Alana Lima Melo x Paulo Eduardo Silva Ramos
ID: 319438127
Tribunal: TJCE
Órgão: 2ª Vara da Comarca de Quixeramobim
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 3000924-04.2024.8.06.0154
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
PAULO EDUARDO SILVA RAMOS
OAB/RS XXXXXX
Desbloquear
ALANA LIMA MELO
OAB/CE XXXXXX
Desbloquear
Processo nº: 3000924-04.2024.8.06.0154 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Assunto: [Empréstimo consignado] Requerente: F. V. R. D. C. e outros Requerido: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINA…
Processo nº: 3000924-04.2024.8.06.0154 Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Assunto: [Empréstimo consignado] Requerente: F. V. R. D. C. e outros Requerido: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO SENTENÇA 1. RELATÓRIO Trata-se de AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS ajuizada por F. V. R. D. C., representado por sua genitora MARIA DO SOCORRO SOUSA RODRIGUES, em face de FACTA FINANCEIRA S.A. CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, todos devidamente qualificados nos autos. Narra a parte autora, em síntese, que o menor era representado pelo genitor, Francisco Valber Alves da Costa. Segundo relatado na inicial, o genitor apresentava indícios de estar sendo enganado por servidores do CRAS, que exigiam sua assinatura em documentos sem fornecer esclarecimentos adequados. Diante dessa situação, a genitora assumiu a representação legal do filho. Aduz a parte requerente que, ao analisar o extrato de pagamento do benefício do menor, identificou desconto sob a rubrica "Cartão de Crédito - RCC", referente ao contrato nº 0055493184, com parcelas de valores variados. Até o momento da propositura da ação, haviam sido descontadas 22 parcelas, totalizando R$ 1.320,78. Sustenta que os descontos ocorreram sem a devida contratação ou autorização, considerando que ambos os representantes legais são pessoas de baixa instrução e analfabetos. Alega que jamais teve conhecimento da operação RCC, nunca fez uso de cartão de crédito e que nenhum cartão foi entregue em sua residência. Esclarece que o benefício constitui complemento essencial da renda familiar, destinado ao sustento da genitora e seus sete filhos. Informa que os descontos indevidos impuseram sérias dificuldades financeiras, levando a família a buscar auxílio de terceiros. Afirma que a situação perdurou por aproximadamente dois anos, período durante o qual a família teria arcado com débitos que desconhecia completamente. A parte autora aduz que possuía empréstimo anterior com a requerida (contrato nº 0055528683, de 11/2022), posteriormente migrado para o BRB Cred Finance e Invest S/A, o qual reconhece como legítimo. Contudo, suspeita que a requerida tenha agido de má-fé, incorporando indevidamente o contrato ora discutido. Sustenta que o suposto contrato de RCC encontra-se ativo desde 28/10/2022, sem qualquer previsão de término, resultando em descontos mensais sem data final definida, de modo que o valor devido crescera vertiginosamente, mesmo com os descontos mensais, sem que a autora jamais tenha recebido o cartão associado ao contrato, tampouco valores que justificassem tais cobranças. Requer a promovente, na inicial: i) a concessão de tutela de urgência antecipada, para que o Réu se abstenha de descontar, do benefício previdenciário da parte autora, o valor referente ao cartão de crédito consignável (RCC); ii) a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita; iii) a inversão do ônus da prova em face da ré; iv) o julgamento procedente dos pedidos, com a anulação do contrato de cartão de crédito consignado de benefícios (RCC) e a suspensão de todos os descontos sob essa rubrica, além de devolução das parcelas pagas no valor de R$ 1.320,78, em dobro, acrescidas de juros e correção monetária; v) a condenação da requerida em indenização por danos morais no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais). Com a inicial, vieram os documentos de ID 112540638, ID 112540639, ID 112540641, ID 112540642, ID 112540643, ID 112540644 e ID 112540645. Na decisão de ID 112560011, foi deferido o pedido de gratuidade de justiça à autora, determinada a inversão do ônus da prova em desfavor da ré, bem como indeferido o pedido de tutela de urgência antecipada. No ID 140630772, a requerida apresentou contestação. A requerida sustenta que a contratação foi realizada de forma regular, apresentando documentação comprobatória robusta, incluindo contrato digital devidamente formalizado, comprovante de crédito utilizado na operação, extrato demonstrando a evolução da dívida e formalização contratual com reconhecimento facial. A contestante argumenta que o autor contratou um Cartão de Consignado de Benefício, enviando fotografias suas durante o processo de contratação para formalização do negócio jurídico. Após a validação da proposta, afirma a promovida que cumpriu sua obrigação depositando os valores negociados na conta de titularidade do autor, disponibilizando até 70% do limite do cartão, conforme previsto na Instrução Normativa n. 138/2022 do INSS. A ré alega que o demandante firmou o contrato por estar com a margem consignada para empréstimos já comprometida em 35%, optando pela modalidade em litígio como alternativa para obtenção de crédito. Sustenta que o autor não é contratante leigo, sendo contumaz em empréstimos consignados, conforme demonstra o extrato do INSS, tornando inaceitável a alegação de inexperiência na formalização do contrato questionado. Informa que, para viabilizar a contratação, foi adotada a reserva de 5% da margem consignável, autorizada pela Instrução Normativa nº 138/2022 do INSS, que permite descontos de até 35% para empréstimos consignados e 5% para operações de cartão de crédito consignado, sendo que a soma dos descontos dos empréstimos consignados anteriores com os 5% do desconto mínimo ultrapassaria