelos armazéns da ABJ, por meio da prática de "troca de notas fiscais", usual no setor agrícola. Reconheceu a legitimidade do direito de sequela, mas ponderou que seu exercício pressupõe a individualização do bem gravado, o que não se comprovou no caso concreto. Assim, entendeu que não houve demonstração de que os grãos arrestados correspondiam àqueles vinculados à CPR executada, tampouco que estivessem sob posse da embargante. Diante disso, votou por dar provimento à Apelação para julgar procedentes os Embargos de Terceiro, desconstituindo o sequestro das 25.737,95 sacas de soja e reconhecendo a titularidade da ABJ, ora apelante, sobre a mercadoria, nos termos do voto do Relator. Assim, diante da divergência, a apelação foi encaminhada para a técnica de julgamento, nos termos do art. 942 do CPC. Pois bem. Com a devida vênia ao eminente 1º Vogal, entendo que a solução jurídica apropriada ao caso concreto impõe a reforma da sentença, tal como propõe o douto Relator. A controvérsia posta nos autos exige a conjugação entre o direito processual civil — no tocante à proteção possessória de terceiro alheio à relação obrigacional originária — e os institutos próprios do direito agrário e do financiamento da atividade rural, especialmente a Cédula de Produto Rural (CPR) e o penhor agrícola. O ônus da prova, neste ponto, estava invertido de modo indevido pela sentença. Exigir da embargante que demonstre fato negativo — a origem não vinculada dos grãos — implica violação aos princípios do contraditório e da distribuição racional da prova (art. 373, I e II, do CPC). Assim, caberia à embargada comprovar, de modo técnico e documental, que os grãos constritos eram os mesmos dados em garantia na CPR-F nº 02000513 — o que, repita-se, não foi feito de forma objetiva ou conclusiva. No tocante ao direito de sequela oriundo do penhor agrícola, ainda que sua oponibilidade a terceiros seja ampla (Lei nº 4.829/65, art. 60 c/c Decreto-Lei nº 167/67, art. 69), é condição essencial a prova da identidade do bem gravado — o que demanda individualização suficiente do objeto da garantia. Sob a inteligência do art. 1.228 do Código Civil, o exercício do direito real sobre coisa em poder de quem a injustamente a possua requer demonstração de que o bem perseguido é precisamente aquele objeto da relação jurídica. Ocorre que, no caso concreto, a documentação acostada aos autos, o laudo pericial e as notas fiscais evidenciam que os grãos comercializados pela embargante foram adquiridos de empresa diversa (Indiana Agri) e direcionados à Bunge, sem qualquer trânsito pelos armazéns da ABJ. Assevera-se que a negociação da compra de sacas de soja ocorreu entre a ora apelante, ABJ COMERCIAL AGRÍCOLA LTDA. e a empresa INDIANA AGRI COMÉRCIO E EXPORTAÇÃO, conforme comprovam as Notas Fiscais e romaneios juntadas pela recorrente aos autos de origem, IDs. nº 32839981, p. 19 a ID. 32839986, p. 14. Ou seja, não há Nota Fiscal a demonstrar negociação entre Alexandre Neis e a ora apelante, no que tange aos grãos objeto da lide. Desse modo, com fulcro no art. 373 do Código de Processo Civil, que trata do ônus probante, não se pode presumir ou afirmar que ocorreu conluio entre a empresa INDIANA AGRI COMÉRCIO E EXPORTAÇÃO, ALEXANDRE NEIS e a ora apelante, e também não se pode exigir que a ora apelante fizesse busca em cartório no que tange aos grãos que saíram da propriedade de Alexandre Neis, pois a negociação comercial foi entre Indiana Agri e a apelante e não entre esta e devedor da CPR. Destaca-se que à época do sequestro, ressai dos autos a ora apelante comprovou a realização de inúmeros contratos de compra e venda de soja, tendo adquirido o montante de 234.097.95 (duzentos e trinta e quatro mil, noventa e sete e noventa e cinco) sacas de soja, de 60 Kg (sessenta quilogramas) cada, da empresa Indiana Agri, muito além das alegadas 30.000,00 sacas de soja que seriam de Alexandre Neis. Assevera-se que a apelante esclareceu que a compra e venda dessas sacas de soja não resultava no armazenamento de todo o produto em seu próprio armazém, pois realizava também efetivava o negócio mediante “troca de notas” ou “notas casadas”, a qual se trata de otimização logística, não podendo ser considerada fraude pelo simples fato de toda a soja adquirida não ter sido primeiramente armazenada pelo comprador para só então ser vendida a novo destinatário. Ou seja, trata-se da conhecida prática de “troca