o limite máximo de 45%. Aduz que o autor falta com a verdade em suas alegações, concluindo que ajuizar ação com omissão da verdade, utilizando-se do processo para obter vantagem indevida, caracteriza litigância de má-fé. A requerida invoca, ainda, o instituto da supressio, argumentando que o autor recebeu o valor contratado há mais de um ano sem contestar a operação, configurando renúncia tácita ao direito de questionar o contrato. Sustenta que a inércia prolongada gera presunção de regularidade da relação jurídica entre as partes, devendo ser considerada para extinguir a demanda. Argumenta que a inexistência de um contrato prévio não exclui a formação do vínculo pela conduta das partes e pelo transcurso do tempo, diante do recebimento do valor e da renúncia ao direito de agir pela inércia ao longo de mais de um ano. No mérito, afirma ser impossível a conversão do cartão de crédito em empréstimo consignado, alegando falta de autorização do órgão pagador para consignação em margem diversa, inexistência de viabilidade técnica do INSS, risco de superendividamento do consumidor e possibilidade de comprometimento integral da margem de 30% com outros empréstimos. Sustenta que a conversão caracterizaria condenação em bis in idem, uma vez que a parte autora se veria livre de seus débitos e ainda receberia indenização em virtude de contrato regularmente pactuado, tratando-se de obrigação de fazer impossível, devendo ser respeitada a operação pactuada com manutenção do contrato tal como celebrado. Em continuidade, afirma que a parte requerente ajuizou a ação quando passados 2 anos da celebração do pacto, não havendo prova de que procurou a financeira para fazer cessar sua insatisfação. A requerida contesta a possibilidade de repetição do indébito, argumentando que não houve erro no pagamento, a contratação foi regular e documentada, há ausência de má-fé da instituição financeira e eventual repetição deve ser simples, não em dobro. Ao final, a promovida requer o julgamento de total improcedência da demanda, pugnando pela manutenção do contrato. Com a contestação, vieram os documentos de ID 140630773, ID 140632288, ID 140632289, ID 140632290, ID 140632291, ID 140632292, ID 140632293 e ID 140632294. Realizada audiência de conciliação entre as partes, não foi possível formular acordo (ID 140703065). Réplica à contestação no ID 141099352. Acompanham a réplica os documentos de ID 141099355 e de ID 141099356. As partes foram intimadas para que informassem o interesse na produção de outras provas, pleiteando a parte autora o julgamento antecipado da lide (ID 144736786). No ID 150097123, a requerida reafirmou o pedido de improcedência da demanda, juntando aos autos comprovante de transferência para Francisco Valdes Alves da Costa. No ID 162502990, o Ministério Público apresentou parecer de mérito, manifestando-se pela total procedência dos pedidos da parte autora. É o relatório. Fundamento e decido. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. DO JULGAMENTO ANTECIPADO Inicialmente, cumpre-me expressar que, após examinar atentamente os presentes autos, verifiquei que o processo prescinde de dilação probatória, pelo que aplico ao caso o disposto no inciso I, do artigo 355, do Código de Processo Civil. As partes foram intimadas para manifestar o interesse na produção de outras provas, requerendo a parte autora o julgamento antecipado da lide e abstendo-se a ré de requerer a produção de provas em audiência. Não havendo preliminares processuais suscitadas, procedo à análise do mérito. 2.2. DO MÉRITO A demanda levanta controvérsia a respeito da regularidade de operação de crédito na modalidade cartão consignado, com descontos efetuados no benefício de prestação continuada da criança F. V. R. D. C., o qual conta atualmente com 10 (dez) anos de idade, conforme ID 112540641. A questão principal, à luz da causa de pedir exposta na inicial, envolve a averiguação da responsabilidade civil da instituição financeira em razão de alegada falha no serviço prestado, sob o argumento de que teria a ré realizado descontos no benefício previdenciário recebido pela parte autora, decorrentes de autorização de Empréstimo Consignado, mediante contratação na modalidade digital, realizada por meio da biometria facial do genitor, à época principal representante do requerente. Nesse aspecto, destaco que a relação havida entre as partes se enquadra no conceito legal de relação consumerista, conforme arts. 2º e 3º, da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), pois se trata de discussão de negócio indevido, em que a autora busca garantir a declaração de inexistência de negócio jurídico e indenização por alegados danos materiais e morais sofridos. Nesse quadro, o ônus de provar a regularidade dos contratos recai sobre o réu, haja vista tratar-se de ação que discute defeito na prestação de serviço (fato do serviço), o que, nos moldes do art. 14, § 3º, do CPC e no entendimento consolidado do STJ, enseja a inversão ope legis do encargo probatório para o fornecedor, como se vê abaixo: AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA OPE LEGIS. FORMA OBJETIVA. FATO DO PRODUTO OU DO SERVIÇO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. QUANTUM INDENIZATÓRIO. RAZOABILIDADE. 1.- A Segunda Seção deste Tribunal, no julgamento do Resp 802.832/MG, Rel. Paulo de Tarso Sanseverino, DJ de 21/09.2011, pacificou a jurisprudência desta Corte no sentido de que em demanda que trata da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço (arts. 12 e 14 do CDC), a inversão do ônus da prova decorre da lei. 2.- "Diferentemente do comando contido no art. 6º, inciso VIII, que prevê a inversão do ônus da prova "a critério do juiz", quando for verossímil a alegação ou hipossuficiente a parte, o § 3º, do art. 12, preestabelece - de forma objetiva e independentemente da manifestação do magistrado -, a distribuição da carga probatória em desfavor do fornecedor, que "só não será responsabilizado se provar: I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III- a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro". É a diferenciação já clássica na doutrina e na jurisprudência entre a inversão ope judicis (art. 6º, inciso VIII, do CDC) e inversão ope legis (arts. 12, § 3º, e art. 14, § 3º, do CDC). Precedente da Segunda Seção." (REsp 1095271/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/02/2013, DJe 05/03/2013) [...] (STJ, AgRg no AREsp 402.107/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Terceira Turma, julgado em 26/11/2013, DJe 09/12/2013) (GN) Ainda que não o fosse, o deferimento da inversão do ônus da prova em favor da promovente foi medida devida, pois se encontram presentes os requisitos que a autorizam, quais sejam: a relação de consumo que autoriza a aplicação do CDC, a verossimilhança da alegação inicial e a hipossuficiência da autora quanto à comprovação do alegado. Destarte, a inversão do ônus probatório se funda na própria natureza do fato discutido (caráter negativo), pois seria desarrazoado exigir da parte autora a demonstração da inexistência do negócio jurídico, verdadeira produção da "prova diabólica" a que se refere os Tribunais, vejamos: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - PROVA INEQUÍVOCA - NEGATIVA DE EXISTÊNCIA DA DÍVIDA QUE ENSEJOU A NEGATIVAÇÃO - PROVA DIABÓLICA. - O ônus de comprovar a relação jurídica que deu ensejo à negativação é da requerida, nos termos do art. 373, II, do CPC, mostrando-se inviável atribuir ao demandante o ônus de comprovar que não efetuou qualquer contratação, pois significaria a produção de prova evidentemente negativa - prova diabólica - a qual seria de difícil ou impossível realização. (TJ-MG - AI:10024130286305001 MG, Relator: Márcio Idalmo Santos Miranda, Data de Julgamento: 10/02/2015, Câmaras Cíveis / 9ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 24/02/2015) (destaque nosso). Na espécie, cinge-se a controvérsia em analisar a regularidade e legalidade da contratação de cartão de crédito consignado e de empréstimo com reserva de margem consignável entre as partes e, assim, verificar se houve conduta ilícita decorrente de cobranças e descontos efetuados no benefício da parte promovente, de modo a ensejar o cancelamento do contrato, bem como reparação por danos morais e materiais. Inicialmente, cumpre tecer considerações acerca do cartão de crédito consignado, cuja principal função é o pagamento de compras, à vista ou de maneira parcelada, além de também ser possível utilizar parte do limite de crédito do cartão para fazer saques em dinheiro. O cartão de crédito consignado possui um diferencial do cartão de crédito convencional: trata-se da chamada RMC (reserva de margem consignável), a qual consiste em uma averbação percentual feita diretamente no salário ou benefício do consumidor. Para pagamento da fatura mensal, é realizado um desconto do percentual averbado, que serve para amortizar o saldo devedor total da fatura. O valor excedente da fatura, não contemplado pelo valor da RMC, deverá ser pago pelo consumidor de outra forma. A cláusula que prevê a reserva de margem consignável para operações com cartão de crédito está regulada pelo art. 1º da Resolução nº 1.305/2009 do Conselho Nacional de Previdência Social. Feitos os necessários esclarecimentos, na hipótese dos autos, a parte autora alegou não ter realizado o contrato de empréstimo consignado com contratação de RMC e/ou RCC. Afirma que os valores correspondentes foram descontados sem a devida contratação ou autorização, considerando que ambos os representantes legais do menor seriam pessoas de baixa instrução, humildes e analfabetos. Conclui que jamais teve a intenção ou concordou com a contratação do referido "empréstimo RCC", sendo sua remessa feita de forma unilateral e abusiva por parte da Ré. A parte requerida, ao se defender, trouxe aos autos o contrato de ID 140632291 (adesão), o qual supostamente teria sido assinado digitalmente pelo genitor do requerente. Juntou, ademais, comprovante de depósito do valor emprestado em favor da referido genitor, conforme ID 150098678. A despeito do que foi afirmado pelo banco, ainda que tenha havido anuência do genitor para a referida contratação, tem-se negócio jurídico nulo. Dispõe o artigo 1.691, do Código Civil: Art. 1.691. Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz. Parágrafo único. Podem pleitear a declaração de nulidade dos atos previstos neste artigo: I - os filhos; II - os herdeiros; III - o representante legal. O caso trata de contratação de cartão de crédito consignado, transbordando dos limites da mera administração dos bens da parte autora. Nesse sentido: Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário Gabinete do Des. Luciano de Castro Campos (1ª TCRC) - F:() APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000544-56.2023.8 .17.2160 APELANTE: J. E. G . D. M, representado por sua genitora, CLAUDEANE GALINDO SILVA APELADO: FACTA FINANCEIRA S.A. CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO JUIZ SENTENCIANTE: MARIA FERNANDA CAMPELLO DE SOUZA JUÍZO DE ORIGEM: VARA ÚNICA DA COMARCA DE ALAGOINHA ÓRGÃO JULGADOR: 1ª TURMA DA CÂMARA REGIONAL DE CARUARU RELATOR: DES . LUCIANO DE CASTRO CAMPOS EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO COM RESERVA DE MARGEM (RCC). CELEBRAÇÃO EM NOME DE MENOR ABSOLUTAMENTE INCAPAZ . AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. NULIDADE ABSOLUTA. DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RESTITUIÇÃO SIMPLES COM COMPENSAÇÃO . DANO MORAL CONFIGURADO. ARBITRAMENTO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS NOS TERMOS DA LEI Nº 14.905/2024 . SUCUMBÊNCIA MÍNIMA DA PARTE AUTORA. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO . DECISÃO UNÂNIME. 