de notas”, costume consolidado no comércio de commodities agrícolas, que envolve substituição contábil da origem fiscal para efeitos logísticos e contratuais, sem que isso implique simulação ou fraude, desde que acompanhada da correspondente emissão documental. A demonstrar, inclusive, que os grãos vendidos pela Indiana Agri já haviam sido comercializados pela apelante a terceiros, a recorrente juntou aos autos Notas Fiscais de saída dos grãos para a BUNGE, ADM, CARGIL e outras grandes Trades, conforme ID. 32839950, p. 27, dos autos de origem. Ademais, destaca-se que o Laudo Pericial asseverou que não há provas de que os grãos de soja, sequestrados no armazém da apelante, eram os mesmos grãos extraídos da propriedade de Alexandre Neis. Para elucidar, abaixo transcrevo trechos do tão discutido Laudo Pericial: [...] 12. Com base nas informações decorrentes do questios anteriores, é correto afirmar que 42 Nfes, houve a troca de 17 notas, e das 17 notas trocadas, 12 foram trocadas em favor da Peticionária, e 5 notas foram trocadas em favor da empresa Cutrale? Em complemento, o restante do permaneceu na posse da Indina Agri e ainda, se a Agro Amazônia conseguiu arrestar algum produto em algum armazém da Indiana Agri e por fim, na época dos fatos, quantos arrestos foram distribuídos no Estado de Mato Grosso contra a empresa Indiana Agri? R.: Segundo consta nos autos o número de notas fiscais emitidas pela Indiana Agri para ABJ foram de 42 (quarenta e duas) notas fiscais repassadas para Bunge. Quanto ao número de notas trocadas foi de 18 (dezoito) que consta nos autos conforme relatório do ID nº 64066646 pagina 1383, quanto ao número de notas fiscais emitidas em favor da empresa Cutrale foi um total de 5 (cinco) notas fiscais encontradas nos autos. Sim, foi encontrado nos autos que empresa Agro Amazonia obteve um arresto no volume de 255.723 (duzentos e cinquenta e cinco mil, setecentos e vinte e três) kg que corresponde a 4.262,5 (quatro mil, duzentos e sessenta e dois sacos e meio) sacos de soja de 60 (sessenta) kg cada nos armazéns da empresa IndianaAgri localizado em Nova Xavantina – MT, ficando como fiel depositária a Dra. Amanda Rios Mariano Cardoso Alves – OAB 24033/MT. Na época foi encontrado nos autos pedidos de arrestos da Agro Amazonia em desfavor do Sr. Alexandre Neis, IndianaAgri e ABJ; existindo ainda no processo que deveria ter sido efetuado arresto na Cutrale. 13. Com base nas informações mencionadas nos quesitos anteriores, em especial das 12 notas que foram trocadas da Indiana Agri para a Peticionária, é correto informar que a Peticionária não levou nenhum grão para seu armazém na medida em que entregou todo o produto na Bungue Rondonópolis, nos exatos termos do relatório do quesito 11? R.: O que consta nos autos mostra que as notas fiscais foram trocadas, não sendo possível afirmar se houve alguma nota fiscal que possa ter sido para deposito nos armazéns da empresa ABJ. 14. Existe algum documento nos autos que comprove que o produto reclamado pela Agro Amazônia tenha sido depositado no armazém da Peticionária, tal como ticket de entrada, ticket de balança, NF-e, contrato de depósito, ou qualquer espécie de documento? R.: Não, pela pesquisa feita nos autos nada foi encontrado que possa comprovar tais depósitos nos armazéns da ABJ. [...] 18. Existe nos autos algum documento, que demonstre que soja de propriedade do Sr. Alexandre, produzida nas áreas indicadas na CPR, ou ainda que qualquer soja adquirida de Indiana Agri de Alexandre Neis, tenha sido depositado no Armazém onde foi cumprido o Sequestro? Especificar os documentos. R.: Revisando os autos não foi encontrado nenhum documento que demonstre que o produto soja produzido pelo Sr. Alexandre Neis, tenha sido armazenada nas dependências de ABJ Comercio Agrícola Ltda. [...] (ID. 128377881, autos de origem) [grifos nossos e do original] Desse modo, o laudo técnico pericial é expresso ao afirmar que não há comprovação de que os grãos objetos da CPR tenham ingressado fisicamente nos armazéns da embargante. Ao contrário, o material probatório aponta para o destino direto dos grãos às compradoras finais, sem que a ABJ figurasse como depositária ou com posse direta do produto. Isso fragiliza a pretensão de tornar o penhor oponível à embargante, além do que ela sequer integrou a relação jurídica lastreada pela CPR, não sendo possível presumir a má-fé ou supor aquisição de bens