1. É nulo de pleno direito o contrato celebrado em nome de menor absolutamente incapaz sem prévia autorização judicial, nos termos do art. 1 .691 c/c art. 166, IV, do Código Civil. 2. A realização de descontos sobre benefício previdenciário do menor com base em contrato inválido enseja a restituição dos valores, de forma simples, autorizada a compensação com valores efetivamente creditados, à luz do art . 368 do Código Civil. 3. Configura-se dano moral in re ipsa a indevida imputação de dívida a absolutamente incapaz, com repercussão negativa sobre verba alimentar de natureza previdenciária. 4 . Reconhecida a sucumbência mínima da parte autora, impõe-se à ré a condenação integral nas custas e honorários, majorados para 12% sobre o valor da condenação, conforme art. 85, §§ 2º e 11, do CPC. 5. Recurso parcialmente provido . ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos da APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000544-56.2023.8.17 .2160, em que figuram como parte Apelante J. E. G. D . M, representado por sua genitora, CLAUDEANE GALINDO SILVA e como parte Apelada FACTA FINANCEIRA S.A. CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, os Senhores Desembargadores componentes da 1ª Turma da Câmara Regional de Caruaru acordam o seguinte: "Por unanimidade, deu-se parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator". Tudo de acordo com o relatório, os votos, e o termo de julgamento, que ficam fazendo parte integrante deste julgado . Caruaru, data registrada eletronicamente. Des. Luciano de Castro Campos Relator GDLC/05 (TJ-PE - APELAÇÃO CÍVEL: 00005445620238172160, Relator.: LUCIANO DE CASTRO CAMPOS, Data de Julgamento: 06/05/2025, Gabinete do Des. Luciano de Castro Campos (1ª TCRC) Na espécie, não há registro de que o negócio jurídico tenha sido firmado por necessidade ou evidente interesse da criança e, ainda que assim fosse, a autorização judicial seria imprescindível (art. 1.691, caput, do CC), não havendo algo nos autos que indique que a exigência legal tenha sido cumprida. Nessa linha, anoto que o Código de Defesa do Consumidor é claro ao dispor que são direitos básicos do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (art. 6º e 42, do CDC). Com efeito, o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de circunstância escusável, devidamente comprovada. No caso em apreço, consoante acertadamente destacado no parecer de ID 162502990, o serviço bancário foi prestado de forma defeituosa, uma vez que foi realizado negócio jurídico nulo em nome do requerente, havendo prejuízo ao menor absolutamente incapaz, o que acarreta, assim, a obrigação de restituição de valores indevidamente descontados. Considerando a dinâmica do ônus da prova, caberia à ré a comprovação da existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do requerente, nos termos do art. 373, II, do CPC. Não obstante, não logrou êxito a promovida no suprimento de seu ônus, porquanto deixou de juntar elementos nos autos os quais apontem para a regular contratação em nome do menor, à luz da normatividade que é própria aos casos da espécie (art. 1.691, do Código Civil). Logo, como o réu não trouxe aos autos qualquer prova apta a desconstituir os fatos alegados pela autora, ônus que lhe incumbia, nos termos do art. 373, inciso II, do CPC, deve ser reconhecida a nulidade do contrato questionado e a consequente inexigibilidade da dívida apontada. No caso, embora a parte requerida tenha juntado o contrato celebrado, demonstrando a assinatura digital do genitor do requerente e a transferência das quantias atinentes ao empréstimo, não restou evidenciada a intervenção prévia do Poder Judiciário, exigida pelo art. 1.691 do Código Civil, ou, ainda, a necessidade ou evidente interesse da criança na constituição da dívida. Consoante o art. 166, do Código Civil: É nulo o negócio jurídico quando: (...) IV - não revestir a forma prescrita em lei." Assim, ausente a autorização judicial imprescindível à validade do negócio jurídico, impõe-se o reconhecimento de sua nulidade absoluta, sendo irrelevante a existência de documentação formal relativa ao contrato e não suprindo o elemento pressuposto a comprovação do repasse de valores à conta bancária do genitor do menor. Nesse sentido, destaca-se: APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA C.C. INDENIZATÓRIA - CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - DESCONTO DE PARCELAS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - MENOR INCAPAZ - AUSENTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL - FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - DANOS MATERIAIS E MORAIS - QUANTUM - I - Sentença de procedência - Apelo da ré - II - Autora, menor incapaz, que é portadora de autismo em grau severo e recebe benefício assistencial de prestação continuada no valor de um salário mínimo - Empréstimo consignado no benefício previdenciário da autora buscado pela sua genitora e concedido pela ré sem a necessária outorga judicial - Valor do empréstimo que não beneficiou a autora, que foi retirada do convívio familiar por estar sendo submetida a maus tratos e total abandono, atualmente mantida em instituição de acolhimento - Entidade consignatária que, ao conceder o empréstimo sem a autorização judicial, terá responsabilidade por eventual reparação - Empréstimo consignado firmado ao arrepio da lei, em violação ao art. 1.691 do CC - Falha na prestação de serviços - Responsabilidade objetiva da ré - Existência de fortuito interno - Inteligência do art. 14 do CDC - Contrato que deve ser desfeito, com a devolução de todas as parcelas descontadas do benefício previdenciário da autora - III - Descontos irregulares em benefício previdenciário de pessoa menor e deficiente - Situação que foge da normalidade, daquilo que se entende tolerável na vida cotidiana - Danos morais caracterizados - Indenização devida, devendo ser fixada com base em critérios legais e doutrinários - Indenização bem fixada pela sentença em R$10.000,00, ante as peculiaridades do caso, quantia que se mostra suficiente para indenizar a autora e, ao mesmo tempo, coibir a ré de atitudes semelhantes - IV - Eventual restituição da quantia emprestada pela ré que há de ser perseguida em face da genitora da autora, terceira que se locupletou do valor do empréstimo - Ação procedente - Sentença mantida pelos próprios fundamentos - Art. 252 do Regimento Interno do TJSP - V - Honorários advocatícios majorados, nos termos do art. 85, § 11, do NCPC, para 15% sobre o valor da causa - Apelo improvido."(TJSP; Apelação Cível 1006848-34.2023.8.26.0566; Relator (a): Salles Vieira; Órgão Julgador: 24ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Carlos - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/08/2024; Data de Registro: 19/08/2024). (GN) Apesar de a constituição do negócio jurídico ter decorrido a partir de conduta ativa do genitor do menor, inafastável é a responsabilidade da instituição financeira promovida, quem tem o dever de diligência na aferição da capacidade do contratante e dos pressupostos previstos em lei para a regularidade da contratação, mormente nos negócio jurídicos realizados por via digital, nos quais as máximas da experiência comum (art. 375, do CPC) traduzem que a cautela deve ser acentuada, sobretudo quando envolvida pessoa absolutamente incapaz. Conforme supramencionado ainda nesta fundamentação, a modalidade de RMC e RCC, além de controversa, é comumente dissimulada como empréstimo convencional, sem plena ciência do consumidor quanto a sua natureza e a suas peculiaridades, circunstância que se agrava diante da participação de menor de idade, desacompanhado da tutela estatal exigida por lei. Os descontos sobre benefício previdenciário, sem contrato válido, configuram ilegalidade grave, especialmente por envolver verba de natureza alimentar de pessoa juridicamente vulnerável. Ressalto, outrossim, que a alegação de ocorrência do instituto da supressio, na forma como argumentado pela requerida em contestação, não merece prosperar. A supressio consiste na "supressão" de um direito material contratual, decorrente de uma posição jurídica que materializa espécie de renúncia tácita desse direito, com base na cláusula geral de boa-fé objetiva. Significa dizer, tal instituto pressupõe que a conduta de um contratante frente a determinada obrigação resulte na supressão de uma disposição contratual, desconstituindo a parcela do sinalagma que, quando da constituição do negócio, deveria fazer parte do mundo dos fatos. Não obstante, dado que a parte autora não tinha conhecimento prévio dos integrais termos do contrato (especialmente no que diz respeito às peculiaridades inerentes ao regime de RMC e RCC), não se pode considerar que houve uma renúncia tácita de qualquer direito contratual por parte dela, devendo ser rejeitada a alegação formulada pela promovida. Nessa linha, declarada a nulidade do contrato, adequada se faz a devolução das quantias indevidamente descontadas do benefício previdenciário do menor. Com relação ao pedido de restituição dos valores indevidamente descontados do benefício do requerente, é relevante o entendimento jurisprudencial de que a repetição do indébito limitar-se-á aos descontos efetuados nos últimos 5 anos anteriores à propositura da ação. Na linha daquilo pacificado no Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do EAREsp nº 676.608/RS de Relatoria do Min. Og Fernandes: "a restituição em dobro do indébito, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que cobrou valor indevido, revelando-se cabível quando a cobrança imerecida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva". É de se destacar, nesse julgamento, houve modulação dos efeitos, de modo que a restituição na forma dobrada é reservada apenas para os descontos operados indevidamente a partir da publicação do julgado que ocorrera em 30/03/2021. No caso dos autos, a hipótese é de restituição em dobro referente ao período posterior à data do julgado acima, isto é, todo o período de contratação. Aponto, ainda, trecho do recente informativo de jurisprudência extraído da Corte Especial do STJ (informativo 803, de 12/03/2024, EAREsp 1.501.756/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin): "A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo." (...) O art. 42, parágrafo único, do CDC, dispõe que o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. Ou seja, demonstrado na relação de consumo o pagamento de cobrança indevida, a restituição do indébito dar-se-á em dobro, ressalvado se o fornecedor provar, no caso concreto, o engano justificável. A norma analisada não exige culpa, dolo ou má-fé do fornecedor, quando este cobra e recebe valor indevido do consumidor. Ao fornecedor, a imputação que se lhe faz a lei é objetiva, independentemente de culpa ou dolo. Assim, a justificabilidade (ou legitimidade) do engano, para afastar a devolução em dobro, insere-se no domínio da causalidade, e não no domínio da culpabilidade, pois esta se resolve, sem apelo ao elemento volitivo, pelo prisma da boa-fé objetiva. A Corte Especial do STJ definiu a questão no EAREsp 600.663/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, DJe de 30.3.2021, fixando a seguinte tese: "A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo. Dessa forma, a regra geral é a devolução, na forma dobrada, dos valores debitados. No caso em análise, contudo, há um detalhe, em especial, que o exime da aplicação do entendimento prevalecente no STJ, qual seja, o fato de o referido precedente ter modulado os efeitos da aplicação de sua tese, ficando estabelecido que, não obstante a regra geral, o entendimento fixado se aplica aos indébitos de natureza contratual não pública cobrados após a data da publicação do acórdão em 30.3.2021. Caminha no mesmo sentido o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará: APELAÇÃO. SENTENÇA PARCIALMENTE PROCEDENTE PARA CANCELAR OS DESCONTOS INDEVIDOS, ORIUNDOS DA MENSALIDADE/CONTRIBUIÇÃO ASSOCIATIVA, BEM COMO CONDENAR A PROMOVIDA AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO PELOS DANOS MORAIS E RESTITUIR OS VALORES DESCONTADOS, NA FORMA SIMPLES. REVELIA DECRETADA POR AUSÊNCIA DE CONTESTAÇÃO. NO CASO, DESCONTO INDEVIDO PARA ENTIDADE ASSOCIATIVA. A REQUERIDA NÃO APRESENTOU QUALQUER DOCUMENTAÇÃO DE AUTORIZAÇÃO DE DÉBITO EM SEU FAVOR. REPETIÇÃO DOBRADA DO INDÉBITO. DANOS MORAIS DIVISADOS. ARBITRAMENTO REDIMENSIONADO. PRECEDENTES DO STJ. PROVIMENTO. 