gravados sem individualização concreta do objeto. Como é cediço, nos termos dos arts. 373, I e II, do CPC, “o ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito e ao réu quanto à existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos”. Ou seja, exigir do terceiro embargante a demonstração de fato negativo — a ausência de vínculo entre os grãos e a CPR — contraria expressamente essa regra, devendo caber à apelada comprovar documentalmente que os bens sequestrados integravam, de fato, a garantia pignoratícia. Outrossim, não se pode presumir má-fé da embargante, em respeito ao princípio da boa-fé objetiva, insculpido no art. 422 do Código Civil, segundo o qual “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé” e do ônus probante previsto no já supracitado art. 373 do Código de Processo Civil. Nesse sentido, cita-se: APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA DE PRODUÇÃO DE SOJA . AUSÊNCIA DE PROVA DE SIMULAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. Conforme dispõe o artigo 1.046 do Código de Processo Civil, quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de judicial, poderá requerer lhe sejam manutenidos ou restituídos por meio de embargos. A simulação não pode ser presumida, deve ser comprovado o engodo em benefício de alguém. Da mesma forma, a má-fé não se presume, cabendo à parte autora o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do direito (Art. 373, I do CPC/15. No caso, o conjunto fático-probatório produzido nos autos não foi suficiente a comprovar conduta ardilosa por parte dos autores em favor do devedor. A prova produzida foi robusta quanto ao exercício da atividade de produtor rural e exploração das terras que deram origem à lavoura penhorada. Sentença mantida. À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. (TJ-RS - AC: 70081493231 RS, Relator.: Liege Puricelli Pires, Data de Julgamento: 13/06/2019, Décima Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: 26/06/2019) [grifo nosso] Assim, o que está em jogo não é a higidez da garantia, mas sua oponibilidade a terceiro estranho à avença original, que, no caso, não participou da contratação da CPR, não figurou como depositária, nem manteve vínculo direto com o devedor pignoratício. Não se pode olvidar que a Cédula de Produto Rural — conforme art. 7º da Lei n.º 8.929/1994 (Lei da Cédula de Produto Rural) — confere ao credor garantia real e direito de sequela, autorizando-o a promover o sequestro dos produtos objeto da CPR em poder de terceiro. Todavia, na hipótese de impossibilidade de identificação dos bens objeto do penhor, como é o caso, não pode o credor buscar incidir o sequestro sobre outros bens de mesmo gênero, qualidade e quantidade de propriedade de terceiro que não fez parte da avença que resultou na Cédula de Produto Rural, devendo buscar a medida cautelar sobre os bens de propriedade do devedor ou de outros devedores solidários constantes da CPR, nos termos do art. 8º da Lei n.º 8.929/1994, in verbis: Art. 8º A não identificação dos bens objeto de alienação fiduciária não retira a eficácia da garantia, que poderá incidir sobre outros do mesmo gênero, qualidade e quantidade, de propriedade do garante. [...] [grifo nosso] Por conseguinte, a não observância do dispositivo resulta em violação aos direitos de propriedade e posse do terceiro, nos termos do art. 5º, XXII, da Constituição Federal, e art. 1.228 do Código Civil. Assim, demonstrada a constrição indevida de bens sofrida pela embargante, ora apelante, nos termos do art. 674 do Código de Processo Civil, o provimento dos embargos é medida que se impõe, sobretudo diante da ausência de prova de ingresso físico dos bens; de que os bens sequestrados seriam de propriedade originária do devedor da CPER e da necessidade de observância estrita dos requisitos legais para a concessão da medida cautelar de sequestro, conforme asseverado. Diante do exposto, acompanho o eminente Relator para dar provimento ao recurso de apelação, a fim de reconhecer a procedência dos Embargos de Terceiro e desconstituir o sequestro das 25.737,95 sacas de soja e do respectivo valor da venda, depositado em juízo, por ausência de posse e de vínculo material com a obrigação garantida, restando caracterizada a ilegitimidade da constrição imposta à embargante. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 18/06/2025
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