1. REVELIA DA ENTIDADE ASSOCIATIVA. Efeitos do decreto de revelia: presunção relativa de veracidade apenas dos fatos e o instituto não implica na procedência automática do pedido autoral. A parte autora se desincumbiu do ônus de provar os fatos constitutivos do seu direito, na forma do art. 373, I, CPC 2. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE AS PARTES: De plano, verifica-se que a Promovente, realmente, desconhece qualquer relação com o promovido que o autorize a realizar o desconto de R$ 28,64 referente a ¿CONTRIBUIÇÃO AAPPS UNIVERSO¿. De outra banda, não trouxe a requerida qualquer termo de adesão ou declaração de autorização para os descontos serem feitos em seu benefício, com a assinatura da Autora. Portanto, para a Parte Promovida não se desincumbiu do ônus processual de comprovar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da Requerente, de vez que não acostou aos autos elementos que pudessem comprovar a autorização dos questionados descontos. Desta feita, não se pode olvidar, impõe-se a declaração de inexistência de relação jurídica entre as Partes. 3. REPETIÇÃO DOBRADA DO INDÉBITO: Antes de 30 de março de 2021, o STJ entendia que para ocorrer a devolução em dobro de indébito, segundo o art 42, parágrafo único, Código de Defesa do Consumidor ¿ CDC, seriam necessários os seguintes pressupostos, de forma cumulativa: (i) cobrança extrajudicial indevida de dívida decorrente de contrato de consumo; (ii) efetivo pagamento do indébito pelo consumidor; e (iii) engano injustificável por parte do fornecedor ou prestador. Admitia-se a repetição de indébito, independentemente da prova de que o pagamento tenha sido realizado por erro, com o objetivo de vedar o enriquecimento ilícito do banco em detrimento do devedor. Porém, para ocorrer em dobro, deve haver inequívoca prova de má-fé. Precedentes. (STJ, AgRg no REsp 916.008/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/06/2007, DJ 29/06/2007, p. 623) Na mesma diretiva, declinam-se mais outros 6 (seis) precedentes do STJ, bom verificar: REsp 871825-RJ, REsp 1032952-SP, AgRg no REsp 734111-PR, REsp 910888-RS, AgRg nos EDcl no Ag 1091227-SP e AgRg no REsp 848916-PR. Acontece que o STJ, depois de 30 de março de 2021, reformulou seu entendimento, de modo permitir a Devolução Dobrada para os processos ajuizados depois da publicação do Acórdão do EARESP N. 676.608/RS, RELATOR MINISTRO OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, JULGADO EM 21/10/2020, DJE DE 30/3/2021. Assegurada a Repetição Dobrada de vez que a demanda foi proposta em 2023. 4. EXISTÊNCIA DE DANOS MORAIS: De fato, evidencia-se que não foi trazido aos autos qualquer contrato com a Requerida, de modo que os descontos efetuados na conta da Autora são ilícitos, pois operados com fraude. 5. ARBITRAMENTO REDIMENSIONADO: Realmente, o arbitramento da indenização moral não deve ser ínfimo tampouco excessivo e, somente, nestas 2 (duas) hipóteses, se divisa a autorização para o redimensionamento pela Corte. In casu, a quantificação do Dano Moral NÃO responde bem ao Princípio da Razoabilidade e da Proporcionalidade. Assim, imperioso o redimensionamento para o patamar de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por ser mais condizente com os parâmetros da Corte. Precedentes do TJCE. 6. PROVIMENTO do Apelo, para determinar a Repetição DOBRADA do Indébito e para redimensionar a Reparação Moral para o importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por ser mais consentâneo com os parâmetros desta Corte, consagradas as disposições sentenciais, por irrepreensíveis, assegurada a majoração os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor fixado na origem, observado o limite do percentual previsto no art. 85, §2º, CPC/15. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Desembargadores integrantes da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Ceará, por unanimidade, pelo Provimento do Apelo, nos termos do voto do Relator Fortaleza, de de 2024. JUIZ CONVOCADO MANTOVANNI COLARES CAVALCANTE PORT. 333/2024 Relator (Apelação Cível - 0200173-98.2023.8.06.0096, Rel. Desembargador(a) MANTOVANNI COLARES CAVALCANTE - PORT. 333/2024, 4ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 16/04/2024, data da publicação: 17/04/2024). Todavia, considerando que restou demonstrado nos autos a efetiva transferência do montante objeto da contratação à conta do genitor do autor (ID 150098678), tem-se adequada a compensação de valores, a teor do art. 368 do Código Civil: Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem. Superado esse ponto, com relação aos danos morais pretendidos, ressalto que o referido contrato nulo serviu como justificativa para a realização de desconto no benefício que possui natureza nitidamente alimentar da parte autora. Considerando que qualquer desconto deduzido se revela uma prática ilegítima por parte da instituição requerida, capaz de caracterizar dano moral na promovente (tendo em vista que teve sua propriedade privada violada), certo é o dever de compensá-la pelos danos morais experimentados. Dito isto, a argumentação da ausência de efetiva comprovação do dano não merece guarida, haja vista que a potencial lesão decorrente de descontos indevidos promovidos sobre renda de natureza alimentar prescinde de prova do efetivo dano sofrido para a necessária compensação: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE/ INEXIGIBILIDADE DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO AUSÊNCIA DO EFETIVO PROVEITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO POR DANOS MORAIS - REGULARIDADE DO EMPRÉSTIMO - NÃO DEMONSTRADA - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - VALOR DA INDENIZAÇÃO - REDUÇÃO - POSSIBILIDADE - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO O desconto indevido de valores no benefício previdenciário da parte autora gera dano moral puro, sendo desnecessária a prova do efetivo prejuízo sofrido pelo ofendido. No que se refere a indenização por dano moral, deve o julgador estipular um valor proporcional à lesão experimentada pela vítima, calcado na moderação e razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, sempre atento a realidade dos fatos e as peculiaridades de cada caso, evitando o enriquecimento sem causa. (TJ-MS - AC: 08036234320178120031 MS 0803623-43.2017.8.12.0031, Relator: Des. Divoncir Schreiner Maran, Data de Julgamento: 24/05/2021, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 26/05/2021). (Destacado). Noutro plano, saliento que os critérios judiciais para o arbitramento da compensação moral são sempre casuísticos, porque o legislador não ousou, por meio de norma genérica e abstrata, pré-tarifar a dor de quem quer que seja. Em relação ao valor devido pela reparação dos prejuízos morais, cabe ao julgador, ao seu prudente arbítrio e guardadas as peculiaridades de cada caso, fixar valor suficiente à reparação do dano, mas que, ao mesmo tempo, não se constitua em instrumento de enriquecimento indevido do ofendido. A compensação deve guardar proporcionalidade entre o sofrimento suportado e as condições econômicas do ofensor e da vítima. Para tanto, há de se considerar o entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça para a quantificação do dano moral. Estabelece o citado Tribunal que deve o julgador utilizar o método bifásico, de maneira que este é o método que melhor atende às exigências de um arbitramento equitativo da indenização por danos extrapatrimoniais. Minimiza-se, nesses termos, eventual arbitrariedade ao se adotar critérios unicamente subjetivos do julgador, além de afastar eventual tarifação do dano. Dessa forma, em uma primeira etapa, deve ser estabelecido um valor básico para a reparação, considerando o interesse jurídico lesado, com base em grupo de precedentes jurisprudenciais que apreciaram casos semelhantes. Após, na segunda etapa, devem ser consideradas as circunstâncias do caso, notadamente a gravidade do fato e a capacidade econômica do demandado, para a fixação definitiva do valor da indenização, atendendo à determinação legal de arbitramento equitativo pelo juiz. No caso em apreço, tem-se o dano moral oriundo de desconto indevido realizado em benefício previdenciário necessário à subsistência de pessoa absolutamente incapaz. Acerca do assunto, verifico que o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará tem compreendido que mínimo de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) é razoável e proporcional para situações da espécie. Cite-se como exemplo: DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM FOLHA DE PAGAMENTO. RELAÇÃO CONSUMERISTA. CONSUMIDOR APOSENTADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO VÁLIDA DA CONTRATAÇÃO, BEM COMO DA PERCEPÇÃO DO CRÉDITO NA CONTA-CORRENTE DO AUTOR. DESCONTOS INDEVIDOS. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ART. 14 DO CDC E SÚMULA Nº 479 DO STJ. NULIDADE DO CONTRATO. DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE . RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. A discussão acerca da validade de contrato de empréstimo consignado deve ser analisada à base das disposições do Código de Defesa do Consumidor , por se tratar de relação de consumo, (artigos 2º e 3º), devendo-se assegurar a facilitação da defesa dos direitos do consumidor, mediante a inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII). 2. A instituição apelante não se desincumbiu do ônus de provar que celebrou o contrato de empréstimo com a ciência e anuência do recorrido . De fato, o apelante não apresentou qualquer documento que comprovasse a celebração do suposto contrato , ou mesmo o crédito na conta do apelado. 3. Na hipótese, está configurada a falha na prestação do serviço, e, consequentemente, o dever de indenizar , o qual decorre da responsabilidade objetiva do fornecedor, respaldada no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. A instituição financeira não provou a ocorrência das excludentes de responsabilidade previstas no § 3º do art. 14 do CDC. Portanto, a devolução dos valores indevidamente descontados do benefício previdenciário do autor é mera consequência da nulidade do contrato . 4. A privação do uso de determinada importância, subtraída dos proventos de aposentadoria, recebida mensalmente para o sustento do recorrido, gera ofensa à sua honra e viola seus direitos da personalidade, na medida em que a indisponibilidade do numerário reduz ainda mais suas condições de sobrevivência, não se classificando como mero aborrecimento . Nesse compasso, a decisão vergastada, ao arbitrar a condenação do apelante ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), estabeleceu valor compatível com a intensidade do dano moral experimentado . TJCE , 2a Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Francisco Gomes de Moura, Apelação n. 0004547-95.2013.8.06.0160, Publicado em 23/05/2018. No mesmo sentido, TJCE, 4a Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Durval Aires Brito, Apelação n. 0015184-45.2016.8.06.0049 Publicado em 22/05/2018. Com efeito, na primeira etapa, considerando o precedente jurisprudencial, tenho como justo e condizente ao caso a fixação do patamar inicial de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) devidos a título de compensação pelos danos morais suportados pelo autor. Passando à segunda etapa, aprecio que inexiste comprovação de reflexos negativos e mais graves em outros aspectos da sua vida pessoal. Em relação à capacidade econômica do promovido, está-se diante de instituição financeira, pelo que deve suportar os riscos do empreendimento que exerce e da falha na sua atuação. Dessa forma, diante das peculiaridades acima descritas, reputo que a indenização deve ser fixada no patamar final de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), valor este que atende aos critérios da razoabilidade e da proibição do excesso. 2.3. DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ Relativamente ao pedido da ré em incumbir à autora multa por litigância de má-fé (contestação de ID 140630772), nos termos do art. 81 do CPC, é de se ressaltar que, assim como o art. 5º do CPC dispõe que todos aqueles que intervêm no processo devem agir conforme a boa-fé processual, o art. 79 dispõe que aquele que intervir no processo em litigância de má-fé responderá pelos danos que causar a outrem. Ademais, segundo orientação do Superior Tribunal de Justiça, "a aplicação da penalidade por litigância de má-fé exige a comprovação do dolo da parte, ou seja, da intenção de obstrução do trâmite regular do processo ou de causar prejuízo à parte contrária, o que não ocorre na hipótese em exame." (STJ - AgInt no AREsp: 1671598 MS 2020/0050805-4, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 08/06/2020, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/06/2020). Por não ter demonstrado a requerida o dano processual sofrido pelo ato da parte autora, a intenção de obstrução do trâmite regular do processo ou de causar prejuízo à parte contrária, é de se indeferir o pedido de condenação do requerente por litigância de má-fé. 2.4. DO PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA Por fim, considerando o atual estágio em que se encontra a presente demanda, à vista dos argumentos e das provas apresentados até então pelas partes, reputo pertinente proceder com nova análise do pedido de tutela provisória de urgência formulado na inicial. A respeito da tutela provisória de urgência, dispõe o art. 300 do CPC: Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. No caso dos autos, verifico a presença dos requisitos autorizadores da concessão da tutela provisória pleiteada na inicial, porquanto, diante da vasta fundamentação acima exposta, a probabilidade do direito da parte é elemento evidente. Quanto ao perigo de dano decorrente da demora, tem-se outro elemento evidenciado, porquanto a persistência dos descontos indevidos compromete renda de nítido caráter alimentar, prejudicando a subsistência do autor absolutamente incapaz, impactando diretamente no dia a dia do prejudicado. Dessa forma, identificados os requisitos para a concessão da tutela provisória de urgência antecipada, entendo por adequado a reforma da conclusão exarada na decisão de ID 112560011, especificamente quanto a esse ponto, acolhendo, destarte, o pedido antecipatório elencado na inicial, mormente ao se considerar os efeitos decorrentes da concessão da medida neste ato (art. 1.012, §1º, V, do CPC). 3. DISPOSITIVO Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, motivo pelo qual DECLARO EXTINTO o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para o fim de: i) CONCEDER a tutela de urgência antecipada pleiteada na inicial, determinando ao requerido que se abstenha de descontar do benefício previdenciário da parte autora os valores referentes ao contrato nº 55493184 (ID 140632291), no prazo de 05 (cinco) dias, sob pena de multa diária de R$ 500,00 pelo descumprimento, até o montante máximo de R$ 10.000,00. ii) DECLARAR a nulidade do contrato de nº 55493184 (ID 140632291); iii) CONDENAR a requerida, em definitivo, à obrigação de não fazer consistente na cessação dos descontos derivados da contratação acima; iv) CONDENAR a requerida ao pagamento de indenização por danos morais causados ao requerente, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com correção monetária (IPCA) contada da data desta sentença (súmula 362, STJ) e juros de mora conforme taxa SELIC desde a citação (art. 405, do CC), autorizada a dedução conforme previsão do art. 406, §1º do Código Civil; v) CONDENAR a requerida a restituir os valores indevidamente descontados, a título de reparação por danos materiais, em dobro, com correção monetária desde o efetivo desembolso pelo índice IPCA e juros de mora conforme taxa SELIC, desde a citação, autorizada a dedução conforme previsão do art. 406, §1º do Código Civil; vi) DETERMINAR o abatimento/compensação, do valor total da condenação, da quantia cuja liberação, em favor do genitor do requerente, foi realizada, especificamente em virtude do(s) contrato(s) discutido(s) nestes autos e exclusivamente na quantidade que foi comprovada pelas provas documentais anexadas nesta fase, observado o documento de ID 150098678), devendo a quantia ser atualizada monetariamente pelo índice estabelecido no art. 389, parágrafo único, do Código Civil, preservando-se o poder aquisitivo da moeda. vii) CONDENAR a parte promovida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes últimos arbitrados em 10% (dez por cento) do valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, do CPC. viii) INDEFERIR o pedido de condenação da parte autora nas penas da litigância de má-fé. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Ciência ao Ministério Público. Certificada a ocorrência do trânsito em julgado e após tudo cumprido, arquivem-se os autos, dando-se a devida baixa neste gabinete. Expedientes necessários. Quixeramobim/CE, 04 de julho de 2025. Rodrigo Campelo Diógenes Juiz Substituto - Titular da 2ª Vara da Comarca de Quixeramobim/CE
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear